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Fundamentos Espirituais para uma Sociedade Ecologicamente Sustentável
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Robert A. White : Fundamentos Espirituais para uma Sociedade Ecologicamente Sustentável

Fundamentos Espirituais para uma Sociedade Ecologicamente Sustentável

Robert A. White
Título original em inglês

Spiritual Foundations for na Ecologically Sustainable Society

Assembléia Nacional Espiritual dos Bahá'ís do Brasil

Resumo

Este documento adota uma abordagem macroevolucionária ampla - à luz dos ensinamentos da Fé Bahá'í - a respeito da mudança que se está operando' em nosso relacionamento com a Natureza. Sugere que, apesar de tudo, talvez a humanidade não seja uma espécie delinqüente a caminho do descontrole, mas sim que ela se encontra no próprio ceme de um vasto processo de crescimento, o qual se aproxima, evidentemente, de uma transição tremenda. Apoiado nos ensinamentos da Fé Bahá'í, bem como nos conhecimentos que estão surgindo na Física, Ecologia e Psicologia; o texto opina que a humanidade está num processo de evolução de consciência que levará ao nascimento de uma nova cultura planetária. Esse processo inclui o desenvolvimento de um relacionamento maduro e cooperativo entre a humanidade e a ecosfera que a gerou. Esse exame e essa síntese serão efetuados em duas partes. Na primeira, serão exploradas e explicadas as atitudes básicas para com a Natureza que estão contidas nas Escrituras Bahá'ís. A segunda parte examinará de que forma o surgimento gradual de ·Unia consciência ecológica está ligado aos princípios básicos da Fé Bahá'í. Buscar-se-á a relação entre tais princípios e os preceitos para uma sociedade ecológica que têm sido apresentados por analistas sociais contemporâneos. Implícita em todo o documento, está a perspectiva Bahá'í do equilíbrio e da coesão entre a realidade material e a espiritual na abordagem de qualquer questão, seja de política ambiental, agricultura, desenvolvimento, saúde ou paz. Todas as áreas da atividade humana são interligadas e requerem uma compreensão integrada do sentido da existência humana. Este estudo não tem a pretensão de oferecer uma posição Bahá'í oficial sobre o tema, e sim deveria ser considerado a tentativa preliminar de uma mente que tenta compreender alguns dos significados mais profundos que estão latentes nas volumosas Escrituras da Fé Bahá'í.

Espera-se que mediante esta tentativa o leitor seja ajudado a ob.ter uma compreensão mais ampla dos atuais dilemas ambientais, e que lhe seja oferecida a visão de uma mudança profunda, em relação à qual as atuais crises se apresentam como "fatores de pressão ". Isso pode parecer idealístico, porém, nos dias em que vivemos, somente o visionário é pragmático.

Da Percepção Ambiental à Consciência Ecológica

O movimento pela conservação do meio ambiente das últimas décadas foi uma resposta à percepção crescente de que a terra, rica e abundante, está sendo desgasta da e destruída pelo peso da crescente pressão populacional e da industrialização em larga escala. Nos países industrializados, as ações pela preservação do meio ambiente têm sido significativas para mitigar algumas das piores formas de poluição do ar e da água, para proteger a vida silvestre nativa e para emitir um sinal de alerta contra a ideologia do consumo e do crescimento industrial desenfreado. Atualmente, a proteção do meio ambiente tomou-se parte da agenda de ações simpáticas ao público.

Porém, muitos conservacionistas têm chegado à conclusão de que para corrigir-se os problemas do meio ambiente é preciso mais do que ações defensivas em favor de uma Natureza sitiada. O colapso cumulativo da relação entre o gênero humano e a ecos fera chegou a tal ponto, que remédios convencionais como a administração de recursos não conseguem muito mais do que "maquilar" um processo contínuo de degradação do meio ambiente.

A ameaça de um holocausto nuclear ofusca a crescente destruição da ecosfera por quaisquer outros tipos de ataques - uma ameaça que, conforme Schell, encontra-se no "próprio centro da crise ecológica", pois simboliza todo poder destrutivo e toda loucura que nosso vigor tecnológico permite-nos agora usar (Schell, Destino). De fato, muitos ecologistas pensam que a III Guerra Mundial já começou - é a guerra contra a Natureza.

Devido aos desastres apocalípticos que nos aguardam se continuarmos a destruir os sistemas sustenta dores da vida na terra, muitos conservacionistas expressam a necessidade de uma "metafísica radicalmente nova" (Livingston, Ethics, p. 67-81). A busca de uma reconciliação mais profunda entre a humanidade e a Natureza passou a ser conhecida como "ecologia profunda". Em vez de dar preferência às soluções técnicas, a ecologia profunda penetra no íntimo de nossas mais bem estabelecidas visões culturais a respeito da Natureza, e tenta encontrar uma base comum entre os propósitos mais altos da civilização e a beleza, a complexidade e o mistério da Natureza. A ecologia profunda baseia-se na crítica à sociedade fundamentada na tecnocracia e no crescimento econômico e - seguindo os insights não-antropocêntricos de personalidades como São Francisco de Assis, Aldo Leopold (um antigo ecologista americano conhecido como o proponente da ética terrestre), Richard St. Barbe Baker e Rachael Carson defende a idéia de uma "consciência ecológica". São Francisco, por sua vida e suas idéias de uma totalidade orgânica e igualdade biocêntrica, bem poderia ser considerado o santo patrono da ecologia profunda.

O paradigma de "consciência ecológica" que vem surgindo está fundamentado numa percepção de holismo e numa visão de ciência e tecnologia não exploratórias. Apela para uma transformação da consciência: que não se encare o mundo como um monte de recursos a serem explorados e consumidos, mas sim que se entenda a vida da humanidade como parte da ecosfera.

"Para a ecologia profunda, o estudo de nosso lugar no lar da Terra inclui o estudo de nós mesmos como parte de um todo orgânico." Recorrendo tanto às tradições religiosas quanto à ciência da Ecologia, ela afIrma que - mais além de nossa "compreensão estreitamente materialista e científIca da realidade - tanto o aspecto espiritual como o material da realidade fundem-se num só" (Devall/Sessions, Deep Ecology, p .66). Para Naess, que criou a expressão "ecologia profunda", sua essência é fazer perguntas mais profundas - "Perguntamos qual sociedade, qual educação, qual forma de religião é benéfIca para toda a vida no planeta como um todo" (citado em Devall/Sessions, Deep Ecology, p. 74).

Em Deep Ecology: Living as if Nature Matteredl, Devall e Sessions oferecem normas para um pensar ecológico profundo (p. 18). Incluem o apreciar a Natureza como possuidora de um valor intrínseco; a tolerância da diversidade; estruturas sociais descentralizadas, não-hierárquicas e auto-reguladoras; tecnologias e economias de pequena escala e baseadas na comunidade; simplicidade de desejos e valorização das dimensões espirituais/religiosas.

De modo semelhante, Skolimowski apela para uma nova "eco-filosofia" direcionada à vida, e defIne suas características essenciais (Eco-Philosophy, p. 30). Além de ter consciência da ecologia, ela tem de ser holística e global; tem de se preocupar com a sabedoria, a qualidade e a saúde; tem de reconhecer a sociedade como uma das expressões da vida espiritual da humanidade. Ao invés da ênfase que atualmente damos à objetividade e ao insulamento, a eco-filosofia enfatiza o compromisso, a compaixão e a responsabilidade participativos. Em última análise, a eco-filosofia é espiritualmente viva, uma vez que vê os seres humanos como agentes espirituais num mundo em evolução, dotado de graça e signifIcado.

É nesse contexto da busca de novas visões de reconstrução meta física que os ensinamentos da Fé Bahá'í oferecem uma contribuição significativa. Devido à ênfase dada por estes ensinamentos à unidade e ao pensar evolucionário, eles oferecem uma visão da Natureza que reflete tanto a sabedoria animista quanto a compreensão ecológica contemporânea. Eles afIrmam, ao mesmo tempo, a transcendência divina e uma compreensão holística da história religiosa da humanidade. Além disso, muitos dos credos e princípios para uma sociedade alternativa baseada na sabedoria ecológica encontram-se também nas Escrituras e instituições da Fé Bahá'í.

Este documento investiga primeiro as implicações filosóficas, e, a seguir, as implicações sociais da compreensão Bahá'í relativa à Natureza e ao papel do homem sobre a terra.

