1. Toda A Natureza É Governada Por Uma Lei Universal
A Natureza é a condição, a realidade, que consiste aparentemente em vida e morte ou, em outras palavras, na composição e decomposição de todas as coisas.
Essa Natureza está sujeita a uma organização absoluta, a leis determinadas, a uma ordem completa, a um plano consumado, dos quais jamais se afastará, e a tal ponto que, se examinarmos a criação atentamente, com vista aguçada, desde o mais microscópio átomo até aos maiores astros do universo, tais como o globo solar ou as outras grandes estrelas e esferas luminosas – seja observando sua posição, sua composição, sua forma ou seu movimento – verificaremos, na realidade, acharem-se todos no mais alto grau de organização, e sujeitos a uma lei, da qual jamais se poderão afastar.
Ao contemplarmos, porém, a própria Natureza, vemos que ela não tem inteligência ou vontade. O fogo, por exemplo, tem como qualidade inerente a de queimar, e queima, pois, sem vontade ou inteligência; a água por natureza flui, assim fazendo sem vontade ou inteligência; é da natureza do sol brilhar, e ele brilha sem vontade ou inteligência; o vapor, segundo exigência de sua natureza, sobe, assim agindo sem vontade ou inteligência. Torna-se evidente, pois, que os movimentos naturais de todas as coisas são involuntários; não há movimento voluntário, exceto nos animais e, sobretudo, no homem. O homem pode desviar-se da Natureza e ir de encontro às suas leis, porque conhece a constituição das coisas, e assim domina as forças da Natureza; todas as suas invenções são devidas à sua descoberta da constituição das coisas, como, por exemplo, o telégrafo, meio de comunicação entre oriente e ocidente. É óbvio, pois, que o homem rege a Natureza.
Ora, vendo essa tão perfeita organização, essa ordem e lei, pode-se dizer que tudo isso seja efeito da Natureza, embora ela não possua nem inteligência nem percepção? Se não é assim, essa Natureza, que carece de percepção e inteligência, está, evidentemente, nas mãos de Deus, o Todo-poderoso, Regente do mundo da Natureza. Tudo que é de Seu desejo, Ele faz a Natureza manifestar.
Uma das coisas que apareceram no mundo da existência e um dos requisitos da Natureza, é a vida humana. Considerado sob esse aspecto, o homem é o ramo, e a Natureza a raiz; será, então, possível que a vontade, a inteligência, e as perfeições que existem no ramo, não existam na raiz?
Está claro, pois, que a Natureza em sua própria essência está nas mãos de Deus, o Eterno, o Onipotente. Ele faz a Natureza conformar-se a leis acuradas: Ele a rege. (1)
-~-Uma das demonstrações, uma das provas, da existência de Deus, é o fato de o homem não ter dado origem a si mesmo; quem o criou e o modelou não foi ele próprio.
É certo, é indiscutível, que o criador do homem não se assemelha ao homem, pois é impossível uma criatura sem poder criar outra. O criador tem de possuir todas as perfeições, a fim de que possa criar.
Pode a criação ser perfeita, e o criador imperfeito? Pode uma tela ser obra-prima, e o pintor ser imperfeito na sua arte, quando ela é criação sua? Além disso, a tela nunca vem a ser igual ao pintor, pois então se teria criado a si mesma. Por mais perfeita que seja a tela, comparada com o pintor, está no grau máximo da imperfeição.
A contingência é a origem das imperfeições; Deus é a origem das perfeições. As imperfeições do mundo contingente são em si prova das perfeições de Deus. Por exemplo, quando se observa o homem, nota-se que é fraco. Essa fraqueza da criatura é uma prova da força do Todo-poderoso, do Eterno, pois se não houvesse força, não se poderia imaginar fraqueza. Então, a fraqueza da criatura é uma prova do poder de Deus, porque se não houvesse poder, não seria possível haver fraqueza; assim, dessa fraqueza, vê-se que existe poder no mundo. Também, no mundo contingente há pobreza; então, já que se vê pobreza no mundo, necessariamente existe riqueza. No mundo contingente há ignorância; já que existe ignorância, há de existir conhecimento, pois se não houvesse conhecimento, tampouco haveria ignorância. A ignorância é a inexistência do conhecimento, e se não houvesse existência, não haveria inexistência.
É certo que todo o mundo contingente está sujeito a uma lei, a um plano, do qual nunca pode fugir; até o próprio homem é forçado a submeter-se à morte, ao sono, e a outras condições. Significa isto que, sob certos aspectos, o homem é governado; necessariamente, pois, alguém o governa. Desde que um dos característicos dos seres contingentes é a dependência, e essa dependência é uma necessidade inerente, deve haver, pois, um ser que possua uma independência própria, essencial.
É claro, também, que o fato de haver homens doentes prova que há pessoas com saúde; pois se não houvesse saúde, não se distinguiria a doença.
Disso concluímos, portanto, haver um Todo-poderoso, um Ser Eterno, possuidor de todas as perfeições, porque se não as possuísse, seria semelhante à Sua criatura.
Em todo o mundo da existência ocorre o mesmo: a menor coisa criada prova que há um criador. Este pedaço de pão, por exemplo, prova que alguém o fez.
Louvado seja Deus! A mais ligeira mudança efetuada na forma da mínima coisa prova a existência de um criador. Será possível, então, que este grande universo – este universo infinito, se tenha criado a si mesmo, que deva sua existência apenas à ação da matéria, dos elementos? Que erro extraordinário é tal suposição!
Esses argumentos, tão óbvios, destinam-se às almas fracas, mas quando a percepção interior está atenta, cem mil provas claras tornam-se evidentes. Assim, quando o homem sente o espírito dentro de si, não tem necessidade de argumentos para provar essa existência; para os que não possuem a graça espiritual, porém, impõem-se argumentos de ordem externa.
-~-Ao examinarmos a existência, verificamos necessitarem os mundos mineral, vegetal, animal e humano de alguém que os cultive.
Se a terra não for cultivada, tornar-se-á uma espécie de floresta, onde crescerá apenas mata inútil; mas se um agricultor a vier lavrar, produzirá colheitas que irão nutrir os seres vivos. É claro, portanto, que o solo precisa ser trabalhado pelo lavrador. Observemos as árvores: sem trato não produzem frutos, sendo assim inúteis; mas quando recebem os cuidados de um agricultor, essas mesmas árvores estéreis tornam-se frutíferas e, graças ao cultivo, à fertilização e enxertia, as que tinham frutos amargos dão frutos doces. Estas provas são racionais e, na época em que vivemos, os povos do mundo necessitam de argumentos racionais.
Algo semelhante ocorre também no que diz respeito aos animais: quando amestrado, o animal torna-se doméstico. Também o homem que não recebe educação é bestial. Mais ainda: se o homem permitir que a natureza o domine, colocar-se-á mais abaixo do animal, enquanto, se for educado, tornar-se-á um anjo. A maioria dos animais não devora os de sua espécie, mas os homens, como sucede entre os negros da África Central, matam-se e comem-se uns aos outros.
Agora reflitamos: a educação sujeita oriente e ocidente à autoridade do homem, produz indústrias maravilhosas e divulga a glória das ciências e das artes; é graças à educação que novas descobertas se realizam e as leis evoluem. Se nenhum educador tivesse existido, não haveria as facilidades de hoje, nem conforto de espécie alguma; a própria civilização, e até mesmo os sentimentos de humanidade seriam desconhecidos. Se o homem for abandonado numa selva onde não veja nenhum semelhante, permanecerá inculto, sem dúvida. A necessidade de um educador é óbvia.
Há três espécies de educação: material, humana e espiritual. A primeira trata do crescimento, do desenvolvimento do corpo por meio da alimentação, do repouso, e de todos os recursos materiais. Esse tipo de educação é comum ao animal e ao homem.
A educação humana significa civilização, progresso; quer dizer, governo, administração, obras de caridade, profissões, artes e ofícios, ciências, descobertas das leis físicas, e grandes invenções – atividades estas que, além de essenciais ao homem, ainda o distinguem do animal.
A educação divina é a do Reino de Deus: consiste na aquisição das perfeições divinas – é a verdadeira educação; pois, graças a ela, o homem torna-se o centro das virtudes divinas, a manifestação das palavras: “Façamos o homem à Nossa imagem e semelhança”. Eis o supremo objetivo do mundo humano.
Ora, precisamos de um educador que possa dar ao mesmo tempo a educação material, a humana e a espiritual, e cuja autoridade seja válida em todas as circunstâncias.
Se alguém dissesse: “Possuo perfeita compreensão e inteligência, e não necessito de tal educador”, estaria negando tanto o claro e o evidente, como se uma criança dissesse: “Não preciso de educação, agirei de acordo com meu raciocínio e minha inteligência, e assim adquirirei as perfeições da existência”; ou como se um cego dissesse: “Não tenho necessidade de vista, porque muitos outros cegos vivem sem dificuldade”.
É, pois, claro, indiscutível, que o homem necessita de um educador, e esse educador deve ser, fora de qualquer dúvida, perfeito em todos os sentidos; deve distinguir-se entre todos os homens. De outro modo não poderá ser seu educador, pois essa educação deve abranger ao mesmo tempo os planos material, humano e espiritual, ensinando a tratar de assuntos materiais, estabelecer um plano social que assegure subsistência na vida, e realizar, enfim, uma organização material adaptável a quaisquer circunstâncias que possam surgir.
O educador terá de tratar da educação humana: treinará a inteligência e os pensamentos a fim de que se desenvolvam da maneira mais completa, os conhecimentos aumentem, as ciências se divulguem, e a realidade das coisas, os mistérios da criação, as propriedades da existência, sejam reveladas. Assim, dia a dia, o nível da instrução se elevará, veremos invenções mais perfeitas, leis melhoradas, e, das coisas perceptíveis aos sentidos, tiraremos conclusões de natureza intelectual.
Também deve ele incutir a educação espiritual, a fim de que inteligência e compreensão penetrem o mundo metafísico, e o homem receba as graças purificadoras do sopro do Espírito Santo, integrando-se na Assembléia Suprema. Ele deve educar a realidade humana, a ponto de torná-la centro das virtudes divinas, para que o nome e os atributos de Deus resplandeçam no espelho dessa realidade, provando assim a verdade do santo versículo: “Faremos o homem à Nossa imagem e semelhança”.
Ao poder humano, é claro, falta a capacidade para desempenhar este exaltado papel; a razão por si só seria incapaz de assumir a responsabilidade de missão tão grandiosa. Como pode alguém, sozinho, sem auxílio ou apoio, lançar os alicerces desta nobre construção? Tem de estar ele na dependência do poder espiritual, divino, a fim de empreender essa missão elevada.
Um único Ente Sagrado vivifica o mundo humano, transforma o aspecto do globo terreno, leva a inteligência a progredir, anima as almas, lança os alicerces de uma nova existência, estabelece a base de uma criação maravilhosa, organiza o mundo, reúne as nações e as religiões à sombra da mesma bandeira, liberta o homem dos vícios, das imperfeições, e incute-lhes o desejo e a necessidade das perfeições inatas e adquiridas. Somente um poder divino realizaria obra de tamanha grandeza. Devemos considerar o assunto com justiça, pois requer justiça.
Uma Causa que todos os governos, todos os povos do mundo, apesar de seus grandes recursos e exércitos, não podem promulgar e estabelecer, um único Ente Sagrado promove sem auxílio ou apoio! Seria isso realizável por simples poder humano? Não, em nome de Deus! Cristo por exemplo, inteiramente só, levantou o estandarte da paz espiritual e da retidão, obra esta que todos os governos vitoriosos, com todas as suas hostes, não puderam realizar. Reflitamos sobre o destino de tantos impérios e povos diversos: o Império Romano, a França, a Alemanha, a Rússia, a Inglaterra, etc. Todos reuniram-se sob o mesmo teto; isto é, quando Cristo veio, uniu essas várias nações e a tal ponto – tamanha foi a influência do cristianismo – que algumas pessoas sacrificaram suas vidas e seus bens pelas outras. Depois de Constantino, defensor do cristianismo, sugiram dissensões entre elas.
O ponto a que desejo chegar é: Cristo sustentou uma Causa que todos os reis da terra não puderam estabelecer! Ele uniu as várias religiões e alterou costumes antigos. Consideraremos as grandes divergências existentes entre sírios, egípcios, fenícios, israelitas, e entre romanos, gregos e outros povos da Europa! Cristo, no entanto, removeu estas divergências; mais ainda, tornou-se causa de amor entre estas comunidades. Embora, tempos depois, os impérios destruíssem essa união, a obra de Cristo fora realizada.
O educador universal deve ser, pois, educador não só no sentido material, mas também nos planos humano e espiritual. Ele deve possuir um poder sobrenatural, a fim de desempenhar o papel de educador divino. A não ser que demonstre esse santo poder, não será capaz de educar; pois, se for imperfeito, como poderá dar uma educação perfeita? Se for ignorante, incutirá ele sabedoria nos outros? Se for injusto, de que modo fará justos aos outros? Se for terreno, tornará os outros celestiais?
Ora, devemos refletir com justiça: os divinos Manifestantes (1) que têm aparecido, possuíam, ou não, todos esses atributos? Se não os possuíam, se não demonstraram essas perfeições, não eram educadores verdadeiros.
Nossa tarefa deve ser, pois, a de apresentar, aos que pensam, argumentos racionais, a fim de provarmos que Moisés, Cristo, e os outros Manifestantes Divinos eram verdadeiros Profetas. As evidências e provas que citaremos não devem ser baseadas em argumentos tradicionais, mas sim, em racionais.
Por argumentos racionais já provamos ter o mundo da existência, necessidade absoluta de um educador, sendo sua educação alcançada somente através de um poder divino. Sem dúvida alguma, este santo poder vem pela inspiração, e o mundo há de ser educado por este poder que transcende o meramente humano.
-~-Abraão foi um dos que possuíram esse poder e foram por ele amparados. Nasceu no país de entre-rios (Mesopotâmia), de uma família que nenhum conhecimento tinha da Unidade de Deus. Ele se opôs a Seu próprio povo, até mesmo à Sua própria família, com o repúdio a todos os deuses em que acreditavam. Sozinho, e sem apoio, resistiu a uma tribo poderosa – ato nem simples, nem fácil. Era como se alguém em nosso tempo fosse a um povo cristão, um povo devotado à Bíblia, e negasse Cristo; ou, na Corte Papal – Deus me perdoe! – blasfemasse violentamente contra Cristo, em oposição a todos os circunstantes.
Aquele povo não acreditava em um só Deus, mas em muitos deuses, aos quais atribuía milagres. Por isso, levantaram-se todos contra Ele, menos Lot, filho de seu irmão, e duas ou três outras pessoas sem importância. Finalmente, reduzido à completa miséria pela oposição dos inimigos, Abraão teve que sair da terra natal. Na verdade, expulsaram-No para que fosse destruído, esmagado, e Dele não restasse nenhum traço sequer.
Veio, pois, Abraão para o solo da Terra Santa. Os inimigos haviam pensado que Seu exílio seria Sua destruição, Sua ruína, pois lhes parecia impossível um homem ser desterrado, privado de seus direitos, oprimido por todos os lados, e ainda escapar ao extermínio – mesmo sendo rei. Abraão, no entanto, manteve-se inabalável, demonstrando uma firmeza sobrenatural, e Deus fez esse exílio tornar-se causa de Sua honra eterna, pois Ele estabeleceu a Unidade de Deus em meio a uma geração politeísta. Em conseqüência do exílio, os descendentes de Abraão vieram a ser poderosos, e a Terra Santa foi-lhes concedida. Ainda como resultado disso, os ensinamentos de Abraão foram largamente disseminados, surgindo entre os Seus pósteros um Jacob, e um José, que foi regente do Egito. E mais outra conseqüência do exílio: um Moisés, e um entre como Cristo, surgiram de Sua posteridade, bem como, ainda nesta, encontrou-se Hagar, de quem nasceu Ismael, de quem descendeu, por sua vez, Maomé. São igualmente da descendência de Abraão os profetas de Israel, e também o Báb. (1) E assim há de continuar para todo o sempre. Finalmente, como resultado de Seu exílio, a Europa inteira e a maior parte da Ásia vieram abrigar-se à sombra do Deus de Israel.
Vemos que grande poder foi esse, graças ao qual um fugitivo de seu país conseguiu fundar semelhante família, promulgar tais ensinamentos, e estender tão longe a fé divina. Poderá alguém dizer que isso tivesse ocorrido acidentalmente? Devemos ser justos: este homem foi um educador, ou não?
Se o exílio de Abraão, de Ur a Alepo na Síria, produziu tamanho resultado, qual será o efeito do exílio de Bahá´u´lláh, e de Suas inúmeras peregrinações: de Teerã a Bagdá, daí a Constantinopla, à Romélia, e à Terra Santa?
Que educador perfeito foi Abraão!Moisés, durante muito tempo, vivia no deserto como pastor. Aos olhos do mundo, era um homem criado por uma família tirânica, e tido nas redondezas como assassino. Era detestado pelo governo e pelo povo de Faraó.
Tal foi o homem que libertou dos grilhões do cativeiro uma grande nação, e a tornou feliz, levando-a do Egito para a Terra da Promissão.
Seu povo foi assim elevado da mais profunda degradação às alturas da glória. Fora cativo; tornou-se livre. Era um dos mais ignorantes entre os povos; veio a ser o mais sábio. Graças às instituições estabelecidas por Moisés, este povo alcançou uma posição que o enobreceu entre todas as nações, e sua fama estendeu-se por todas as terras, a tal ponto que, nas nações vizinhas, se alguém queria elogiar um homem, dizia: “Certamente, é israelita”. Moisés estabeleceu a lei religiosa e a lei civil; estas deram vida ao povo de Israel, e elevaram-no ao mais alto grau de civilização possível naquele tempo.
Tão grande foi o desenvolvimento atingido por esse povo, que os sábios da Grécia vieram a considerar os homens ilustres de Israel como modelos de perfeição. Sócrates, por exemplo, visitou a Síria, recebeu dos filhos de Israel os ensinamentos relativos à unidade de Deus e à imortalidade da alma e, após seu regresso, disseminou-os em toda a Grécia. Mais tarde, o povo levantou-se contra ele, acusando-o de impiedade; processaram-no no Areópago, e condenaram-no à morte por veneno.
Ora, como pôde um homem gago, criado na casa de Faraó, com fama de assassino – durante muito tempo se ocultando por medo, mais tarde pastor – sustentar uma Causa tão grande, quando os maiores filósofos do mundo não atingiram a milésima parte dessa influência? Eis, na verdade, um prodígio!
Um homem que gaguejava, mal podendo falar corretamente, conseguiu sustentar esta grande Causa! Sem o apoio do poder divino, nunca teria realizado obra tão elevada. É um fato inegável. Os cientistas, os filósofos gregos, os grandes homens de Roma, tornaram-se célebres no mundo inteiro por se terem especializado, cada um deles, num único ramo de conhecimento: assim, Galeno e Hipócrates na medicina, Aristóteles na lógica, e Platão na ética. Como pôde um pastor adquirir todos esses conhecimentos? Deve ter tido, sem dúvida alguma, o amparo de um poder supremo. Consideremos também quantas provações e dificuldades vem a sofrer uma pessoa. A fim de impedir um ato cruel, Moisés viu-se obrigado a atacar um egípcio, e tornou-se então conhecido como assassino, mais notavelmente porque o homem morto pertencia à nação dominante. Fugiu, e só mais tarde foi elevado ao grau de Profeta!
Apesar da má fama, quão admiravelmente um poder sobrenatural o guiou a estabelecer Suas grandes leis e instituições!
-~-Depois veio Cristo, afirmando: “Nasci do Espírito Santo”. Embora hoje os cristãos aceitem facilmente esta asserção, naquele tempo isso era muito difícil. Segundo o texto do Evangelho, os fariseus diziam: “Não é este o filho de José de Nazaré, nosso conhecido? Como pode dizer, então: – Desci do céu?”
Numa palavra, este homem tão humilde, aos olhos de todos, ergueu-se com tamanho poder que destronou uma religião datando de mil e quinhentos anos, e quando a mais leve divergência em relação a ela expunha o transgressor a perigos, ou mesmo à morte. Além disso, no tempo de Cristo, a moral do mundo inteiro se tornara confusa e se corrompera, e Israel havia descido aos mais baixo nível de degradação, miséria e cativeiro. Em determinada época foram os israelitas escravizados pelos caldeus e persas; em outra, pelos assírios; depois, tornaram-se súditos e vassalos dos gregos; finalmente, no tempo de Cristo, os romanos exerciam domínio sobre eles e os tratavam com desprezo.
Este jovem, Cristo, através de um poder sobrenatural, anulou a antiga Lei Mosaica e estabeleceu um mais alto nível geral de moralidade; assim, mais uma vez, foram lançados os alicerces da glória eterna dos israelitas. Ele, além disso, trouxe à humanidade a boa nova da paz universal, e difundiu ensinamentos que não eram só para Israel mas também se destinavam a promover o bem-estar de todos os homens.
Quem primeiro tentou aniquilá-lo foram os israelitas e os próprios parentes, e, a julgar pelas aparências, venceram-No, submeteram-No a extremas angústias, colocando-Lhe finalmente na cabeça uma coroa de espinhos, e crucificando-O. Cristo, porém, enquanto parecia estar na mais profunda miséria e aflição, proclamava: “Este Sol resplandecerá, esta Luz brilhará, minha graça há de abalar o mundo, e meus inimigos serão humilhados.” Tal como Ele disse, aconteceu: todos os reis da terra não Lhe puderam resistir, todos os seus estandartes foram derrubados, enquanto a bandeira deste Oprimido se ergue até o zênite.
Isto escapa a todas as normas da razão humana. É claro, pois, é óbvio, ter sido este Ser Glorioso um verdadeiro educador da humanidade, assistido e confirmado por um poder divino.
-~-Passemos agora a Maomé. Na América e na Europa tem circulado muitas histórias a respeito do Profeta, tidas por autênticas, embora seus narradores fossem, ou pessoas de nenhum conhecimento, ou inimigos. Muitos eram sacerdotes, e outros muçulmanos sem instrução, que repetiam histórias infundadas acerca de Maomé, com as quais eles, por ignorância, supunham louvá-Lo.
Assim, alguns muçulmanos atrasados fizeram de Sua poligamia objeto de louvores, considerando-a uma maravilha, uma coisa excelente; e os historiadores europeus, em sua maior parte, confiaram no testemunho dessas pessoas ignorantes. Disse uma, por exemplo, a um clérigo, ser a verdadeira prova da grandeza a bravura, o derramamento de sangue, e que, num só dia no campo de batalha, um adepto de Maomé havia degolado cem homens! Disso o clérigo inferiu que pelo assassinato o crente deveria provar a Maomé sua fé Nele – o que é pura imaginação. As expedições militares de Maomé, pelo contrário, foram sempre defensivas. Uma prova disso é que Ele e os discípulos suportaram em Meca, durante treze anos, as mais violentas perseguições. Durante todo esse tempo tornavam-se alvo das setas do ódio: alguns foram mortos, sendo confiscados os seus bens; outros fugiram para países estrangeiros. O próprio Maomé, após as mais severas perseguições movidas pelos goreishitas, que haviam finalmente resolvido matá-Lo, fugiu para Medina altas horas da noite. Mesmo assim, os inimigos não O deixaram em paz; perseguiram-No até Medina, e os discípulos até a Abissínia.
Essas tribos árabes viviam no mais baixo nível de barbarismo, de selvageria; comparados a eles, os selvagens da África e índios da América eram tão adiantados como Platão. Estes não enterram vivas as filhas, como faziam os árabes, vangloriando-se disso como se fora coisa louvável. (1) Muitos homens ameaçavam as esposas, dizendo: “Se deres à luz uma filha, matar-te-ei”. Ainda hoje os árabes desprezam as filhas. Além disso, naquele tempo era permitido a um homem esposar mil mulheres, e a maioria tinha mais de dez no lar. Quando essas tribos faziam guerra, a tribo vitoriosa levava consigo as mulheres e crianças inimigas e as escravizava.
Quando morria um homem que tinha dez mulheres, os filhos destas apoderavam-se uns das mães dos outros; se um deles atirava o manto sobre a cabeça de uma esposa do pai, exclamando: “Esta mulher é, por lei, propriedade minha”, a infeliz era desde então o que desejasse: matá-la, encarcerá-la num poço, bater-lhe, amaldiçoá-la e torturá-la até que a morte a livrasse, pois de acordo com os hábitos e costumes dos árabes era seu amo.
Claro que é que existiam no lar, entre esposas e filhos, malignidade, ciúmes, ódios e inimizade; não precisamos estender-no sobre o assunto. Podemos bem imaginar a situação, a vida dessas mulheres oprimidas! Além disso, essas tribos árabes viviam de pilhagem e roubo, e estavam constantemente guerreando; matavam-se uns aos outros, saqueavam os bens uns dos outros e capturavam mulheres e crianças, as quais vendiam aos estrangeiros. Quantas vezes não aconteciam aos filhos e filhas de um amir – que trocavam os dias por noites de vaidade e requintada luxúria – verem suas noites seguidas por manhãs de extrema vergonha, de pobreza e de cativeiro. Ontem eram amires, hoje cativos; ontem grandes senhoras, hoje escravas.
Entre essas tribos foi Maomé criado, e após suportar durante treze anos suas perseguições, fugiu. (1) Não cessaram, porém, de oprimi-Lo; reuniram-se para exterminar a Ele e a todos Seus adeptos. Em tais circunstâncias Maomé viu-se forçado a recorrer às armas. Esta é a verdade; pessoalmente, não temos preconceitos, não desejamos defendê-Lo, mas somos justos e dizemos o que é justo. Vede isto com justiça. Tivesse o próprio Cristo se encontrado em circunstâncias iguais, no meio de tribos tão tirânicas e bárbaras – se Ele e os discípulos houvessem suportado todas essas provações, pacientemente, durante treze anos, tendo por fim fugido de Sua terra natal, e se, apesar disso, essas tribos selvagens continuassem a persegui-Lo, a matar o homens, a saquear suas propriedades, e a fazer cativas suas mulheres e crianças – qual teria sido a atitude de Cristo? Se tal opressão se houvesse limitado a Sua pessoa, Ele as teria perdoado, e Seu ato teria sido muito louvável; mas se tivesse visto aqueles assassinos cruéis, sedentos de sangue, querendo matar, saquear e danificar a todos esses oprimidos, e capturar as mulheres e crianças, certamente Ele os teria protegido, teria resistido aos tiranos. Que objeção, pois, pode-se fazer aos atos de Maomé? Pode-se censurá-Lo e a Seus adeptos, com esposas e filhos, por não se terem querido submeter àquelas tribos selvagens? O maior benefício a prestar àquelas tribos era livrá-las de sua sede de sangue; era um verdadeiro favor coagi-las e contê-las, mesmo à força. Assemelhavam-se a um homem que segura na mão um copo de veneno, quando, no momento exato de bebê-lo, um amigo lhe quebra o copo, assim o salvando. Tivesse Cristo se achado em circunstâncias iguais, teria, certamente, com um poder triunfante, livrado os homens, mulheres e crianças das garras daqueles lobos sanguinários.
Jamais Maomé se mostrou inimigo dos cristãos, mas sim, tratava-os bondosamente e concedia-lhes inteira liberdade. Em Najran viva uma comunidade cristã sob Seus cuidados e proteção. Maomé disse: “Se alguém lhes infligir os direitos, Eu mesmo serei seu inimigo e na presença de Deus o acusarei”. Nos éditos por Ele promulgados, disse claramente que as vidas, as propriedades, e as leis dos cristãos e dos judeus estavam sob a proteção de Deus, e também, se um maometano casasse com uma cristã, não a deveria impedir de freqüentar a igreja, nem a obrigar a usar o véu, e, se ela morresse, devia entregar os restos mortais ao cuidado do clero cristão. Disse ser dever do Islã auxiliar aos cristãos se estes desejassem construir uma igreja. Em caso de guerra entre o Islã e seus inimigos, os cristãos deveriam ser isentos da obrigação de combater, a não ser que desejassem tomar parte, por sua espontânea vontade, visto estarem sob a proteção dos maometanos; mas em compensação, por essa imunidade, deveriam pagar anualmente uma pequena quantia. Há sede éditos pormenorizados que tratam desses assuntos, dos quais ainda existem algumas cópias, em Jerusalém. Isso é um fato estabelecido, independente de minha afirmação. O decreto do segundo califado (1) existe ainda, sob a custódia do Patriarca ortodoxo de Jerusalém: disso não há dúvida. (2)
Após certo tempo, no entanto, em conseqüência das transgressões de ambos, maometanos e cristãos, surgiram entre eles ódios e inimizades. Fora disto, todas as narrações de muçulmanos, cristãos ou outros, não passam de simples invenções, que se originaram no fanatismo, na ignorância, ou na inimizade. Dizem os muçulmanos, por exemplo, que Maomé rachou a lua, fazendo-a cair sobre a montanha de Meca; pensam ser a lua um corpo pequeno que Maomé dividiu em duas partes jogando uma sobre essa montanha e a outra sobre outra. Tais histórias são pura obra de fanatismo. Também as tradições citadas pelo clero e os incidentes que censuram, são todos exagerados, quando não inteiramente sem base.
Em resumo, Maomé apareceu no deserto de Hijaz, na Península Árabe, numa região desolada, estéril, arenosa e desabitada. Algumas partes, como Meca e Medina, são quentes, em excesso; o povo é nômade, com os costumes e modos dos habitantes do deserto, inteiramente destituído de educação e de conhecimento científicos. O próprio Maomé era analfabeto, e o Alcorão foi escrito originariamente sobre omoplatas de carneiro, ou sobre folhas de palmeira. Esses pormenores indicam a condição do povo ao qual Maomé fora enviado. A primeira pergunta que Ele lhes fez foi: “Por que não aceitaram o Pentateuco e o Evangelho, nem acreditam em Cristo, e em Moisés?” Isso apresentou-lhes dificuldades , e argüiram: “Os nossos antepassados não acreditavam no Pentateuco, nem no Evangelho; diga-nos: por que sucedeu isso?” E ele replicou: “Eles estavam errados; vós deveis rejeitar os que não acreditam no Pentateuco e no Evangelho, ainda que sejam vossos pais ou vossos antepassados”.
