Nesta audiência geral gostaria de me deter sobre a Viagem apostólica que fiz ao Brasil, de 9 a 14 deste mês. Depois de dois anos de Pontificado, tive finalmente a alegria de ir à América Latina, que tanto amo e onde vive, de facto uma grande parte dos católicos do mundo. A meta foi o Brasil, mas quis abraçar todo o grande subcontinente latino-americano, também porque o acontecimento eclesial que lá me chamou foi a V Conferência Geral do Episcopado da América Latina e do Caribe. Desejo renovar a expressão da minha profunda gratidão pelo acolhimento recebido aos queridos irmãos Bispos, em particular aos de São Paulo e de Aparecida. Agradeço ao Presidente do Brasil e às outras Autoridades civis, a sua cordial e generosa colaboração; com grande afecto agradeço ao povo brasileiro o calor com que me acolheu era verdadeiramente grande e comovedor e a atenção que prestou às minhas palavras.
A minha viagem teve em primeiro lugar o valor de um acto de louvor a Deus pelas "maravilhas" realizadas nos povos da América Latina, pela fé que animou a sua vida e a sua cultura durante mais de quinhentos anos. Neste sentido foi uma peregrinação, que teve o seu ápice no Santuário de Nossa Senhora Aparecida, Padroeira principal do Brasil. O tema da relação entre fé e cultura foi sempre muito considerado pelos meus Predecessores Paulo VI e João Paulo II. Quis retomá-lo confirmando a Igreja que está na América Latina e no Caribe no caminho de uma fé que se fez e se faz história vivida, piedade popular, arte, em diálogo com as ricas tradições pré-colombianas e depois com as múltiplas influências europeias e de outros continentes.
Sem dúvida, a recordação de um passado glorioso não pode ignorar as sombras que acompanharam a obra de evangelização do continente latino-americano: de facto, não é possível esquecer os sofrimentos e as injustiças impostos pelos colonizadores às populações indígenas, muitas vezes violadas nos seus direitos humanos fundamentais. Mas a obrigatória menção de tais crimes injustificáveis – crimes que já na época foram condenados por missionários como Bartolomeu de las Casas e por teólogos como Francisco da Vitória da Universidade de Salamanca – não deve impedir de tomar consciência com gratidão da obra maravilhosa realizada pela graça divina entre aquelas populações ao longo destes séculos. O Evangelho tornou-se assim no Continente o elemento principal de uma síntese dinâmica que, com vários aspectos segundo as diversas nações, expressa contudo a identidade dos povos latino-americanos. Hoje, na época da globalização, esta identidade católica apresenta-se ainda como a resposta mais adequada, se estiver animada por uma séria formação espiritual e pelos princípios da doutrina social da Igreja.
O Brasil é um grande País que conserva valores cristãos profundamente radicados, mas vive também grandes problemas sociais e económicos. A fim de contribuir para a sua solução a Igreja deve mobilizar todas as forças espirituais e morais das suas comunidades, procurando oportunas convergências com as outras energias sadias do País. Entre os elementos positivos devem ser indicados a criatividade e a fecundidade daquela Igreja, na qual nascem continuamente novos Movimentos e novos Institutos de vida consagrada. Digna de menção é também a dedicação generosa de tantos fiéis leigos, que se demonstram muito activos nas várias iniciativas promovidas pela Igreja.
O Brasil é também um País que pode oferecer ao mundo o testemunho de um novo modelo de desenvolvimento: a cultura cristã de facto pode animar nele uma "reconciliação" entre os homens e a criação, a partir da recuperação da dignidade pessoal na relação com Deus Pai. Neste sentido, um exemplo eloquente é a Fazenda da Esperança, uma rede de comunidades de recuperação para jovens que desejam sair do túnel tenebroso da droga. Na que visitei, ficando com uma profunda impressão dela que conservo viva no coração, é significativa a presença de um mosteiro de Irmãs Clarissas. Isto pareceu-me muito emblemático para o mundo de hoje, que tem necessidade de uma "recuperação" certamente psicológica e social, mas ainda mais profundamente espiritual. E emblemática foi também a canonização, celebrada na alegria, do primeiro Santo nativo do País: Frei Antonio de Sant'Anna Galvão. Este sacerdote franciscano do século XVIII, devotíssimo da Virgem Maria, apóstolo da Eucaristia e da Confissão, foi chamado, ainda vivo, "homem de paz e de caridade". O seu testemunho é uma ulterior confirmação de que a santidade é a verdadeira revolução, que pode promover a autêntica reforma da Igreja e da sociedade.