O RELACIONAMENTO COM A NATUREZA - UMA PERSPECTIVA BAHÁ'Í

Num exame dos princípios da Fé Bahá'í referentes à Agricultura, Hanley articula um relacionamento triplo entre a humanidade e a Natureza, envolvendo princípios de unidade, desprendimento e humildade (Hanley, Fundamental, p. 12-15). Esses mesmos princípios serão aqui estudados em profundidade.

Unidade com a Natureza: a Integridade e o Relacionamento Cooperativo da Criação

'Abdu'l-Bahá afirma que "todas as partes do mundo da criação pertencem a um todo. ...Todas as partes são subordinadas e obedientes ao todo. Os seres contingentes são ramos da árvore de vida, enquanto o Mensageiro de Deus é a raiz dessa árvore" (Bahá'í World Faith, p. 364). O reconhecimento dessa unidade essencial é reafirmado por' Abdu 'l-Bahá em diversas passagens:

Estás bem informado, louvado seja Deus, de que tanto a interação quanto a cooperação entre todos os seres, sejam grandes ou pequenos, estão evidentes e comprovadas. No caso de corpos grandes a interação está tão manifesta como o sol, enquanto nos corpos pequenos, embora a interação seja desconhecida, ainda assim a parte é uma indicação do todo. Por isso, todas essas interações estão ligadas àquele poder que a tudo envolve, que é seu eixo, seu centro, sua fonte e sua força motriz. (Bahá'í World Faith, p. 345)

Associação, harmonia e união são a fonte da vida. ... Se ponderardes sobre todas as coisas criadas, ireis observar que a existência de cada ser depende da associação e combinação de diversos elementos, cuja desintegração irá acabar com a existência daquele ser. (Bahá'í World, p. 50)

Compara tu o mundo da existência com o templo humano. Todos os membros e órgãos do corpo humano ajudam um ao outro, por isso a vida continua. ... Da mesma maneira, entre as partes da existência há uma maravilhosa conexão e intercâmbio de forças, que são a causa da vida do mundo e da continuação desses fenômenos incontáveis...

Desse exemplo pode-se ver que a base da vida é essa ajuda e essa assistência mútuas... (Star of the West, v. 8, p. 138)

De acordo com' Abdu'l-Bahá as inter-relações cooperativas da criação são uma manifestação de Amor, que é "o segredo da Dispensação sagrada de Deus" (Selections, p. 27). Através do amor de Deus o mundo dos seres recebe vida.

O amor é a causa da Revelação de Deus ao homem, é o laço vital que, de acordo com a criação divina, é inerente às realidades das coisas. ... O amor é a maior lei que governa este grande ciclo celestial, o poder único que liga os diversos elementos deste mundo material, a suprema força magnética que dirige os movimentos das esferas nos domínios celestiais. (Selections, p. 27)

Além disso, o mineral, a planta e o animal são vistos como dotados de vários graus e condições de espírito. Em 1921, 'Abdu'l-Bahá escreveu:

... É indubitável que os minerais são dotados com um espírito e uma vida que estão de acordo com os requisitos daquele grau. ...

Semelhantemente, no mundo vegetal há o poder do crescimento, e esse poder de crescimento é o espírito. No mundo animal há a percepção dos sentidos; mas, no mundo humano, há um poder que a tudo abrange. ...a capacidade de raciocínio possuída pela mente...

De modo igual, a mente prova a existência de uma Realidade invisível que abrange todos os seres, que existe e Se revela em todos os graus. ...

(A Revelação Bahá'í, p. 217)

A visão hoje prevalecente da Natureza como um meio ambiente composto de elementos materiais como ar, água, terra e organismos, é, portanto, inadequada. A própria palavra "meio ambiente" significa o que está externo e periférico em relação ao objeto central de atenção: os seres humanos. Essa preocupação do homem consigo mesmo ignora a realidade de que vida e espírito são propriedades da Natureza inteira, e de suas interações recíprocas.

Desprendimento Espiritual da Natureza: Um Requisito da Espiritualidade Consciente

A humanidade faz parte do todo da criação. Esta por sua vez reflete, em sua harmonia e unidade, uma Realidade divina e invisível. Paradoxalmente, os seres humanos ocupam ao mesmo tempo uma posição singular, que só pode ser conscientemente trazida à realidade através do desprendimento da Natureza. 'Abdu'l-Bahá declara que o ser humano "está no grau máximo da materialidade, e no início da espiritualidade" (O Esplendor da Verdade, p. 194).

É através do poder racional da mente que os seres humanos atuam como mediadores entre a dimensão material e a espiritual, e é pelo desenvolvimento da mente que uma espiritualidade consciente se toma possível. Essa singular distinção e potencialidade dos seres humanos é trazida à realidade pelo desprendimento do mundo físico.

Assim, nas Escrituras Bahá'ís existem numerosas referências à necessidade de nos afastarmos das influências do mundo da matéria. Nesse contexto, muitas vezes são feitas referências à Natureza como sendo o mundo das trevas. Todavia, nem os seres humanos nem a Natureza são em si mesmo maus. Mais exatamente, a vida é vista como uma progressão de ordens cada vez mais complexas, que vão do reino mineral à vida vegetal e animal e daí, aos seres humanos. A humanidade, entretanto, tem a capacidade e o poder para o avanço espiritual, e nosso exato propósito é o de avançar em direção a Deus. 'Abdu'l-Bahá afirma:

Deus criou todas as coisas terrenas sujeitas a uma lei de progressão dentro de graus materiais, mas criou o homem e o dotou com poderes para o avanço em direção a reinos espirituais e transcendentais. (Promulgation, p. 302)

Todas as demais coisas criadas são "cativas da natureza e do mundo sensitivo", mas os seres humanos, criados à "imagem de Deus", ocupam um grau ímpar na criação. Evoluímos através de todos os reinos físicos e possuímos todas as suas capacidades, acrescidas da capacidade claramente distinguível do pensamento racional e auto-reflexivo. O desenvolvimento dessa capacidade exigiu que nos separássemos da Natureza, tanto externa quanto interiormente. Devido a essa separação, adquirimos os meios, como observadores externos, para perceber e conhecer a Natureza, e descobrir seus segredos. Interiormente, separamo-nos das reações físicas e instintivas que guiam todas as demais formas de vida, e desenvolvemos faculdades conscientes de discernimento e vontade.

A liberdade que essas capacidades nos concedem implica uma responsabilidade correspondente de reconhecer a "Realidade invisível que abrange todos os seres" (A Revelação Bahá'í, p. 217). Nossa evolução espiritual depende do grau em que estejamos sintonizados com essa Realidade Maior, que é descrita por Bahá'u'lláh e todos os grandes profetas como ilimitada. Assim, para que realmente despertemos para nosso total potencial, somos exortados a cortar nossa identificação com a dimensão física da Natureza.

'Abdu'l-Bahá comenta esse conceito:

E entre os ensinamentos de Sua Santidade Bahá'u'lláh está a liberdade do homem - pelo Poder ideal ele deveria tomar-se livre e emancipado do cativeiro do mundo da natureza...

O mundo da natureza é um mundo animal. Até que o homem renasça do mundo da natureza, ou seja, até que se desligue do mundo da natureza, ele é essencialmente um animal, e são os ensinamentos de Deus que convertem esse animal numa alma humana. (Bahá'í World Faith, p.288-290)

O desenvolvimento da consciência humana fica restrito se ela é dirigida somente à realidade material. Assim, Bahá'u'lláh nos exorta a "considerar o mundo - não! a criação inteira -como sendo nada" (Bahá'í World Faith, p. 65). Nesse contexto, Ele explica "que 'o mundo' significa vosso estado de inconsciência dAquele que é vosso Criador, e vossa ocupação total com outra coisa que não seja Ele" (Seleção, p. 174). O mundo físico é somente problemático quando visto como um fim em si mesmo. Dessa forma, o distanciamento do mundo físico é um meio de ganhar acesso consciente às realidades espirituais que se encontram por detrás e mais além do que é físico. Paradoxalmente, esse distanciamento permite-nos ver que o mundo físico reflete perfeita e totalmente o mundo espiritual. Isso é demonstrado, como John Hatcher aponta, por nossa crescente percepção da ecologia (Purpose, p. 69). À medida que começamos a compreender o princípio ecológico de que tudo está ligado a tudo o mais no mundo físico, estamos aprendendo a verdade da essencial lei espiritual da unidade que permeia e anima toda a criação.