Num país como esse, entre tribos tão bárbaras, um homem analfabeto criou um livro em que expôs, num estilo eloqüente, sublime, as qualidades e perfeições divinas, esclarecendo o dom de profeta concedido aos Mensageiros de Deus, e revelando as leis divinas e alguns fatos científicos.
Sabemos que, antes das observações dos tempos modernos, isto é, durante os primeiros séculos e até ao século XV da era cristã, todos os matemáticos do mundo concordaram em dizer que a terra era o centro do universo, e que o sol se movia. O famoso astrônomo (1) propugnador da nova teoria descobriu o movimento da terra e a fixidez do sol. Todos os astrônomos e filósofos anteriores haviam seguido o sistema ptolemaico, considerando ignorante quem não o aceitasse. Se bem que Pitágoras, e Platão – durante a última parte da vida – adotassem a teoria de que o movimento anual do sol em seu percurso do zodíaco procedia do movimento da terra em volta do sol, em vez de ser do próprio sol, essa teoria havia sido inteiramente esquecida, sendo o ptolemaico o sistema aceito por todos os matemáticos. Há, no entanto, alguns versículos revelados no Alcorão contrários à teoria do sistema ptolemaico, como: “O sol move-se num lugar fixo”, (2) o que mostra a fixidez do sol e seu movimento em redor de um eixo, e em outro versículo: “E cada estrela move-se em seu próprio céu”. (1) Assim é explicado o movimento do sol, da lua, da terra e dos outros astros. Quando apareceu o Alcorão, todos os matemáticos ridicularizavam essas afirmações, atribuindo à ignorância tal teoria. Até mesmo os doutores do Islã, verificando serem esses versículos contrários ao sistema ptolemaico, universalmente aceito, sentiram-se constrangidos a dar-lhes outra interpretação.
Foi somente depois do século XV da era cristã, quase novecentos anos após Maomé, que um astrônomo famoso fez novas observações por meio do telescópio por ele inventado, dos quais resultaram descobertas importantes, como a rotação da terra, a fixidez do sol, e também seu movimento em volta de um eixo. Viu-se, assim, que os versículos do Alcorão estavam em harmonia com os fatos existentes e o sistema ptolemaico era imaginário.
Enfim, muitos povos orientais foram educados durante treze séculos à sombra da religião de Maomé. Na Idade Média, quando a Europa descera ao mais baixo nível de barbarismo, os povos árabes eram superiores às outras nações da terra em conhecimentos – nas artes e ciências, na matemática, e em seu sistema de governo; a sua civilização era a mais adiantada. Quem educou, quem iluminou essas tribos árabes, fundando entre raças tão divergentes uma civilização que refletisse as perfeições humanas, foi um homem analfabeto – Maomé. Esse homem ilustre foi, ou não, um educador perfeito?
Impõe-se um julgamento imparcial.Quanto ao Báb (2) – possa eu oferecer-Lhe, em holocausto, minha alma – quando era ainda muito jovem, isto é, no vigésimo quinto ano de Sua vida abençoada, levantou-se para proclamar Sua causa. Entre os xiitas, universalmente, se admite não haver Ele estudado em nenhum colégio nem adquirido conhecimentos de instrutor algum. Deste fato todos os habitantes de Shíráz dão testemunho. De Súbito, porém, apareceu Ele do povo, e demonstrando a mais completa erudição. Embora apenas um mercador, confundia todos os ulemás (1) da Pérsia. Inteiramente só, de um modo que ultrapassa a imaginação sustentava a Causa em oposição aos persas, célebres por seu fanatismo religioso. Esse espírito ilustre levantou-se com tal poder, que fez tremerem os esteios da religião, da moral, dos hábitos, costumes e condições predominantes na Pérsia, e instituiu novas normas e leis, e uma nova fé. Não obstante se haverem erguido grandes personagens do Estado, inclusive a maioria do clero e dos altos funcionários, a fim de destruí-Lo, aniquilá-Lo, Ele, sozinho, resistiu a todos e abalou a Pérsia inteira.
Entre os ulemás e os homens públicos, no entanto, como entre outros grupos, havia também muitos que sacrificaram a vida alegremente pela Sua Causa, correndo em direção ao martírio.
O governo, porém, e os teólogos, as altas personalidades e o povo em geral, desejaram extinguir Sua luz, mas não o puderam. Brilhou, afinal, como uma estrela; ergueu-se tal qual uma lua; estabeleceram-se firmemente os Seus alicerces, e Sua alvorada raiou. A uma multidão submersa nas trevas, Ele deu a educação divina, produzindo maravilhosos efeitos no pensamento, na moral, nos costumes e condições dos persas.
Aos que O seguiam, anunciou a boa nova – a manifestação do Sol de Bahá – e preparou-os para que Nele acreditassem.
O aparecimento de tão admiráveis sinais e grandes resultados, a influência evidenciada no espírito do povo e nas idéias correntes, o grande impulso ao progresso, e a organização dos princípios do sucesso e da prosperidade – tudo isso por um jovem mercador – constituem a maior prova de ter sido Ele um educador perfeito. Uma pessoa justa jamais hesitará em acreditar nisso.
-~-Bahá´u´lláh (1) apareceu num tempo em que o Império Persa estava imerso em profundo obscurantismo e ignorância, mergulhado no mais cego fanatismo. Já deveis ter lido, nas histórias européias, descrições minuciosas dos costumes, idéias e moral dos persas nos últimos séculos. Desnecessário é repeti-las. Diremos, simplesmente, que a Pérsia descera ao ponto de causar lástima aos visitantes estrangeiros, ao verem este país tão glorioso antigamente, cujo nível de civilização fora tão elevado, achar-se agora em plena decadência, ruína e caos, vindo seu povo até a perder o sentido de dignidade.
Foi quando Bahá´u´lláh se manifestou. Seu pai era um vizir, e não um dos ulemás. Como todo o povo da Pérsia sabe, Ele nunca estudara em colégio algum, nem se associara aos ulemás ou homens de erudição. A primeira parte de Sua vida foi passada na maior felicidade. Seus companheiros eram persas da mais alta posição, embora não fossem sábios.
Apenas Bahá´u´lláh soube da manifestação de Báb, afirmou: “Este grande homem é o Senhor dos retos; crer Nele é dever de todos”. E levantou-se em apoio ao Báb, dando inúmeras provas e evidências positivas de Sua verdade, apesar de haverem os ulemás da religião oficial constrangido o governo da Pérsia a mover-Lhe oposição e, mais ainda, terem decretado, para aqueles que O seguiam, matança, pilhagem, perseguição e expulsão. Em todas as províncias, começaram a matar, incendiar, roubar os adeptos, e assaltar até as mulheres e crianças. Não obstante tudo isso, Bahá´u´lláh ergue-se e proclamou a palavra do Báb fervorosamente e com indomável firmeza. Nem por um momento se escondeu; não, andava abertamente no meio de Seus inimigos. Ocupava-se em dar provas e evidências, e era reconhecido como arauto da palavra de Deus. Sob várias condições e circunstâncias suportou infortúnios extremos, e a cada momento corria o risco de ser martirizado. Foi posto numa prisão subterrânea, em correntes, sendo confiscada Sua herança e saqueadas Suas vastas propriedades. Quatro vezes exilado de um lugar para outro, só encontrou descanso, afinal, na “Maior Prisão”. (1)
A despeito de tudo isto, nem por um momento sequer, deixou Bahá´u´lláh de proclamar a grandeza da Causa de Deus. Tais foram Seus ensinamentos, Suas virtudes, Suas perfeições, que Ele se tornou objeto da admiração de todo o povo da Pérsia. Em Teerã, Bagdá, Constantinopla, Romélia, e até em ´Akká, todos os sábios e homens de ciência, quer amigos, quer inimigos, quando admitidos à Sua presença, recebiam sempre, para qualquer pergunta que Lhe tivessem feito, a resposta mais completa e persuasiva, vindo assim a confessar, freqüentemente, ser Ele único, incomparável, em todas as perfeições.
Acontecia muitas vezes reunirem-se em Bagdá certos ulemás, rabinos e cristãos, com alguns sábios europeus. Nesses abençoados momentos, cada um tinha alguma pergunta a propor, e todos, embora seus graus de cultura fossem muito diversos, recebiam respostas adequadas e convincentes, podendo então retirar-se satisfeitos. Até mesmo os ulemás persas de Karbilá e Najaf escolheram um sábio, de nome Mulla Hasan Amu, e Lhe mandaram em missão. Esse emissário foi admitido à Santa Presença e apresentou as várias perguntas dos ulemás, às quais Bahá´u´lláh respondeu. Então, Hasan Amu disse: “Os ulemás reconhecem, sem hesitação, e confessam a sabedoria e a virtude de Bahá´u´lláh, e estão convencidos unanimemente que em toda a erudição ele é único, sem igual; é evidente também que nunca estudou, portanto não adquiriu essa erudição; mas, ainda os ulemás dizem: “Não estamos contentes com isso; não admitimos a realidade de sua missão em virtude de sua sabedoria e integridade. Pedimos-lhe, pois, que nos faça um milagre, a fim de satisfazer e tranqüilizar os nossos corações”.
Bahá´u´lláh respondeu: “Embora não tenhais direito de pedir isso, pois só a Deus compete provar Suas criaturas, e não estas a Deus, admito, no entanto, e aceito esse pedido. A Causa de Deus, porém, não é exibição teatral, apresentada de hora em hora, da qual se possa esperar todos os dias um divertimento novo; se assim fosse, tornar-se-ia mero brinquedo de crianças. Os ulemás devem, pois, reunir-se e de comum acordo escolher um milagre, e escrever que, após a sua realização, não mais terão dúvidas a Meu respeito, mas admitirão e confessarão a verdade de Minha Causa. Selem o documento e tragam-no. Este deve ser o critério aceito: realizado o milagre, não lhes restará dúvida; em caso contrário, nós seremos acusados de impostura”. O sábio, Hasan Amu, levantou-se e respondeu: “Nada mais há a dizer”, beijou então o joelho do Abençoado, embora não fosse crente, e partiu. Reuniu os ulemás e transmitiu-lhes a sagrada mensagem. Depois de se consultarem, disseram: “Esse homem é mágico; talvez faça mágica e assim nada mais teremos a dizer”, e agindo de acordo com isto, não ousaram levar avante a questão. (1)
Hasan Amu falou dessa ocorrência em muitas reuniões. Depois de deixar Karbala, foi a Kirmanshah e Teerã, e em toda parte contou os pormenores, frisando sempre o medo e a retirada dos ulemás.
Numa palavra, todos os adversários de Bahá´u´lláh no Oriente admitiam Sua grandeza, sublimidade, sabedoria e virtude, e, não obstante serem Seus inimigos, sempre se referiam a Ele como “o famoso Bahá´u´lláh”.
No tempo em que esta grande Luz se ergueu de súbito no horizonte da Pérsia, o povo, os ministros, ulemás e membros das outras classes levantaram-se contra Ele, perseguindo-O com a maior animosidade e proclamando que esse homem queria eliminar e destruir a religião, a lei, a nação e o império. Dizia-se o mesmo de Cristo. Bahá´u´lláh, entretanto, só, sem apoio, resistiu a todos, jamais mostrando a mínima fraqueza. Finalmente disseram: “Enquanto esse homem permanecer na Pérsia, não haverá paz nem tranqüilidade; devemos exilá-lo, a fim de que a Pérsia possa voltar a um estado de sossego.”
Empregaram, pois violência para com Ele, a fim de obrigá-lo a pedir permissão para sair da Pérsia, pensando que assim se extinguiria a luz de Sua verdade; mas o resultado foi justamente o contrário. A Causa tornou-se mais gloriosa; mais intensamente ardia sua chama. Difundira-se, de início, pela Pérsia, somente, mas com o exílio de Bahá´u´lláh, atingiu outros países. Mais tarde, Seus inimigos disseram: “Iraque Arabi (1) não é bastante longe da Pérsia; temos que mandá-lo para um reino mais distante.” Assim o governo persa resolveu mandar Bahá´u´lláh do Iraque para Constantinopla; mas, novamente, se verificou que a Causa nem por isso se enfraquecia. Ainda outra vez os persas disseram: “Constantinopla é um lugar de passagem, de morada temporária para várias raças e povos, entre os quais muitos persas”, e exilaram-No, pois, para mais longe, para a Romélia. Ali se intensificou, porém, o ardor de Sua chama; a Causa era enaltecida cada vez mais. Disseram os persas afinal: “Nenhum desses lugares está seguro contra sua influência; devemos exilá-lo para algum lugar em que esteja completamente destituído de poder, e sua família e seus adeptos tenham que se submeter às mais penosas aflições”. Escolheram, portanto, a prisão de ´Akká, reservada especialmente para assassinos, ladrões e salteadores de estrada – e foi, em verdade, entre tais criminosos que O classificaram.
O poder de Deus, entretanto, manifestou-se: Sua palavra foi divulgada, e a grandeza de Bahá´u´lláh tornou-se evidente, pois foi sob tais circunstâncias, enquanto nessa prisão, que Ele fez a Pérsia progredir em conhecimentos. Venceu todos os inimigos, provou-lhes que não podiam resistir à Causa. Seus santos ensinamentos penetraram todas as regiões; firmou-se a Sua Causa.
Em toda a Pérsia, surgiram contra Ele os inimigos cheios de ódio. Sujeitavam os adeptos ao açoite, à prisão, até à morte; incendiavam e arrasavam milhares de moradas. Por todos os meios queriam exterminar a Causa, esmagá-la completamente. Apesar de tudo isso, se bem que fosse promulgada de uma prisão de assassinos, salteadores e ladrões, esta Causa era enaltecida. Seus ensinamentos foram largamente disseminados: Suas exortações atingiram até mesmo muitos daqueles mais cheios de ódio, transformando-os em crentes fervorosos. O próprio governo da Pérsia despertou, e arrependeu-se do que sucedera por culpa dos ulemás.
Com a vinda de Bahá´u´lláh a essa prisão na Terra Santa, os sábios perceberam que a boa nova dada por Deus pela boca dos Profetas, dois ou três mil anos antes, havia novamente se manifestado; Deus fora fiel à sua promessa, pois a alguns dos Profetas revelara a boa nova de que “O Senhor dos Exércitos se manifestaria na Terra Santa”. Todas estas promessas se cumpriram e, não fossem as perseguições infligidas pelos inimigos – não fosse Sua expulsão – difícil seria ver como Bahá´u´lláh poderia ter deixado a Pérsia e levantado Sua tenda na Terra Santa. Seus inimigos visaram com esse encarceramento a destruição total da sagrada Causa, mas foi, na realidade, o maior benefício; tornou-se meio de seu desenvolvimento. O renome da sublimidade de Bahá´u´lláh estendeu-se pelo Oriente e pelo Ocidente; os raios do Sol da Verdade iluminaram o mundo inteiro. Louvado seja Deus! Embora prisioneiro, ergueu tenda no Monte Carmelo e movia-se livremente com a maior majestade. Cada um que vinha à Sua presença, fosse amigo, fosse estranho, dizia: “Este é um príncipe e não um cativo”.
Logo após a chegada a esse cárcere, dirigira Bahá´u´lláh uma epístola a Napoleão, (1) enviando-a por intermédio do embaixador francês. Seu conteúdo foi, em resumo: “Pergunta qual o nosso crime, e por que estamos encarcerados nesta prisão, nesta masmorra”. Napoleão não respondeu. Foi-lhe enviada outra epístola, a qual se encontra no Suratu´l-Haikal, (2) e na qual advertiu: “Ó Napoleão, por não haveres escutado a minha proclamação, nem a ela respondido, perderás em breve teu domínio e sofrerás destruição total.” Essa epístola foi enviada a Napoleão pelo correio, graças ao cuidado de Cesar Ketafagoo (1) – fato este conhecido por todos Seus companheiros de exílio. O texto desta advertência espalhou-se por toda a Pérsia, porque nesse tempo divulgou na Pérsia o Kitábu´l-Haikal, no qual estava incluído. Isso aconteceu em 1869. Como fizessem o Suratu´l-Haikal circular na Pérsia e na Índia, e assim chegar às mãos de todos os crentes, estes aguardavam com ansiedade os futuros acontecimentos. Logo depois, em 1870, rebentou a guerra entre a Alemanha e a França, e embora ninguém esperasse naquele tempo a vitória da Alemanha, Napoleão conheceu, afinal, a derrota e a desonra, teve que render-se aos inimigos, e sua glória se transformou, realmente, em profunda humilhação.
Foram enviadas epístolas a outros reis, entre os quais Sua Majestade, Nasiru´d-Din Xá. Nesta epístola Bahá´u´lláh disse: “Mandai-me chamar, reuni os ulemás, e pedi provas e argumentos, a fim de se saber o que é verdadeiro e o que é falso”. Sua Majestade Nasiru´d-Din Xá enviou a sagrada epístola aos ulemás, propondo-lhes que empreendessem a missão, mas não o ousaram fazer. Pediu então a sete dos mais célebres entre eles que escrevessem uma resposta ao desafio. Após algum tempo, devolveram a sagrada epístola, dizendo: “Esse homem opõe-se à religião e é inimigo do Xá”. Sua Majestade, o Xá da Pérsia, muito aborrecido, disse: “Esta questão exige provas e argumentos para demonstrar sua verdade ou sua falsidade; que tem isso com inimizade ao governo? Ai! quanto respeitávamos esses ulemás, mas nem podem responder a esta epístola!”
Em resumo, tudo o que estava escrito nas epístolas aos reis está se cumprindo. Se conferirmos os acontecimentos desde o ano 1870, verificaremos terem quase todos se realizados de acordo com as profecias; restam apenas poucas, as quais mais tarde hão de se cumprir.
Assim, povos estrangeiros também, e várias seitas que não acreditaram em Bahá´u´lláh, atribuíram-Lhe muitas coisas maravilhosas, dizendo alguns que era santo. Outros escreveram acerca Dele, entre os quais Sayyd Dawoudi, sábio sunita de Bagdá, que compôs um pequeno tratado no qual relata alguns atos sobrenaturais. Há pessoas ainda, em toda parte do Oriente, que O consideram santo e têm fé em Seus milagres, embora não O aceitam como Manifestante Divino.
Tantos inimigos como adeptos, e todos aqueles admitidos à Sua presença, reconheciam e atestavam a grandeza de Bahá´u´lláh embora Nele não acreditassem, e logo que entravam neste santo lugar, tal era o efeito de Sua presença, que quase todos se sentiam sem o poder de pronunciar uma palavra. Quantas vezes acontecia um de seus acérrimos inimigos dizer de si para si: “Direi tais e tais coisas ao chegar à sua presença, disputarei e argüirei do seguinte modo”, mas quando ali entrava, ficava atônito e confuso, até mesmo mudo.
Bahá´u´lláh, nunca estudara o árabe; não tivera instrutor ou professor, nem freqüentara escola; no entanto, a eloqüência, o estilo elevado, de Suas dissertações na língua árabe, como também Suas obras escritas no mesmo idioma, causaram admiração, até espanto, aos sábios árabes de mais renome, e todos reconheceram e declararam ser Ele incomparável e sem igual.
Se examinarmos cuidadosamente o texto da Bíblia, veremos que o Manifestante Divino jamais disse aos que O negavam: “Seja qual for o milagre que desejardes, estarei pronto para realizá-lo, e submeter-me-ei a qualquer prova que propuserdes.” Na epístola ao Xá, porém, Bahá´u´lláh disse claramente: “Reuni os ulemás e mandai-me chamar, para que as provas e evidências possam ser estabelecidas.” (1)
Com a firmeza de uma montanha, Bahá´u´lláh enfrentou os inimigos durante cinqüenta anos. Todos desejavam destruí-Lo; mil vezes planejaram crucificá-Lo. Durante cinqüenta anos esteve Ele em constante perigo.
Tal é o grau de decadência e ruína da Pérsia hoje, que todas as pessoas inteligentes, sejam persas, ou estrangeiras, compreendendo a verdadeira situação do país, reconhecem que o progresso, a cultura e a reforma dependem da adoção dos ensinamentos desta grande personagem, e do desenvolvimento de Suas teorias.
Cristo, em Seu tempo abençoado, educou realmente apenas onze homens, dos quais o maior era Pedro, se bem que este, ao ser interrogado, O negasse três vezes. Não obstante isso, a Causa de Cristo penetrou, em seguida, o mundo inteiro. Em nosso tempo, Bahá´u´lláh educou milhares de almas, as quais, sob a ameaça da espada, erguiam aos céus o grito de “Yá Bahá´u´l-Abhá” (1) e no fogo das provações suas faces reluziam como ouro. Reflitamos, pois, no que há de suceder no futuro.
Enfim, devemos ser justos e reconhecer o grande educador que foi esse Ente Glorioso; devemos verificar os maravilhosos sinais por Ele manifestados, e admitir que, em todo o mundo, Dele emanaram forças e poder inegáveis.
-~-10. Provas Tradicionais Exemplificadas Do Livro De Daniel
Hoje, à mesa, falemos um pouco a respeito de provas. Se tivésseis vindo a este lugar abençoado nos dias da manifestação da Luz evidente, se tivésseis atingido a corte de Sua Presença e visto Sua beleza luminosa, teríeis compreendido que Seus ensinamentos e Sua perfeição não necessitavam de outra evidência.
Somente pela honra de entrarem em Sua Presença, muitas almas se tornaram crentes confirmados; outras provas eram desnecessárias. Até aqueles que O rejeitaram e Lhe tinham ódio amargo, ao encontrarem-se com Ele, deram testemunho da grandeza de Bahá´u´lláh, dizendo: “É um homem magnífico, mas, que pena ele ter tal pretensão! Se não fosse isso, tudo o que ele diz seria aceitável.”
Mas agora que aquela Luz da Realidade se extinguiu, todos necessitam de provas, e incumbe-nos, pois, apresentar provas lógicas de Sua pretensão. Citaremos uma que será suficiente para todos aqueles que são justos, e que ninguém pode contestar. É que esse ilustre Ser ergueu Sua causa na “Maior Prisão”; desta Prisão foi difundida Sua luz; Sua fama conquistou o mundo; e a proclamação de Sua glória atingiu Leste e Oeste. Até os nossos tempos, jamais ocorreu tal coisa. Se houver justiça, isso será admitido. Há pessoas, porém, que não julgarão com justiça, ainda que lhes forem apresentadas todas as provas do mundo! Assim a religião e o Estado da Pérsia, com todo o seu poder, não lograram resistir a Ele. Em verdade, Ele, inteiramente só, encarcerado e oprimido, conseguia tudo o que desejava.
Não quero mencionar os milagres de Bahá´u´lláh, pois se poderia dizer, talvez, que sejam tradições, sujeitas tanto ao erro como à verdade, semelhantes aos milagres de Cristo relatados no Evangelho, os quais nos vêm dos apóstolos e não de qualquer outra pessoa, e que contudo são negados pelos judeus. Se, entretanto, eu desejasse mencionar os atos sobrenaturais de Bahá´u´lláh, poderia dizer que são numerosos e admitidos no Oriente, até mesmo por pessoas estranhas à Causa. Mas estas narrativas não constituem provas e evidências decisivas para todos; quem as ouvir, poderá dizer talvez que não estejam de acordo com a realidade, pois se sabe que várias seitas relatam milagres realizados por seus fundadores. Os brâmanes, por exemplo, relatam milagres: qual a evidência de serem estes falsos e aqueles verdadeiros? Se aqueles são fábulas, os outros também o são; se aqueles são geralmente aceitos, os outros também são geralmente aceitos. Por conseguinte, tais narrativas não são provas satisfatórias. Sim, milagres são provas para a testemunha ocular somente, e até esta pode-os considerar encantamento e não milagres. Também de alguns mágicos têm sido relatados feitos extraordinários.
Numa palavra, quero dizer que muitas coisas maravilhosas foram feitas por Bahá´u´lláh, mas nós não as relatamos, porque não constituem provas e evidências para todos os povos da terra. Nem para aqueles que os vêem são provas decisivas, pis até por eles podem elas ser atribuídas ao encantamento.
Também a maioria dos milagres dos Profetas que se menciona tem um sentido interior. Encontra-se escrito no Evangelho, por exemplo, que na ocasião do martírio de Cristo, trevas predominavam, e a terra tremia, e o véu do templo se rasgou em duas partes de alto a baixo, e os mortos saíram das sepulturas. Se tais coisas tivessem acontecido, teriam sido de fato maravilhosas, e certamente a história da época as teria registrado. Teriam perturbado muitos os corações. Os soldados teriam tirado Cristo da cruz ou então fugido. História alguma relata esses acontecimentos, o que torna evidente, pois, que não devem ser tomados em seu sentido literal, mas sim, interior.
Não é nosso propósito negar tais milagres; queremos dizer apenas que não constituem provas decisivas, mas que têm um sentido interior.
Hoje à mesa, então, nós nos referiremos à explicação das provas tradicionais contidas nos Livros Sagrados. Até agora, temo falado somente de provas lógicas.
A condição em que se deve estar, a fim de buscar seriamente a verdade, é a da alma ardente, sequiosa da água da vida, ou a do peixe que se esforça para alcançar o oceano, ou do paciente que se dirige ao verdadeiro médico a fim de obter a cura divina, ou da caravana perdida que se empenha em encontrar o caminho certo, ou do navio errante que tenta atingir a costa da salvação.
Também aquele que busca deve possuir certas qualidades. Em primeiro lugar, deve ser justo, e desprendido de tudo menos de Deus; seu coração deve volver-se inteiramente para o horizonte supremo; ele deve estar livre da escravidão dos vícios e das paixões, pois tudo isto serve de obstáculo; além disso, deve ele ser capaz de suportar todas as durezas; deve ser absolutamente puro e santificado, e desapegado do amor ou do ódio dos habitantes do mundo. Por quê? Porque o fato de seu amor a uma pessoa ou uma coisa poderia impedi-lo de reconhecer a verdade numa outra e, igualmente, seu ódio de alguma coisa poderia ser um obstáculo para seu discernimento da verdade. É esta a condição de quem busca; são estas as qualidades que deve possuir. Até que ele atinja esta condição, não lhe será possível alcançar o Sol da Realidade.
Voltemos agora a nosso assunto.Todos os povos do mundo esperam dois Manifestantes, que devam ser contemporâneos; todos esperam o cumprimento desta promessa. Na Bíblia, os judeus têm a promessa do Senhor dos Exércitos e do Messias; no Evangelho é prometida a volta de Cristo e de Elias. Na religião de Maomé, há a promessa do Mihdi e do Messias, e é o mesmo com a religião zoroástrica e com as outras, mas se tratássemos em detalhe destes assuntos, tomaríamos tempo demais. O fato essencial é que em todas são prometidos dois Manifestantes que deverão vir um após o outro. No tempo destes dois Manifestantes, segundo a profecia, o mundo existente será renovado e os seres se ataviarão em vestes novas. A justiça e a caridade se espalharão pelo mundo inteiro; desaparecerão a inimizade e o ódio, as causas de divergência entre os povos – entre as raças e as nações, sendo substituídas por aquilo que cause unidade, harmonia e concórdia. Os negligentes despertarão; os cegos adquirirão vista, os surdos, ouvido, e os mudos poderão falar; os enfermos serão curados, e os mortos, ressuscitados. A paz haverá de substituir a guerra; o amor conquistará a inimizade; as causas de disputa e contenda serão removidas inteiramente e se realizará a verdadeira felicidade. Todas as nações tornar-se-ão uma só; as religiões serão unificadas; todos os homens serão de uma só família e da mesma raça. Todas as regiões da terra serão como uma só; as superstições causadas por raças, países, indivíduos, línguas e política desaparecerão; todos os homens atingirão a vida eterna, abrigados à sombra do Senhor dos Exércitos.
Agora devemos provar pelos Livros Sagrados que esses dois Manifestantes já vieram, e devemos descobrir o significado das palavras dos Profetas, pois desejamos provas tiradas dos Livros Sagrados.
Há poucos dias, à mesa, expusemos provas lógicas, estabelecendo a verdade desses dois Manifestantes.
Enfim no Livro de Daniel, (1) desde a reconstrução de Jerusalém até o martírio de Cristo, setenta semanas são apontadas; pois pelo martírio de Cristo, é consumado o sacrifício e destruído o altar. É uma profecia da manifestação de Cristo. Essas setenta semanas começam com a restauração e reconstrução de Jerusalém, concernente ao que foram emitidos quatro éditos, por três reis.
O primeiro foi emitido por Cyrus no ano de 536 A.C.; este é mencionado no primeiro capítulo do Livro de Ezra. O segundo édito, referente à reconstrução de Jerusalém, é o de Dario da Pérsia no ano de 519 A.C.; este é mencionado no sexto capítulo de Ezra. O terceiro é o de Artaxerxes no sétimo ano de seu reinado, isto é, em 457 A.C.; segundo consta do sétimo capítulo de Ezra. O quarto é o de Artaxerxers no ano de 444 A.C.; este é mencionado no segundo capítulo de Neemias.
Mas Daniel se refere especialmente ao terceiro édito, emitido no ano de 457 A.C. Setenta semanas fazem quatrocentos e noventa dias. Cada dia, segundo o texto do Livro Sagrado, é um ano.” (1) Quatrocentos e noventa dias, pois, são quatrocentos e noventa anos. O terceiro édito de Artaxerxes foi emitido quatrocentos e cinqüenta e sete anos antes do nascimento de Cristo, e Cristo, quando foi martirizado e ascendeu, tinha trinta e três anos de idade. Quando se acrescenta trinta e três a quatrocentos e cinqüenta e sete, o resultado é quatrocentos e noventa, que é o tempo anunciado por Daniel para a manifestação de Cristo.