Na Catedral de São Paulo encontrei os Bispos do Brasil, a Conferência Episcopal mais numerosa do mundo. Dar-lhes testemunho do apoio do Sucessor de Pedro era uma das principais finalidades da minha missão, porque conheço os grandes desafios que o anúncio do Evangelho deve enfrentar naquele País. Encorajei os meus Coirmãos a prosseguir e fortalecer o compromisso da nova evangelização, exortando-os a desenvolver de modo minucioso e metódico, a difusão da Palavra de Deus, para que a religiosidade inata e difundida das populações possa ser aprofundada e tornar-se fé madura, adesão pessoal e comunitária ao Deus de Jesus Cristo. Animei-os a recuperar em toda a parte o estilo da primitiva comunidade cristã, descrita no Livro dos Actos dos Apóstolos: assídua na catequese, na vida sacramental e na caridade laboriosa. Conheço a dedicação destes fiéis servos do Evangelho, que desejam apresentar sem limites nem confusões, vigiando sobre o depósito da fé com discernimento; também é sua constante preocupação promover o desenvolvimento social principalmente mediante a formação dos leigos, chamados a assumir responsabilidades no campo da política e da economia. Agradeço a Deus ter-me concedido aprofundar a comunhão com os Bispos brasileiros, e continuo a tê-los sempre presentes na minha oração.
Outro momento importante da Viagem foi sem dúvida o encontro com os jovens, esperança não só para o futuro, mas força vital também para o presente da Igreja e da sociedade. Por isso a vigília por eles animada em São Paulo foi uma festa da esperança, iluminada pelas palavras de Cristo dirigidas ao "jovem rico", que lhe tinha perguntado: "Mestre, que hei-de fazer de bom para alcançar a vida eterna?" (Mt 19, 16). Jesus indicou-lhe antes de tudo "os mandamentos" como o caminho da vida, e depois convidou-o a deixar tudo para o seguir. Também hoje a Igreja faz o mesmo: antes de tudo repropõe os mandamentos, verdadeiro caminho de educação da liberdade para o bem pessoal e social; e sobretudo propõe o "primeiro mandamento", o do amor, porque sem o amor também os mandamentos não podem dar pleno sentido à vida e originar a verdadeira felicidade. Só quem encontra em Jesus o amor de Deus e se coloca neste caminho para o praticar entre os homens, se torna seu discípulo e missionário. Convidei os jovens a serem apóstolos dos seus coetâneos e por isso a ocupar-se sempre da sua formação humana e espiritual; a ter grande estima pelo matrimónio e pelo caminho que a ele conduz, na castidade e na responsabilidade; a ser abertos também à chamada à vida consagrada pelo Reino de Deus. Em síntese, encorajei-os a fazer frutificar a grande "riqueza" da sua juventude, para ser o rosto jovem da Igreja.
Ápice da Viagem foi a inauguração da V Conferência Geral do Episcopado da América Latina e do Caribe, no Santuário de Nossa Senhora Aparecida. O tema desta grande e importante assembleia, que se concluirá no final do mês, é "Discípulos e missionários de Jesus Cristo, para que n'Ele nossos povos tenham vida Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida". O binómio "discípulos e missionários" corresponde ao que o Evangelho de Marcos diz a propósito da chamada dos Apóstolos: "(Jesus) constituiu Doze para andarem com Ele e também para os enviar a pregar" (Mc 3, 14-15). Por conseguinte, a palavra "discípulos" recorda a dimensão formativa e do seguimento, da comunhão e da amizade com Jesus; o termo "missionários" expressa o fruto do discipulado, isto é, o testemunho e a comunicação da experiência vivida, da verdade e do amor conhecidos e assimilados. Ser discípulos e missionários exige um vínculo estreito com a Palavra de Deus, com a Eucaristia e com os outros Sacramentos, o viver na Igreja em escuta obediente dos seus ensinamentos. Renovar com alegria a vontade de ser discípulos de Jesus, de "estar com Ele", é a condição fundamental para ser seus missionários "recomeçando a partir de Cristo", segundo a recomendação do Papa João Paulo II a toda a Igreja depois do Jubileu de 2000. O meu venerado Predecessor insistiu sempre sobre uma evangelização "nova no seu ardor, nos seus métodos, na sua expressão", como afirmou precisamente falando à Assembleia do CELAM, a 9 de Março de 1983, em Haiti (cf. Insegnamenti VI/1 [1983], 698). Com a minha Viagem apostólica, quis exortar a prosseguir por este caminho, oferecendo como perspectiva unificadora a da Encíclica Deus caritas est, uma perspectiva inseparavelmente teológica e social, que pode ser resumida com esta expressão: é o amor que dá a vida. "A presença de Deus, a amizade com o Filho de Deus encarnado, a luz da sua Palavra, são sempre condições fundamentais para a presença e a eficácia da justiça e do amor nas nossas sociedades" (Discurso inaugural da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe, 4).
À materna intercessão da Virgem Maria, venerada com o título de Nossa Senhora de Guadalupe como Padroeira de toda a América Latina, e ao novo Santo brasileiro, Frei Antonio de Sant'Anna Galvão, confio os frutos desta inesquecível Viagem apostólica.
* * *Saúdo todos os peregrinos de língua portuguesa, mormente os portugueses da Paróquia de Nossa Senhora de Laveiras-Caxias; Vale da Figueira-Setúbal; Porto Diniz e inclusive um grupo de visitantes. Saúdo também os numerosos brasileiros de São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Brasília. A todos peço orações pelos frutos da minha Viagem na Terra de Santa Cruz, enquanto de coração vos concedo a Bênção Apostólica.