Numa reflexão mais profunda, o paradoxo entre nossa unidade e nosso distanciamento pode ser visto como retrato da multidimensionalidade de nossa natureza humana. O reconhecimento de nossa unidade com a terra que, num sentido muito real, nos gerou, reflete tanto a sabedoria animista quanto a atual compreensão ecológica. Ao mesmo tempo, como Revelações anteriores enfatizaram, temos que nos lançar para além do mundo material a fim de descobrirmos nossa natureza espiritual e cumprirmos nosso destino como seres conscientes. Esse potencial e esse destino, que nos têm sido confiados por uma sucessão de Mensageiros divinos, desdobram-se gradualmente em meio a uma criação que é contínua. No fim das contas, o conhecimento da Divindade é impossível e inalcançável. Porém, a visão de nossa capacidade de aperfeiçoamento, e nossa fé nela, dá-nos força para progredir em direção ao cumprimento de todo nosso potencial, e para participarmos na espiritualização de nossa existência social.

Certamente, a Fé Bahá'í não é o primeiro sistema religioso a reconhecer essa tensão entre a dimensão material e a espiritual, mas ela efetivamente oferece, talvez, o entendimento mais equilibrado desse relacionamento. O teólogo dominicano, Matthew Fox procura justamente tal equilíbrio na sua demanda pelo "panenteísmo" (Fox, Original, p. 90). Como o panteísmo, o panenteísmo vê o espírito de Deus presente em todas as coisas, e, ao mesmo tempo, tem Deus como um Ser independente, acima e além de todas as coisas. Isso bem pode ser tomado como uma descrição do ponto de vista bahá'í. Como Bahá'u'lláh escreveu:

O universo inteiro reflete Sua glória, enquanto Ele Próprio é independente de Suas criaturas e as transcende. É este o verdadeiro significado da unidade Divina. Aquele que é a Verdade Eterna é o Poder único que exerce incontestável soberania sobre o mundo dos seres, e Cuja imagem é refletida no espelho da criação inteira. (Seleções, p. 109)

Humildade

Nesse equilíbrio entre unidade e desprendimento, estamos intimados a honrar a criação, a reconhecer sua santidade e a nos humilharmos ante ela. No milagre da evolução da vida, Deus tem agido através da Natureza de tal maneira que os resultados do processo aparecem de maneira lógica e natural. A criação está inerentemente dotada de significado e propósito, e reflete a unidade, a beleza e o mistério supremo de Deus. A terra mesma é um revelador de Deus, como Bahá'u'lláh afirma em várias passagens:

Sabe tu que cada coisa criada é sinal da Revelação de Deus... (Seleções, p. 120)

Qualquer coisa que esteja nos céus e qualquer coisa que esteja na terra é uma evidência direta da revelação, em seu âmago, dos atributos e nomes de Deus, desde que se acham entesourados dentro de cada átomo os sinais que dão eloqüente testemunho da revelação dAquela Luz Superna. (Seleções, p. 115-6)

Como são abrangentes as maravilhas de Sua infinita graça! Vede como têm penetrado a criação inteira. Tal é sua virtude que nem se encontra em todo o universo um só átomo que não declare as evidências do Seu poder, que não glorifique Seu santo Nome ou exprima a fulgente luz de Sua unidade. Tão perfeita e abrangente é Sua criação, que nunca poderá mente ou coração algum, por mais que seja aquela aguda ou este puro, abranger a natureza da mais insignificante de Suas criaturas e, muito menos, sondar o mistério de Quem é o Sol da Verdade, de Quem é a Essência invisível e incognoscível. (Seleções, p. 48)

Coisa alguma tenho percebido, a não ser que Eu percebesse Deus dentro dela, Deus em sua frente ou Deus por detrás. (Seleções, p. 116)

'Abdu'l-Bahá descreve a criação como um dos "dois Livros" de Deus. "O Livro da Criação está de acordo com o Livro escrito." Entende-se por "Livro escrito" as Revelações sagradas de todos os profetas de Deus. Assim como o Livro escrito, "O Livro da Criação é o mandado de Deus e o repositório dos mistérios divinos" (Makátíb, p. 436-37). [2]

2. Esse texto extraído do livro em persa Makátib (ainda não traduzido) foi citado por Bahíyyih Nakhjavání no seu livro Response, p.13

A espiritualidade das culturas indígenas do mundo está baseada na compreensão da escritura original do Livro da Criação. Mesmo nas religiões reveladas, símbolos da Natureza como árvores, água e montanhas têm um significado espiritual. A alma humana é refrescada e revitalizada pelo contato com a beleza, o mistério e a grandeza da Natureza. Esse contato é a base da recreação como "re-criação". (Nesse sentido podemos compreender o amor pela Natureza demonstrado por Bahá'u'lláh e Shoghi Effendi. (Vide Apêndice.)

Uma atitude de admiração reverente e de gratidão para com a terra faz parte da obtenção da humildade espiritual. Literalmente, humildade significa "do solo" ou "do húmus". Bahá'u'lláh descreve este relacionamento:

A humildade exalta o homem ao céu da glória e do poder, enquanto o orgulho o rebaixa às profundezas da miséria e degradação. (Epístolas, p.75)

Todo homem de discernimento, enquanto caminha sobre a terra, sente-se realmente envergonhado, porquanto compreende perfeitamente que aquilo que é a fonte da sua prosperidade, sua riqueza, sua força, sua exaltação, seu avanço e seu poder é, como ordenado por Deus, a própria terra que é pisada pelos pés de todos os homens. Indubitavelmente, aquele que é conhecedor dessa verdade está purificado e santificado de todo orgulho, arrogância e vaidade. (Epistle, p. 44)

Nossa sensibilidade espiritual depende da compreensão de nossa dependência da terra.

UMA NOVA VISÃO DE TOTALIDADE EM NOSSO RELACIONAMENTO COM A NATUREZA

Antes de mais nada, a conservação da Natureza exige uma visão de totalidade em nosso relacionamento com ela. Isso requer uma perspectiva da evolução e do propósito humanos que unifique a realidade material e a espiritual. A ênfase em transcender a Natureza, que tem caracterizado a civilização Ocidental em particular, está refletida no atual "egocentrismo de espécie" da raça humana. O divórcio entre o destino humano e a realidade da vida física na terra exige agora uma reconciliação. Portanto, os ecologistas profundos têm razão quando apontam que precisamos de uma compreensão de nós mesmos e de nossa sociedade como partes de sistemas ecológicos, e sujeitos a leis ecológicas. No entanto, isso não pode ser conseguido pela simples substituição do nosso antropocentrismo por um biocentrismo. Mais do que isso, tanto nossa separação e nosso desprendimento da Natureza quanto nossa unidade com ela têm de ser compreendidos como uma dialética criativa no desenvolvimento da consciência humana.

Sem essa compreensão ficamos ato lados numa posição de alienação, tanto da Natureza quanto da conexão holística com a força unificadora e criativa que anima a existência. O processo de nos tomarmos seres conscientes exigiu que nos apartássemos de nossas raízes inconscientes na Natureza, e que nos identificássemos com uma visão de nosso potencial que transcende o mundo físico. Essa separação nos deixou sem uma base segura para saber quem somos, e sem uma visão clara de nossa totalidade. Conservamos somente uma memória turva de nossa totalidade inconsciente com a Natureza (que existia antes de obtermos consciência de nós mesmos, e de quebrarmos a harmonia primordial do Éden) e uma vaga esperança pela restauração da paz e da totalidade num paraíso abstrato ou num futuro Reino de Deus. O próprio conceito negativo de nós mesmos como criaturas decaídas produz sentimentos de culpa, desespero e degradação que são dirigidos contra nós próprios e contra a criação. Porém, as Escrituras bahá' Ís esclarecem que viemos à existência no seio de uma criação perfeita, e que nela ocupamos uma posição nobre. Somos o "fruto da criação", seres conscientes que receberam a responsabilidade de consumar a criação por refletirem suas perfeições. 'Abdu'l-Bahá explica essa situação da seguinte maneira:

Uma das coisas que apareceram no mundo da existência, e que é um dos requisitos da Natureza, é a vida humana. Considerado sob esse aspecto, o homem é o ramo e a natureza é a raiz. Será então possível que a vontade, a inteligência e as perfeições que existem no ramo não existam na raiz? (O Esplendor da Verdade, p. 24)

Além disso, ele afirma que a humanidade".. .no corpo do mundo, corresponde ao cérebro e à mente no homem. ... o homem é o principal membro deste mundo, e se o corpo não tivesse esse membro principal, com certeza seria imperfeito. Consideramos o homem o membro supremo porque, entre as criaturas, ele é a soma de todas as perfeições existentes". (O Esplendor da Verdade,p. 154)

Bahá'u'lláh aborda o mesmo tema:

Em grau supremo, é isso verdade no caso do homem - aquele que, entre todas as coisas criadas, foi adornado com o manto de tais dádivas e escolhido para a glória de tal distinção. Pois nele se revelam, potencialmente, todos os atributos e nomes de Deus num grau jamais excedido por qualquer outro ser criado. (Seleção, p. 116)

Em outras palavras, somos a Natureza tomando-se consciente de si mesma; mas o dom da consciência nos eleva a uma outra dimensão. A Natureza é perfeita em si mesma porque está governada por leis e regras ordenadas por Deus. Essa perfeição está refletida em todas as metáforas da Natureza usadas nas Escrituras de Bahá'u'lláh e de profetas anteriores. As perfeições dos seres humanos, porém, não estão manifestas. Precisamos decidir tomá-las realidade. Nossas capacidades para manifestar os "atributos e nomes de Deus" estão sempre evoluindo, e são refletidas para nós por uma série de Mensageiros divinos e Suas Revelações. Na evolução da humanidade rumo à totalidade consciente, o Mensageiro de Deus é a chave para a união da realidade material e da espiritual. Assim, o centro da existência não é nem a humanidade nem a Natureza (nem antropocentrismo nem biocentrismo). É Deus, através de Sua Manifestação, que é a "raiz" da "árvore da vida" (Bahá'í World Faith, p. 364). Nesta era, a unificação manifestada por Bahá 'u' lláh liberou o potencial para que nós nos transformemos em um reflexo cada vez mais completo das perfeições de Deus e da totalidade da criação.

Com esse entendimento, as crises cada vez mais profundas da destruição planetária precisam ser vistas não como a falha inevitável de uma humanidade decaída, mas como um estágio crucial na evolução da consciência humana rumo a uma totalidade maior. Agora estamos sendo chamados a meditar sobre a imperfeição de nossa atual visão e a respondermos com urgência às forças de transformação. A segunda parte deste estudo examinará as dimensões sociais desse processo espiritual de transformação.

RUMO A UMA CIVILIZAÇÃO GLOBAL: A EVOLUÇÃO ESPIRITUAL DE UMA SOCIEDADE ECOLOGICAMENTE SUSTENTÁVEL

O requisito fundamental para uma sociedade ecologicamente sustentável é a compreensão de que a criação é sagrada e completa, e a percepção de que o papel dos seres humanos é serem participantes conscientes, compassivos e criativos na evolução da vida. Porém, para conseguirmos uma sociedade como esta não somente precisamos de uma transformação nas nossas atitudes e valores individuais, mas, também, de uma completa reorganização de nossas instituições sociais.

A maioria das instituições sócio-econômicas das sociedades industriais modernas está baseada na busca de progresso material mediante a exploração da Natureza. A Natureza é vista principalmente como um armazém de recursos a serem manejados, colhidos e industrialmente processados para o consumo humano imoderado. Essa apropriação de recursos tomou-se a base do crescimento econômico, o qual, por sua vez, tomou-se a medida dominante do progresso social. Os limites dessa filosofia materialista estão agora claramente demarcados pela destruição acelerada dos sistemas ecológicos do planeta. Apesar disso, nossas atuais instituições políticas, sociais e econômicas não têm o poder de interromper essa destruição, pois se baseiam implicitamente nos mesmos valores de distanciamento e conquista da Natureza. Esse distanciamento nega aos indivíduos e à sociedade uma associação significativa com a totalidade da criação e, assim, nega a santidade à vida. A perda de sentido e o vazio resultantes, por sua vez, fomentam a procura da realização através do consumo, da competição e de outros comportamentos que viciam. Esse distanciamento da Natureza, que está subjacente à modernidade, corresponde, dentro de nós mesmos, a uma divisão entre mente e coração, pois também somos parte da Natureza. Como foi apontado antes, nossa origem espiritual e nosso destino não estão separados da inteira evolução da vida no planeta. O espírito não está separado da matéria, antes, manifesta-se em todos os estágios e processos da existência, e procura expressar-se através da consciência característica dos seres humanos. Por isso, a organização da sociedade com base na separação entre Igreja e Estado, entre o espiritual e o secular, é inevitavelmente contraditória e destrutiva.

Para que se possa incorporar uma nova visão de totalidade ao nosso relacionamento com a terra é necessária a reincorporação da dimensão espiritual, que foi abandonada com a dissolução das cosmologias religiosas na era moderna. Não podemos retomar às cosmologias antigas. A ciência, o humanismo secular e a profusão de instituições modernas baseadas neles trouxeram a sociedade a um nível de desenvolvimento completamente novo. Entretanto, esse avanço material exterior cegou-nos para a perda da dimensão espiritual, ou interna, da vida humana. Skolimowski diz que nos apegamos a nossos ideais de "salvação secular" porque as conquistas que fizemos nos parecem demasiadamente difíceis de atingir para serem abandonadas (Eco-Philosophy, p. 71). Não obstante essa resistência, a ainda predominante cosmovisão do materialismo secular está sendo minada tanto pela proliferação de seus problemas e contradições quanto pelo surgimento de cosmologias mais abrangentes, que conseguem expor os fundamentos das contradições e oferecem novos princípios organizadores. A unificação da dimensão material e da espiritual é apenas um desses princípios, que fornece um fundamento para que se possa ver a humanidade como estando relacionada à totalidade da criação. As descobertas nas novas fronteiras da ciência apontam também para tal cosmologia, e fornecem analogias, como na Física, onde, por exemplo, a luz é entendida como onda e também como partícula. De forma semelhante, a cosmologia que está nascendo deve reputar os seres humanos como seres ao mesmo tempo biológicos e espirituais, pela percepção de que ambos os aspectos são parte da evolução da vida. Skolimowski afIrma que:

Os humanos são os guardiões da evolução inteira e, ao mesmo tempo, somente a ponta da flecha da evolução... o atributo da santidade.no homem é a singularidade da sua constituição biológica, que é dotada de potencialidades tão refInadas que pode atingir a espiritualidade. (Eco-Philosophy, p. 75.)

A Fé Bahá'í baseia-se nesta perspectiva evolucionária. Ela vê o desenvolvimento da civilização como um processo progressivo do qual fazem parte todas as grandes Revelações Religiosas e, agora, também a Ciência. Essa compreensão dinâmica e holística pode nos ajudar a sobrepujar a dualidade da "humanidade versus planeta", para que possamos entender nossa atual situação como um estágio crucial no nascimento de uma nova ordem mundial. É dentro desse contexto que os ensinamentos da Fé Bahá'í têm uma relevância extrema, pois não somente delineiam as dimensões passadas e futuras desse processo histórico progressivo, mas oferecem também valores, princípios, processos e formas institucionais que podem nos guiar durante a transição para a maturidade e para o desenvolvimento de uma civilização global. Esses princípios e processos serão relacionados, a seguir, aos requisitos para uma sociedade ecológica, em várias dimensões.

PERSPECTIVA EVOLUCIONÁRIA

Na fase inicial, ou "infantil", da jornada humana, em culturas primitivas no mundo inteiro, a humanidade vivia estreitamente ligada ao mundo natural. Indivíduos e culturas existiam num estado de unidade e equilíbrio com a terra e o cosmo. O grau da dependência das forças da Natureza era uma experiência visceral. A Natureza, seguidamente, era entendida como a "Terra Mãe" que a tudo abarcava, a madre nutriz de toda a vida. Isso é ilustrado pelo cacique Lutero-Urso-de-Pé, ao descrever o credo sobre a Natureza da tribo Lakota:

O Lakota era um verdadeiro naturalista, um amante da Natureza. Amou a terra e todas as coisas da terra. ... O parentesco com todas as criaturas da terra, do céu e da água era um princípio real e ativo. ... Onde quer que o Lakota fosse, sempre estava com a Mãe Terra. Não importa onde caminhasse durante o dia, ou dormisse durante a noite, estava seguro, com ela. Essa idéia confortou e sustentou o Lakota, e ele foi eternamente grato. (McLuhan, Touch the Earth, p. 6)

O grau de controle sobre os eventos naturais era limitado, e as forças naturais eram encaradas em termos de poderes mágicos ou mitológicos. Cerimônias representavam e celebravam a relação humana com os elementos da criação e com o Criador. Um senso de ordem cíclica predominava. Muitas vezes, isso estava estreitamente associado a uma apreciação do poder e mistério do "feminino", e com o papel das mulheres como guardiãs das forças geradoras e sustentadoras da vida.