No vigésimo quinto versículo do nono capítulo do Livro de Daniel, porém, isso é expresso de outra maneira, como sete semanas e sessenta e duas semanas, o que aparentemente difere da primeira declaração. Por causa desta diferença, muitos se tornam perplexos ao tentarem reconciliar as duas afirmações. Como podem setenta semanas ser certas num lugar, e sessenta e duas semanas e sete semanas em outro? As duas exposições não concordam.
Daniel menciona, entretanto, duas datas. Uma começa com a ordem de Artaxerxes a Ezra para a reconstrução de Jerusalém; esta é das setenta semanas que terminaram com a ascensão de Cristo, quando por Seu martírio cessaram o sacrifício e a oblação.
O segundo período, ao qual se refere o vigésimo sexto versículo, quer dizer que após o término da reconstrução de Jerusalém até a ascensão de Cristo, haverá sessenta e duas semanas; as sete semanas são o tempo que durou a reconstrução de Jerusalém, ou sejam quarenta e nove anos. Quando se adicionam estas sete semanas às sessenta e duas semanas, fazem sessenta e nove semanas, e na última (69-70) ocorreu a ascensão de Cristo. Estas setenta semanas são assim completadas, e não há contradição.
Já que foi provada pelas profecias de Daniel a manifestação de Cristo, provemos agora a de Bahá´u´lláh e a do Báb. Anteriormente temos mencionado apenas provas lógicas; falaremos agora de provas tradicionais.
No oitavo capítulo do Livro de Daniel, versículo 13, se lê: “Então ouvi eu um dos santos que falava; e um outro santo perguntou àquele que falava: “Até quando durará a visão relativa ao sacrifício diário, e o pecado da desolação, e até quando serão pisados aos pés o santuário e a fortaleza?” Respondeu ele então (V. 14): “Até dois mil e trezentos dias; então o santuário será purificado”; (V. 17) “Mas ele me disse... esta visão se cumprirá no fim a seu tempo.” Quer isto dizer: quanto tempo haverá de durar esse infortúnio, essa ruína, essa humilhação e degradação? Isto é, quando será a alvorada do Manifestante? Então respondeu ele, “Doze mil e trezentos dias; então será purificado o santuário.” Significa esta passagem, enfim, que ele aponta dois mil e trezentos anos, pois no texto da Bíblia cada dia é um ano. Assim, desde a data em que foi emitido o édito de Artaxerxes para reconstruir Jerusalém até o dia do nascimento de Cristo, há 456 anos, e do nascimento de Cristo até o dia da manifestação do Báb, há 1844 anos. Quando se acrescenta 456 anos a esse número, se tem 2.300 anos. Isto quer dizer, o cumprimento da visão de Daniel ocorreu no ano de 1844 A.D., o qual é o ano da manifestação do Báb, assim concordando com o texto exato do Livro de Daniel. Vede com que clareza ele determina o ano da manifestação; não poderia haver profecia mais clara do que esta para uma manifestação.
Em S. Mateus, capítulo 24, versículo 3, Cristo diz claramente que o que Daniel queria dizer com essa profecia foi a data da manifestação. Eis o versículo: “Enquanto estava assentado no Monte das Oliveiras, se chegaram a ele seus discípulos em particular, perguntando-lhe: “Dize-nos, quando sucederão estas coisas? e que sinal haverá de tua vinda, e da consumação do século?” Uma das explicações que Ele lhes deu em resposta foi esta (V. 15): “Quando vós pois virdes a abominação da desolação que foi predita pelo profeta Daniel, estai no lugar santo (o que lê, entenda).” Nesta resposta Ele diz que devem ler o oitavo capítulo do Livro de Daniel, e quem o ler deverá entender ser este o tempo ao qual se refere. Considerai com que clareza é mencionada no Velho Testamento e no Evangelho a manifestação do Báb.
Agora vamos explicar a data da manifestação de Bahá´u´lláh segundo a Bíblia. A data de Bahá´u´lláh é calculada de acordo com os anos lunares desde a missão e a Héjira de Maomé, pois na religião de Maomé, é usado o ano lunar, como o é também em todas as ordens de adoração.
No Livro de Daniel, capítulo 12, versículo 6, está escrito: “E disse alguém ao homem que estava vestido de roupas de linho, o qual se sustinha em pé sobre as águas do rio: - Quando se cumprirão estas maravilhas? – E eu ouvi que este homem que estava vestido de roupas de linho e se sustinha em pé sobre as águas do rio, tendo levantado ao céu a sua mão direita, e a mão esquerda, jurou nesta ação por aquele que vive eternamente, que isso seria depois de um tempo, e dois tempos e metade de um tempo. E todas estas coisas se cumprirão quando se acabar a dispersão do ajuntamento do povo santo.”
Como já expliquei o que significa um dia, não é necessário explicá-lo mais; mas diremos, em poucas palavras, que cada dia do Pai conta como um ano, e em cada ano há doze meses. Assim três anos e meio fazem quarenta e dois meses, nos quais há mil duzentos e sessenta dias. O Báb, precursor de Bahá´u´lláh, apareceu no ano de 1260 da Héjira de Maomé, segundo o calendário do Islã.
Depois, no versículo 11, se lê: “E desde o tempo em que o sacrifício perpétuo for abolido, e a abominação para a desolação for posta, passarão mil e duzentos e noventa dias. Bem-aventurado o que espera, e que chega até mil e trezentos e trinta e cinco dias!”
O começo deste cálculo lunar é desde o dia da proclamação de ser Maomé profeta, na região de Hijaz, o que foi três anos após Sua missão; porque, de início, foi guardado em segredo o fato de ser Maomé profeta, não o sabendo ninguém exceto Khadija e Ibn Naufal. (1) Depois de três anos foi anunciado. E Bahá´u´lláh, no ano (2) de 1290 depois da proclamação da missão de Maomé, tornou conhecida Sua manifestação.
-~-11. Comentário Sobre O Décimo Primeiro Capítulo Da Revelação De São João
No começo do décimo primeiro capítulo da Revelação de São João está escrito:
“E deu-se-me uma cana semelhante a uma vara, e esteve lá o anjo, dizendo: - Levanta-te, e mede o templo de Deus, e o altar, e os que nele fazem as suas adorações.
“Mas o átrio, que está fora do templo, deixa-o de fora, e não o meças, porque ele foi dado aos gentios, e eles hão de pisar com os pés a cidade santa por quarenta e dois meses.”
Esta cana é um homem perfeito que se assemelha a uma cana, e a maneira de sua semelhança é esta; quando o interior de uma cana está vazio e livre de toda matéria, pode produzir belas melodias; e como o som e as melodias não provêm da cana, mas sim, do flautista que a toca, também o coração desse bendito ser está vazio e livre de tudo menos de Deus, puro e isento dos laços de todas as condições humanas, e é o companheiro do Espírito Divino. O que ele diz não procede dele mesmo mas do verdadeiro flautista, e é uma inspiração divina. É por isso que ele é comparado a uma cana; e esta cana é como uma vara, isto quer dizer, é uma ajuda para todo incapacitado, o sustentáculo dos seres humanos. É a vara do Pastor Divino com a qual Ele guarda Seu rebanho e o conduz pelos pastos do Reino.
Então se diz: “E esteve lá o anjo, dizendo: Levanta-te, e mede o templo de Deus, e o altar, e os que nele fazem as suas adorações”; quer isto dizer, comparar e medir; pela medição se descobre a proporção. Assim disse o anjo: Compara o templo de Deus e o altar e aqueles que aí oram, isto é, investiga sua verdadeira condição, descobre em que grau estão, quais são suas qualidades, perfeições, conduta, e que atributos possuem, e informa-te dos mistérios dessas almas santas que habitam o Santo dos Santos, em pureza e santidade.
“Mas o átrio que está fora do templo, deixa-o de fora, e não o meças, porque ele foi dado aos gentios.”
No princípio do sétimo século depois de Cristo, quando Jerusalém foi conquistada, o Santo dos Santos foi preservado exteriormente; isto quer dizer, a casa que Salomão construiu; mas fora do Santo dos Santos o átrio foi dado aos gentios. “E eles hão de pisar com os pés a cidade santa por quarenta e dois meses”, isto é, os gentios haverão de governar e controlar Jerusalém por quarenta e dois meses, significando mil duzentos e sessenta dias; e como cada dia significa um ano, assim isso quer dizer mil e duzentos e sessenta anos, o que é a duração do ciclo do Alcorão. Pois nos textos do Livro Sagrado, cada dia é um ano; assim como diz no quarto capítulo de Ezequiel, versículo 6: “Tomarás sobre ti a iniqüidade da casa de Judá por quarenta dias; é um dia que eu te dei por cada ano.”
Estas profecias são desde o tempo do aparecimento do Islã, quando Jerusalém foi pisada com os pés, o que significa que foi desonrada. Mas o Santo dos Santos foi preservado, protegido e respeitado; e esses acontecimentos continuaram até 1260. Estes mil duzentos e sessenta anos se referem à manifestação do Báb (1) de Bahá´u´lláh, o que ocorreu no ano 1260 da Héjira de Maomé, e como o período de mil duzentos e sessenta anos já findou, Jerusalém, a Cidade Santa, está começando agora a prosperar, tornando-se populosa e florescente. Qualquer pessoa que viu Jerusalém há sessenta anos passados e a vê agora, deve reconhecer quanto tem crescido e prosperado e como está sendo outra vez honrada.
É este o significado exterior destes versículos da Revelação de São João, mas eles têm outra explicação e um sentido simbólico, que é o seguinte: a Lei de Deus se divide em duas partes. Uma é a base fundamental que abrange todas as coisas espirituais: isto é, se refere às virtudes espirituais e qualidades divinas, e é imutável, inalterável; é o Santo dos Santos, que é a essência da Lei de Adão, Noé, Abraão, Moisés, Cristo, Maomé, do Báb e de Bahá´u´lláh, a qual dura sempre, sendo estabelecida em todos os ciclos proféticos. Jamais será ab-rogada, pois é verdade espiritual e não material; é fé, conhecimento, certeza, justiça, piedade, retidão, integridade, amor a Deus, paz interior, pureza, desprendimento, humildade, submissão, paciência e constância. Tem compaixão do pobre, defende o opresso, mostra generosidade ao indigente e levanta o caído.
Estas qualidades divinas, estes mandamentos eternos, jamais serão abolidos, mas, sim, durarão, estabelecendo-se firmemente para sempre. Estas virtudes da humanidade renovam-se em cada um dos vários ciclos, pois no fim de cada ciclo, a Lei espiritual de Deus – isto quer dizer, as virtudes humanas – desaparece, persistindo apenas a forma. Assim entre os judeus, no fim do ciclo de Moisés, que coincide com a manifestação de Cristo, desapareceu a Lei de Deus, restando apenas uma forma sem espírito. Do Santo dos Santos foram privados; mas o átrio de fora de Jerusalém – expressão esta usada para indicar a forma da religião – caiu nas mãos dos gentios. Do mesmo modo, os princípios fundamentais da religião de Cristo, os quais são as maiores virtudes da humanidade, desapareceram, restando a forma nas mãos do clero, dos padres. Igualmente desapareceu a base da religião de Maomé, mas sua forma permanece nas mãos dos ulemás oficiais.
Esses fundamentos da Religião de Deus, que são espirituais e as virtudes da humanidade, não podem ser ab-rogados; são irremovíveis, eternos, e se renovam no ciclo de cada Profeta.
A segunda parte da Religião de Deus, referente ao mundo material, a qual inclui jejum, formas de oração, casamento e divórcio, a abolição da escravidão, processos legais, transações, indenizações por assassínio, violência, roubo e ofensas – esta parte da Lei de Deus que trata das coisas materiais, é modificada em cada ciclo profético de acordo com as necessidades do tempo.
Numa palavra, o que significa o termo Santo dos Santos é aquela Lei espiritual que nunca há de ser alterada ou rescindida, enquanto que Cidade Santa significa a lei material, lei esta sujeita à anulação. E esta lei material, descrita como a Cidade Santa, ia ser pisada sob os pés por mil duzentos e sessenta anos.
“E eu darei poder às minhas duas testemunhas, e, vestidas de saco, profetizarão por mil e duzentos e sessenta dias”. Essas duas testemunhas são Maomé, o Mensageiro de Deus, e Áli, filho de Abu Talib.
No Alcorão está escrito que Deus se dirigiu a Maomé, o Mensageiro de Deus, dizendo: “Fizemos de vós uma Testemunha, um Arauto de boas novas e um Admoestador.” Quer isso dizer, Nós te estabelecemos como a testemunha, o portador de boas novas e como quem adverte sobre a ira de Deus. (1) O significado de “testemunha” é aquele por cujo testemunho coisas podem ser verificadas. Os mandamentos dessas duas testemunhas seriam cumpridos mil duzentos e sessenta dias, sendo que cada dia significa um ano. Ora, Maomé foi a raiz, e Ali o ramo, assim como Moisés e Josué. Está escrito que eles “estão vestidos de saco”, significando que, aparentemente, seriam vestidos em roupas velhas, e não novas; em outras palavras, de início, não possuiriam eles esplendor algum aos olhos do povo, nem pareceria nova a sua Causa; pois a Lei espiritual de Maomé corresponde à de Cristo no Evangelho, e a maioria de Suas leis relativas às coisas materiais corresponde às do Pentateuco. Eis o que significa a vestimenta velha.
Depois se diz: “Estes são as duas oliveiras e os dois candeeiros, postos diante do Deus da terra”. Essas duas almas são comparadas a oliveiras porque naquele tempo todas as lâmpadas se acendiam com azeite de oliva. Significa, pois, duas pessoas que irradiam aquele espírito da sabedoria de Deus, a causa da iluminação do mundo. Essas luzes de Deus haveriam de brilhar e resplandecer, sendo assim semelhantes a dois candeeiros – o candeeiro é onde reside a luz e donde se irradia. Do mesmo modo cintilaria a luz que guia, emitida por essas almas iluminadas.
Em seguida está escrito: “Estão postos diante de Deus”, o que significa que estão a serviço de Deus, educando Suas criaturas, tais como as bárbaras tribos nômades da península árabe, as quais eles educaram de tal maneira que naquele tempo alcançaram o mais alto grau de civilização, tornando-se mundiais sua fama e seu renome.
“Se alguém, pois, lhes quiser fazer mal, sairá fogo das suas bocas, que devorará os seus inimigos.” Quer isso dizer que ninguém lhes poderia resistir; se uma pessoa quisesse menosprezar seus ensinamentos e sua Lei, tal pessoa seria cercada e destruída por esta mesma Lei que procedia de suas bocas, e todo aquele que tentasse ofendê-los e lhes mostrar antagonismo e ódio, seria exterminado por um mandamento que sairia de suas bocas. E assim aconteceu: todos os seus inimigos foram vencidos, postos em fuga e aniquilados. De um modo tão evidente Deus os ajudou.
Está escrito em seguida: “Eles têm poder de fechar o céu para que não chova, pelo tempo que durar sua profecia”, o que significa que nesse ciclo seriam como reis. A Lei e os ensinamentos de Maomé, e as explicações e os comentários de Ali, são graças celestiais; quando Eles desejam dispensá-las, têm o poder de assim fazer. Se não quiserem, a chuva não cairá, sendo que a chuva simboliza graças.
Diz-se depois: “Têm poder sobre a água, para a converter em sangue”, significando ser a condição de profeta própria de Maomé assim como o fora de Moisés, e ser o poder de Ali igual ao de Josué: se assim quisessem, poderiam converter a água do Nilo em sangue, para os egípcios e aqueles que os negavam. Quer isso dizer: o que era causa de sua vida, tornar-se-ia causa de sua morte, devido a sua ignorância e seu orgulho. Assim a soberania, a riqueza e o poder de Faraó e de seu povo – fontes da vida da nação – em conseqüência de sua hostilidade, rejeição e arrogância, tornaram-se causa de sua morte – foram dispersos, degradados, destituídos, aniquilados. Essas duas testemunhas têm, pois, o poder de destruir as nações.
E em seguida: “E de ferir a terra com todo o gênero de pragas, todas as vezes que quiserem”, o que significa que também teriam o poder e a força material necessária para educar os iníquos e aqueles que são opressores e tiranos; pois a essas duas testemunhas Deus concedeu tanto o poder exterior como o interior, para que pudessem educar e corrigir os árabes nômades, tão ferozes, sanguinários e tirânicos, semelhantes a animais de rapina.
“E depois de eles terem acabado de dar o seu testemunho,” quer dizer: quando tiverem desempenhado o que lhes fora ordenado, havendo transmitido a Mensagem Divina, promovido a Lei de Deus e propagado os ensinamentos celestiais, a fim de que se manifestassem nas almas os sinais da vida espiritual, se irradiasse a luz das virtudes do mundo humano, até ser realizado entre as tribos nômades um desenvolvimento completo.
A “fera que sobe do abismo fará contra eles guerra e vencê-los-á e matá-los-á” se refere a Bani-Umayya, (1) que os atacou do abismo do erro e se levantou contra a religião de Maomé e contra a realidade de Ali, ou seja, contra o amor de Deus.
Diz: “A fera fará contra eles (essas duas testemunhas) guerra” – isto é, uma guerra espiritual, o que significa que “a fera” agiria em inteira oposição aos ensinamentos, costumes e instituições dessas duas testemunhas, a tal ponto que as virtudes e perfeições difundidas pelo poder dessas testemunhas entre os povos e tribos se desvaneceriam completamente, e a natureza animal e os desejos carnais venceriam. Assim, pois, a guerra vitoriosa travada contra eles por essa fera, quer dizer: a escuridão do erro proveniente dessa fera haveria de exercer domínio sobre os horizontes do mundo e matar aquelas duas testemunhas, ou, em outras palavras, destruiria a vida espiritual por elas difundida em meio à nação e eliminaria totalmente as leis e ensinamentos divinos, espezinhando a Religião de Deus e nada deixando, pois, senão um corpo inanimado, sem espírito.
“E os seus corpos jazerão estirados nas praças da grande cidade que se chama espiritualmente Sodoma e Egito, onde também o nosso Senhor foi crucificado.” “Os seus corpos” significam a Religião de Deus e “nas praças” quer dizer à vista do público. O significado de “Sodoma e Egito”, o lugar “onde também o nosso Senhor foi crucificado” é esta região da Síria, e especialmente Jerusalém, onde os Bani-Umayya tinham então seus domínios; e foi aqui que primeiro desapareceram a Religião de Deus e os ensinamentos divinos, restando assim um corpo sem espírito. “Seus corpos” representam a Religião de Deus, a qual se assemelha a um corpo morto, destituído de espírito.
“E os das tribos, e povos, e línguas e nações verão os corpos deles estirados por três dias e meio, e não permitirão que os seus corpos sejam postos em sepulcros.”
Como se já explicou, na terminologia dos Livros Sagrados três dias e meio significam três anos e meio, os quais são quarenta e dois meses, ou sejam mil e duzentos e sessenta dias; e como cada dia, segundo o texto do Livro Sagrado, significa um ano, isso quer dizer que por mil e duzentos e sessenta anos, isto é, durante o ciclo do Alcorão, as nações, tribos e raças olhariam para seus corpos, ou fariam um espetáculo da Religião de Deus. Embora não agissem de acordo com ela, não permitiriam, todavia, que seus corpos – ou seja a Religião de Deus – fossem postos em sepulcros. Quer isto dizer: aparentemente, adeririam à Religião de Deus não permitindo que desaparecesse completamente de seu meio, nem que seu corpo fosse de todo destruído e aniquilado. Na realidade, porém, haveriam de abandoná-la, embora preservando seu nome e sua comemoração exteriormente.
Essas “tribos, povos e nações” significam aqueles que se reúnem à sombra do Alcorão e não permitem que a Causa de Deus e Sua Lei sejam exteriormente destruídas, aniquiladas por completo, pois ainda existem entre eles oração e jejum, embora tenham desaparecido os princípios fundamentais da Religião de Deus, ou sejam a moralidade e a conduta, e o conhecimento dos mistérios divinos; extinguiu-se a luz das virtudes do mundo humano, as quais dependem do amor e do conhecimento de Deus, enquanto as trevas da tirania, da opressão, dos desejos e paixões satânicas, se tornaram vitoriosas. O corpo da Lei de Deus, semelhante a um cadáver, foi exposto à vista pública durante mil duzentos e sessenta dias, sendo cada dia contado como um ano, e este período é o ciclo de Maomé.
Os povos perderam seu direito a tudo o que essas duas pessoas haviam estabelecido, ou seja à base da Lei de Deus, e destruíram as virtudes do mundo humano – isto é, as dádivas divinas e o espírito dessa Religião – a tal ponto que desapareceram de seu meio a veracidade, a justiça, o amor, a união, a pureza, a santidade, o desprendimento e todas as qualidades divinas. Apenas persistiam na religião a prece e o jejum, sendo que por mil duzentos e sessenta anos, enquanto durava o ciclo do Furqan (1) continuou assim. Foi como se essas duas pessoas estivessem mortas, restando-lhes apenas o corpo, sem o espírito.
“E os habitantes da terra se alegrarão sobre eles, e farão festas, e mandarão presentes uns aos outros, porque estes dois profetas tinham atormentado os que habitavam sobre a terra.” “Os habitantes da terra” significam as outras nações e raças, como os povos da Europa e da Ásia longínqua, pois quando viram a completa transformação no caráter do Islã – havendo sido abandonada a Lei de Deus e perdidas as virtudes, o zelo e a honra – eles se alegraram e se encheram de júbilo porque o povo do Islã em conseqüência de sua corrupção moral, seria vencido por outras nações. Assim veio isto a se realizar. Observai a degradação desse povo que atingira o cume do poder; vede como está agora espezinhado.
Os outros povos “mandarão presentes uns aos outros”. Significa isso que haveriam de se ajudar uns aos outros, pois “estes dois profetas tinham atormentado os que habitavam sobre a terra” – isto é, venceram os outros povos e nações do mundo e os subjugaram.
“Mas depois de três dias e meio o espírito de vida entrou neles, da parte de Deus, e eles se levantaram sobre seus pés, e, dos que os viram, se apoderou um grande temor.” Três dias e meio, como já mostramos, significam mil duzentos e sessenta anos. As duas pessoas cujos corpos jaziam sem espírito são os ensinamentos e a Lei estabelecidos por Maomé – ensinamentos estes que Ali promoveu mas que vieram depois a perder sua realidade, conservando apenas a forma. O espírito entrou novamente neles; isto é, se estabeleceram mais uma vez aqueles ensinamentos fundamentais. Em outras palavras, a espiritualidade da Religião Divina se transformara em materialidade, as virtudes em vícios. Ódio substituíra o amor a Deus; treva, a iluminação. Qualidades divinas se haviam mudado em satânicas – justiça em tirania, clemência em inimizade, sinceridade em hipocrisia, verdade em erro e pureza em sensualidade. Então, após três dias e meio, ou sejam mil duzentos e sessenta anos, segundo a terminologia dos Livros Sagrados, esses ensinamentos divinos, essas virtudes celestiais, perfeições e graças espirituais, foram renovados com o aparecimento do Báb e pela devoção de Janabi Quddus.(1)
Os sopros da santidade difundiram-se e a luz da verdade resplandeceu; veio a primavera ressuscitadora e o amanhecer da iluminação. Aqueles dois corpos inanimados tornaram-se vivos, ao surgirem estes dois grandes Seres, fundador e promotor, semelhantes a dois candeeiros, pois iluminaram o mundo com a luz da verdade.
“E ouviram uma grande voz do céu que lhe dizia: Subi para cá. E subiram ao céu” – o que significa que ouviram do céu invisível a voz de Deus, dizendo: “Já cumpristes plenamente com vosso dever de transmitir os ensinamentos e as boas-novas; destes Minha Mensagem ao povo e levantastes o chamado de Deus, completando assim vossa missão. Agora, como Cristo, deveis sacrificar a vida pelo Bem-Amado, deveis sofrer o martírio. E esse Sol da Realidade e essa Lua da Orientação, (1) ambos, se puseram no horizonte do maior martírio, assim como fizera Cristo, e ascenderam ao Reino de Deus.
“E os viram os inimigos deles” – isto é, muitos de seus inimigos depois de terem presenciado seu martírio, perceberam sua sublimidade e excelsa virtude, e assim deram testemunho de sua grandeza e sua perfeição.
“E naquela hora sobreveio um grande terremoto, e caiu a décima parte da cidade; e no terremoto foram mortos sete mil homens.” Ocorreu este terremoto em Shíráz após o martírio do Báb. A cidade estava em caos, sendo destruídas muitas pessoas. Houve grande agitação, também, em conseqüência de cólera e outras moléstias, fome e aflições jamais vistas.
“E os sobreviventes foram atemorizados e deram glória ao Deus do céu.” Quando ocorreu o terremoto em Fars, todos que sobreviveram lamentaram dia e noite, suplicando a Deus e Lhe dando glória. Tão agitados e atemorizados estavam que lhes era impossível dormir ou descansar à noite.
“É passado o segundo ai, e eis aqui o terceiro, que cedo virá.” O primeiro ai é o aparecimento do Profeta Maomé – paz seja com Ele! O segundo ai é o do Báb – a Ele glória e louvor! O terceiro ai é o grande dia da manifestação do Senhor dos Exércitos e do esplendor da Beleza do Prometido. A explicação deste termo, “ai”, é mencionada no trigésimo capítulo de Ezequiel, versículos 1, 2 e 3, onde diz: “E foi-me dirigida a palavra do Senhor, a qual dizia: “Filho do homem, profetiza e dize: Isto diz Senhor Deus: Daí urros, ai, ai do dia; porque o dia está perto, e se apropinqua o dia do Senhor”. É certo, pois que o dia do ai é o dia do Senhor, pois neste dia ai é para os desatentos, ai é para os pescadores, ai é para os ignorantes. Por isso se diz: “É passado o segundo ai, e eis aqui o terceiro, que cedo virá!” Este terceiro ai é o dia da manifestação de Bahá´u´lláh, o Dia de Deus, o que é próximo ao dia do aparecimento do Báb.
“E o sétimo anjo tocou a trombeta, e ouviram-se no céu grandes vozes que diziam: Os reinos deste mundo passaram a ser os reinos de nosso Senhor e de Seu Cristo; e Ele reinará para sempre e sempre.”
O sétimo anjo é um homem dotado de atributos celestiais, que se levantará manifestando essas qualidades e um caráter celestial. Vozes se farão ouvir: o aparecimento do Manifestante Divino será proclamado e difundido. No dia em que se manifestar o Senhor dos Exércitos, ou seja na época do ciclo divino do Onipotente – época esta que todos os livros e escritos dos Profetas prometem – neste Dia de Deus, será estabelecido o Reino Espiritual, Divino, e renovado assim o mundo. Um espírito novo insuflar-se-á no corpo da criação; virá a estação da primavera divina, quando cairá chuva das nuvens da misericórdia, brilhará o sol da realidade, brisas ressuscitadoras soprarão, vestes novas adornarão o mundo humano e a superfície da terra será um paraíso sublime. A humanidade será educada: desaparecerão guerras, disputas, brigas e malignidade, sendo substituídas por veracidade, justiça, honra e devoção a Deus; predominarão no mundo união, amor e fraternidade, e Deus reinará para sempre. Quer isso dizer que será estabelecido o Reino Espiritual e Eterno. É assim o Dia de Deus. Pois todos os dias passados foram os dias de Abraão, Moisés e Cristo, ou dos outros Profetas, mas este é o Dia de Deus, porque nele se levantará o Sol da Realidade em plena glória.
“E os vinte e quatro anciões que diante de Deus estavam assentados nas suas cadeiras, se prostaram sobre os seus rostos e adoraram a Deus, dizendo:
“Graças Te damos, Senhor Deus Todo-poderoso, que és, e que eras, e que hás de vir; por haveres recebido o Teu grande poderio e entrado no Teu Reino.”
Em cada ciclo foram doze os guardiões e almas santas. Assim Jacob teve doze filhos; no tempo de Moisés, houve doze chefes das tribos; no tempo de Cristo, doze apóstolos; e no tempo de Maomé houve doze Imames. Mas nesta manifestação gloriosa, há vinte e quatro, o dobro do número dos outros, pois a grandeza desta manifestação assim requer. Estas almas santas estão na presença de Deus, sentadas em seus próprios tronos; significando isto que reinam eternamente.
Essas vinte e quatro grandes pessoas, embora estejam sentadas nos tronos do domínio eterno, adoram, no entanto, o Manifestante universal, quando aparece, e são humildes e submissos, dizendo, “Graças Te damos, Senhor Deus Todo-poderoso, que és, e que eras, e que hás de vir; por haveres recebido o Teu grande poderio e entrado no Teu Reino.” Quer isso dizer: Tu emitirás todos os Teus ensinamentos, reunirás todos os povos da terra à Tua sombra e abrigarás todos os homens sob uma só tenda. Embora seja isso o Eterno Reino de Deus, e Ele tenha possuído sempre e ainda possua um Reino, o significado aqui de “Reino” é a manifestação Dele Próprio (1) e Ele dará todas as leis e todos os ensinamentos que são o espírito do mundo humano e da vida eterna. E este Manifestante universal vencerá o mundo com poder espiritual e não por meio de guerra e combate; fará isso com paz e tranqüilidade e não pela espada ou por qualquer arma. Estabelecerá este Reino Celestial por meio do amor verdadeiro, e não pelo poder da guerra. Com bondade e retidão, promoverá Ele esses ensinamentos divinos, e não recorrendo à força ou crueldade. A tal ponto educará as nações e raças que, apesar de suas várias condições, seus costumes e caracteres diferentes, suas religiões e origens étnicas diversas, todas, assim como diz a Bíblia, semelhantes ao lobo e o carneiro, ao leopardo e o cabrito, e à criança de peito e a serpente, se tornarão companheiras e amigas. Serão inteiramente removidas as lutas entre raças, as divergências de religião e as barreiras entre nações, havendo todos de se reconciliar e atingir perfeita união à sombra da Árvore Bendita.