Com o surgimento das grandes civilizações axiais da história registrada, há uma ênfase crescente no modo racional da consciência. Essas civilizações tendem para uma maior independência, ordem, abstração e primazia das energias "masculinas". Conquanto essas qualidades sejam· seguidamente identifica das como a causa de nossa separação extrema da Natureza, elas também podem ser compreendidas psicologicamente como a condição para o desenvolvimento da consciência humana. Como na adolescência, quando o processo de individualização exige que o ego ainda fraco emirja e se defenda contra o desejo regressivo de voltar para a inconsciência e a dependência da infância, assim também a raça humana teve que romper com a unidade primordial de nossa totalidade original, inconsciente, com a Natureza. A transcendência humana também foi enfatizada nas sucessivas Revelações monoteÍstas das civilizações axiais.

Nesse processo, a Natureza perdeu seu valor mitológico, antigas visões animistas e panteístas foram abandonadas, e as atividades espirituais foram abstraídas do mundo da Natureza e de suas energias primordiais instintivas.

A Natureza começou a ser classificada como um recurso para o desenvolvimento de maiores unidades coletivas de organização social. Negócio, comércio e atividades artísticas e intelectuais foram associadas à vida urbana, daí resultando uma crescente separação física da Natureza, quando comparada com a vida rural.

A Ciência Ocidental desenvolveu-se nesse contexto, e estabeleceu como hipótese fundamental de sua operação a radical separação entre sujeito e objeto, entre a humanidade e a Natureza. A terra deixou de ser uma comunidade da qual a humanidade fazia parte, e, em vez disso, foi encarada como um objeto a ser usado e possuído. O paradigma mecânico que emergiu da revolução científica do século dezessete via o universo à semelhança de um relógio, composto por partículas "duras" arranjadas e postas em movimento por Deus. Esse universo obedecia leis absolutas que podiam ser vistas e aferidas objetivamente pelos seres humanos. A Natureza, privada de espírito, tomou-se matéria [3], perdendo assim todos os seus sentidos de mistério e santidade.

[3] A palavra "mãe", em grego, é escrita "meter"; no latim, "mater"; e, no sânscrito, "mate". Nosso conceito de matéria emergiu de nossa compreensão original da terra como sendo a "Mãe Terra".

A expansão do poder do conhecimento humano nos tem permitido reduzir o mundo material a suas partes componentes, destituídas de mistério e do poder de nos causar impressão. Nossa dependência original do mundo natural foi substituída pela alienação da Natureza e pelo poder sobre um mundo material sem sentido. Apesar de que isso tem sido destrutivo em termos da dominação da Natureza, esse estado de consciência pode ser entendido, dentro do contexto evolucionário maior, como uma condição necessária à consciência em amadurecimento da raça humana. A Ciência pode ser entendida como o ego coletivo da humanidade a afirmar sua vontade, criatividade e independência humana, a romper com as limitações e superstições que nos amarravam em idades anteriores - habilitando nos a penetrar no mundo da Natureza, que antes nos cercava, e a dominá-lo.

Porém, se continuarmos a manter o grau extremo de independência e o "falso senso de onipotência" que nos foram dados por nosso domínio sobre a Natureza, corremos o risco, agora, de destruir toda forma de vida (William Hatcher, Science, p.16). Nosso imperativo evolucionário é o de abandonarmos essa fase adolescente e progredirmos para uma compreensão mais madura do nosso verdadeiro relacionamento com a Natureza. Para conhecermos nosso lugar no universo temos que abandonar conscientemente nossas ilusões de independência e controle, que nos alienam da vida. Conhecer nossa unidade e aprender a aceitar uma interdependência matura e consciente serão as marcas distintivas de nossa maioridade.

A plena extensão dessa interdependência (sentida e reconhecida por sociedades tribais) está agora tornando-se conhecida em muitas áreas de pesquisa, como bem o têm demonstrado os paradigmas que atualmente estão surgindo na Ecologia, na Física Quântica, na Neurologia e na Psicologia. A Ecologia nos fez ver que, mesmo que não mais tenhamos o planeta como sagrado, os sistemas ecológicos da terra estão todos ligados entre si, e a nós. Efetivamente, a ecos fera comporta-se como um único organismo vivo, um sistema que evolui organicamente, que apresenta uma intencionalidade e um propósito que podem ser reconhecidos na sua totalidade, como James Lovelock propõe na "Hipótese de Gaia" (Gaia, p. 127).

Esse nível de inter-relacionamento não somente é real a nível de grandes sistemas, mas aplica-se, também, ao mundo atômico e subatômico. De acordo com a Física Quântica contemporânea, o mundo não é um sistema mecânico composto de objetos isolados; antes, mais se parece com uma teia complexa de relacionamentos (Capra, O Ponto de Mutação). A símile fundamental para essa nova compreensão que está surgindo da Física Teórica é a de uma sinfonia musical. Na sinfonia somos compelidos a começar com a obra inteira, antes de tentarmos qualquer análise. De um modo análogo, as partículas subatômicas não podem ser vistas a não ser em sua interconexão com tudo o mais, incluindo o observador. A mente humana também faz parte dessa interconexão, dessa unidade. O fenômeno quântico da não-localidade demonstra que a conexão entre partículas subatômicas supostamente separadas é instantânea. De fato, elas comportam-se como uma só entidade, como partes de um todo não-fragmentado. Somos levados a considerar que, "se nossos cérebros são feitos das mesmas partículas subatômicas que o resto do universo, então estão totalmente interconectados com o resto do universo" nesse nível estrutural extremamente profundo (Ray, Changing, p. 14).

Além disso, todos os sistemas (do subatômico até o planetário) mostram capacidades inerentes para a auto-organização e a auto-renovação - em outras palavras, para restaurar sua integridade. Não podemos voltar para a unidade inconsciente, mas despertar para a integridade fundamental da qual fazemos parte pode nos capacitar, como seres humanos, a nos tornarmos participantes sensíveis e conscientes na cura planetária. Ao colocar a humanidade, de forma inextricável, dentro da teia da vida em contínua criação, a cosmovisão holística permite que os seres humanos compreendam tanto o seu poder quase divino como a sua dependência quase infantil em relação ao mundo natural. Em vez de paralisar a saga humana por propósito e sentido numa posição de arrogância, os seres humanos podem ser libertados para apreciar a riqueza, o sentido e a responsabilidade que a evolução da vida lhes concedeu. Podemos nos tornar co-criadores, junto com a Natureza. A jornada pela dualidade, pela capacidade de dividir e separar - de desmontar o mundo - foi uma parte necessária de nosso desenvolvimento como seres conscientes. O preço que foi pago em termos de perda de significado, fragmentação e conflito foi bastante alto. Mas a intuição de que há unidade e coesão no coração da vida permaneceu dentro de nós. No século dezenove, Bahá'u'lláh proclamou que sua função (como a de Cristo, Buda e outras Manifestações anteriores) era a de refletir para nós essa unidade adequada para o nosso tempo. Além disso, Bahá'u'lláh asseverou que Sua Revelação representava a inauguração da era do cumprimento, e nos assegurou que, como parte de um propósito evolucionário e progressivo muito maior, teríamos agora a capacidade espiritual e física para alcançarmos essa unidade dentro de nós e de nosso mundo. Reconhecer e promover essa unidade nos dá a verdadeira base para a compaixão, a paz e a justiça no mundo. Agora, nas últimas décadas do século vinte, nossas próprias investigações empíricas na Física, Ecologia, Cibernética e em muitos outros campos afins, confirmam a validade dessa unidade essencial. As grandes correntes de pensamento e investigação que designamos como Religião e Ciência estão agora convergindo.

O Paradigma da Unidade: Condição Prévia para uma Sociedade Ecologicamente Sustentável

Nossa evolução social está alcançando uma fase crítica da transição da adolescência para a maturidade. Nesse processo, as limitações do individualismo competitivo, do racismo, do sexismo, do nacionalismo e de todas as outras formas de divisão estão se tomando evidentes devido a todos os problemas de conflito, guerra e abuso, quer no sistema humano, quer no ecológico. Essas conseqüências punitivas da ênfase na separação estão nos ensinando, por si mesmas, que a unidade é a realidade subjacente à existência. Quando, por exemplo, toxinas químicas da indústria retomam pela teia da vida para contaminar o corpo humano, aprendemos os princípios de interconexão ecológica por meio de amarga experiência.

Na medida em que o princípio da unidade é compreendido e manifestado em nossas vidas, e que instituições que se baseiam nesse princípio venham a existir, uma nova ordem mundial pode desabrochar. Assim, o reconhecimento do preço da desunião e da verdade da unidade é um estágio crucial na transformação social. Isso está acontecendo à medida que questões de estresse ecológico, guerras e desigualdade começam a ser vistas como partes de um entrelaçado desafio planetário (World Comission, Our Commom Future). A degradação de sistemas ecológicos e a conseqüente falta de recursos, por exemplo, são tanto causa como resultado da guerra.