“E as gentes se irritaram”, pois Teus ensinamentos se opõem às paixões dos outros povos; e “chegou a Tua ira”, isto é, todos sofrerão prejuízo evidente; porque não seguem Teus preceitos, conselhos e ensinamentos, serão privados de Tua misericórdia eterna e velados à luz do Sol da Realidade.
“E o tempo de serem julgados os mortos” significa ter vindo o tempo em que os mortos – ou sejam os privados do espírito do amor de Deus e da santa vida eterna – serão julgados com justiça, isto é, levantar-se-ão para receber o que merecem. Ele tornará evidente a realidade de seus segredos, mostrando como é baixa sua condição no mundo existente, e que estão, realmente, sob o domínio da morte.
“E de dar o galardão aos profetas Teus servos, e aos santos e aos que temem o Teu Nome, aos pequenos e aos grandes.” Isto é: Ele distinguirá os retos com infinitas graças, fazendo-os brilhar no horizonte da honra eterna, assim como as estrelas do céu. Ajudá-los-á dotando-os de conduta e ações que sejam a luz do mundo humano, o meio de guiar a humanidade e lhe conceder a vida eterna no Reino Divino.
“E de exterminar os que corromperam a terra” significa que Ele privará totalmente os desatentos; pois estará manifesta a cegueira dos cegos, como também a visão dos que vêem. A ignorância do povo do erro será reconhecida, enquanto se tornarão evidentes os conhecimentos e a sabedoria do povo guiado. Assim, pois, serão destruídos os destruidores.
“Então foi aberto no céu o templo de Deus” quer dizer que a Jerusalém divina foi descoberta e o Santo dos Santos se tornou visível. Segundo a terminologia do povo da sabedoria, o Santo dos Santos significa a essência da Lei Divina e os verdadeiros ensinamentos celestiais do Senhor, que não são alterados no ciclo de Profeta algum, como já explicamos. O santuário de Jerusalém assemelha-se à realidade da Lei de Deus, a qual é o Santo dos Santos, enquanto todas as leis e convenções, os ritos e regulamentos materiais são a cidade de Jerusalém. É por isso que é chamada a Jerusalém celestial. Numa palavra, como neste ciclo o Sol da Realidade fará a Luz Divina brilhar com o máximo esplendor, assim a essência dos ensinamentos de Deus será realizada no mundo existente – será dissipada a treva da ignorância, o mundo se tornará um novo mundo, e a iluminação predominará. Assim aparecerá o Santo dos Santos.
“Então foi aberto no céu o templo de Deus” também significa que pela difusão dos ensinamentos divinos, com o aparecimento dos mistérios celestiais e o nascer do Sol da Realidade, se abrirão por todos os lados as portas da prosperidade, e se tornarão evidentes os sinais da bondade e das bênçãos celestiais.
“E apareceu a arca de seu testamento no seu templo”. Quer isso dizer: o Livro de Seu Testamento aparecerá em Sua Jerusalém, estabelecer-se-á a Epístola do Convênio, (1) e o significado do Testamento e do Convênio se tornará evidente. O renome de Deus se estenderá por Leste e Oeste, e a proclamação da Causa de Deus encherá o mundo. Os que violaram o Convênio serão degradados e postos em debandada, enquanto carinho e glória caberão aos fiéis, por se haverem segurado ao Livro do Testamento e se mantido firmes e constantes.
“E sobrevieram relâmpagos e vozes, e trovões, e um terremoto, e uma grande chuva de pedra”, o que significa que, depois de aparecer o Livro do Testamento, haverá uma grande tempestade, e os relâmpagos da ira de Deus fulgurarão, ressoará o trovão do rompimento do Convênio, ocorrerá o terremoto das dúvidas, o granizo dos tormentos afligirá os violadores do Convênio, e até aqueles que professam a fé cairão em dificuldades e tentações.
-~-12. Comentário Sobre O Décimo Primeiro Capítulo De Isaías
No Livro de Isaías, capítulo 11, versículos 1 a 10, se lê: “E sairá uma vara do tronco de Jessé, e um Ramo brotará de sua raiz. E descansará sobre ele o espírito do Senhor, espírito de sabedoria e de entendimento, espírito de conselho e de fortaleza, espírito de ciência e do temor do Senhor. E enchê-lo-á o espírito do temor do Senhor; não julgará segundo a vista dos olhos, nem argüirá pelo fundamento de um ouvi dizer; mas julgará os pobres com justiça, e argüirá com eqüidade em defesa dos mansos da terra; e ferirá a terra com a vara de sua boca, e matará o ímpio com o assopro de seus lábios. E a justiça será o cinto dos seus lombos, e a fé o talabarte de seus rins. O lobo habitará com o cordeiro e o leopardo se deitará ao pé do cabrito; o novilho, o leão e a ovelha viverão juntos; e um menino pequenino os conduzirá. E o novilho e o urso irão comer às mesmas pastagens; as suas crias descansarão umas com as outras; e o leão comerá palha como o boi. E divertir-se-á a criança de peito sobre a toca do áspide; e na caverna do basilisco meterá a sua mão a que estiver já desmamada. Eles não farão dano algum, nem matarão em todo o meu santo monte; porque a terra estará cheia da ciência do Senhor, assim como as águas do mar que a cobrem.”
Essa “vara do tronco de Jessé” poderia ser interpretada como referente a Cristo porque José foi descendente de Jessé, pai de Davi, mas por haver Cristo vindo a existir por intermédio do Espírito de Deus, Ele se chamava o Filho de Deus. Se assim não tivesse feito, esta descrição poderia referir-se a Ele. Mas além disto, o que deveria suceder nos dias dessa “vara”, se for interpretado em sentido simbólico, foi cumprido em parte no dia de Cristo, mas não totalmente; e se não for assim interpretado, nenhum desses sinais, por certo, foi cumprido. O leopardo e o cordeiro, por exemplo, o leão e o novilho, a criança e o áspide, são metáforas – símbolos de várias nações, povos, seitas e raças inimigas que são tão divergentes e hostis como o lobo e o cordeiro. Dizemos que os sopros do espírito de Cristo criaram entre eles concórdia e harmonia, lhes deram vida e os fizeram associar uns aos outros.
Mas “não farão dano algum, nem matarão em todo o meu santo monte, porque a terra estará cheia da ciência do Senhor, assim como as águas do mar que a cobrem”: tais condições não prevaleceram no tempo da manifestação de Cristo, pois até hoje existem no mundo nações diversas e mutuamente hostis, e muito poucos aceitam o Deus de Israel, estando a maioria sem conhecimento de Deus. A paz universal não veio a existir no tempo de Cristo; não cessaram disputas e dissídios; estavam ausentes a reconciliação e a sinceridade; continuava inimizade entre as nações, não havendo concórdia ou paz. Assim, ainda hoje, entre as próprias seitas e nações cristãs, encontramos ódio e a mais violenta hostilidade.
Esses versículos, entretanto, podem ser aplicados, palavra por palavra, a Bahá´u´lláh. Neste ciclo maravilhoso, a terra será transformada, e o mundo humano atingirá tranqüilidade e beleza. Disputas, contendas e assassínio serão substituídos por paz, verdade e concórdia; entre as nações e raças, veremos amizade e amor. A guerra, afinal, será inteiramente suprimida, vindo a se estabelecer cooperação e unidade. Quando as leis do Livro Mais Sagrado forem executadas, contenções e disputas serão decididas, finalmente, com absoluta justiça, perante um tribunal geral das nações, sendo assim resolvidas as dificuldades que surgirem. Os cinco continentes do mundo formarão apenas um, as numerosas nações se tornarão uma só, a superfície da terra será um só país, e o gênero humano será apenas uma comunidade. As relações entre os países, o intercâmbio, união e amizade entre os povos e as comunidades, atingirão tal ponto que a espécie humana será como uma só família. Brilhará a luz do amor celestial, dissipando do mundo a treva da inimizade e do ódio. A paz universal erguerá sua tenda no centro da terra, e a Abençoada Árvore da Vida crescerá até abrigar à sua sombra Oriente e Ocidente. Fortes e fracos, ricos e pobres, seitas rivais e nações hostis – que se assemelham a lobo e cordeiro, a leopardo e cabrito, a leão e novilho – virão a tratar-se reciprocamente com o mais perfeito amor, amizade, justiça e equidade. O mundo encher-se-á de ciência, do conhecimento da realidade dos mistérios dos seres, e do conhecimento de Deus.
Agora consideremos neste grande século, que é o ciclo de Bahá´u´lláh, quanto progrediram a ciência e o conhecimento, e quão numerosos os segredos da existência descobertos, e as grandes invenções que dia a dia se multiplicam. Dentro em breve, a ciência e os conhecimentos materiais, bem como o conhecimento de Deus, farão tamanho progresso, e manifestarão tais maravilhas que isso será motivo de espanto aos que o presenciarem. Tornar-se-á perfeitamente claro, então, o mistério deste versículo no Livro de Isaías, “Porque a terra estará cheia da ciência do Senhor”.
Reflitamos, também, em que pouco tempo, desde a vinda de Bahá´u´lláh, pessoas de todas as nações e raças têm entrado nesta Causa. Cristãos, judeus, zoroastristas, budistas, hindus e persas todos se associam mutuamente com a máxima amizade e o mais perfeito amor, como se tivessem sido parentes por mil anos; pois são como pai e filho, mãe e filha ou irmã e irmão. Este é um dos sentidos da associação entre lobo e cordeiro, leopardo e cabrito, e leão e novilho.
Um dos grandes acontecimentos a se realizarem no dia da manifestação desse Ramo incomparável é a elevação do Estandarte de Deus entre todas as nações; isto é, todas as nações e raças entrarão na sombra dessa Bandeira Divina, que não é outra senão o próprio Ramo Senhoril, e haverão de se tornar um só povo. O antagonismo entre seitas e religiões, a hostilidade racial e as diferenças nacionais desaparecerão. Todos unir-se-ão em uma só fé, uma só raça e um mesmo povo, habitando na mesma terra natal, no globo terrestre. A paz e concórdia universais serão realizadas entre todas as nações, e esse Ramo Incomparável reunirá todo Israel; isto é, neste ciclo Israel regressará para a Terra Santa; o povo judaico espalhado por Leste e Oeste, Norte e Sul, se reunirá.
Agora vejamos: isso não ocorreu no ciclo cristão, pois as nações não se reuniram sob um só Estandarte, o Ramo Divino. Neste ciclo do Senhor dos Exércitos, porém, todas as nações e raças entrarão na sombra desta Bandeira. Semelhantemente, Israel, espalhado pelo mundo inteiro, não se uniu na Terra Santa no ciclo cristão; mas no princípio do ciclo de Bahá´u´lláh, esta promessa divina, assim como se acha claramente exposta em todos os Livros dos Profetas, já começou a se manifestar. Podemos ver como judeus estão vindo de todas as partes do mundo para a Terra Santa; moram em vilas e adquirem terras, e dia a dia seu número aumentará até que toda a Palestina se torne seu lar.
-~-13. Comentário Sobre O Décimo Segundo Capítulo Da Revelação De São João
Já explicamos que o sentido mais usual da Cidade Santa, ou Jerusalém de Deus, mencionada no Livro Sagrado, é a Lei de Deus. É comparada algumas vezes a uma noiva, outras vezes a Jerusalém, e ainda ao novo céu e nova terra. Assim em capítulo 21, versículos 1, 2 e 3 da Revelação de S. João, diz: “E vi um céu novo e uma terra nova; porque o primeiro céu e a primeira terra se foram e o mar já não é. E eu, João, vi a Cidade Santa, a Jerusalém nova, que da parte de Deus descia do céu, adornada como uma esposa ataviada para o seu esposo. E ouvi uma grande voz, vinda do trono, que dizia: Eis aqui o tabernáculo de Deus com os homens, e Ele habitará com eles, e eles serão Seu povo, e o mesmo Deus, no meio deles, será seu Deus”.
Notemos como é claro e evidente serem o primeiro céu e a primavera terra a Lei anterior. Pois diz que o primeiro céu e a primeira terra se foram, e não existe mais o mar. Isto é, a terra é o lugar do juízo e, nesta terra do juízo, não há mar, o que significa que os ensinamentos e a Lei de Deus se espalharão completamente sobre a terra e todos os homens entrarão na Causa de Deus, e o mundo inteiro será habitado por aqueles que crêem, não mais havendo mar porque a morada do homem é a terra firme. Em outras palavras, neste tempo, o campo da Lei será para o prazer do homem. Tal terra é sólida – nela os pés não escorregam.
A Lei de Deus é descrita também como a Cidade Santa, a Nova Jerusalém. Evidentemente, a Nova Jerusalém que desce do céu não é cidade de pedra, argamassa, tijolos, terra e madeira. É a Lei de Deus que desce do céu e é chamada nova, pois é claro não ser a Jerusalém de pedra e terra a que desce do céu e é renovada. O que se renova é a Lei de Deus.
Compara-se a Lei de Deus também a uma esposa ataviada, que aparece com os mais belos adornos, como está escrito no capítulo 21 do Apocalipse de S. João: “E eu, João, via Cidade Santa, a Jerusalém nova, que da parte de Deus descia do céu, adornada como uma esposa ataviada para seu esposo”. E no capítulo 12, versículo 1, se lê: “E apareceu uma grande maravilha no céu: uma mulher vestida do sol, que tinha a lua debaixo de seus pés, e uma coroa de doze estrelas sobre a cabeça”. Esta mulher é aquela esposa, a Lei de Deus que desceu sobre Maomé. O sol que era sua vestimenta e a lua debaixo de seus pés, são as duas nações abrigadas à sombra desta Lei – os reinos da Pérsia e da Turquia, pois o emblema da Pérsia é o sol, e o da Turquia a lua crescente. Assim o sol e a lua são os emblemas de dois reinos sob o domínio da Lei de Deus. E depois diz: “Sobre sua cabeça está uma coroa de doze estrelas”. Essas doze estrelas são os doze Imames que promoveram a Lei de Maomé e educaram o povo, brilhando como estrelas no céu da orientação.
Diz então o segundo versículo: “E estando prenhada, clamava com dores de parto”, o que significa que esta Lei caiu nas maiores dificuldades, sofrendo severas tribulações e angústias até trazer à luz uma progênie perfeita, isto é, o Manifestante que viria, o Prometido, ou seja a progênie, criada no regaço desta Lei, a qual é como sua mãe. A criança aqui mencionada é o Báb, o Primeiro Ponto, que de fato nasceu da Lei de Maomé. Isto é, a Santa Realidade, que é o filho, o fruto, da Lei de Deus, sua mãe, e é prometida por essa religião, vem a existir no reino dessa Lei, mas por causa do despotismo do dragão, o filho foi arrebatado para Deus. Após mil duzentos e sessenta dias, o dragão foi destruído, e o filho da Lei de Deus, o Prometido, manifestou-se.
Versículos 3 e 4: “E apareceu uma grande maravilha no céu, e eis aqui um grande dragão vermelho, que tinha sete cabeças e dez cornos, e nas suas cabeças sete diademas. E a causa dele arrastava a terça parte das estrelas do céu, e as fez cair sobre a terra”. Estes sinais fazem alusão à dinastia dos Umayyads, que dominaram a religião maometana. Sete cabeças e sete diademas significam sete países e domínios sobre os quais os Bani-Umayya tinham poder: a saber, o domínio romano em volta de Damasco, e os domínios da Pérsia, da Arábia e do Egito, juntamente com o domínio da África – isto é, Tunísia, Marrocos e Algéria, o domínio da Andalusia, o qual é agora Espanha e o domínio do Turquestão e da Transoxânia. Os Bani-Umayya tinham poder sobre estes países. Os dez cornos referem-se aos nomes dos dez regentes de Umayyad: isto é, sem repetição, houve dez nomes de regentes, ou de comandantes e chefes, sendo o primeiro Abu Sufian e o último Marwan, mas há mais de um com o mesmo nome. Assim, há dois Mu´awia, três Yazid, dois Walid e dois Marwan. Se, porém, os nomes fossem contados sem repetição, haveria dez. Os Bani-Umayya, o primeiro dos quais foi Abu Sufian, Amir de Meca e chefe da dinastia dos Umayyads, e o último dos quais foi Marwan, destruíram a terça parte do povo santo da linhagem de Maomé, que se assemelhava às estrelas do céu.
Versículo 4: “E o dragão parou diante da mulher que estava para partir, a fim de tragar o seu filho logo que ela o tivesse dado à luz”. Como já explicamos, esta mulher é a Lei de Deus. O dragão estava perto da mulher para devorar seu filho, o qual era o prometido Manifestante, fruto da Lei de Maomé. Os Bani-Umayya sempre esperavam apoderar-se do Prometido, que viria da linhagem de Maomé, a fim de destruí-Lo e exterminá-Lo, pois muito receavam eles o aparecimento do prometido Manifestante, e tentavam matar qualquer um dos descendentes de Maomé que fosse muito estimado.
Versículo 5: “E pariu um filho varão, que havia de reger todas as gentes com vara de ferro”. Este grande filho é o prometido Manifestante nascido da Lei de Deus e nutrido no regaço dos ensinamentos divinos. A vara de ferro é símbolo de poder e grandeza, e não uma espada – que significa que ele, com o poder divino, será o pastor de todas as nações da terra. Este filho refere-se ao Báb.
Versículo 5: “E seu filho foi arrebatado para Deus e para Seu trono”. É uma profecia a respeito do Báb, que ascendeu para o reino celestial, para o Trono de Deus e o centro de Seu Reino. Consideremos como tudo isso corresponde aos acontecimentos.
Versículo 6: “E a mulher fugiu para o deserto”: isto é, a Lei de Deus fugiu para o deserto – o vasto deserto de Hijaz, e a Península Árabe; “onde tinha um retiro que Deus lhe havia preparado”; a Península Árabe veio a ser a habitação e o centro da Lei de Deus; “para que lá a sustentassem por mil e duzentos e sessenta dias”. Na terminologia do Livro Sagrado, estes mil e duzentos e sessenta dias significam os mil e duzentos e sessenta anos em que a Lei de Deus estava estabelecida no deserto da Arábia, no grande deserto. Daí veio o Prometido. Após mil e duzentos e sessenta anos, deixará essa Lei de exercer sua influência, pois o fruto da Árvore terá aparecido – o resultado se terá tornado manifesto.
Consideremos como os profetas estão de acordo. No Apocalipse, o tempo marcado para o aparecimento do Prometido é após quarenta e dois meses, enquanto Daniel o assinala como três tempos e meio, o que também significa quarenta e dois meses, ou sejam mil duzentos e sessenta dias. Em outra passagem do Apocalipse de S. João, se refere a isto claramente como mil e duzentos e sessenta dias, e o Livro Sagrado diz ser cada dia um ano. Nada poderia ser mais claro do que esta harmonia entre as profecias. O Báb apareceu no ano de 1260 após a Héjira de Maomé, o que marca o começo da era islamítica, segundo o cálculo universal. Não existem nos Livros Sagrados provas mais claras que estas para qualquer Manifestante. Para quem é justo, a prova mais concludente está no fato de estarem aqueles grandes Seres de pleno acordo a respeito do tempo. Não é possível outra qualquer interpretação dessas profecias. Bem-aventuradas as almas justas que buscam a verdade. Onde não há justiça, porém, verificam-se ataques, disputas e aberta refutação da evidência. Assim os fariseus, ao manifestar-se Cristo, refutaram com a maior obstinação Suas explicações e as de Seus discípulos, obscurecendo-Lhe a Causa aos olhos do povo ignorante com sua alegação de não se referirem essas profecias a Jesus mas, sim, ao Prometido que deveria vir mais tarde, segundo as condições mencionadas na Bíblia. Algumas destas condições foram: “Ele deveria ter um reino, estar sentado no trono de David, executar a Lei da Bíblia, e manifestar tamanha justiça que o lobo e o cordeiro se juntassem na mesma fonte.
E assim impediram o povo de conhecer Cristo (1)No mundo material, o tempo tem ciclos; lugares sofrem mudanças devidas às estações, que se alternam; e para as almas há progresso, educação e retrocesso.
Numa época, temos a primavera; em outra, a estação outonal, e em outra ainda, o verão, ou o inverno.
Na primavera, as nuvens enviam a chuva preciosa, as brisas são perfumadas de almíscar, os zéfiros trazem-nos vida; o ar é perfeitamente temperado, a chuva cai, o sol brilha, os ventos fecundantes impelem as nuvens, o mundo renova-se, o sopro da vida aparece nas plantas, nos animais e nos homens. Os seres terrestres passam de uma outra condição. Todas as coisas adornam-se de novo: a terra negra cobre-se de vegetação, montanhas e planícies vestem-se de verde, as árvores florescentes exibem suas folhas, os jardins enchem-se de flores e plantas fragrantes. O mundo torna-se outro, adquire um espírito vivificador. A terra, que estava como um corpo inanimado, encontra um espírito novo, e manifesta infinita beleza, graça e frescura. Assim, a primavera traz uma nova vida, infunde um novo espírito.
Depois, vem o verão, o calor aumenta, e o crescimento e o desenvolvimento galgam o apogeu. A força da vida no reino vegetal alcança a perfeição: aparecem os frutos, e, onde havia sementes, estão agora os montes de cereais. É o tempo da colheita; armazenam-se alimentos para o inverno.
Vem em seguida o outono tumultuoso, com seus ventos insalubres e estéreis; é a estação doentia, em que tudo murcha, e o ar balsâmico se vicia. As suaves brisas da primavera cedem lugar aos ventos outonais; as árvores viçosas verdejantes murcham e despem-se; as flores e ervas fragrantes desvanecem-se, e o belo jardim não é mais que um monte de terra.
Depois, segue-se o inverno, com frio e tempestades, nevadas, granizos, trovões e relâmpagos. Congela-se tudo; as plantas morrem, os animais sofrem e languescem.
Ao atingir-se esse estado, volta de novo a primavera vivificante, e assim se renova o ciclo. A estação primaveril, com suas hostes de frescor e formosura, instala-se sobre planícies e montanhas, com grande pompa e magnificência. Ainda outra vez se renovam as formas dos seres; a criação inicia-se novamente; os seres crescem e desenvolvem-se. Planície e floresta tornam-se verdejantes e férteis, e as árvores floridas. Primavera, que se havia ido no ano anterior, volta com toda sua plenitude e glória. Tal é e há de ser o ciclo, a sucessão, na existência; tal é o ciclo, ou revolução, do mundo material.
O mesmo sucede aos ciclos espirituais dos Profetas. Isto é, o tempo em que aparece o Santo Manifestante é a primavera espiritual, a estação do esplendor divino, das graças celestiais, dos sopros da vida. É o nascer do Sol da Realidade. O espírito humano reanima-se, o coração refresca-se e reforça-se, a alma torna-se mais pura; a existência recebe um novo impulso, a essência do homem rejubila-se, cresce, progride em virtudes e perfeições. Há um progresso universal, há ressurreição, mas também há lamentação, pois é o dia do juízo, a hora do caos e da angústia, ao mesmo tempo que é a estação do júbilo, da felicidade e da Graça Divina.
Mais tarde a primavera ressuscitadora termina em verão frutífero. Exalta-se o Verbo de Deus, promulga-se a Lei de Deus; tudo atinge a perfeição. Estende-se a mesa celestial; as brisas sagradas perfumam tanto o Oriente como o Ocidente; os ensinamentos de Deus conquistam o mundo. Os homens tornam-se educados, e constatam-se admiráveis resultados; o progresso universal manifesta-se no mundo humano, e as graças divinas abrangem todas as coisas. O Sol da Realidade levanta-se no horizonte do Reino com pleno calor e força. Quando houver alcançado o meridiano, começará a declinar, a descer, e o verão espiritual será seguido pelo outono – época em que se paralisam todo o crescimento e desenvolvimento. As brisas transformam-se em ventos daninhos, e a estação insalubre dissipa a beleza e a frescura dos jardins, dos rosais e das planícies. Quer dizer, a atração e a boa vontade já não existem, as qualidades divinas são preteridas, ofusca-se o brilho dos corações, a espiritualidade diminui, os vícios usurpam o lugar das virtudes, fazendo que a santidade e a pureza se desvaneçam. Da Religião de Deus resta apenas o nome, persistindo somente as formas exteriores dos ensinamentos divinos. Uma vez destruídas as bases da Religião de Deus, nada mais resta senão formas e costumes. Aparecem divisões, a firmeza transmuta-se em instabilidade, o espírito humano abate-se, o coração enlanguesce, a alma torna-se inerte. É o inverno. A frieza da ignorância envolve o mundo; prevalecem as trevas do erro humano. Vemos, então, indiferença, desobediência, falta de consideração, indolência e baixeza; predominam os instintos animais, e os seres tornam-se tão frios e insensíveis como as pedras. É como a estação do inverno, quando o globo terrestre já não recebe os benefícios do calor do sol, ficando desolado e sombrio. Quando o mundo da inteligência, ou do pensamento, chega a tal ponto, nada lhe resta senão a morte contínua, a inexistência perpétua.
Decorridos os efeitos do inverno, volta novamente a primavera espiritual; aparece um ciclo novo. As brisas espirituais sopram, a alvorada luminosa resplandece, as nuvens divinas enviam suas chuvas, os raios do Sol da Realidade brilham, o mundo contingente alcança uma nova vida, e reveste-se de maravilhosos ornamentos. Nessa nova estação, reaparecem, talvez com esplendor maior, todos os sinais e dádivas da primavera passada.
Os ciclos espirituais do Sol da Realidade assemelham-se aos ciclos do sol material; sempre volvem e se renovam. O Sol da Realidade, do mesmo modo que o sol material, nasce em muitos pontos diferentes: num dia, no signo zodiacal de Câncer; noutro, no signo de Libra ou Aquário; e em outro ainda, é do signo de Áries que difunde os seus raios. O sol, entretanto, é único, uma mesma realidade; e quem possui discernimento, ama o sol, não se deixando fascinar pelo lugar em que se levantou, ou alvoreceu. Quem tem percepção busca a verdade, e não os lugares de sua aparição, os pontos de seu alvorecer. Adora o sol, pois, seja qual for o ponto do Zodíaco em que apareça; procurará ver a Realidade em cada Alma santificada que a manifestar. Atingirá sempre a verdade, jamais se excluindo do Sol do Mundo Divino. Assim, quem ama o sol e almeja a luz, há de se dirigir sempre para o sol, quer ele brilhe no signo de Áries, quer dispense suas graças quando no signo de Câncer, ou resplandeça no dos Gêmeos. Aqueles a quem falta discernimento, ou instrução, amam os signos do Zodíaco, se enamoram, fascinam, não pelo sol mas pelos lugares de seu alvorecer. Quando o sol estava no signo de Câncer, para ali se dirigiram, e como era o signo que amavam, continuaram a dirigir-se e a prender-se a ele, quando já o sol se mudara para o signo de Libra. Somente, pois, por haver o sol mudado de lugar, privaram-se de suas graças. Uma vez, por exemplo, os raios do Sol da Realidade emanaram do signo de Abraão; outra vez, do de Moisés, daí iluminando o horizonte; mais tarde, o Sol levantou-se com excelso poder e brilho no signo de Cristo. Os que almejavam a Realidade, adoraram-na onde quer que a vissem, mas os que se prenderam a Abraão, foram privados dos benefícios da Realidade quando esta brilhou sobre Sinai, iluminando a realidade de Moisés, enquanto o Sol da Realidade já brilhava em Cristo com toda sua glória e seu majestoso esplendor, também se privou, e assim por diante.
Por isso, o homem deve buscar a Realidade, e ele encontrá-la-á em cada uma das Almas Santificadas. Deve sentir-se fascinado, em êxtase pelas graças divinas, e ser para elas atraído. Deve assemelhar-se à mariposa, que ama a luz não importa em que lâmpada brilhe, ou ao rouxinol apaixonado pela rosa, seja qual for o jardim em que desabroche.
Se o sol nascesse no Ocidente, seria ainda sol, e nós nem por isso deveríamos fugir dele, achando que o Ocidente fosse sempre o lugar do pôr do sol e não de seu nascer. Devemos aspirar, pois, às graças celestiais, à Aurora Divina, e, onde quer que apareçam dedicar-lhes todo o nosso amor. Não houvessem os judeus persistido em se dirigir ao horizonte de Moisés, mas sim, olhado só para o Sol da Realidade, tê-lo-iam reconhecido, sem dúvida alguma, quando alvoreceu na plenitude de seu divino esplendor, na realidade de Cristo. Que lástima! Mil vezes que lástima! Por estarem apegados às palavras externas de Moisés, privaram-se das graças divinas, dos esplendores sublimes!
-~-A honra, a exaltação, de todo ser que existe, depende de causas e circunstâncias.
A excelência, a beleza, a perfeição da terra está em seu verdor e sua fertilidade, graças às nuvens primaveris. Crescem as plantas, as flores e ervas fragrantes; as árvores frutíferas florescem e dão frutos novos e frescos. Os jardins e os prados tornam-se belos; vestem-se de verde montanhas e planícies; campos, aldeias e cidades são embelezadas. Eis a prosperidade do mundo mineral.
A culminância da exaltação, a perfeição do mundo vegetal, pode-se resumir numa árvore que cresce à margem de uma corrente de água doce, bafejada por brisas suaves, aquecida pelo ardor do sol, cultivada por um agricultor, desenvolvendo-se assim gradativamente, e produzindo frutos. Sua verdadeira prosperidade, entretanto, está em sua contribuição para o progresso do mundo animal, e até para o humano, substituindo o que foi esgotado nos corpos dos animais e dos homens.
A exaltação do mundo animal consiste em possuir membros, órgãos e sentidos perfeitos, e em satisfazer todas as necessidades. Nisso consiste sua glória suprema, sua honra, sua exaltação. Assim, a maior felicidade para um animal consiste na posse de um prado verde e fértil, uma corrente de água pura, uma floresta verdejante, encantadora. Tendo isso, terá toda a prosperidade concebível para o animal. Se um pássaro, por exemplo, construir seu ninho numa floresta verdejante e viçosa , num belo lugar, sobre um ramo muito alto, numa árvore forte, e se ele encontrar água e grãos em abundância, terá alcançado perfeita prosperidade.
A verdadeira prosperidade do animal consiste, entretanto, na transferência do mundo animal para o humano, tal como sucede com os seres microscópicos da água e do ar que entram no organismo humano e são assimilados, substituindo o que foi gasto. Nisso está a grande honra, a grande prosperidade para o mundo animal; não se pode imaginar maior.
É claro, pois, que essa riqueza material, esse conforto e essa abundância, constituem para o mineral, o vegetal e o animal a prosperidade completa. E não há no mundo material, riqueza, conforto ou bem-estar comparável a essa opulência do pássaro; toda a vasta extensão das planícies e montanhas é sua morada; todos os grãos, todas as colheitas, são seu alimento e sua propriedade, todas as terras – aldeias, prados, pastagens, florestas e selvas – são possessões suas. Ora, qual é mais rico, esse pássaro ou o homem mais próspero? Não importa quantos grãos o pássaro tome ou dê, não se nota diminuição nos seus bens.
Assim vemos claramente que a honra e a exaltação do homem devem consistir em algo mais que bens materiais. Os confortos materiais são apenas ramos, mas a raiz da exaltação do homem são as boas qualidades e virtudes que adornam sua realidade: são os atributos divinos, as graças celestiais, as emoções sublimes, o amor e o conhecimento de Deus; são a sabedoria universal, a percepção intelectual, as descobertas científicas, a justiça, a eqüidade, a veracidade, a benevolência, a coragem natural, a fortaleza inata. Consistem também em respeitar os direitos, e em cumprir promessas e convênios, em agir com retidão em todas as circunstâncias, servir à causa da verdade sob todas as condições, sacrificar a própria vida pelo bem coletivo, mostrar bondade e estima para com todas as nações, seguir os ensinamentos de Deus, servir ao Reino Divino, orientar o povo, e educar as nações e raças. Eis a prosperidade do mundo humano! Eis a exaltação do homem na terra! É a vida eterna, é a honra celestial!
Tais virtudes só se manifestam no homem através do poder de Deus e dos ensinamentos divinos, pois para sua manifestação um poder sobrenatural é necessário. É possível que apareçam no mundo da natureza alguns traços dessas perfeições, mas não são sólidos ou duradouros; são como os raios do sol projetados na parede.
Já que Deus, o Compassivo, lhe colocou sobre a cabeça uma coroa tão maravilhosa, o homem deve esforçar-se para que as jóias cintilantes desta coroa se tornem visíveis no mundo.
-~-16. Figuras Sensíveis E Símbolos Devem Ser Usados Para Transmitir Conceitos Intelectuais
Um ponto muito importante no esclarecimento dos assuntos já mencionados, e de outros de que vamos tratar, para que a essência dos problemas seja compreendida, é este: há duas espécies de conhecimento humano.
Uma é o conhecimento das coisas perceptíveis aos sentidos – isto é, aquelas percebidas pela visão, pelo ouvido, pelo olfato, pela gustação ou pelo tato, coisas chamadas objetivas ou sensíveis. Assim, dizemos que o sol, por ser coisa visível, é objetivo; do mesmo modo, os sons são sensíveis porque os ouvidos os percebem; os perfumes também o são, já que podem ser inalados e percebidos pelo olfato; os alimentos são sensíveis porque o paladar percebe sua doçura, sua acidez ou sua salinidade; o calor e o frio são sensíveis por serem percebidos pelo tato. Dizemos que tudo isso são realidades sensíveis.
A outra espécie de conhecimento humano é a intelectual: isto é, uma realidade do intelecto, não tendo forma externa, não ocupando lugar, nem sendo perceptível aos sentidos. O poder do intelecto, por exemplo, não é sensível. Todas as qualidades interiores do homem são realidades intelectuais, e não coisas sensíveis. Assim, o amor é realidade mental, e não sensível, porque o ouvido não o ouve, os olhos não o vêem, o olfato não o percebe, a gustação não o discerne, nem o tato o sente. Até mesmo o éter, cujas forças são – segundo a física – calor, luz, eletricidade e magnetismo, é uma realidade intelectual, e não sensível. Também a natureza é, em essência, uma realidade intelectual, e não sensível. O mesmo se pode dizer do espírito humano.
A fim de explicarmos essas realidades intelectuais, somos obrigados a usar figuras sensíveis, desde que nada há na existência exterior que não seja material. Para podermos esclarecer, pois, a realidade do espírito, sua condição, seu estado, devemos empregar em nossas explicações as formas de coisas sensíveis, visto ser sensível tudo o que existe no mundo exterior. A tristeza e o contentamento, por exemplo, são coisas intelectuais; quando desejamos expressar estas qualidades espirituais, dizemos: “Meu coração se comprime, ou meu coração se expande”, embora, propriamente, o coração humano não se possa comprimir nem se expandir. Somos apenas constrangidos a recorrer a figuras sensíveis a fim de explicarmos esses estados intelectuais ou espirituais.
Outro exemplo: “Tal pessoal – dizemos – fez grande progresso”, ainda que esteja no mesmo lugar, ou: “A posição de tal homem foi elevada” se bem que ele, como nós todos, esteja sobre a terra. Esse progresso e essa elevação são estados espirituais, realidades intelectuais, mas a fim de explicá-las, recorremos a figuras sensíveis, por não haver no mundo exterior nada que não seja sensível.
Assim, o símbolo do conhecimento é a luz, e o da ignorância, a escuridão, mas será que o conhecimento seja luz sensível, ou a ignorância escuridão sensível? Não, são apenas símbolos. São estados intelectuais, mas quando queremos expressá-los exteriormente, chamamos ao conhecimento, luz, e à ignorância, escuridão. Dizemos: “Meu coração estava em trevas, e iluminou-se”. Essa luz do conhecimento e essa escuridão da ignorância são realidades intelectuais, e não sensíveis, mas a fim de explicá-las em termos do mundo exterior temos que lhes dar uma forma sensível.
Evidentemente, a “pomba” que desceu sobre Cristo não foi pomba material, mas apenas o símbolo de um estado espiritual; a fim de torná-lo compreensível, empregou-se essa figura. Diz o Velho Testamento que Deus apareceu na forma de uma coluna de fogo. Isso não significa a forma material, mas uma realidade intelectual expressa por uma imagem sensível.
Cristo diz: “O Pai está no Filho, e o Filho está no Pai”. Estava Cristo dentro de Deus, ou Deus dentro de Cristo? Não, em nome de Deus! É um estado intelectual expresso por uma figura sensível.
Desejamos agora explicar as palavras de Bahá´u´lláh quando diz: “Ó Rei! Em verdade, eu não era mais que um homem qualquer, adormecido em meu leito; os sopros do Mais Glorioso passaram sobre mim e me deram a conhecer o segredo de tudo quanto existe. Isto não provém de mim, mas do Poderoso, do Sábio”. (1) Isso se refere ao estado de manifestação; não é sensível, é uma realidade intelectual, isenta e livre do tempo – quer seja passado, presente ou futuro. É uma explicação, uma analogia, uma metáfora, não devendo ser interpretada literalmente; não é um estado que possa ser compreendido pelo homem.
Dormir ou despertar é passar de um a outro estado. O sono é a condição do repouso, a vigília do movimento; o sono é o estado do silêncio, a vigília o do falar; o sono é o estado do mistério, a vigília é o da manifestação. Existe uma expressão tanto persa como árabe, na qual se diz que a terra estava adormecida, e com a vinda da primavera despertou; ou que a terra estava morta e ressuscitou quando veio a primavera. Essas expressões são metáforas, alegorias, explicações místicas no mundo da significação.
Em resumo, os Santos Manifestantes sempre foram e hão de ser Realidades Luminosas, não podendo haver em Sua Essência mudança ou variação alguma. Antes de se manifestarem, estão silenciosos, quedos, como se dormissem; após Sua manifestação, falam e estão iluminados, como quem despertou...
-~-Pergunta – Como foi que Cristo nasceu do Espírito Santo?
Resposta – A respeito dessa questão, teólogos e materialistas estão em desacordo. Os teólogos acreditam ter Cristo nascido do Espírito Santo, porém os materialistas acham isso impossível, inadmissível, afirmando que Ele tinha, sem dúvida, pai humano.
O Alcorão diz: “E mandamos a ela Nosso Espírito e Ele lhe apareceu em forma de homem perfeito”, (1) o que significa haver o Espírito Santo assumido a semelhança da forma humana, tal como uma imagem num espelho, e se dirigido a Maria.
Os materialistas têm como imprescindível o casamento, dizendo ser impossível originar-se um corpo vivo de um ser sem vida, e que sem macho e fêmea não pode haver fecundação. Acham-na impossível, não somente no caso do homem, mas também no dos animais e das plantas, pois essa união de macho e fêmea existe em todos os seres vivos.
Até mesmo o Alcorão alude a essa dualidade de sexos: "Glória àquele que criou aos pares as coisas que a terra produz, e as que se produzem por si mesmas, e que nem se conhecem." (2) Isto é, homens, animas e plantas são todos aos pares - "e de tudo criamos dois gêneros". Quer isso dizer, criamos todos os seres aos pares.
Dizem, pois, que um homem sem pai humano não pode ser imaginado. Replicam os teólogos: "Isso não é impossível, ou irrealizável, apenas não se viu, e há uma diferença grande entre uma coisa impossível e uma desconhecida. Nos tempos antigos, por exemplo, o telégrafo, meio de comunicação entre Oriente e Ocidente, era coisa desconhecida, porém não impossível; não se conheciam a fotografia e a fonografia; entretanto, não eram coisas impossíveis".
Os materialistas insistem nesse ponto, e os teólogos replicam, perguntando: "Este globo é eterno ou contingente?" Respondem, então, os materialistas que, segundo a ciência, em vista de algumas descobertas importantes, é fato estabelecido ser ele contingente. De início, era um globo flamejante; pouco a pouco veio a ser temperado; formou-se-lhe ao redor uma crosta, sobre a qual vieram a existir plantas, depois animais, e, finalmente, o homem.
Dizem os teólogos: "Do que vós dizeis, torna-se claro e evidente que a humanidade se encontra no globo terrestre de modo transitório e não eterno. Certamente, então, o primeiro homem não teve pai, nem mãe, desde que o homem é contingente. Não será a criação do homem sem pai nem mãe, ainda que realizada gradativamente, mais difícil do que apenas a de um sem pai? Se admitis a existência do primeiro homem como tendo ocorrido - súbita ou gradativamente - sem pai nem mãe, não resta dúvida que a de um homem sem pai humano é possível e admissível; não podeis considerá-la impossível; doutro modo, seríeis ilógicos. Se dissermos, por exemplo, que uma vez esta lâmpada foi acessa sem pavio nem óleo, e então dissermos que é impossível acendê-la sem pavio, teremos aqui um contra-senso."
Cristo teve mãe; o primeiro homem, segundo a convicção dos materialistas, não teve nem pai nem mãe. (1)
-~-18. A Grandeza De Cristo É Devida Às Suas Perfeições
Um grande homem é um grande homem, quer tenha nascido de pai humano ou não. Se é virtude não se ter pai, Adão, nesse caso, é maior e mais perfeito que todos os Profetas e Mensageiros, pois não teve pai nem mãe.
A honra e a grandeza provêm do esplendor e da abundância das perfeições divinas. O sol nasceu de substância e forma, que podem ser comparadas a pai e mãe, e é a absoluta perfeição; a escuridão, por outro lado, não tem nem substância nem forma, nem pai nem mãe, e é a absoluta imperfeição. A substância da vida física de Adão foi terra, ao passo que a de Abraão foi o esperma puro; é certo que o esperma puro e casto é superior à terra.
E mais, no primeiro capítulo do Evangelho de São João, versículos 12 e 13, lemos: "Mas a todos quantos o receberam deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, aos que crêem no seu nome.
"Os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do varão, mas de Deus".
Esses versículos mostram claramente que a essência do apóstolo também não é criada pelo poder físico, mas pela realidade espiritual.
A honra e grandeza de Cristo nada têm com o fato de Ele não ter tido um pai humano; elas são devidas às suas perfeições e graças, à Sua glória divina.
Se a grandeza de Cristo consistisse no fato de Ele não ter tido pai, Adão seria maior que Cristo, por lhe haver faltado não somente pai como mãe também. O Velho Testamento diz: "Formou o Senhor Deus o homem do pó da terra, e soprou em seus narizes o fôlego da vida, e o homem foi feito alma vivente." (1) Diz, pois - devemos notar - que Adão deve sua existência ao Espírito da vida. Além disso, a expressão usada por São João com referência aos apóstolos, prova que eles também procedem do Pai Celestial. É claro, pois, que de Deus provém a santa realidade, ou verdadeira vida, de todo grande homem; sua existência depende do sopro do Espírito Santo.
Em conclusão: o esplendor e a honra das pessoas santas e dos Manifestantes divinos derivam de suas perfeições celestiais, de sua glória e suas graças espirituais, e não de outra coisa.
-~-Pergunta - Diz o Evangelho de S. Mateus, capítulo III, versículos 13-15:
"Então veio Jesus da Galiléia ao Jordão ter com João, para ser batizado por ele. Porém João o impedia, dizendo: Eu sou o que devo ser batizado por ti, e tu vens a mim? E respondendo Jesus, lhe disse: Deixa por ora, porque assim nos convém cumprir toda a justiça. Ele então o deixou."
Qual a sabedoria disso? Já que Cristo possuía toda a perfeição essencial, por que necessitava do batismo?
Resposta – O princípio do batismo é a purificação pelo arrependimento. Após ter advertido e exortado, até conduzir o povo ao arrependimento, João o batizava. Vê-se, pois, que esse batismo é o símbolo do arrependimento de todos os pecados; o seu significado está nas seguintes palavras: “Ó Deus! Assim como meu corpo foi purificado de toda impureza física, torna puro e santo também meu espírito, para que se livre das impurezas do mundo natural, indignas que são do Limiar de Tua Unidade!”
O arrependimento é a volta da desobediência para a obediência. Depois de o homem se ter afastado, assim privando-se de Deus, ele se arrepende e sujeita-se à purificação. Isso é um símbolo que significa: “Ó Deus! Faze bom e puro meu coração, santificado e livre de tudo menos de Teu amor.”
Como Cristo desejava fosse observada por todos naquele tempo essa instituição de João, mostrou deste modo Sua conformidade, a fim de despertar o povo e cumprir a lei da religião anterior. Embora a ablução do arrependimento fosse instituída por João, fora praticada também antes, na religião divina.
Necessidade alguma tinha Cristo do batismo, mas como era aprovado nesse tempo como até meritório, um sinal das boas novas do Reino, Ele o confirmou. Mais tarde declarou Ele, entretanto, ser o verdadeiro batismo não o da água material, mas sim, o do espírito e da água. Água, neste caso, não significa água material, pois em outra ocasião disse Ele, em termos explícitos, ser o batismo com espírito e fogo, donde se depreende claramente não se tratar de fogo material nem de água material, pois batismo com fogo é impossível.
O espírito é a graça divina; a água, o conhecimento e a vida; o fogo, o amor de Deus. A água material não torna puro o coração do homem, mas apenas seu corpo, enquanto a água celestial e o espírito, isto é, conhecimento e a vida, fazem bom e puro o coração humano. O coração que recebe graças do Espírito, torna-se santo, adquire bondade e pureza. Quer dizer, a essência da personalidade purifica-se, libertando-se das impurezas do mundo natural, das paixões inferiores, como sejam: ira, luxúria, mundanidade, orgulho, falsidade, hipocrisia, fraude, egoísmo, etc.
O homem não pode livrar-se do furor das paixões carnais, sem a ajuda do Espírito Santo. Por isso diz Ele ser necessário, essencial, o batismo com o espírito, a água e o fogo – com o espírito da graça divina, a água do conhecimento e da vida, e o fogo do amor de Deus. O homem deve ser batizado com esse espírito, essa água, e esse fogo, a fim de receber abundantemente as graças eternas. De outro modo, que valor tem o batismo pela água material? Não, esse batismo com água era símbolo de arrependimento e de pedir perdão pelos pecados.
No ciclo de Bahá´u´lláh, porém, esse símbolo já não é necessário, desde que sua realidade, ou seja o batismo pelo Espírito e pelo Amor de Deus, está agora compreendida e assentada.
-~-Pergunta – Será a ablução do batismo útil e necessária, ou inútil e desnecessária? No primeiro caso, se é útil, por que foi abandonada, e no segundo, se é inútil, por que motivo João a praticou?
Resposta – A mudança de condição – as alterações, as transformações – são necessidades da essência dos seres, e uma necessidade essencial não pode ser separada da realidade das coisas. Não podemos, em absoluto, isolar condições inerentes entre si, tais como o calor e o fogo, a umidade e a água, a luz e o sol. Por serem as mudanças de condição necessidades dos seres, assim, pois, devem as leis ser alteradas de acordo com as modificações dos séculos. No tempo de Moisés, por exemplo, Sua Lei estava em harmonia com as condições então prevalecentes; mas como na era de Cristo essas condições se haviam alterado, a Lei Mosaica, por não mais ser adaptável às necessidades do homem, foi revogada. Assim, Cristo não guardou o sábado, e proibiu o divórcio. Após Cristo, quatro discípulos, entre os quais Pedro e Paulo, permitiram o uso de alimento animal proibido pela Bíblia, condenando apenas as “carnes sufocadas”, a carne dos animais sacrificados a ídolos, e o sangue. (1) Proibiram também a fornicação. Mantiveram estes quatro mandamentos. Mais tarde, Paulo permitiu que se comesse até a carne de animais “sufocados” ou sacrificados, e o sangue, mantendo somente a proibição da fornicação. Assim, no Capítulo XIV, versículo 14, de sua Epístola aos Romanos, Paulo escreveu: “Sei, e estou certo no Senhor Jesus, que nenhuma coisa é de si mesma imunda, senão para aquele que a tem por imunda; para esse é imunda.”
Também na Epístola de Paulo a Tito, capítulo I, versículo 15: “Todas as coisas são puras, para os puros, mas nada é puro para os contaminados e infiéis; antes, o seu entendimento e consciência estão contaminados.”
Ora, essas mudanças e revogações são devidas à impossibilidade de se equiparar o tempo de Cristo com o de Moisés. As condições e as necessidades eram outras, completamente mudadas. Mister, pois, se tornou a revogação das leis anteriores.
A existência do mundo pode ser comparada à vida do homem, e os Profetas e Mensageiros de Deus a médicos competentes. O ser humano não pode permanecer na mesma condição; está sujeito a diferentes males, cada um dos quais exige um remédio especial. O médico hábil não usa os mesmos remédios para todas as moléstias, e todos os males, porém aplica-os segundo as várias exigências das moléstias e as necessidades diferentes de cada constituição. Se uma pessoa tiver uma doença grave proveniente de uma febre, um bom médico dar-lhe-á remédios refrescantes; em outra época, quando suas condições estiverem mudadas, e a febre for substituída por um calafrio, o mesmo médico, é claro, rejeitará o remédio refrescante e permitirá o uso de outros, de efeito contrário. Essa mudança na prescrição é exigida pelo estado do paciente, e prova, sem dúvida, a habilidade do médico.
Reflitamos: seria possível executar na época atual a Lei do Velho Testamento? Não, em nome de Deus! Seria impossível, impraticável. Foi por isso, certamente, que Deus a revogou na era de Cristo. Lembremo-nos também que o batismo no tempo de João Batista, visava despertar o povo, exortando-o a se arrepender de todos os pecados, e a esperar vigilantemente a vinda do Reino de Cristo. Na Ásia, porém, os católicos e os adeptos da Igreja Ortodoxa mergulhavam as crianças recém-nascidas em água misturada com azeite de oliva, e isso provoca tamanho abalo que elas se agitam, e muitas adoecem. Em outros lugares, o sacerdote deixa cair a água batismal sobre a fronte. Entretanto, nem de um modo, nem de outro, recebem as crianças qualquer benefício espiritual. Qual o resultado obtido, então? Não falta quem se admire e pergunte: Por que mergulhar a criancinha na água, se isso não a desperta espiritualmente, nem é motivo de fé ou conversão, mas um simples costume? No tempo de João Batista não era assim; antes de tudo, ele exortava o povo, incutia-lhe o arrependimento, e conduzia-o a desejar e a aguardar com vigilância a vinda de Cristo. Quem recebia o batismo e se arrependia dos pecados com absoluta humildade, também purificava seu corpo, lavava-o das impurezas externas. E dia e noite, constantemente, esperava com grande anelo a manifestação de Cristo, e a entrada no Reino do Espírito de Deus. (1)
Em resumo: queremos dizer que mudanças e modificações nas circunstâncias e nas necessidades das diferentes épocas constituem motivo de revogação das leis, porque chega um tempo em que estas já não se adaptam às exigências da época. Que grande diferença entre as necessidades dos primeiros séculos, da Idade Média e as dos tempos modernos! Seria possível executar hoje as leis dos primeiros séculos? É claro que seria impossível, impraticável. Da mesma maneira, futuramente, após alguns séculos, as necessidades não serão as mesmas de agora; e sem dúvida haverá mudanças, alterações. Na Europa as leis têm sido constantemente alteradas, modificadas; em tempos idos, quantas leis existiam nos sistemas europeus que são hoje obsoletas! Essas mudanças são devidas a variações nos pensamentos, circunstâncias e costumes. Se assim não fosse, a prosperidade do mundo humano ver-se-ia detida em sua marcha.
No Pentateuco há uma lei condenando à morte quem violar o sábado. Ainda mais, há dez sentenças de morte no Pentateuco. Seria possível conservarmos essas leis em nossos tempos? Claro que não; seria absolutamente impossível. Há, pois, mudanças e modificações nas leis, e essas são uma prova suficiente da suprema sabedoria de Deus.
Este assunto exige profunda meditação. Só assim, a causa dessas mudanças tornar-se-á evidente.
Bem-aventurados os que refletem!Pergunta – Cristo disse: “Eu sou o pão vivo que desceu do céu; se alguém comer deste pão, viverá para sempre.” Qual o sentido dessa afirmação?
Resposta – Esse pão significa o alimento celestial, as perfeições divinas. Assim, “Se alguém comer deste pão” quer dizer: se qualquer homem adquirir as graças celestiais, receber a luz divina, participar das perfeições de Cristo, ele deste modo atingirá a vida eterna. O sangue também significa o espírito da vida, as perfeições divinas, o esplendor celestial, as graças eternas, pois todas as partes do corpo recebem a essência vital mediante a circulação do sangue.
No Evangelho de S. João, capítulo VI, versículo 26, está escrito: “Na verdade vos digo que me buscais, não pelos sinais que vistes, mas porque comestes do pão, e vos saciastes.” É óbvio ser o pão do qual os discípulos comeram, e com o qual se saciaram, a graça celestial, pois no versículo 33 do mesmo capítulo está “Porque o pão de Deus é aquele que desde do céu, e que dá vida ao mundo”. O corpo de Cristo, é claro, não desceu do céu, mas sim, veio do ventre de Maria; o que desceu do céu de Deus foi o espírito de Cristo. Como os judeus pensavam que Cristo se referisse a Seu corpo, levantaram objeções: “E dizem: Não é este Jesus, o filho de José, cujo pai e mãe nós conhecemos? Como pois diz ele – Desci do céu?”
Evidentemente, ao falar em pão celestial, Cristo queria referir-se a Seu espírito, Suas graças, Suas perfeições, Seus ensinamentos, pois diz no versículo 63: “O espírito é o que vivifica, a carne para nada aproveita”.
É claro, pois, ser o Espírito de Cristo uma graça celestial, que desceu do céu; quem receber luz em abundância deste espírito, isto é, os ensinamentos celestiais encontrará a vida eterna. Eis porque se diz no versículo 35: “E Jesus lhes disse: Eu sou o pão da vida; aquele que vem a mim não terá fome, e quem crê em mim nunca terá sede.” Notemos que Cristo se refere a vir a Ele como comer, e crer Nele como beber. O alimento celestial consiste, pois, nas graças divinas, nos esplendores espirituais, nos ensinamentos celestiais – é a significação universal de Cristo. Comer é aproximar-se Dele, beber é crer Nele. Cristo tinha um corpo material e uma forma celestial. O corpo material foi crucificado, mas a forma celestial está viva, é eterna, e é causa de vida eterna. O primeiro era humano, a segunda é divina.
Pensam alguns ser a eucaristia a realidade de Cristo, e que a Divindade e o Espírito Santo descem até ela e nela subsistem. Ora, uma vez tomada, isto é, depois de poucos momentos, a eucaristia decompõe-se, transforma-se inteiramente. Como podemos conceber isso? Deus nos defenda! Sem a menor dúvida, é pura fantasia.
Concluindo: pela manifestação de Cristo, os ensinamentos divinos – verdadeiras graças eternas – divulgaram-se por toda parte; irradiou-se a luz que guia os homens, e o espírito da vida foi-lhes concedido. Quem atingiu esta luz, achou a vida: quem dela se viu privado, tornou-se presa da morte perpétua. O pão que desceu do céu foi o corpo divino de Cristo, os elementos espirituais, e deste, os discípulos comeram, atingindo assim a vida eterna.
Os discípulos haviam recebido muitas refeições das mãos de Cristo; em que a última se distinguia das demais? É óbvio que o pão do céu não significava pão material, mas o alimento divino, o corpo espiritual de Cristo – a graça divina, as perfeições celestiais – de que Seus discípulos participaram e de que estavam cheios.
Consideremos também que Cristo, quando abençoou o pão e o deu aos discípulos, dizendo: “Isto é o meu corpo”, estava com eles – Ele mesmo, em pessoa, em presença corpórea. Não se transformou em pão e vinho; se assim fosse, não teria permanecido com os discípulos – Ele mesmo, presente, em carne e osso.
É claro, pois, serem pão e vinho apenas símbolos, cujo sentido era: “Dei-vos minhas graças e perfeições e, quando as tiverdes recebido, tereis adquirido a vida eterna – tereis recebido vosso quinhão do alimento celestial.”
-~-Pergunta – Está escrito que Cristo fez milagres: devem estes ser tomados realmente, ao pé da letra, ou têm outra interpretação? Cientificamente está provado ser imutável a essência das coisas e estarem todos os seres sujeitos a uma única lei e ordem universal, das quais não se podem afastar. Por conseguinte, é impossível haver uma coisa contrária à lei universal.
Resposta – Os Santos Manifestantes são fontes de milagres, autores de prodígios. Para Eles a coisa mais difícil e impraticável torna-se possível e fácil. Graças a um poder sobrenatural, fazem prodígios, e por esse poder que ultrapassa toda força natural, dominam o mundo da natureza. De todos os Manifestantes temos visto coisas maravilhosas.
Os Livros Sagrados usam, porém, uma terminologia especial, e nenhuma importância é dada a esses milagres e prodígios pelos próprios Manifestantes; nem sequer desejam Eles mencioná-los. Se considerássemos os milagres como argumentos, deveríamos admitir que só o seriam para quem estivesse presente ao ato de sua realidade, e não para os ausentes. Por exemplo, se aludirmos a milagres a um interlocutor que nada sabe de Moisés ou Cristo, ele haverá certamente de negá-los e nos dizer: “Prodígios são constantemente atribuídos também aos falsos deuses, sendo atestados por muitos e afirmados nos Livros. Os brâmanes escreveram um livro acerca dos milagres de Brama.” Dirá também: “Como poderemos saber que os judeus e os cristãos dizem a verdade, e os brâmanes não? Pois todos têm tradições geralmente aceitas, relatadas em livros, e podem ser consideradas verdadeiras ou falsas.” Das outras religiões poderemos dizer o mesmo: se uma é verdadeira, todas o são; se aceitarmos uma, devemos aceitar todas. Milagres, pois, não constituem prova. Embora o possam ser para aqueles que os assistem, não o são para os ausentes.
Mas no tempo do Manifestante, quem possui a visão interior percebe milagres em todas as Suas condições, pois são superiores às de outrem, sendo isto em si um milagre absoluto. Lembremo-nos de que Cristo, solitário e sozinho, sem ninguém que O amparasse ou protegesse, sem exército nem legiões, vítima da mais severa opressão, levantou o estandarte de Deus ante todos os povos do mundo, resistindo-lhes e, finalmente, conquistando a todos, embora Seu corpo fosse crucificado. Eis um verdadeiro milagre que jamais poderemos negar. Outra prova da verdade de Cristo é desnecessária.
Os milagres exteriores nenhuma importância têm para os adeptos da Realidade. Por exemplo, se um cego recuperar a vista, algum dia haverá de perdê-la outra vez, porque morrerá, sendo assim privado de todos os sentidos e poderes. Restituir-lhe a vista, pois, é de pouca importância, relativamente, desde que esse sentido, cedo ou tarde, há de desaparecer. Que adianta ressuscitar alguém, se o corpo tem que morrer de novo? Mais importantes são, pois, visão e vida eternas – vida espiritual, vida divina. Já que esta vida física não é imortal, sua existência equivale à inexistência. Cristo disse a um de Seus discípulos: “Deixa os mortos sepultarem os seus mortos”, pois “O que é nascido da carne é carne, e o que é nascido do Espírito é espírito.”
Observemos: aqueles que ainda viviam aparentemente no corpo físico, Cristo os considerava mortos, por ser vida a vida eterna, e existência, a verdadeira existência. Os Livros Sagrados ao falarem em ressuscitar “os mortos” querem dizer que a estes fora concedida a bênção da vida eterna; quando dizem ter um cego recuperado a vista, referem-se à verdadeira percepção, ou que um surdo adquiriu a audição, estão se referindo à audição espiritual, celeste. Isto é demonstrado claramente no texto do Evangelho, onde Cristo disse: “E neles se cumpre a profecia de Isaías, que diz: Ouvindo, ouvireis, mas não compreendereis, e vendo, vereis, mas não perceberei; ... e eu os curei.”