Além disso, a injusta distribuição da riqueza e dos direitos humanos não somente causa um incalculável sofrimento humano, mas, também, provocam estresse em ecossistemas frágeis. Isso é evidente na África, onde países que dependem da exportação de alimentos, para enfrentar barreiras comerciais e a baixa valorização de seus produtos, exploram excessivamente seus solos frágeis a fim de alimentar suas populações e pagar crescentes dívidas externas. Apesar desses problemas, o militarismo continua a consumir uma parte grosseiramente irresponsável dos recursos da terra. Os gastos com pesquisa e desenvolvimento de armas, em todo o mundo, excedem a soma total dos gastos combinados destinados ao desenvolvimento de novas tecnologias de energia, à melhora da saúde humana, ao aumento da produtividade agrícola e ao controle da poluição (World Commission, Our common Future, p. 298). A guerra e a luta pelo poder são exemplos diretos da desunião entre classes, raças, religiões e nações. Ao mesmo tempo, a tensão que resulta de muitas outras injustiças nos relacionamentos sociais e econômicos tem sido desviada devido a nossa desunião com a terra, e ao nosso desejo de domina-Ia. Uma vez que o crescente poder tecnológico, freqüentemente resultado da pesquisa militar, tem sido utilizado para explorar os recursos da terra, a promessa de um eterno crescimento econômico tem sido usada para desviar a atenção da desigualdade que caracteriza as ordens sociais prevalecentes. (Nesse processo, o consumo irresponsável e as sempre-crescentes expectativas de benefícios materiais têm sido nutridos. Como as grandes nações industriais do mundo têm seguido por esse caminho, chegaram a ponto de estarem consumindo 80% dos recursos do mundo para apenas 20% da população mundial.)

O chamamento para uma ética e uma política de desenvolvimento sustentável, globais e integradas, levantado em Our Common Future, revela uma aceitação tácita da necessidade da unidade para a solução dos problemas globais. Não obstante, há muito pouca orientação de como se pode conseguir essa mudança de atitude e motivação. A visão Bahá'í é de que a unidade é uma condição espiritual. Entretanto, até mesmo um enfoque materialista conduzirá, afinal, à realidade da unidade, pois o mundo físico reflete o mundo espiritual (John Hatcher, Purpose, p. 69). Portanto, uma aceitação "a priori" da unidade é o caminho para transformar a atual ordem mundial com a menor ruptura possível. Os ensinamentos e instituições da Fé Bahá ' í podem ser entendidos como nada menos que a visão e o núcleo de uma ordem mundial baseada no princípio espiritual central da unidade. Somente a aceitação completa desse princípio organizador pode liberar a energia e a vontade construtivas necessárias para realizar as amplas e indispensáveis mudanças.

Globalismo e Descentralização

Os problemas do meio ambiente que nos o confrontam são de escala cada vez mais global. Chuva ácida, desflorestamento tropical, lixo tóxico, mudança atmosférica, contaminação nuclear e muitas outras crises ameaçam o futuro da humanidade e do planeta como um todo. Entidades políticas, cada uma delas enfrentando a degradação crescente dentro de suas fronteiras artificiais, são incapazes de perceber e de ta[ devidamente esse problema de degradação global. Há um reconhecimento cada vez maior de que precisamos de uma política ou estratégia ambiental de caráter global, a fim de poder-se atender os requisitos maiores da sustentação ecológica (World Commission, Our Common Future, p.1). Quanto a isso, o papel de fiscalização do Programa de Meio Ambiente da Organização das Nações Unidas é saudável, mas a sua eficácia é drasticamente reduzida pelo egoísmo nacionalista.

Os Bahá'ís acreditam que o estabelecimento de um "estado federativo mundial", para assegurar um controle direto sobre c uso de recursos e questões de distribuição, é um elemento inevitável e necessário que deve acompanhar o paradigma da unidade a nível planetário. Os sistemas internacionais de negócio, comércio e comunicação têm de ser reformados dentro de uma estrutura cooperativa orientada para a justiça, em que a vantagem das partes é melhor satisfeita pela vantagem do todo.

A exortação feita pelos ecologistas profundos, no sentido de se adotarem tecnologias e economias descentralizadas de pequena escala e com base comunitária parece, à primeira vista, representar o oposto extremo dessa "planetização". A "consciência ecológica", argumenta-se, desenvolveu-se melhor dentro de uma "tradição minoritária" que inclui culturas tribais, comunidades utópicas e muitas comunidades religiosas, tais como a Ordem Beneditina e as comunidades taoístas e budistas. É na pequena escala que a responsabilidade individual pode ser mantida dentro de uma democracia comunitária participatória, e é nesse nível que a tecnologia pode ser humanizada e tomar-se mais adequada ao meio-ambiente. Essas idéias são bastante mais desenvolvidas por Roszak (Person/Plant), Schumacher (O Negócio é Ser Pequeno), e Devall & Sessions (Deep Ecology). Entre os teóricos dessa área existe a preocupação de que uma sociedade global iria meramente tomar-se um superestado ainda mais eficaz para a conquista da ecosfera. O que é necessário, sugerem, é desenvolver comunidades assentadas num ecossistema específico (bio-regionalismo), com pessoas comprometidas com a "reabilitação" e a restauração daquele ecossistema, e que desenvolvam um senso renovado de lugar.

Alguns importantes valores humanos e ecológicos estão implícitos nessas idéias. Sistemas ecológicos são sistemas vivos aos quais nos deveríamos adaptar, em vez de continuarmos com nosso enfoque atual que quer adaptar terra e pessoas à tecnologia. Na agricultura, esse enfoque resultou na imposição de sistemas de monocultura, com propósito restrito, sem consideração para com os contextos biofísicos e culturais.

Embora nenhuma réplica específica possa ser feita a todas essas idéias descentralizadoras, há diversos aspectos do enfoque Bahá'í que se relacionam a elas. Antes e acima de tudo, o conceito Bahá'í de globalismo é altamente ciente da importância das culturas e religiões tradicionais, ao mesmo tempo em que reconhece a necessidade de uma ordem e de regulamentações globais. O conceito Bahá'í de globalismo "Repudia a centralização excessiva, por um lado, e, por outro, rejeita todas as tentativas de uniformidade. O seu lema é a unidade na diversidade..." (Shoghi Effendi, Chamado às Nações, p. 45-6).

A presente estrutura da comunidade internacional Bahá'í oferece algumas diretrizes para a formação de uma sociedade global cuja visão abranja o mundo inteiro, mas cujos membros e atividades sejam extremamente diversificados. Enquanto seguem diretrizes uniformes para o desenvolvimento espiritual e social, cada comunidade Bahá'í tem de adaptar-se às exigências do seu próprio contexto cultural e ecológico. Cada comunidade vê a si própria como a "célula" de um "organismo global", que é, em si mesma, um protótipo para uma futura comunidade mundial. Dentro dessa comunidade os Bahá'ís são encorajados a se dispersarem e descentralizarem. O conceito Bahá'í de "planetização" não diminui a necessidade de se redescobrir o que Berry chama de "o gênio mais primitivo dos seres humanos" - a habilidade para a comunhão subjetiva com a terra e o cosmo (Berry, Spirituality, p .46) - pois, fundamentalmente, a visão Bahá'í respeita a terra e as culturas nativas, mas vê a transição atual para o globalismo como uma passagem pelo "buraco da agulha". A ruptura das barreiras culturais, nacionais e religiosas prevalecentes é um requisito de nossa evolução espiritual em direção à reunificação. Para reabilitar nosso espaço no planeta de forma plena, temos que reconhecer conscientemente nosso direito inato e nosso destino, e temos que forjar um novo modo de comunhão terra-homem baseado em todas as nossas capacidades espirituais e técnicas.

De acordo com Huddleston, a idéia de que "no futuro a sociedade será mais descentralizada é reforçada por declarações nas Escrituras Bahá'ís que dizem que a agricultura e suas atividades associadas irão reafirmar-se como o principal trabalho da sociedade, e que as ocupações dos homens, e o modo de viver em geral, tomar-se-ão mais harmonizados com a natureza" (Earth, p. 131). Quanto à reforma agrária, é sugerido que a "reconstrução das vilas" é o estágio inicial do desenvolvimento econômico. As Escrituras Bahá'ís também delineiam princípios para o estabelecimento de instituições comunitárias centrais que promovam a autoconfiança e o desenvolvimento da comunidade. O princípio-chave é que o desenvolvimento deveria sustentar e beneficiar comunidades inteiras, em vez de permitir que indivíduos ou elites dominantes monopolizem a riqueza. Assim, a visão Bahá'í de uma sociedade global baseia-se na autoconfiança individual, familiar e local, lado a lado com uma interdependência sofisticada nos níveis nacional e global.