Não queremos dizer que os Manifestantes sejam incapazes de realizar milagres, pois Eles têm todo o poder, mas simplesmente que as coisas de valor, as coisas que contam para Eles, são a visão interior, a cura espiritual, a vida eterna. Por conseqüência, sempre que os Livros Sagrados dizem ter um cego recuperado a vista, tratam de cegueira interior e vista espiritual; querem dizer com isso que um ignorante se tornou sábio, ou um desatento, atento, ou que um ser terreno se transformou num ser celestial.
Por serem eternas, esta visão, audição, cura e vida interiores têm importância. Mas, comparativamente, que valor têm a vida animal e todos seus poderes? Após alguns dias, esta há de cessar, tal como um pensamento efêmero. Se acendermos de novo uma lâmpada que se extinguiu, ela mais tarde haverá de se extinguir outra vez, porém a luz do sol é sempre luminosa. Esta, é que conta.
-~-Pergunta – Que significa a ressurreição de Cristo após três dias?
Resposta – As ressurreições dos Manifestantes Divinos não são do corpo. Todos os seus estados, suas condições, seus atos, as coisas por eles estabelecidas, seus ensinamentos – suas expressões e parábolas, têm um significado espiritual, divino, nada tendo que ver com coisas materiais. Tomemos, por exemplo, o assunto da vinda de Cristo do céu. Diz-se claramente em várias passagens do Evangelho que o Filho do homem veio do céu, está no céu e irá para o céu. Assim no capítulo 6, versículo 38, do Evangelho segundo S. João, está escrito: “Porque eu desci do céu”, e também no versículo 42, lemos: “E diziam: Porventura não é este Jesus o filho de José, cujo pai e mãe nós conhecemos? Como logo diz ele: Desci do céu?” Também em S. João, capítulo 3, versículo 13: “Ninguém subiu ao céu senão aquele que desceu do céu, a saber, o Filho do homem, que está no céu.”
Observamos que diz: “O Filho do homem está no céu”, enquanto Cristo, naquele tempo, estava na terra. Notemos também que diz haver Cristo vindo do céu, embora tivesse vindo do ventre de Maria, tendo Seu corpo nascido de Maria. Evidentemente, pois, quando diz que o Filho do homem veio do céu, isso tem um significado interior; não é fato material, mas sim, espiritual. Quer isso dizer que, embora Cristo tivesse nascido aparentemente do ventre de Maria, na realidade veio do céu, do centro do Sol da Realidade, do Mundo Divino, do Reino Espiritual. E como se tornou evidente o fato de ter Cristo vindo do céu espiritual do Reino Divino, assim também Seu desaparecimento debaixo da terra por três dias tem um significado interior, e não se realizou exteriormente. Simbólica, também, é Sua ressurreição da terra; é fato espiritual, divino, e não material. Do mesmo modo, Sua ascensão para o céu foi espiritual e não corpórea.
Além destas explicações, a ciência já provou ser o céu visível uma área ilimitada, completamente vazia, onde revolvem inumeráveis estrelas e planetas.
Dizemos, pois, que a ressurreição de Cristo tem o seguinte significado: Os discípulos estavam agitados e angustiados após Seu martírio, e assim a Realidade de Cristo, isto é, Seus ensinamentos, Suas dádivas, Suas perfeições e Seu poder espiritual se ocultaram por dois ou três dias depois de Seu martírio. Não mais resplandeceu, nem se manifestou, essa Realidade; de fato, estava perdida, porque os crentes eram poucos e sua agitação foi extrema. A Causa de Deus parecia um corpo inanimado, mas quando, após três dias, os discípulos recuperaram sua fé e certeza, começaram a servir à Causa de Cristo e resolveram difundir os ensinamentos divinos, pondo em prática Seus conselhos e se levantando para servi-Lo, a Realidade de Cristo resplandeceu novamente. Suas dádivas tornaram-se manifestas, Sua religião ressuscitou-se; mais uma vez estavam evidentes Seus ensinamentos e Suas advertências. Em outras palavras, a Causa de Cristo se assemelhara a um corpo sem vida, até ser atingida pelas graças vivificadoras do Espírito Santo.
É o que significa a ressurreição de Cristo, e esta foi uma verdadeira ressurreição. Mas por não haver o clero compreendido o que significam os Evangelhos, nem sabido interpretar os símbolos, dizia-se ser a religião contraditória à ciência e esta em oposição àquela, como, por exemplo, neste assunto da ascensão de Cristo em Seu corpo elemental ao céu visível, o que é contrário à ciência da matemática. Ao se esclarecer, porém, a verdade deste assunto e explicar o símbolo, a ciência de modo algum se opõe; pelo contrário, a ciência e a inteligência, a afirmam.
-~-24. A Descida Do Espírito Santo Sobre Os Apóstolos
Pergunta – De que maneira desceu e posou sobre os apóstolos o Espírito Santo, segundo narra o Evangelho, e qual o sentido disso?
Resposta – O Espírito Santo não desceu, assim como o ar penetra no corpo humano. Descida aqui é apenas uma expressão, uma analogia, e não uma imagem exata ou literal. Assemelha-se ao reflexo do sol num espelho; significa que seu esplendor nele se manifesta.
Após a morte de Cristo, os discípulos estavam angustiados; entre eles surgira divergência de idéias e pensamentos – reinava a discórdia. Mais tarde, porém, adquiriram espírito de firmeza e união e, reunidos na festa de Pentecostes, renunciaram às coisas deste mundo. Com desprendimento, abandonaram o conforto, o bem-estar material; imolaram o corpo e a alma ao Bem-amado; deixaram seus lares, tornando-se errantes, sem teto, e até mesmo se esqueceram de sua própria existência. Receberam, então, o amparo divino, e viram manifesto o poder do Espírito Santo; a espiritualidade de Cristo venceu e o amor de Deus se tornou predominante. Assim fortalecidos, dispersaram-se em várias direções, a fim de pregar a Causa de Deus, e demonstrar suas provas evidentes.
A descida do Espírito Santo sobre os apóstolos simboliza, pois, sua atração pelo Espírito de Cristo, graças ao qual adquiriram estabilidade e firmeza. Através do espírito do amor de Deus, foram ressuscitados e perceberam Cristo vivo, ajudando-os e protegendo-os. Eram semelhantes a gotas e se transformaram em mares; de frágeis insetos, volveram-se em águias majestosas; fracos que eram, tornaram-se poderosos. Assemelhavam-se a espelhos voltados para o sol; em verdade neles se manifestou uma parte da luz.
-~-Resposta – São as Graças de Deus, os raios luminosos que emanam do Manifestante, pois o foco para onde convergiam os raios do Sol da Realidade era Cristo; e irradiando desse foco glorioso, da Realidade de Cristo, as Graças Divinas refletiam-se nos outros espelhos, ou seja, na realidade dos apóstolos. A descida do Espírito Santo sobre os apóstolos significa, pois, que as gloriosas graças divinas neles se refletiram plenamente.
Além disso, o entrar e o sair, o descer e o subir, são características de corpos, e não de espíritos. Quer isso dizer, as realidades sensíveis entram e saem, mas as sutilezas do intelecto, as realidades mentais, como a inteligência, o amor, o conhecimento, a imaginação e o pensamento, não entram, não saem, nem descem, mas sim, guardam uma relação íntima. Por exemplo, o conhecimento, sendo um estado atingido pela inteligência, é uma condição intelectual. A entrada de uma coisa na mente, e sua saída dela, são condições imaginárias: mas entre a mente e a aquisição do conhecimento há uma relação semelhante àquela que existe entre o espelho e as imagens nele refletidas.
Por isso, desde que as realidades intelectuais não entram nem descem, e é absolutamente impossível também ao Espírito Santo subir, descer, entrar, sair ou penetrar só podemos concluir que o modo pelo qual o Espírito Santo aparece em todo o seu esplendor, é semelhante ao do sol no espelho.
Em algumas passagens dos Livros Sagrados, se fala em espírito quando se refere a uma certa pessoa, assim como é usual, em conversação, dizermos que certa pessoa é um espírito corporificado, ou a personificação da misericórdia e da generosidade. Neste caso, é para a luz que olhamos e não para o vidro.
No Evangelho de S. João, falando-se do Prometido que haveria de vir após Cristo, está escrito, no capítulo XVI, versículos 12, 13: “Ainda tenho muitas coisas que vos dizer, mas vós não as podeis suportar agora. Porém, quando vier aquele Espírito de Verdade, ele vos guiará em toda a verdade; porque não falará de si mesmo, mas falará tudo o que tiver ouvido.”
Consideremos cuidadosamente: a julgar destas palavras, “não falará de si mesmo, mas falará tudo o que tiver ouvido”, é claro que “Espírito de Verdade” se refere a um homem dotado de individualidade, de ouvidos para ouvir de uma língua para falar. O nome “Espírito de Deus” é aplicado, pois, a Cristo, assim como, ao falarmos em luz, nos referimos a ambas, luz e lâmpada.
-~-Está escrito nos Livros Sagrados que Cristo virá outra vez, e que Sua vinda estará ligada ao aparecimento de certos sinais: quando Ele vier de novo, será acompanhado por estes sinais. Por exemplo: “O sol escurecerá, e a lua não dará o seu resplendor, e as estrelas cairão do céu... Então aparecerá no céu o sinal do Filho do homem; e todas as tribos da terra se lamentarão e verão o Filho do homem, vindo sobre as nuvens do céu, com grande poder e glória.” Bahá´u´lláh explicou estes versículos no Kitáb-i-Iqán; (1) não e necessário, pois, repetirmos; podeis consultar esta obra e assim entendereis o que significam.
Tenho algo mais que dizer, entretanto, sobre este assunto. Também ao vir pela primeira vez, Cristo veio do céu, como afirma explicitamente o Evangelho. O próprio Cristo diz: “E ninguém subiu ao céu, senão o que desceu do céu, a saber, o Filho do homem, que está no céu.”
É claro para todos que Cristo veio do céu, embora parecesse vir do ventre de Maria. Assim como veio do céu a primeira vez, se bem que, aparentemente, nascido de ventre humano, do mesmo modo virá do céu a segunda vez, vindo ainda, aparentemente, de ventre humano. As condições assinaladas no Evangelho para a segunda vinda de Cristo, são as mesmas que foram mencionadas para a primeira, conforme já dissemos.
Segundo diz o Livro de Isaías, o Messias há de conquistar leste e oeste; à Sua sombra abrigar-se-ão todas as nações do mundo, e o Seu reino será firmado; Ele virá de um lugar desconhecido, julgará os pecadores, e a tal ponto a justiça predominará, que o lobo e o carneiro, o leopardo e o cabrito, a criancinha de peito e a víbora reunir-se-ão às margens da mesma fonte, no mesmo prado, na mesma morada. (2) A primeira vinda foi nestas mesmas condições, embora nenhuma delas se realizasse exteriormente, motivo este por que os judeus rejeitaram Cristo e – Deus nos perdoe! – chamaram o Messias de masikh, (3) acusaram-No de haver destruído o templo de Deus, deixado de guardar o sábado, e violado a Lei. E condenaram-No à morte. Cada uma dessas condições, entretanto, tinha um sentido que os judeus não perceberam, sendo eles assim impedidos de reconhecer a verdade de Cristo.
A segunda vinda de Cristo deve ser da mesma maneira: todas as condições mencionadas como sinais têm um sentido simbólico, e não devem ser tomadas ao pé da letra. Entre outras, encontra-se a seguinte: as estrelas cairão sobre a terra. As estrelas são inumeráveis, infinitas, e, de acordo com provas científicas modernas, matematicamente estabelecidas, o globo solar é cerca de um milhão e meio de vezes maior que a terra, e cada uma das estrelas fixas é mil vezes maior que o sol. Se fossem cair sobre a superfície da terra, onde iriam essas estrelas encontrar lugar? Seria como se mil milhões de Himalaias caíssem em cima de um grão de mostarda! De acordo com a razão e a ciência, isto é absolutamente impossível. E mais estranho ainda é o fato de Cristo haver dito que talvez viesse enquanto todos dormissem, porque o Filho do homem viria como vem um ladrão, que pode estar dentro da casa sem que o dono saiba.
É claro, pois, é óbvio, terem esses sinais um sentido simbólico, não devendo ser tomados ao pé da letra. Encontram-se amplamente explicados no Kitáb-i-Iqán: consultai-o.
-~-Pergunta – Que significa a Trindade – as Três Pessoas em Uma?
Resposta – A Realidade Divina, pura e santificada, está muito além da compreensão dos seres humanos, e jamais poderá ser imaginada, nem pelos mais inteligentes e sábios; ultrapassa qualquer conceito. Esta Realidade Sublime não admite a divisão, pois a divisão e a multiplicidade são propriedades das criaturas, que são existências contingentes; tais acidentes não podem atingir Àquele que existe por si próprio.
A Realidade Divina está isenta da singularidade e, muito mais ainda, da pluralidade. A descida desta Realidade Divina para condições e graus outros, seria contrária à perfeição – seria absoluta imperfeição e, portanto, inteiramente impossível. Sempre esteve essa Realidade, como ainda está, no mais elevado grau da santidade. Tudo o que se diz das Alvoradas – os Manifestantes de Deus – refere-se ao reflexo divino, e não a uma descida às condições terrenas.
Deus é pura perfeição, e as criaturas simples imperfeições. Para Ele, o descer às condições terrenas constituiria a maior das imperfeições; Sua manifestação, Seu aparecimento, ou Sua alvorada, é como o reflexo do sol num espelho cristalino, puro e polido. Todas as criaturas são sinais evidentes de Deus, semelhantes às coisas terrestres sobre as quais brilham os raios do sol, mas sobre as planícies, as montanhas, as árvores e os frutos brilha apenas uma parte da luz, pela qual todas estas coisas se tornam visíveis e se desenvolvem, atingindo assim o objetivo de sua existência, ao passo que o Homem Perfeito (1) é semelhante a um espelho puro no qual o Sol da Realidade se reflete plena e visivelmente, manifestando-se em todas as suas qualidades e perfeições. A Realidade de Cristo era um espelho límpido e polido, sumamente puro e fino, e assim o Sol da Realidade, a Essência Divina, refletiu-se nesse espelho, nele manifestou luz e calor. Não desceu, porém, de Seu elevado grau de santidade, de Seu sagrado céu, para entrar no espelho e nele habitar; ao contrário, continua a subsistir em Sua glória e sublimidade, enquanto se reflete no espelho e nele manifesta Sua beleza e Sua perfeição.
Se dissermos, pois, que vimos o sol em dois espelhos, sendo um destes espelhos Cristo, e o outro o Espírito Santo, isto é, que vimos três sóis, estando um no céu e os outros dois na terra, diremos a verdade. E se dissermos que há somente um sol, que é único, sem companheiro ou igual, estaremos ainda dizendo a verdade.
Em resumo: a Realidade de Cristo foi um espelho puro, e o Sol da Realidade, ou seja a Essência da Unidade, com Seus infinitos atributos e perfeições, tornou-se visível no espelho. Não queremos dizer com isso que o sol, a Divina Essência, se tivesse dividido ou multiplicado, pois o sol é um e único; apenas se reflete no espelho. Eis porque disse Cristo: “O Pai está no Filho”, isto é: o sol está visível, manifesto, neste espelho.
O Espírito Santo significa as Graças de Deus, as quais se tornam visíveis e evidentes na Realidade de Cristo. A condição de Filho é o coração de Cristo, e o Espírito Santo é a condição do espírito de Cristo. Assim provamos, fora da menor dúvida, ser a Divina Essência absolutamente única, sem igual ou semelhante.
Eis o que se entende por Três Pessoas da Santíssima Trindade. De outro modo, a Religião de Deus basear-se-ia numa proposição ilógica, inconcebível – podemos acreditar numa coisa que nem nos é possível conceber? Nada se pode abranger com a inteligência que não seja apresentado de forma inteligível, pois seria apenas fantasia.
Está claro agora, pela exposição acima, o sentido de Três Pessoas da Santíssima Trindade. A Unidade de Deus também está provada.
-~-28. Explicação Do Versículo 5, Capítulo Xvii, Do Evangelho De S. João
“E agora glorifica-me Tu, Ó Pai, junto de Ti mesmo, com aquela glória que tinha contigo, antes que o mundo existisse.”
Há duas espécies de preexistência: uma essencial, não precedida por nenhuma causa, existindo por si própria. Por exemplo, o sol tem luz em si mesmo; seu brilho não depende da luz de outras estrelas. Isso chama-se uma luz essencial. A luz da lua, por outro lado, é recebida do sol; a lua depende do sol para sua luz. No tocante à luz, pois, o sol é a causa, e a lua o efeito. Aquele é anterior, antecedente, enquanto esta é posterior, conseqüente.
A segunda espécie de preexistência é a de tempo; não tem começo. O Verbo de Deus (1) é santificado, isento do tempo. Para Deus, passado, presente, futuro são todos iguais. Ontem, hoje, amanhã, não existem no sol.
Há também uma preexistência referente à glória; isto é, o mais glorioso procede o menos glorioso. Assim, a Realidade de Cristo, ou seja, o Verbo de Deus, deve indubitavelmente proceder às criaturas, no que diz respeito a essência, atributos e glória. Antes de assumir a forma humana, o Verbo de Deus já existia na plenitude da santidade e da glória, em toda a beleza, no máximo esplendor, nas sublimes alturas de Sua magnificência. Quando, pela sabedoria de Deus, o Altíssimo, se manifestou o Verbo de Deus, das alturas de Sua glória, radioso num corpo humano, então, mediante esse mesmo corpo, Ele tornou-se presa da opressão, a ponto de cair nas mãos dos judeus, cativo dos tiranos, dos ignorantes, sendo por fim crucificado. Foi por isso que Ele se dirigiu a Deus, suplicando: "Livrai-me dos grilhões do corpo, liberta-me desta prisão, para que eu possa ascender até às alturas da honra e da glória, alcançar a grandeza antiga, o poder que preexistia ao mundo corporal, regozijar-me no reino eterno, e elevar-me à morada anterior, para o mundo além da matéria e de tudo que a vista alcança."
Assim vemos que até neste mundo de terras e almas, a glória e a grandeza de Cristo só apareceram após Sua ascensão. Antes, enquanto prisioneiro do corpo, sofrera o máximo desprezo e escárnio por parte da mais débil nação do mundo, os judeus, que ainda se permitiram pôr sobre a sagrada cabeça uma coroa de espinhos. Após Sua ascensão, porém, as mais cintilantes coroas de reis curvaram-se com humildade ante a coroa de espinhos.
Eis a glória alcançada, até neste mundo, pelo Verbo de Deus!
-~-29. Explicação Do Versículo 22, Capítulo 15, Da Primeira Epístola De S. Paulo Aos Coríntios
Pergunta - No versículo 22 do capítulo 15 de 1 Aos Coríntios está escrito: "E assim como em Adão morrem todos, assim também todos serão vivificados em Cristo". Que significam estas palavras?
Resposta - Saibam que há no homem duas naturezas: a física e a espiritual. De Adão ele herda a natureza física; da Realidade do Verbo de Deus, que é a espiritualidade de Cristo, herda ele sua natureza espiritual. A natureza física nasce de Adão e é fonte de toda imperfeição, enquanto a espiritual deriva das graças do Espírito Santo, e é a fonte de toda a perfeição.
Cristo sacrificou-se a fim de que os homens se livrassem das imperfeições da natureza física e viessem a possuir as virtudes da natureza espiritual. Esta, vindo a existir pelas graças da Realidade Divina, reúne em si todas as perfeições, manifestando-se através do sopro do Espírito Santo. São as perfeições divinas - luz, espiritualidade, orientação, sublimidade, aspiração elevada, justiça, amor, benevolência, bondade para com todos, filantropia, a essência da vida. É o reflexo do esplendor do Sol da Realidade.
Cristo é o Foco central do Espírito Santo; nasceu do Espírito Santo; foi animado pelo Espírito Santo; é descendente do Espírito Santo. Isto é: a Realidade de Cristo não descendeu de Adão, mas sim, nasceu do Espírito Santo. Segundo esta terminologia, pois, o versículo - "Como em Adão morrem todos, assim também todos serão vivificados em Cristo" - significa ser Adão o pai da humanidade, ou seja, a causa de sua vida física. Embora uma alma vivente, não foi ele quem deu a vida espiritual, enquanto Cristo é a origem da vida espiritual do homem - Sua foi a paternidade espiritual. Adão é alma vivente; Cristo, espírito animador.
Este mundo físico do homem está sujeito ao poder dos desejos lascivos, havendo o pecado em conseqüência; não se acha sob o domínio das leis da justiça e da santidade. O corpo humano é cativo da natureza, agindo de acordo com seus ditames. Cristo é, pois, que pecados como zanga, ciúme, contenção, cobiça, avareza, ignorância, preconceito, ódio, orgulho e tirania existem no mundo físico. Existem na natureza humana todas estas qualidades brutais. Sem a educação espiritual, o homem é bruto. Selvagens da África, por exemplo, cujos atos, hábitos e moral são puramente sensuais, seguem as exigências da natureza ao ponto de se despedaçarem e comerem uns aos outros. É evidente, pois, ser o mundo físico do homem um mundo de pecado. Neste mundo, o homem não se distingue do animal.
Todo o pecado se origina nas demandas da natureza, as quais, vindo das qualidades físicas, não constituem pecados para os animais, ao passo que para o homem o são. O animal é a fonte das imperfeições, como zanga, sensualidade, ciúme, avareza, crueldade, orgulho; todos estes defeitos se encontram nos animais, sem que constituam pecados, mas no homem são pecados.
De Adão se origina a vida física do homem, mas a Realidade de Cristo, isto é, o Verbo de Deus, é a causa da vida espiritual. "Serão vivificados" significa que todas as imperfeições provenientes das necessidades da vida física do homem são transformadas em perfeições humanas, graças aos ensinamentos e à educação deste espírito. Assim, pois, Cristo foi um espírito vivificador, a causa da vida em toda a humanidade.
Adão foi causa da vida física, e desde que o mundo físico do homem é o mundo das imperfeições, as quais são equivalentes à morte, S. Paulo se refere às imperfeições físicas como sendo a morte.
Os cristãos em geral, entretanto, acreditam que, por haver Adão comido da árvore proibida, assim pecou, pois desobedeceu, e a conseqüência desastrosa de sua desobediência foi transmitida como herança, permanecendo entre sua posteridade, sendo assim que ele se tornou causa da morte do gênero humano. Tal explicação é pouco razoável e, evidentemente, errada; pois significaria que todos os homens, até os Profetas, os Mensageiros de Deus, sem terem cometido qualquer pecado ou erro, simplesmente por serem da posteridade de Adão, sem outra razão, fossem pecadores, devendo permanecer cativos no inferno, sofrendo dolorosos suplícios, até o dia do sacrifício de Cristo. Longe seria isto da justiça de Deus. Se Adão foi pecador, qual foi o pecado de Abraão? Qual o erro de Isaac, ou de José? De que teve culpa Moisés?
Mas Cristo, que é o Verbo de Deus, sacrificou-se. Isto tem dois significados, um evidente e um esotérico. O primeiro é este: foi o objetivo de Cristo representar e promover uma Causa destinada a educar o mundo humano, vivificar os filhos de Adão e esclarecer todos os homens, e desde que o apoio a tão grande Causa - uma Causa vista com hostilidade pelos povos do mundo, por todas as nações e todos os reinos - acarretava Seu sacrifício, exigia que fosse crucificado, assim Cristo ao proclamar Sua missão sacrificou a vida. A Seu ver, a cruz era um trono, a ferida um bálsamo, e o veneno mel. Ergueu-se a fim de educar os homens e, para dar-lhes o espírito da vida, Ele se sacrificou a si próprio. Pereceu no corpo a fim de animar os outros pelo espírito.
O segundo sentido do sacrifício é este: Cristo era como uma semente, e esta semente sacrificou sua própria forma para que a árvore crescesse e se desenvolvesse. Embora fosse destruída a forma da semente, sua realidade manifestou em perfeita majestade e beleza na forma da árvore.
A posição de Cristo foi a de absoluta perfeição e, semelhante ao sol, Ele fez Suas perfeições se irradiarem sobre todas as almas crentes, e as graças de Sua luz iluminaram a realidade do homem. Eis porque Ele diz: "Eu sou o pão que desci do céu; quem comer deste pão, não morrerá". Quer isso dizer: quem participar deste alimento divino, atingirá a vida eterna, ou, em outras palavras, quem participar destas graças e adquirir estas perfeições, alcançará a vida eterna, obterá os favores preexistentes, livrar-se-á das trevas do erro, sendo guiado pela Sua luz iluminadora.
Assim, pois, a forma da semente foi sacrificada em benefício da árvore, mas suas perfeições, em virtude desse sacrifício, tornaram-se evidentes, havendo estado oculta na semente a árvore com ramos, folhas e flores. Ao sacrificar-se a forma da semente, suas perfeições apareceram na forma perfeita de folhas, flores e frutos.
-~-Pergunta - Que verdade há na história de Adão, segundo a qual ele comeu do fruto da árvore?
Resposta - Na Bíblia está escrito que Deus pôs Adão no jardim do Éden, para o cuidar e guardar, e lhe disse: "Come de todos os frutos das árvores do jardim menos dos da árvore do bem e do mal, pois se desta comeres, morrerás". Diz a narrativa, então, que Deus infundiu a Adão um sono profundo, e lhe tirou uma das costelas, da qual formou a mulher a fim de que fosse sua companheira; e, depois disso, que a serpente induziu a mulher a comer da árvore, dizendo: "Deus vos proibiu de comer da árvore, a fim de que vossos olhos não se abrissem e vós não conhecêsseis o bem e o mal." Comeu, pois, Eva da árvore e deu de seus frutos a Adão, que também comeu; abriram-se seus olhos, conheceram que estavam nus e cobriram os corpos de folhas. Em conseqüência deste ato, foram repreendidos por Deus. Perguntou Deus a Adão se comera da árvore proibida, ao que ele respondeu que Eva o havia tentado e assim ele comeu. Deus respondeu, pois, a Eva, que disse: "A serpente me tentou e eu comi." Por isso foi maldita a serpente, e inimizade foi posta entre ela e Eva, e entre a posteridade de ambos. E Deus disse: "Eis aí, está feito o homem como um e nós, conhecendo o bem e o mal, e talvez ele como da árvore da vida e viva eternamente." Assim Deus guardou a árvore da vida.
Esta história, tomada em seu sentido aparente, segundo a interpretação das massas, é de fato extraordinária. A inteligência não pode aceitá-la, afirmá-la ou imaginá-la, pois tais arranjos, detalhes, discursos e repreensões estão longe de ser de um homem inteligente, e muito menos da Divindade - daquela Divindade que organizou este infinito universo do modo mais perfeito, e seus inumeráveis habitantes como ordem, poder e perfeição absolutas.
Devemos refletir um pouco: tomando-se esta história em seu sentido literal, ninguém, de certo, admitiria, logicamente, ser tal procedimento o de um ser dotado de inteligência. Devemos considerar, pois, esta história de Adão e Eva, que comeram da árvore e foram expulsos do Paraíso, como simplesmente simbólica, e perceber que encerra mistérios divinos e significados universais e permite explicações maravilhosas. Somente aqueles que são iniciados nos mistérios e estão próximos da Corte do Todo-Poderoso estão cientes destes segredos. Assim, pois, estes versículos da Bíblia têm numerosos sentidos.
Explicaremos um deste do seguinte modo: Adão significa o espírito de Adão, e Eva sua alma. Em algumas passagens dos Livros Sagrados que mencionam mulheres, estas representam a alma do homem. A árvore do bem e do mal significa o mundo humano, pois o mundo espiritual, divino, é puramente bom e absolutamente luminoso, mas no mundo humano existem condições opostas, luz e trevas, bem e mal.
A serpente significa ligação ao mundo humano. Esta ligação do espírito ao mundo humano fez a alma e o espírito de Adão deixarem o mundo da liberdade para o da escravidão, voltarem-se do Reino da Unidade para o reino humano. Quando a alma e o espírito de Adão entraram neste mundo, ele saiu do paraíso da liberdade e desceu ao plano da escravidão; das alturas da pureza e bondade absoluta, veio ao mundo do bem e do mal.
A árvore da vida é o grau máximo da existência: a posição do Verbo de Deus e do Manifestante Universal. Esta posição foi preservada, pois, e, ao aparecer o mais nobre Manifestante Universal, tornou-se clara e evidente. Pois a posição de Adão, com respeito ao aparecimento das perfeições divinas, era embrionária; a posição de Cristo era a da maturidade, do raciocínio; e o surgir do Luminar Supremo (1) era a da perfeição da essência e das qualidades. Eis porque no mais alto paraíso, árvore da vida é a expressão para o centro de santidade absolutamente pura, isto é, o Manifestante Divino Universal. Do tempo de Adão até o de Cristo, pouco se falou da vida eterna e das perfeições celestes universais. Essa árvore da vida foi a posição da Realidade de Cristo; em virtude de Sua manifestação foi plantada e se adornou de frutos imperecíveis.
Consideremos agora quanto esta interpretação se conforma com a realidade. Pois o espírito e a alma de Adão, ao se ligarem ao mundo humano, passaram do estado da liberdade ao da escravidão, e seus descendentes continuaram escravizados. Esse cativeiro da alma e do espírito no mundo humano, o que constitui pecado, foi herdado pelos descendentes de Adão e é a serpente que está sempre em meio a seus espíritos e lhes é hostil. Essa inimizade continua, persiste. Pois a ligação ao mundo se tornou causa do cativeiro dos espíritos, o que é idêntico ao pecado e foi transmitido de Adão à sua posteridade. Em conseqüência dessa ligação foram os homens privados da espiritualidade essencial e de uma posição elevada.
Ao serem difundidos os sopros santificados de Cristo e a luz sagrada do Luminar Supremo, (1) as realidades humanas, ou sejam aqueles que se dirigiram ao Verbo de Deus e receberam em abundância Suas dádivas, salvaram-se desse cativeiro, desse pecado, atingiram a vida eterna, livraram-se dos grilhões da escravidão, e alcançaram o mundo da liberdade. Livres dos vícios do mundo humano, obtiveram a benção das virtudes do Reino. Eis o significado das palavras de Cristo, "Dei meu sangue pela vida do mundo"; isto é, escolhi todas estas tribulações, estes sofrimentos e calamidades, até o maior martírio, a fim de atingir este objetivo, a remissão dos pecados; ou seja, que os espíritos se desprendam do mundo humano e sejam atraídos ao divino, para que surjam almas que se tornem a própria essência de guia entre os seres humanos, e manifestem as perfeições do Reino Supremo.
Notemos: se fosse aceito o sentido esotérico, segundo as suposições do Povo do Livro, (2) isso seria absoluta injustiça, predestinação completa. Se Adão pecou por se ter aproximado da árvore proibida, qual foi o pecado do glorioso Abraão, e qual o erro de Moisés, o Interlocutor? Que crime cometeu Noé, o Profeta ou transgressão José, o Veraz? Qual foi a iniqüidade dos Profetas de Deus, e que culpa teve João, o Casto? Teria a justiça de Deus permitido que esses Manifestantes iluminados, por causa do pecado de Adão, sofressem tormento no inferno até a vinda de Cristo e Seu sacrifício para salvá-los das angústias excruciantes? Tal idéia transgride toda a lei e regra, e não pode ser aceita por uma pessoa inteligente.
Não, significa o que já dissemos: Adão é o espírito de Adão, e Eva sua alma; a árvore é o mundo humano, e a serpente é a ligação a este mundo, o que constitui pecado e contaminou a posteridade de Adão. Cristo por Seus sopros sagrados salvou os homens desse cativeiro, livrou-os desse pecado. O pecado em Adão é relativo à sua posição. Embora dessa ligação procedam resultados, no entanto, relativamente ao mundo espiritual, é considerada um pecado. As boas ações dos fiéis são os pecados dos Próximos. É isto estabelecido. Assim o poder corpóreo é defeituoso só em relação ao espiritual; comparado a este, é fraqueza. Igualmente, a vida física em comparação com a vida eterna no Reino, é considerada morte. Cristo chamou de morte a vida física, dizendo: "Deixa que os mortos sepultem seus mortos". Embora essas almas possuíssem a vida física, esta, a Seus olhos, era apenas morte.
Eis uma das interpretações da história bíblica de Adão. Refleti até descobrirdes as outras...
-~-31. Explicação Da Blasfêmia Contra O Espírito Santo
Pergunta - "Portanto vos digo: Todo o pecado e blasfêmia serão perdoados aos homens; porém a blasfêmia contra o Espírito Santo não lhes será perdoada. E todo o que disser alguma palavra contra o Filho do homem, perdoar-se-lhe-á; porém o que a disser contra o Espírito Santo, não se lhe perdoará, nem neste mundo, nem no outro." S. Mateus xii.31,32.
Resposta - As santas Realidades dos Manifestantes de Deus têm duas posições espirituais. Uma é o lugar da manifestação, comparável à posição do globo solar; e a outra é o esplendor do Manifestante, que se assemelha à sua luz e irradiação. Estas são as perfeições de Deus ou, em outras palavras, o Espírito Santo. Pois o Espírito Santo são os dons divinos e as perfeições celestiais, sendo estas perfeições divinas assim como os raios e o calor do sol. Os brilhantes raios do sol constituem seu próprio ser, sem os quais não seria o sol. Se não estivesse em Cristo a manifestação ou o reflexo das perfeições divinas, Jesus não seria o Messias. Ele é manifestante porque reflete em Si próprio as perfeições divinas. Os Profetas de Deus manifestam as perfeições celestiais; isto é, o Espírito Santo neles se torna visível.
Embora uma pessoa se afaste do Manifestante, será possível ainda que desperte, pois apenas não reconheceu a manifestação das qualidades divinas. Se, entretanto, abominar as próprias perfeições divinas, ou seja o Espírito Santo, tal pessoa será, evidentemente, como o morcego que odeia a luz.
A aversão à luz não tem remédio e é imperdoável; quer isto dizer, é impossível à pessoa que a odeia se aproximar de Deus. Esta lâmpada é lâmpada em virtude de sua luz, sem a qual deixaria de sê-la. Se, pois, uma alma detesta a luz da lâmpada, é como se fosse cega, não podendo compreender a luz; e a cegueira é causa de se ser banido de Deus por toda a eternidade.
Evidentemente, as almas recebem graça das dádivas do Espírito Santo refletido nos Manifestantes de Deus, e não da personalidade destes. Quando a alma, portanto, não participa das dádivas do Espírito Santo, ela se priva da Graça Divina, e o próprio afastamento põe a alma além do alcance do perdão.
Por esta razão muitas pessoas eram inimigas dos Manifestantes enquanto não os reconheceram, mas vieram a ser seus amigos uma vez que os conhecessem. Assim a inimizade para com o Manifestante não se tornou causa de afastamento perpétuo, pois os que a mostravam eram inimigos dos portadores da luz, não sabendo serem estes as luzes resplandecentes de Deus. Não eram inimigos da luz e logo que compreenderam ser o portador da luz o verdadeiro lugar de sua manifestação, tornaram-se seus amigos sinceros.
O que significa é isto: afastar-se do portador da luz não implica banimento eterno, pois se pode despertar e ser vigilante, mas ser-se inimigo da luz é causa de se ser banido para sempre; para isto não há remédio.
-~-32. Explicação Do Versículo: "Porque São Muitos Os Chamados, E Poucos Os Escolhidos"
Pergunta - No Evangelho, Cristo diz: "São muitos os chamados mas poucos os escolhidos", e no Alcorão está escrito: "Ele concederá misericórdia especial a quem Ele quiser." Que sabedoria há nisto?
Resposta - Saibamos que a organização e a perfeição do universo inteiro exigem que a existência se manifeste em inúmeras formas. Pois os seres existentes não se poderiam incorporar em uma só categoria, condição, espécie ou classe; é necessário, sem dúvida, que haja diferença de grau, distinção de forma, variedade de espécie. Quer isso dizer: é imprescindível o grau das substâncias mineral, vegetal e animal, bem como o do homem, pois o mundo não poderia ser organizado, e adquirir beleza e perfeição, com o homem somente. Tão pouco poderia este mundo manifestar belas paisagens, uma organização exata, e exímio adorno, com apenas animais, ou plantas, ou minerais. É, sem dúvida, em virtude da variedade de graus, condições, espécies e classes, que a existência se torna resplandecente e mostra suma perfeição.
Esta árvore, por exemplo, se consistisse inteiramente de frutos, não poderia atingir as perfeições vegetais; pois folhas, flores e frutos são todos necessários a fim de que a árvore seja adornada da maneira mais bela e perfeita.
Outrossim, consideremos o corpo do homem: deve ser composto de várias partes, de diferentes órgãos e membros. A beleza, a perfeição humana, exige a existência dos ouvidos, olhos, cérebro e até dos cabelos e das unhas; se o homem fosse somente cérebro, ou olhos, ou ouvidos, isto equivaleria à imperfeição. Assim a ausência de cabelo, pestanas, dentes ou unhas seria um defeito absoluto, embora sejam estes, em comparação com os olhos, insensíveis, assemelhando-se nesse respeito ao mineral ou à planta. Sua falta no corpo humano, entretanto, constitui, necessariamente, imperfeição e desagrado.
Sendo assim, pois, vários os graus da existência, alguns seres estão mais altos na escala do que outros. É pela vontade de Deus, portanto, que algumas criaturas são escolhidas para o grau mais elevado, como o homem, enquanto que outras se acham num grau médio, como o vegetal, e ainda outras, como o mineral, estão no grau ínfimo.
Por causa da bondade de Deus, foi o homem escolhido para o grau máximo, e as diferenças existentes entre os homens, no que diz respeito a progresso espiritual e perfeições celestiais, também são devidas à escolha do Compassivo. Pois a fé, que é a vida eterna, é sinal de bondade divina e não é resultado da justiça. A chama do fogo do amor, neste mundo de terra e água, deriva do poder da atração; não vem em conseqüência de esforço. Por esforço e perseverança, no entanto, podem o conhecimento, a ciência e outras perfeições ser adquiridas; mas somente a luz da Beleza Divina pode comover e enlevar os espíritos pela força da atração. É por isso que se diz: "São muitos os chamados e poucos os escolhidos."
Os seres materiais, porém, não devem ser desprezados ou julgados responsáveis por seu próprio grau ou condição. Por exemplo, mineral, vegetal e animal, em seus vários graus são aceitáveis, mas se em seu próprio grau permaneceram imperfeitos, serão dignos de culpa, pois o grau em si é puramente perfeito.
São de duas espécies as diferenças entre os seres humanos. Uma é de grau e não é culpável. A outra diferença é a respeito de fé e certeza, a falta das quais é censurável, pois assim a alma é acabrunhada de seus desejos e paixões, e estes o privam das bênçãos, impedindo-a de sentir o poder da atração do amor de Deus. Embora tal homem seja aceitável e digno de louvor em seu grau, no entanto, por ser privado das perfeições desse grau, ele se tornará fonte de imperfeições, pela qual será julgado responsável.
-~-Resposta - Bahá'u'lláh explanou esse tema ampla e minuciosamente no Iqán; se o lerdes, a verdade sobre este assunto se vos tornará evidente. Mas já que a pergunta foi feita, explicá-lo-ei em poucas palavras. Comecemos a elucidação pelo Evangelho, pois ali está bem assinalado que, quando apareceu João, filho de Zacarias, dando aos homens a boa nova da vinda do Reino de Deus, perguntaram-lhe: "Quem és tu? És tu o Messias prometido?" Ele respondeu: "Eu não sou o Cristo". E perguntaram-lhe: "És tu Elias? E disse: Não sou." (1) Estas palavras mostram que João, filho de Zacarias, não era o prometido Elias, mas no dia da transfiguração, no Monte Tabor, Cristo disse claramente que o era.
No capítulo IX, versículos 11-13, do Evangelho segundo S. Marcos, está escrito: "E interrogaram-no, dizendo: Por que dizem os escribas ser necessário que Elias venha primeiro? E, respondendo ele, disse-lhes: Em verdade Elias virá primeiro, e todas as coisas restaurará; e, como está escrito do Filho do homem, convém que padeça muito e seja aviltado. Digo-vos, porém, que Elias já veio, e fizeram-lhe tudo o que quiseram, como dele está escrito."
No capítulo XVII, versículo 13 de S. Mateus, está escrito: "Então entenderam os discípulos que lhes falara de João Batista."
Perguntaram a João Batista: "És tu Elias?" Ele respondeu: "Não sou", embora esteja escrito no Evangelho que João era o prometido Elias, e Cristo também disse isso claramente. Então, se João era Elias, por que disse: "Não sou", e se não era Elias, por que disse Cristo que o era?
Explica-se do seguinte modo: não é à personalidade que isto se refere, mas à realidade das perfeições. Noutros termos: as mesmas perfeições que havia em Elias existiam exatamente em João Batista, manifestaram-se também nele. João Batista foi, portanto, o prometido Elias. Não se trata aqui da essência, (2) e sim, das qualidades. Havia, por exemplo, uma flor no passado, e há neste ano uma flor também. Se eu disser, então, que a flor do ano passado voltou, não quero dizer com isto que a mesma flor, com sua individualidade exata, tenha voltado. Não. Apenas como esta flor tem as mesmas qualidades que a do ano passado, o mesmo perfume, a mesma delicadeza, a mesma forma e cor, digo: a flor do ano passado voltou; esta flor é a anterior. Quando chega a primavera, dizemos que a primavera voltou, porque na deste ano há tudo o que havia na do ano anterior. Foi por isso que Cristo disse: Vereis então as mesmas coisas que foram vistas nos tempos dos profetas antigos.
Façamos outra comparação: lança-se na terra a semente do ano passado, da qual se manifestam ramos e folhas, vindo a aparecerem em seguida flores e frutos e, depois, tudo volta à semente. Ao semear-se esta, a segunda semente, cresce uma árvore, e mais uma vez temos ramos, folhas, flores e frutos - uma árvore perfeita. Visto ter sido o começo uma semente, e o fim também uma semente, dizemos que a semente voltou. Se contemplarmos a árvore em si, veremos que é outra mas se considerarmos suas flores, suas folhas e seus frutos, perceberemos a mesma fragrância, a mesma delicadeza, e o mesmo gosto. Voltaram, pois, as perfeições da árvore.
Do mesmo modo, se olharmos para o indivíduo, verificaremos que é outro; entretanto, se considerarmos as qualidades, as perfeições, veremos que as mesmas voltaram. Quando, pois, Cristo disse: Este é Elias, Ele queria dizer: esta pessoa é a manifestação da bondade, das qualidades, das perfeições, das virtudes, do caráter de Elias. Não obstante, João Batista disse: Não sou Elias. É que Cristo considerava as qualidades, as perfeições, o caráter, as virtudes de ambos, enquanto que João olhava apenas sua substância, sua individualidade. Esta lâmpada que estava aqui ontem à noite está acesa hoje também, e ainda amanhã brilhará. Quando dizemos que a lâmpada de hoje é a luz de ontem, que voltou, falamos da luz, e não do óleo, do pavio ou do suporte.
No Kitáb-i-Iqán há uma exposição clara e completa deste tema.
-~-Pergunta - No Evangelho de S. Mateus lemos: "Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja". Que significa este versículo?
Resposta - Estas palavras de Cristo confirmam a declaração de Pedro: "Tu és o Cristo, Filho do Deus vivo", quando Cristo lhe perguntara: "E vós, quem dizeis que sou eu?" Então disse-lhe Cristo: "Tu és Pedro" (1) - Cephas no aramaico significa pedra - "e sobre esta pedra edificarei a minha igreja". Os outros, ao serem interrogados, haviam respondido que era Elias, ou João Batista, e outros ainda, Jeremias, ou um dos Profetas.
Cristo, queira, por uma alusão, uma figura, confirmar as palavras de Pedro, e assim, por ser tão apropriado seu nome, Pedro disse: "e sobre esta pedra edificarei a minha igreja", querendo dizer "Tua crença de que Cristo é o Filho do Deus vivo será o alicerce da Religião de Deus; e sobre essa crença, será estabelecido o alicerce da igreja de Deus, isto é, a Lei de Deus."
A existência do túmulo de Pedro em Roma é duvidosa, nunca havendo sido autenticada; alguns dizem estar em Antióquia.
Além disso, comparemos as vidas de alguns Papas com a religião de Cristo. Cristo, faminto e sem teto, comia ervas no deserto, e era incapaz de ofender pessoa alguma. Alguns Papas sentavam em carruagens cobertas de ouro, vivendo no maior esplendor, entre prazeres e luxos, riquezas e veneração como nem os reis alcançaram.
Cristo não ofendeu a ninguém, mas alguns Papas mataram pessoas inocentes. Consultai a história. Quanto sangue foi derramado pelos Papas na defesa de seu poder temporal! Por simples diferença de opinião, apreendiam encarceravam e matavam milhares de homens que serviam à humanidade, e sábios que haviam descoberto os segredos da natureza. A que ponto opunham-se à verdade!
Reflitamos sobre os ensinamentos de Cristo, e indaguemos dos hábitos e costumes dos Papas. Vejamos: existe alguma semelhança entre os ensinamentos de Cristo e o governo papal? Não desejamos criticar, mas a história do Vaticano é extraordinária. O propósito de nosso argumento é demonstrar que os ensinamentos de Cristo e o modo de governo adotado pelos Papas são duas coisas inteiramente diferentes; não concordam. Quantos protestantes sofreram morte por edito papal! Quantas tiranias e opressões tiveram sua conivência, e quão numerosos os castigos e tormentos infligidos! Pode-se perceber em tais ações algo das doces fragrâncias de Cristo? Não, em nome de Deus! Essas pessoas não obedeceram a Cristo, enquanto Santa Bárbara, cujo retrato está em nossa frente, Lhe obedecia, seguindo suas pegadas e pondo em prática Seus mandamentos. Também houve entre os Papas algumas almas abençoadas, que seguiam as pegadas de Cristo, especialmente nos primeiros séculos da era cristã, quando as coisas temporais faltavam e as provações de Deus eram severas. Ao adquirirem o poder governamental, porém, ao atingirem a honra mundana e a prosperidade material, os Papas esqueceram-se inteiramente de Cristo, e ocuparam-se com o poder temporal, a grandeza, o conforto e o luxo; matavam, opunham-se à disseminação dos conhecimentos, torturavam os homens de ciência, impediam a difusão da sabedoria, ordenavam o saqueio e a carnificina. Milhares de almas, homens de ciência e de erudição, pereceram, inocentes, nas prisões de Roma. Em vista de tal procedimento, de tais atos, como podemos acreditar no Vigário de Cristo?
O Papado tem sido inimigo do conhecimento; até mesmo na Europa admite-se que a religião se opõe à ciência, e esta destrói as bases da religião. A Religião de Deus, entretanto, promove a verdade, fornece alicerces à ciência, aos conhecimentos, dá pleno apoio aos homens de erudição, civiliza a humanidade, descobre os segredos da natureza, ilumina os horizontes do mundo. Em conseqüência, como podemos dizer que ela se oponha ao conhecimento? Deus nos defenda! Não, aos olhos de Deus o conhecimento é a mais gloriosa dádiva do homem, a mais nobre das perfeições humanas. Opor-se ao conhecimento é mostrar ignorância; e quem detesta a ciência, o conhecimento, não é o homem, mas apenas animal sem inteligência. Pois o conhecimento é luz, é vida, é felicidade, é perfeição e beleza, e é o meio de se aproximar do Limiar da Unidade. É a honra, a glória do mundo humano, e a maior dádiva de Deus. Possuir conhecimento é ser guiado; permanecer na ignorância é verdadeiro erro.
Feliz quem devota seus dias à aquisição da sabedoria, à descoberta dos segredos da natureza e das sutilezas da verdade pura! E infeliz quem está satisfeito sem buscar conhecimento, alegrando o coração com a imitação irrefletida, mergulhado nas profundezas da ignorância e da insensatez, e desperdiçando sua vida.
-~-Pergunta – Se Deus tem conhecimento de um ato que será cometido por alguém, e se isso já foi escrito no Livro do Destino, é possível resistir-lhe?
Resposta – O conhecimento antecipado de uma coisa não é causa de sua realização. O conhecimento essencial de Deus abrange a realidade das coisas antes e depois de sua existência, mas não se torna causa dessa existência. É uma perfeição de Deus. O que por inspiração divina foi profetizado pela língua dos Profetas, com relação ao aparecimento do Prometido da Bíblia, não foi a causa da manifestação de Cristo.
Os segredos do futuro foram revelados aos Profetas e eles, deste modo, conheceram os acontecimentos vindouros que anunciaram. Esse conhecimento e essas profecias não causaram os acontecimentos. Agora, por exemplo, todos sabem que o Sol, daqui a sete horas, nascerá, mas este conhecimento antecipado, possuído por todos, não provoca o nascer, o aparecimento do Sol.
Assim, o conhecimento de Deus no reino contingente não produz as formas das coisas; está isento de passado, presente e futuro. É idêntico à realidade das coisas; não é causa dos acontecimentos.
Do mesmo modo, a menção de uma coisa no Livro não se torna causa de sua existência. Os Profetas, graças à inspiração divina, sabiam o que havia de acontecer. Sabiam, por exemplo, por inspiração divina, que Cristo seria martirizado, e anunciaram isso. Ora, pode-se considerar o conhecimento, ou a informação, a causa do martírio de Cristo? Não, esse conhecimento é uma perfeição dos Profetas, e não causou o martírio.
Os matemáticos sabem, graças aos cálculos astronômicos, que em determinado tempo ocorrerá um eclipse da lua ou do sol. Certamente, essa descoberta não causa o eclipse. Trata-se aqui, sabemos, apenas de uma analogia, e não de uma imagem exata.
-~-Saibamos que, de um modo geral, há cinco divisões do espírito. Primeiro, o espírito do vegetal: este é um poder que resulta da combinação dos elementos, da união de substâncias – de acordo com o decreto de Deus, o Supremo – e da influência, da relação e do efeito de outras existências. Quando estas substâncias, estes elementos, se separam, o poder do crescimento cessa; assim como a eletricidade resulta da combinação de elementos, mas ao se desintegrarem estes, se dispersa, se perde. É este o espírito do vegetal.
Há o espírito do animal, que também resulta da mistura, da combinação dos elementos, sendo que é mais completa, e, segundo o decreto do Senhor Todo-Poderoso, uma composição perfeita é obtida; resulta daí o espírito animal, ou, em outras palavras, o poder dos sentidos. Daquilo que é visto, tangível, ou percebido pelo gosto ou pelo olfato, este poder alcançará a realidade das coisas. Após a dissociação, a decomposição dos elementos combinados, esse espírito, naturalmente, também terá que desaparecer. É como esta lâmpada que vemos: ao se juntarem ao querosene, o pavio e o fogo, o resultado será luz; mas, quando o querosene estiver acabado, e o pavio gasto, a luz também haverá de amortecer, desaparecerá.
O espírito humano assemelha-se às graças que o sol dispensa a um cristal. O corpo do homem é composto de elementos, formado da mais perfeita maneira; é a construção mais sólida, a combinação mais nobre, a existência mais perfeita. Cresce e desenvolve-se por meio do espírito animal. Este corpo aperfeiçoado podemos comparar a um cristal, e o espírito humano ao sol. Ainda que o cristal quebre, as graças do sol continuarão; se o cristal for destruído, se deixar de existir, dano algum atingirá as graças do sol, as quais são eternas. Esse espírito tem o poder do descobrimento; abrange todas as coisas. É autor de todos esses prodígios, dessas descobertas científicas, das grandes realizações e importantes acontecimentos históricos que conhecemos. Por meio do poder espiritual, trouxe-os do reino invisível, oculto, para o plano do visível. Assim, o homem está na terra, mas faz descobertas nos céus. Das realidades conhecidas, isto é, das coisas sabidas e visíveis, ele descobre coisas desconhecidas. O homem está neste hemisfério, mas como Colombo, por exemplo, mediante seu poder de raciocínio, descobre outro hemisfério, a América, até então desconhecida. Seu corpo é pesado, mas ele consegue, por meio de um instrumento que inventa, elevar-se nos ares. Seus movimentos são vagarosos; ele descobre um meio, porém, de viajar de leste a oeste com grande rapidez. Numa palavra, este poder abrange todas as coisas.
O espírito do homem tem, entretanto, dois aspectos: um divino, outro satânico. É capaz da maior perfeição, como também da maior imperfeição. Se adquirir virtudes, será o mais nobre dos seres existentes, e se adquirir vícios, tornar-se-á o mais degradado.
O quarto grau do espírito é o celestial: é o espírito da fé, é uma dádiva de Deus; provém do sopro do Espírito Santo e, pelo poder divino, se torna a causa da vida eterna. É o poder que faz do homem terreno um ser celestial, e do homem imperfeito um perfeito. Torna o impuro puro, o silencioso eloqüente; purifica e santifica quem está prisioneiro dos desejos carnais; do ignorante, faz um sábio.
O quinto espírito é o Espírito Santo. Este é o mediador entre Deus e Suas criaturas. É como um espelho voltado para o sol. Assim como o espelho puro recebe luz do sol e transmite esta graça aos outros, também o Espírito Santo é o intermediário da Santa Luz do Sol da Realidade, transmitindo-a às realidades santificadas. Está adornado com todas as perfeições divinas. Sempre que aparece, o mundo é renovado, um novo ciclo se inicia. O corpo da humanidade põe novas vestimentas. É comparável à primavera, cuja vinda faz o mundo passar de uma a outra condição. Ao vir a época primaveril, a terra negra – os campos e as solidões – tornam-se verdejantes e floridas, todas as espécies de flores e ervas olorosas crescem; ressuscitam-se as árvores, aparecem frutos novos; um novo ciclo começa. Assim também é o aparecimento do Espírito Santo: reanima sempre o mundo humano, incute na realidade humana um espírito novo, adorna o mundo existe com vestes dignas de louvor, dispersa as trevas da ignorância, fazendo irradiar a luz das perfeições. Cristo com este poder renovou o ciclo: a primavera celestial ergueu sua tenda no mundo humano com a maior frescura e suavidade, e o zéfiro vivificador encheu de perfume o olfato dos iluminados.
Assim também foi o aparecimento de Bahá´u´lláh: veio uma nova primavera com brisas sagradas, as hostes da vida eterna, o poder celestial. Estabeleceu Ele o Trono do Reino Divino no centro do mundo, através do Espírito Santo infundindo vida nova às almas e iniciando um novo ciclo.
-~-37. A Divindade Só Pode Ser Compreendida Por Intermédio Dos Manifestantes Divinos
Pergunta – Qual a relação entre a Realidade Divina e os lugares em que se manifesta, ou os Alvoreceres Divinos?
Resposta – Saibamos que a Realidade Divina, ou seja a substância da Essência da Unidade, é a absoluta santificação, a pura santidade; noutros termos: é sagrada e excede a todo louvor. Os mais elevados atributos próprios dos vários graus da vida, com referência ao plano divino, não passam de ficção. É invisível essa Realidade – incompreensível e inatingível – uma pura essência que não admite descrição, pois a Essência Divina abrange todas as coisas, e, em verdade, o que abrange é maior que o abrangido; o circunscrito não poder conter aquilo que o circunscreve, nem compreender sua realidade. Por mais que a mente progrida, embora atinja o grau máximo da compreensão, alcance o limite de seus poderes de entendimento, verá apenas os sinais e atributos divinos manifestos no mundo da criação, e nada no mundo de Deus. Pois a essência e os atributos do Senhor da Unidade estão nas alturas da santidade, e por caminho algum pode a compreensão do homem aproximar-se desse estado. “O caminho está fechado, e a busca é proibida”.
A compreensão do homem, evidentemente, é uma qualidade de sua existência, e o próprio homem é um sinal de Deus. Como pode uma simples qualidade do sinal envolver o criador do sinal? Isto é, como pode o entendimento, que é uma qualidade da existência humana, compreender a Deus? A Realidade Divina, pois, está além de toda compreensão, está oculta das mentes de todos os homens. É absolutamente impossível ascender até àquele plano. Vemos que o ser inferior é incapaz de compreender a realidade do superior. Assim, a pedra, a terra, a árvore, por mais que evoluam, nunca hão de compreender a realidade do homem, nem imaginar suas faculdades de vista ou audição, ou seus outros sentidos, apesar de serem todos, igualmente, coisas criadas. Menos ainda poderá o homem – a criatura – abranger a realidade da pura Essência do Criador. Aquele plano não é acessível ao entendimento, desafia explicação, está muito além de qualquer poder de descrevê-lo. Que tem um átomo de pó com o mundo puro? Qual a relação entre a mente limitada e o mundo infinito? As mentes são incapazes de compreender a Deus; as almas confundem-se quando tentam explicá-Lo. “Os olhos não O vêem, mas Ele vê os olhos. Ele é o Onisciente, o Sábio.” (1)
Toda elucidação que se refere àquele plano da existência é, pois, inadequada; toda descrição e todos os louvores se mostram indignos; é vão qualquer conceito, é fútil toda a meditação. Reflete-se, porém, no mundo existente, aquela Essência das essências, aquela Verdade das verdades, aquele Mistério dos mistérios; tem Suas alvoradas, aparece com grande esplendor. Os lugares em que surgem esses esplendores, em que aparecem essas manifestações, são as Santas Alvoradas, as Realidades Universais, os Seres Divinos, sendo Eles os verdadeiros espelhos da sagrada Essência de Deus. Todas as perfeições, graças e esplendores emanados de Deus, estão visíveis e evidentes na Realidade dos Santos Manifestantes, assemelhando-se estes a espelhos polidos e límpidos, nos quais o sol resplandece com todas as suas graças e perfeições. Se dizemos que os espelhos são os manifestantes do sol, as alvoradas da Estrela Matinal, isso não quer dizer que o sol tenha descido das alturas da sua santidade e se incorporado ao espelho – que a Infinita Realidade se tenha limitado a esse lugar de Seu aparecimento. Deus nos defenda! Tal é a crença dos antropomorfitas. Não, todos os louvores, descrições e elogios referem-se aos Santos Manifestantes. Quer dizer: todas as descrições, as qualidades, os nomes e atributos que mencionamos, são aplicáveis aos Manifestantes Divinos, pois desde que ninguém atingiu jamais a Realidade da Essência Divina, não há quem possa descrever, explicar, ou lhe atribuir mérito ou glória. Tudo o que a realidade humana sabe, descobre e compreende com relação aos nomes, atributos e perfeições de Deus, refere-se a esses Santos Manifestantes. Nada mais nos é acessível: “O caminho está fechado, e a busca é proibida.”
Nós, entretanto, referimo-nos aos atributos da Realidade Divina, e queremos louvá-La dizendo que possui vista, audição, vida e conhecimento. Não provamos com isso as perfeições de Deus, mas apenas negamos que Ele seja capaz de uma imperfeição. Ao contemplarmos o mundo existente, vemos que a ignorância é imperfeição, e o conhecimento perfeição, e assim dizemos que a Santa Essência de Deus é sabedoria. A fraqueza é imperfeição, e o poder perfeição; dizemos, portanto, que a Santa Essência de Deus é o auge do poder. Não é que nós possamos compreender Seu conhecimento, Sua vista, Seu poder, ou Sua vida, pois tudo está além de nossa compreensão. Os nomes e atributos essenciais de Deus são idênticos à Sua Essência, e esta ultrapassa toda a compreensão. Se os atributos não são idênticos à Essência, deve haver uma multiplicidade de preexistências, desde que se diferencia entre atributos e Essência. Já que Preexistência é necessária, a seqüência de preexistências assim se tornaria infinita, o que seria, claramente, um erro.