Ciência é Religião: Uma Unidade Necessária

A idéia de que tanto as Revelações Religiosas como a Ciência são forças progressivas no processo evolucionário de nossa maturação foi apresentada acima. Contudo, o afastamento contínuo entre essas duas grandes áreas de empenho impede a humanidade de seguir um enfoque verdadeiramente holístico e integrado para a solução de nossa crise ecológica. A separação entre Ciência e Religião começou com os grandes filósofos europeus do século dezessete, e não somente provocou a cisão entre o mundo secular e o religioso e suas instituições, mas, também, criou grande abismo e antipatia entre fé e razão, visão e técnica, os desejos de nossos corações e a lógica da nossas mentes. O sucesso da Ciência em dessagrar a Natureza, e tomá-la objeto de análise e fonte de recursos, forçou os meios para comunhão divina a retirarem-se para um reino estranhamente subjetivo, separado da existência física. Não é de se admirar, portanto, que a terra tenha se transformado, nas mentes de muitos, em uma desprezível estação intermediária "em route" ao destino de salvação num mundo não-físico.

A visão de Bahá'u' lláh sobre nosso papel de servir a uma civilização em permanente avanço, transcende essa divisão destrutiva. Ao enfocar tanto o conhecimento científico quanto a Revelação como relativos, e não absolutos, qualquer contradição aparente entre essas duas dimensões da existência é liberada para um ilimitado processo de descoberta, dentro do desenvolvimento progressivo da consciência. 'Abdu 'l-Bahá afIrma que "por ser una, a verdade não pode ser dividida..." (Palestras de 'Abdu'l-Bahá, p. 105).

Existe uma só realidade. Empregando a ciência, aproximamo-nos dela através de observação e análise, como uma experiência externa; enquanto, na religião, esforçamo-nos por compreender nosso relacionamento com o todo da realidade como uma experiência interior. Já que os "dois Livros"Criação e Revelação - são totalmente complementares, as forças que nos conduzem a uma consciência de sua unidade estão presentes na própria estrutura da realidade. "As realidades de todas as coisas criadas estão inebriadas" e "todos os átomos da terra foram iluminados", escreve Bahá'í 'lláh a respeito da energia transformadora liberada por Sua Revelação (Seleções, p. 202).

Agora, os meios da Ciência estão confIrmando a unicidade e a unidade da vida, na qual a Natureza é vista como uma confIguração dinâmica de uma única energia, com a habilidade de organizar-se em formas cada vez mais complexas e sutis. Esse conhecimento pode ajudar a liberar e confIrmar as intuições mais profundas dentro de nós, a respeito do vínculo essencial entre a humanidade e a Natureza, que fIcaram reprimidas em nosso desenvolvimento cultural. Todavia, os Bahá'ís acreditam que esse conhecimento somente pode ser entendido e proclamado, em sua essência, através do nascimento de uma consciência religiosa madura. Como William Hatcher afIrma, a humanidade despertou para a consciência de si própria e, através disso, percebemos que a força do crescimento, a agir através da criação, é capaz de subjetividade e inteligência, pois somos formas de energia que possuem essas qualidades (Science, p. 22). Permanecem os fatos, porém, de que não criamos as nós mesmos e que existe um mistério e uma interrogação básica a respeito do signifIcado por trás da vida. A função da religião é tornar acessível ao indivíduo a "experiência da auto-transcedência e da comunhão mística" com esse mistério - de ligar-nos à nossa Origem e de desdobrar a cada indivíduo nosso propósito dentro do vasto empreendimento coletivo . da evolução da consciência (Hatcher, Science, p. 24). Em nossa disposição para confIar nas forças de crescimento e transformação, e ser influenciados por elas, tornamo-nos parte de um processo orgânico que está abarcando e organizando a vida coletiva da humanidade, apesar de centrado em cada coração humano. Nesse sentido, a religião é a "ciência do amor de Deus" (Bahá'u'lláh, Os Sete Vales).

'Abdu'l-Bahá bem explica a unidade entre ciência e religião:

Religião e ciência são duas asas com as quais a inteligência do homem pode pairar nas alturas... Se um homem tentasse voar unicamente com a asa da religião, cairia imediatamente no pântano da superstição, enquanto, por outro lado, somente com a asa da ciência, também nenhum progresso faria, antes se afundaria no lodaçal desesperador do materialismo. (Palestras de 'Abdu 'l-Bahá, p. 115-6)

É por meio da equilibrada combinação e cooperação da ciência e da religião que a humanidade pode chegar a adquirir humildade e respeito genuínos pela Natureza e por Deus - como a força criativa do universo - ao mesmo tempo que aplica as habilidades e a tecnologia necessárias para satisfazer as necessidades físicas da civilização. Em termos do nosso crescimento espiritual e da nossa dependência física da ecosfera, somos instados por Deus a sermos, de forma consciente e integral, cidadãos de um mesmo lar terrestre. Nossa total dependência do ar, do sol, da água e de outras formas de vida corresponde à nossa dependência de Deus e a enfatiza.

Paradoxalmente, o desprendimento concede-nos a capacidade espiritual para desempenharmos conscientemente esse papel, sem sermos enredados numa existência puramente materialista.

Homem e Mulher: Igualdade e Equilíbrio

Nossa atual ordem social é expressão simbólica do ego masculino, com sua tendência para a racionalidade e a competição. Porém, as qualidades de ac'alento, intuição e sensibilidade emocional, mais associadas com o princípio feminino, são as qualidades mais necessárias em nosso relacionamento com a Natureza. O surgimento da consciência com relação ao meio ambiente e da igualdade da mulher têm sido desenvolvimentos paralelos. A palavra "ecologia" deriva do grego "oikos", que significa "casa". A Ecologia é o estudo do "lar" terrestre, e, para ecologistas e mulheres, o lar terrestre coletivo e o lar individual de uma família são habitats a serem respeitados e queridos.

Para os Bahá'ís, a igualdade da mulher é um objetivo essencial e uma condição para o estabelecimento de um mundo justo e pacífico. Enquanto as mulheres forem impedidas de alcançar seu completo potencial, a sociedade fica desequilibrada. Em 1912, 'Abdu'l-Bahá afirmou o seguinte a respeito desse importante tema:

... o homem tem dominado a mulher por ter qualidades mais fortes e agressivas, tanto físicas como mentais. Mas a balança já está mudando - a força está perdendo o seu peso e a agilidade mental, a intuição e as qualidades espirituais de amor e serviço, nas quais a mulher é forte, estão ganhando ascendência. Conseqüentemente, a nova era será uma era menos masculina, e mais permeada de ideais femininos. ... (Star Df the West, 3.3:4)

Uma Nova Ordem Mundial

A visão que domina tudo o que foi acima mencionado é o conceito de uma Nova Ordem Mundial. A Fé Bahá'í nada mais é que escatologia tornada realidade - a crença de que somos destinados a transformar a realidade, e não a suportá-la em função da promessa de salvação. Para os Bahá'ís, o estabelecimento de uma nova ordem mundial espiritualizada é visto como a meta e o propósito da vida humana nesta era, pois somos os portadores da evolução em direção ao Reino de Deus. William Hatcher nos relembra que as Escrituras Bahá'ís tornam muito claro que, assim como o indivíduo tem um propósito basicamente espiritual de existência, também a sociedade tem uma "raison d'être" [4] espiritual:

[4] "Razão de ser". Em francês no original.

O propósito espiritual da sociedade é prover um ambiente ótimo para o total e adequado crescimento e desenvolvimento espirituais dos indivíduos daquela sociedade. Na visão bahá'í, todos os outros aspectos da evolução social, tais como inovações tecnológicas, estruturas institucionais, procedimentos para .a tomada de decisões e o exercício da autoridade, interações grupais, e questões semelhantes, têm de ser julgados positivos ou negativos de acordo com sua contribuição ou seu desvio em relação à meta de se promover um ambiente favorável para o crescimento espiritual (Spirituality, p. 26).

Conforme esse ponto de vista, o desenvolvimento de uma sociedade que busca poder e domínio, seja sobre homens seja sobre a Natureza, evidentemente não é satisfatório. Estruturas baseadas em competição, conflito e poder são destrutivas para o crescimento espiritual. Reformar o mundo para satisfazer os desejos errôneos da humanidade é claramente uma violação do nosso propósito espiritual. Na realidade, ver a sociedade principalmente como um meio para organizar atividades econômicas de exploração da Natureza - para o fornecimento de bens materiais - é o que nos impede de sentir qualquer satisfação real no consumo desses bens. Somos impelidos a produzir e consumir cada vez mais, na esperança de satisfazer nossos desejos essencialmente insaciáveis. Num enfoque bahá'í, nossas necessidades reais são espirituais, e o crescimento espiritual somente pode ocorrer quando começarmos a nos relacionar com todos os homens, e com nosso lar terrestre, em espírito de unidade e cooperação. Dada a interconexão total entre a humanidade e a Natureza, seria impossível para os seres humanos atingirem perfeição espiritual à custa da Natureza.

Conclusão

Este estudo tentou relacionar algumas das Escrituras e dos princípios da Fé Bahá'í com a atual problemática do meio ambiente. De modo algum pode ser visto como um registro completo dessas Escrituras, nem se pode alegar que as Escrituras Bahá'ís contenham respostas específicas para o grande número de aspectos sociais, econômicos e biológicos envolvidos na solução dos problemas do meio ambiente. O que essas Escrituras sim oferecem é uma visão e uma promessa de transformação da sociedade, e a afirmação de que o impulso religioso que elas contêm representa a fonte mais completa da qual podem emanar os recursos espirituais, sociais e intelectuais que necessitaremos para resolver esses problemas. Como reconhecem os ecologistas profundos, a transformação necessária é tanto de caráter interno como externo.

O poder de transformação que a visão Bahá'í possui repousa no seu entendimento da unidade entre a evolução material e a espiritual. Dentro dessa visão, a interdependência ecológica da vida na terra pode ser entendida como a representação física de uma realidade espiritual unificadora. A humanidade faz parte dessa comunhão de vida, e o desenvolvimento material e espiritual da civilização faz parte de um processo planetário coletivo. O longo processo histórico de nos tomarmos seres conscientes através do afastamento da Natureza, está culminando na compreensão científica do profundo inter-relacionamento da vida.

É nesse contexto unificador que se deve colocar a atual conexão· destrutiva da humanidade com a Natureza. A ordem social hoje predominante baseia -se no afastamento e no controle da Natureza porque representa a fase adolescente no desenvolvimento progressivo da civilização. Tendo ultrapassado a dependência da infância por meio da impetuosa busca de autonomia da fase de adolescência, a humanidade está agora no ponto de transição para a maturidade consciente.

Nessa transição, começa a despontar a percepção de que nossa existência individual e social significou um sacrifício espantoso para o resto da criação. Se pudermos reconhecer o quanto nos foi dado, poderemos aceitar a responsabilidade de nossa posição e a tudo retribuir com gratidão. Esse religar da humanidade com a Natureza, então, é ao mesmo tempo um processo científico e religioso. Através do rápido crescimento do conhecimento científico, estamos sendo levados a reconhecer que somos filhos de "Gaia". Através do desenvolvimento de nossa consciência religiosa, podemos compreender que "A cura da Terra é o novo sacramento, uma celebração de gratidão à Terra por seu sacrifício" (Grainger, Doom, p.13). Todo trabalho em que nos ocupamos tornar-se-á verdadeira adoração quando nossas capacidades espirituais e técnicas forem dedicadas ao serviço da totalidade da vida. Com essa consciência, os seres humanos tomar-se-ão, junto com a Natureza, co-criadores do Reino de Deus.

Essa visão de transformação não mais é idealista ou utópica - tendo em vista as desastrosas conseqüências, para seres humanos e ecologia, que teremos de enfrentar se continuarmos "a fazer as coisas do jeito de sempre" - este é o novo realismo. Essa transformação é possível porque as forças de crescimento que impulsionaram a evolução da vida desde o início ainda estão operando dentro da sociedade humana. Esse conceito é reafirmado pelo teólogo Thomas Berry, que ecoa o visionário Teilhard de Chardin. Há motivos para crer que as forças misteriosas que "moldaram o planeta sob nossos pés", e "guiaram a vida através de sua espantosa variedade de expressão" - em sistemas ecológicos naturais e culturas humanas - "não desmoronaram repentinamente devido ao grande volume de afazeres humanos durante esse final do século vinte" (Berry, Ecological Age, p. 10-11). O restaurar de uma visão de totalidade em nosso relacionamento com a Natureza, e de propósito espiritual na inteira evolução da vida, nos dá uma base para criar uma cultura que ratifique a vida. Oferece-nos um motivo para confiar na vida e nas capacidades humanas de fé e criatividade. Apresenta-nos um contexto positivo para a elaboração de sistemas de produção que apóiem a vida, em vez de esgotá-la. Encoraja a liberação do potencial espiritual dos indivíduos, de forma que possam tomar-se agentes de transformação do mundo, ao mesmo tempo em que promovem a evolução de suas próprias almas. Todos esses são aspectos da integração das duas realidades: a espiritual, interna, com a material, externa - e todos estão envolvidos no desenvolvimento de uma sociedade ecologicamente sustentável.

APÊNDICE

Este estudo concentra-se nos princípios básicos da Fé Bahá'í, na medida em que ponderam profundamente sobre nosso relacionamento com o mundo natural. Em acréscimo ao nível das idéias, um relacionamento positivo é realçado, tanto pela simbologia como pela prática. No campo simbólico, inúmeras são as referências feitas dentro das Escrituras e orações Bahá'ís a analogias orgânicas, tais como árvores, jardins, pomares, e o corpo. 'Abdu'l-Bahá falou sobre "este paraíso terrestre", sobre o "oceano da misericórdia de Deus", a "brisa animadora do amor e da solidariedade" e as "águas viventes de amizade". A unidade da humanidade é retratada como as "ondas do mesmo mar, as folhas da mesma árvore". A própria Revelação é mencionada como uma "primavera divina" pela qual a terra toma-se "verde e florida". Falando do princípio da unidade na diversidade, 'Abdu'l-Bahá escreve:

Considerai as flores do jardim: embora diferentes em espécie, cor, forma e aspecto, são refrescadas pelas águas da mesma fonte, revificadas pelo sopro do mesmo vento, revigoradas pelos raios do mesmo sol; essa diversidade aumenta o seu encanto e amplia a sua beleza. (Bahá'í World, p. 54)

Essas metáforas são usadas para ilustrar princípios espirituais e invocam os sentimentos especiais que os Fundadores da Fé associam à Natureza. Mostram claramente que todas as figuras centrais da Fé Bahá'í tinham um amor carinhoso pela beleza da Natureza e do campo, e uma necessidade vigorosamente manifestada de ficar em contato com ela. Durante os longos anos de exílio, Bahá'u'lláh sofreu com Seu isolamento das pessoas e da vida campestre, que amava tanto. Sabedores de Seu amor pelas plantas, muitos Bahá'ís que viajaram do Irã para visitar Bahá'u'lláh em Akká levavam plantas consigo, recusando-se a beber a pouca água que traziam junto através do deserto a fim de preservá-la para as plantas. Proibidos de entrar na cidade, criaram com essas flores um jardim fora dela. Nos últimos anos da Sua vida, quando foi permitido a Bahá'í 'lláh viver fora de Akká, em prisão domiciliar, Ele viveu em Bahjí. Belos jardins foram criados alí, os quais continuam sendo aprimorados ainda hoje, do mesmo modo que os elaborados jardins no Centro Mundial Bahá'í. 'Abdu'l-Bahá e Shoghi Effendi também tinham um amor profundo por jardins e pela Natureza. Shoghi Effendi, que apreciava realizar passeios solitários nas montanhas da Europa, projetou pessoalmente a maioria dos jardins do Centro Mundial Bahá'í.

OBRAS CITADAS
'Abdu'l-Bahá. Makátíb. Vol. 1.

- Palestras de 'Abdu 'l-Bahá; Paris 1911. Bahá'í do Brasil, Rio de Janeiro, 1979.

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ROBERT A. WHITE tem título de Bacharel em Agricultura pela Universidade de Saskatchewan e de Mestre em Estudos Ambientais pela Universidade de York. Atualmente, desenvolve tese de Doutorado em Educação Ambiental na Universidade de Toronto. É um dos membros-fundadores da Fundação Richard St. Barbe-Baker e atua como consultor para o Escritório do Meio Ambiente da Comunidade Internacional Bahá'í em Nova Iorque.


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