Por conseguinte, todos esses atributos, nomes, louvores e elogios são aplicáveis apenas a Seus Manifestantes; fora disso, tudo o que imaginamos e supomos é pura fantasia, pois nenhum meio temos nós de compreender aquilo que é invisível e inacessível. É por isso que se diz: “Tudo que tendes distinguido pela ilusão de vossa fantasia, em vossas sutis imagens mentais, é apenas uma criação igual a vós, e a vós mesmos voltará.” Se quisermos, imaginar a Realidade Divina, tal imagem, é óbvio, será a coisa abrangida, enquanto nós somos quem a abrangeu, e certamente quem circunscreve é maior que a coisa circunscrita. Assim é claro, é certo, que, se imaginarmos uma Essência Divina fora dos Santos Manifestantes, será pura fantasia, pois qualquer outro caminho que leve para a Essência da Divindade é-nos vedado, e tudo o que nós imaginamos é apenas suposição.
Reflitamos, pois: vários povos do mundo movem-se em volta de imaginações, têm por ídolos seus próprios pensamentos, suas próprias conjecturas. Eles não o percebem; pensam ser o que imaginam aquela Realidade que está acima de toda compreensão e muito além de todas as descrições. Consideram-se a si próprios o povo da Unidade e aos outros como idólatras; mas ao menos os ídolos têm existência mineral, enquanto os pensamentos e imaginações que o homem adora não passam de fantasmas, nem sequer tendo existência mineral. Sede, pois, advertidos, Ó possuidores de percepção!
Saibamos que os atributos perfeitos, o esplendor das graças divinas e as luzes da inspiração, se acham visíveis e evidentes em todos os Santos Manifestantes; sendo, porém, que Cristo, o glorioso Verbo de Deus, e Bahá´u´lláh, o Nome Supremo, são Manifestantes que ultrapassam a imaginação, pois possuem todas as perfeições dos Manifestantes que vieram antes e, ainda mais, outras virtudes que tornam os Manifestantes anteriores dependentes Deles. Assim, todos os Profetas de Israel foram centros de inspiração, como Cristo também o foi, mas que diferença há entre a inspiração do Verbo de Deus e as revelações de Isaías, Jeremias e Elias!
Reflitamos: a luz é expressão das vibrações do éter, pelas quais são afetados os nervos dos olhos e disso resulta a vista. A luz da lâmpada, bem como a do sol, existe graças à vibração do éter, mas que grande diferença entre a luz do sol e das estrelas e a luz da lâmpada!
O espírito do homem manifesta-se, seja na condição embrionária, na infância, ou na maturidade, tornando-se resplandecente ao atingir a perfeição. O espírito é um só, mas no estado embrionário faltam-lhe as faculdades da vista e da audição. Em seu amadurecimento e perfeição é que manifesta o máximo brilho e esplendor. Assim também, a semente no começo forma folhas, e aqui o espírito vegetal aparece; na condição do fruto manifesta o mesmo espírito, isto é, o poder do crescimento atinge a maior perfeição, mas que diferença há entre o estado da folha e o do fruto! Pois deste se originam cem mil folhas, embora ambos, fruto e folha, cresçam e se desenvolvam graças ao mesmo espírito vegetal.
Observemos a diferença entre as virtudes e perfeições de Cristo, os esplendores e brilho de Bahá´u´lláh, e as virtudes dos Profetas hebraicos, como Ezequiel ou Samuel. Todos foram inspirados, mas há entre eles uma diferença infinita...
-~-Saibamos que os Santos Manifestantes, embora possuidores de graus infinitos de perfeição, têm, falando-se em sentido geral, somente três condições. A primeira é a física; a segunda, a humana, ou a da alma racional; a terceira, a da graça divina, do esplendor celestial.
A condição física é fenomênica, uma composição de elementos, e tudo o que é composto está necessariamente sujeito à decomposição; é impossível que uma composição não se desintegre.
A segunda é a condição da alma racional, isto é, a realidade humana, a qual é também fenomênica, e pertence aos Santos Manifestantes como a toda a humanidade.
Devemos saber que, embora a alma humana tenha existido na terra durante longas épocas, não deixa de ser fenomênica. (1) Como é um sinal de Deus, uma vez vindo a existir, torna-se eterna. O espírito do homem teve começo, mas não tem fim, continua eternamente. Assim, também as espécies existentes sobre a terra são fenômenos pois é fato provado que houve um tempo em que não existiam na superfície da terra essas espécies. Ainda mais, a própria terra não existe desde sempre, se bem que sempre houvesse existência, pois o universo não se limita a este globo terrestre. A alma humana, embora tivesse começo, é imortal, imperecível, perpétua. O mundo das coisas, em comparação com o do homem, é o mundo da imperfeição; e o mundo do homem, comparado ao das coisas, é o mundo da perfeição. As imperfeições, desde que alcançaram o grau da perfeição, tornam-se eternas. (2) É preciso que compreendamos o significado deste exemplo.
A terceira condição é a do aparecimento divino, do esplendor celestial; é o Verbo de Deus, a Graça Eterna, o Espírito Santo. Não teve começo, nem terá fim, pois tais coisas são atributos deste mundo das contingências e não do mundo divino. Para Deus, o fim é igual ao princípio. Assim, o cálculo dos dias, semanas, meses e anos, de ontem e hoje, pertence ao globo terrestre, mas no sol não há tal coisa – não existem ontem, nem amanhã, não se conhecem meses ou anos – tudo é o mesmo. O Verbo de Deus, semelhantemente, transcende todas essas condições, está livre de restrições, das leis e dos limites deste mundo das contingências. A Realidade do Profeta, pois, a qual é o Verbo de Deus e o estado perfeito de manifestação, não teve começo nem terá fim; seu alvorecer é diferente de todos os outros, sendo como o do sol. Quando alvoreceu Cristo, por exemplo, teve o maior esplendor e brilho, e essa alvorada é eterna, imperecível. Vemos quantos reis conquistadores já viveram, quantos estadistas e príncipes, poderosos organizadores, os quais todos desapareceram, enquanto o sopro de Cristo ainda se faz sentir, Sua Luz resplandece, Sua melodia ressoa, Sua bandeira flutua, Seus exércitos combatem, e ainda se ouve Sua voz celestial, suave e harmoniosa, Suas nuvens derramam suas graças, Seu relâmpago cintila, Seu reflexo continua luminoso e radiante, Seu esplendor ainda brilha; e é o mesmo para aqueles que estão sob Sua proteção e refletem Sua Luz.
Evidentemente, pois, os Manifestantes possuem três condições: a física, a da alma racional, e a própria manifestação divina, do esplendor celestial. A condição física, certamente, decompor-se-á, enquanto a da alma racional, embora tivesse começo, não terá fim, sendo dotada de vida eterna; mas para a Santa Realidade, à qual se refere Cristo quando diz: “O Pai está no Filho”, não há começo nem fim. Quando falamos em começo, queremos nos referir à manifestação; simbolicamente, o estado de silêncio é como o do sono. Por exemplo, um homem adormece; depois, quando começa a falar, está acordado, mas, adormecido ou acordado, é sempre a mesma pessoa; nada o alterou em sua situação, seu prestígio, sua glória, realidade ou natureza. O estado de silêncio assemelha-se ao do sono, e o de manifestação ao da vigília. Um homem, esteja adormecido ou acordado, é o mesmo homem. É um estado o sono; é outro, a vigília. A época do silêncio é como a do sono, e a manifestação como a da vigília.
Diz o Evangelho: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus.” Disso se deduz, claramente, não ter sido no momento do batismo – quando o Espírito Santo descia e pousava sobre Ele, em figura de pomba – que Cristo atingisse a condição de Messias e os atributos messiânicos. Não, o Verbo de Deus, ab eterno, está no grau máximo de santificação, e assim será por todos os séculos dos séculos.
-~-39. A Condição Humana E A Condição Espiritual Dos Manifestantes Divinos
Dissemos que os Manifestantes têm três planos: primeiro, a realidade física, a qual depende do corpo; segundo, a realidade individual, isto é, a alma racional; terceiro, a própria manifestação divina, ou sejam as perfeições divinas que são a causa da própria existência, da educação do homem, de sua orientação, e do esclarecimento do mundo das contingências.
O estado físico é o estado humano, o qual perece, por ser composto de elementos, já que toda composição de elementos há necessariamente de se decompor e dispersar.
A realidade individual dos Manifestantes de Deus, todavia, é uma realidade santa, e em virtude de ser assim sagrada, sua natureza distingui-se de tudo mais. É semelhante ao sol, que por sua natureza essencial emite luz e não pode ser comparado à lua, ou é como as partículas que formam o globo solar, as quais não são comparáveis àquelas que compõem a lua. As partículas e a organização do sol produzem raios, o que não sucede no caso da lua, pois, em vez de produzir luz, ela necessita recebê-la. Assim os seres humanos assemelham-se à lua, a qual toma sua luz do sol, enquanto a Santa Realidade é luminosa por si mesma.
O terceiro plano desse Ser (1) é a Graça Divina, o esplendor da Beleza Preexistente, e o brilho da luz do Todo-Poderoso. As realidades individuais dos Manifestantes Divinos não se separam das Graças de Deus e do Esplendor Sublime, assim como são inseparáveis o orbe solar e a luz. Podemos dizer que a ascensão do Santo Manifestante é apenas o abandono dessa forma elementar. Se, por exemplo, uma lâmpada iluminar este nicho, e, mais tarde, em conseqüência da destruição do nicho, sua luz deixar de iluminá-lo, os benefícios da lâmpada não cessarão por isso. Numa palavra, nos Santos Manifestantes as Graças Preexistentes são como a luz, sua individualidade assemelha-se ao globo de vidro, e sua forma ao nicho. Ainda que o nicho seja destruído, a lâmpada continuará ardendo. Os Manifestantes Divinos são como espelhos diversos, pois cada um tem sua individualidade própria, mas o que se reflete nesses espelhos é um único sol. Quanto à Sua Realidade Individual, é claro que Cristo difere de Moisés.
Desde o princípio, de fato, essa Santa Realidade (1) conhece o segredo da existência, e desde Sua infância nela aparecem claramente os sinais de grandeza. Como seria possível, pois, o possuidor de todas essas graças e perfeições não possuir tal conhecimento?
Dissemos que os Santos Manifestantes têm três planos: a condição física, a realidade individual, e o centro em que aparece a perfeição: é como o sol, seu calor e sua luz. Os outros indivíduos têm o plano físico e o da alma racional – o espírito e a mente. (1) Assim as palavras: “Eu estava adormecido quando os sopros divinos passaram sobre mim, e despertei” são como as de Cristo: “O corpo está triste e o espírito está alegre” ou “Estou aflito”, “Estou tranqüilo”, ou “Estou perturbado.” Tudo isso se refere à condição física, nada tendo com a realidade individual nem com a manifestação da Realidade Divina. Vejamos quantos milhares de vicissitudes sobrevêm ao corpo do homem, sem que seu espírito, contudo, seja afetado; alguns membros do corpo podem até ficar completamente aleijados, mas a essência da mente permanece, é eterna. Mil acidentes podem acontecer a uma roupa, sem que aquele que a veste corra perigo. Estas palavras de Bahá´u´lláh: “Eu estava adormecido quando os sopros divinos passaram sobre mim, e despertei” referem-se ao corpo.
No mundo de Deus não há passado, nem futuro, nem presente; tudo é uma coisa só. Assim, quando Cristo disse: “No princípio era o Verbo”, isso quer dizer: era, é, e será, pois não existe tempo no mundo de Deus. O tempo tem domínio sobre as criaturas, mas não sobre Deus. Por exemplo, Ele diz na oração: “Santificado seja Teu nome”; isso quer dizer que “Teu Nome” era, é, e será santificado. Manhã, meio-dia e tarde são coisas referentes à terra; no sol, porém, não há manhã, nem meio-dia, nem tarde.
-~-Pergunta – Um dos poderes possuídos pelos Manifestantes Divinos é o conhecimento: até que ponto está limitado?
Resposta – O conhecimento é de duas espécies: um objetivo e outro subjetivo; isto é, há um conhecimento derivado da percepção, e um outro que é intuitivo.
O conhecimento das coisas que os homens em geral possuem deriva da reflexão ou de evidências extrínsecas, sendo que formamos o conceito de um objeto mediante um poder mental, ou reproduzimos sua forma no espelho do coração após termos visto o objeto. Não é de grande alcance tal conhecimento, porque depende do resultado de nossos esforços.
A segunda espécie, porém, ou seja o conhecimento do ser, é intuitivo; é semelhante à consciência que o homem tem de si próprio. Por exemplo, a mente e o espírito do homem têm consciência das condições dos membros e partes que formam seu corpo, e de todas as sensações físicas, assim também percebendo seu poder, seus sentimentos e suas condições espirituais. É o conhecimento do ser que o homem atinge; pois o espírito abrange o corpo e é consciente de suas sensações e forças. Esse conhecimento não é resultado de esforços ou estudos; é algo que existe, é um dom absoluto.
Desde que as Santas Realidades, os Manifestantes universais de Deus, circunscrevem a essência e as qualidades das criaturas, transcendem e contêm as realidades existentes, e compreendem todas as coisas, o seu conhecimento é, pois, divino, e não adquirido – é um santo dom, uma revelação de Deus.
Daremos um exemplo, a fim de tornar compreensível este assunto. O mais nobre ser no mundo é o homem. Ele abrange o reino animal, o vegetal e o mineral; isto é, contém suas condições ou seus estados, possui-os, e é consciente de seus mistérios e dos segredos, de sua existência. Isso é apenas um exemplo, e não uma analogia. Numa palavra, os Manifestantes universais conhecem a realidade dos mistérios de tudo o que existe e assim estabelecem leis apropriadas, adaptáveis ao estado da humanidade; pois a religião é a conexão essencial que emana da realidade das coisas. O Manifestante, o Santo Legislador, a não ser que conheça esta realidade das coisas, não compreenderá a conexão essencial que emana de sua realidade e não poderá, certamente, estabelecer uma religião de acordo com os fatos e adaptada às circunstâncias. O Profeta de Deus, ou Manifestante universal, assemelha-se ao médico competente, sendo o mundo o corpo humano, e as leis divinas o remédio, ou tratamento. O médico deve conhecer todos os membros e partes do corpo, e também a constituição e o estado do paciente, para que possa prescrever um remédio eficaz contra o vírus da moléstia. De seus sintomas ele deduz o tratamento adaptável ao paciente, fazendo o diagnóstico e então prescrevendo o remédio para a doença. Se não descobrir o mal, como poderá ele prescrever o remédio e tratamento? O médico deve, pois, conhecer a fundo a constituição, os membros e órgãos, o estado do paciente, e também todas as moléstias e todos os remédios a fim de poder indicar o tratamento apropriado.
A religião é, pois, a conexão necessária que emana da realidade das coisas; e desde que os Manifestantes universais de Deus conhecem os mistérios da existência, Eles devem compreender esta conexão essencial e, graças a tal conhecimento, estabelecer a Lei de Deus.
-~-Pergunta – Qual é a verdadeira explicação dos ciclos que sucedem no mundo existente?
Resposta – Todos os corpos luminosos deste imenso firmamento têm seus ciclos, os quais variam em duração, girando cada um em sua própria órbita; e, uma vez completa sua revolução, um ciclo novo principia. Assim a terra, cada trezentos e sessenta e cinco dias, cinco horas, quarenta e oito minutos e alguns segundos, completa uma revolução, depois da qual se inicia um ciclo novo, ou melhor, o ciclo anterior renova-se. Assim também, para o universo inteiro, quer céus, quer homens, há ciclos de grandes acontecimentos, de ocorrências importantes. Ao findar um ciclo, outro começa, e o anterior, devido a esses acontecimentos importantes, é inteiramente esquecido, não restando dele traço ou recordação sequer. Vemos que não há documentos históricos de vinte mil anos atrás, embora já tenhamos provado ser a vida nesta terra muito antiga. Ela não tem cem mil anos, nem duzentos mil, nem ainda um milhão ou dois milhões de anos, mas é, sim antiqüíssima, havendo desaparecido completamente as provas e os vestígios antigos.
Assim também, cada um dos Manifestantes Divinos tem Seu ciclo, no qual são observados Seus mandamentos e Suas leis, e quando termina este, com a vinda de um novo Manifestante, um ciclo novo se inicia. Deste modo os ciclos principiam e atingem seu fim, depois do que se renovam, até ser consumido no mundo um ciclo universal. Então haverá grandes acontecimentos, ocorrências importantes, que apagarão todo e qualquer traço do passado, não deixando uma recordação sequer. Assim terá início no mundo um novo ciclo universal. Este universo não teve começo, mas já que demos provas sobre este assunto, não precisamos repeti-las.
Numa palavra, diremos que um ciclo universal no mundo existente significa grande duração de tempo – inúmeros períodos, eras incalculáveis. No decorrer de tal ciclo, os Manifestantes aparecem com esplendor no reino visível, até que um grande Manifestante universal faz do mundo o centro de Seu brilho. Graças à Sua Manifestação, o mundo atinge a maturidade, e a extensão de Seu ciclo é vasta. Outros Manifestantes surgirão depois, à Sua sombra, e renovarão, de acordo com as necessidades do tempo, certos mandamentos relativos aos assuntos e questões materiais, permanecendo sempre, porém, à Sua sombra.
Estamos no ciclo iniciado em Adão, e seu Manifestante universal é Bahá´u´lláh.
-~-42. O Poder E A Influência Dos Manifestantes Divinos
Pergunta – Qual o grau do poder e das perfeições dos Tronos da Realidade, ou Manifestantes de Deus, e que limite tem Sua influência?
Resposta – Consideremos o mundo existente, o mundo das coisas materiais. O sistema solar é obscuro, tenebroso, mas recebe luz de seu centro, o sol, ao redor do qual giram todos os seus planetas e de cujos benefícios eles participam. O sol é a causa de vida e iluminação; é o meio de crescimento e desenvolvimento de todos os seres de seu sistema. Não fossem os benefícios do sol, ser algum existiria; predominariam a treva e a destruição. É claro, pois, que o sol é o centro de luzes e a fonte de vida para os seres do sistema solar.
De modo idêntico, os Santos Manifestantes de Deus são focos da luz da Realidade, fontes dos Mistérios, e das graças do amor. Resplandecem no mundo dos corações e pensamentos, irradiam Suas graças eternas sobre o mundo espiritual, concedem a vida do espírito e brilham com luz verdadeira, a luz da realidade. Desses focos de luz, dessas fontes de mistérios, emana a iluminação do mundo. Não fossem os ensinamentos desses Seres e as graças de Seu esplendor, o mundo das almas e dos pensamentos estaria submerso em escuridão impenetrável. Sem os irrefutáveis ensinamentos dessas Fontes de mistérios, o mundo humano tornar-se-ia pasto de apetites e imperativos animais e a própria existência seria uma ilusão – não haveria vida verdadeira. Eis porque diz o Evangelho: “No princípio era o Verbo”, pois o Verbo deu início a toda a vida.
Consideremos agora a influência do sol sobre os seres terrestres: certas condições resultam, evidentemente, da posição solar – sua proximidade ou seu afastamento, sua alvorada ou seu ocaso. Em determinada época é outono, em outra é primavera, e em outras é verão, ou inverno. Quando o sol passa a linha do Equador, vem a primavera, trazendo vida e esplendor, e depois, no estio, as frutas atingem o auge da perfeição, os cereais amadurecem – todos os seres terrestres alcançam o grau máximo de desenvolvimento.
Assim também, quando o Santo Manifestante de Deus – o sol do mundo de Sua criação – brilha sobre as almas, iluminando-lhes os pensamentos e os corações, é a primavera espiritual: dá início a uma vida nova, e o poder da estação primaveril traz todas as suas maravilhas, seus benefícios admiráveis. Ao aparecer um Manifestante de Deus, como já observamos, um progresso extraordinário ocorre nos planos intelectual e espiritual. Nesta era divina, por exemplo, constatemos o desenvolvimento já atingido, e lembremo-nos de que isto é apenas o alvorecer. Vereis que, dentro em breve, novas graças e divinos ensinamentos iluminarão este mundo escuro, transformando suas regiões sombrias num paraíso, num Éden.
Fôssemos expor os sinais e as dádivas de cada um dos Santos Manifestantes, requereríamos demasiado tempo. Pensai e refleti, por vós mesmos, de modo a atingirdes a verdade do assunto.
-~-Resposta – Universalmente os Profetas são de duas espécies: os independentes, com seguidores, e os dependentes, seguindo os primeiros.
O Profeta independente é o legislador, e inicia um novo ciclo. Com Seu aparecimento, o mundo adorna-se de vestes novas, estabelecem-se as bases da religião, e um Livro novo é revelado. Ele, sem intermediário, recebe as graças da Realidade Divina – Sua iluminação é uma iluminação essencial. É como o sol, que resplandece por si mesmo e não recebe luz de outro astro, sendo sua própria luz uma necessidade essencial. Esses Seres em que alvorece a Unidade são as fontes da Graça, os Espelhos da Essência da Realidade.
Os outros Profetas seguem e dão-lhes seu apoio, pois são apenas ramos, não tendo independência, recebem a Graça dos Profetas universais. Assemelham-se à lua, que não é luminosa e radiante por si mesma, mas recebe do sol a sua luz.
Os Manifestantes dotados da qualidade de Profeta universal, que tenham aparecido independentemente, são, por exemplo, Abraão, Moisés, Cristo, Maomé o Báb e Bahá´u´lláh, enquanto os outros, Seus seguidores e apóstolos, são como Salomão, David, Isaías, Jeremias, e Ezequiel. Pois os Profetas independentes são fundadores; estabelecem uma nova religião e fazem dos homens criaturas novas; modificam a moral, promovendo novos costumes e instituições; renovam o ciclo e a Lei. Sua vinda é como a da primavera, que adorna de novas vestimentas os seres terrestres e lhes concede uma vida nova.
Os Profetas que pertencem à segunda categoria, seguidores dos primeiros, também promovem a Lei Divina, tornam conhecida a Religião de Deus, e proclamam Sua Palavra. Não manifestam, no entanto, poder e grandeza próprios – só têm o que recebem dos Profetas independentes.
Pergunta – Qual a categoria de Buda e Confúcio?Resposta – Buda também estabeleceu uma nova religião, e Confúcio renovou a moral e as antigas virtudes, mas suas instituições foram completamente destruídas. As crenças e os ritos dos budistas e confucionistas já não são conformes aos ensinamentos de seus fundadores. Buda foi uma alma maravilhosa. Estabeleceu a Unidade de Deus, mas gradualmente desapareceram os princípios originais de Suas doutrinas, sendo eles substituídos por cerimônias e costumes retrógrados, ao ponto de prevalecer finalmente a adoração a estátuas e imagens.
Ora, consideremos: Cristo frisou repetidas vezes a necessidade de serem seguidos os dez mandamentos do Pentateuco – insistiu em que fossem mantidos. Diz um destes mandamentos: “Não adorarás quadro ou imagem”. Existem hoje, em algumas igrejas cristãs, muitos quadros e imagens. Assim vemos claramente que a Religião de Deus não mantém entre o povo seus princípios originais, mas se modifica e altera até ser completamente destruída. Vem, por isso, um novo Manifestante a fim de estabelecer uma religião nova. Se não houvesse essas alterações na religião, não haveria necessidade de renová-la.
A árvore, no começo de sua existência, manifestava grande beleza, estando florida, depois cheia de frutos, mas, afinal, envelheceu, tornou-se inteiramente infrutífera, murchou, e decaiu. Por isso, o Verdadeiro Jardineiro planta uma árvore nova da mesma espécie, de incomparável beleza, que cresce e se desenvolve dia a dia, sombreia o jardim divino e dá frutos admiráveis. Assim as religiões, com o decorrer do tempo, desviam-se de sua base original, a tal ponto que a verdade da Religião divina desaparece completamente, seu espírito não persiste, surgem heresias, e resta, afinal, apenas um corpo sem alma. É por isso que se renova a Religião.
Os budistas e confucionistas adoram atualmente imagens e estátuas, esquecendo-se da Divina Unidade e acreditando em deuses imaginários, do mesmo modo que os gregos antigos. De início, porém, não era assim; seus princípios eram diferentes, suas leis outras.
Vemos até que ponto estão esquecidos os princípios da religião de Cristo, e quantas heresias já surgiram. Cristo proibiu a vingança, por exemplo, mandando, ainda mais, retribuir com benevolência e misericórdia a injúria e o mal. Ora reflitamos: entre as próprias nações cristãs, quantas guerras sanguinárias já houve – quanta opressão, crueldade, capacidade e sede de sangue! Muitas dessas guerras foram travadas por ordem dos Papas. É claro, pois, que com a passagem do tempo, as religiões são alteradas, mudam totalmente. São por isso renovadas.
-~-45. Explicação Do Versículo Do Kitáb-I-Aqdas: “Não Há Associado Para O Alvorecer Do Mandamento Na Suprema Impecabilidade”
Diz o sagrado versículo: “Não há associado para o Alvorecer do Mandamento na Suprema Impecabilidade. Em verdade, Ele é Quem manifesta “Ele faz o que deseja” no reino da criação. Verdadeiramente, Deus reservou para Si Próprio esta condição inviolável, a ninguém permitindo dela compartir.”
Saibam que há duas espécies de impecabilidade: a essencial e a adquirida, assim como no caso de outros atributos: por exemplo, o conhecimento essencial e o adquirido. A impecabilidade essencial é peculiar ao Manifestante universal, pois é Seu essencial requisito, e um requisito essencial não pode ser separado da própria coisa. Os raios são a necessidade essencial do sol, e lhe são, pois, inseparáveis. O conhecimento é necessidade essencial de Deus e é inseparável Dele. O poder é necessidade essencial de Deus, e Dele, portanto, é inseparável. Se pudesse ser separado, Ele não seria Deus. Pudessem os raios se separar do sol, este deixaria de ser o sol. Se, pois, alguém imaginasse a possibilidade de se separar do Manifestante Universal a Impecabilidade Suprema, não seria Ele o Manifestante universal carecendo assim das perfeições essenciais.
A impecabilidade adquirida, porém, não é necessidade natural; ao contrário, é um raio da graça da Impecabilidade que brilha do Sol da Realidade sobre os corações, concedendo às almas uma parte de si próprio. Embora estas almas não tenham impecabilidade essencial, estão, no entanto, sob a proteção de Deus; isto é, Deus as preserva do pecado. Assim muitos dos sagrados seres nos quais não havia alvorecido a Suprema Impecabilidade, foram guardados e preservados do pecado, entretanto, à sombra da proteção divina, pois eram os mediadores de graça entre Deus e os homens. Se Deus não os protegesse do erro, seu erro levaria as almas crentes a caírem no erro, e assim o fundamento da Religião Divina seria derrubado, o que não seria próprio nem digno de Deus.
Em epítome: a impecabilidade essencial pertence sobretudo aos Manifestantes universais, enquanto a adquirida é quinhão de toda alma santa. Por exemplo, a Casa Geral da Justiça, se for estabelecida segundo as condições necessárias – com os membros eleitos por todos – tal Casa da Justiça estará sob a proteção e a guardiania de Deus. Se esta Casa de Justiça decidir unanimemente, ou por maioria, um assunto não mencionado no Livro, (1) sua decisão será guardada de erro. Ora, os membros da Casa da Justiça, individualmente, não têm impecabilidade essencial, mas o organismo da Casa da Justiça está sob a proteção de Deus. Isto se chama infalibilidade conferida.
Em suma, diz-se que o “Alvorecer do Mandamento” é a manifestação das palavras, “Ele faz o que deseja”; é condição peculiar àquele Santo Ser, não podendo os outros participar dessa perfeição essencial. Quer isso dizer, como os Manifestantes universais possuem, certamente, a impecabilidade essencial, o que Deles emana é verdadeiro, está de acordo com a realidade. Não estão Eles à sombra das leis anteriores. O que dizem é a palavra de Deus, e todo ato Seu é um ato justo. Nenhum crente tem o direito de criticar; seu estado deve ser o da submissão absoluta, pois o Manifestante se ergue com perfeita sabedoria.
Assim, pois, tudo o que o Manifestante universal diz e faz é sabedoria absoluta, está em harmonia com a realidade. Se algumas pessoas não compreendem o significado secreto de um de Seus mandamentos ou atos, não lhe devem fazer objeção, pois o Manifestante universal age segundo Sua própria vontade. Quantas vezes acontece, quando um homem de grande inteligência e perfeita sabedoria faz uma coisa, que outros incapazes de compreender a razão de seu ato se admiram de haver um homem sábio falado ou agido de tal maneira. Essa oposição deriva da ignorância de tais pessoas; a sabedoria do sábio é pura e isenta de erro. Da mesma forma, o médico perito, ao tratar o paciente, “faz o que deseja”, e o paciente não tem o direito de fazer objeção; o que o médico diz e faz está certo; todos devem considerá-lo a manifestação destas palavras, “Ele faz o que deseja e manda como Lhe apraz”. Certamente, o médico fará uso de algum medicamento contrário às idéias de outrem, mas àqueles não versados na ciência e na arte da medicina é vedada a objeção. Não, em nome de Deus! Todos devem ser submissos e cumprir tudo o que o médico perito manda. Assim o médico hábil “faz o que deseja”, e os pacientes não participam deste direito. Deve-ser verificar primeiro a habilidade do médico, mas uma vez estabelecida esta, “Ele faz o que deseja.”
De igual modo, quando o comandante-chefe de um exército é sem rival na arte da guerra, no que ele diz e manda “faz o que deseja”. Se o capitão de um navio é proficiente na arte da navegação, em tudo o que diz e manda, “faz o que deseja”. E como o verdadeiro educador é o Homem Perfeito, “Ele faz o que deseja” em tudo o que diz e ordena.
Em suma, é este o significado de “Ele faz o que deseja”: se o Manifestante diz alguma coisa, dá uma ordem ou realiza um ato, e os crentes não compreendem sua razão, ainda não se lhe devem opor, nem por um simples pensamento sequer, procurando saber por que Ele falou assim ou procedeu de tal modo. As outras almas abrigadas à sombra dos Manifestantes universais, submetem-se àquilo que a Lei de Deus ordena, não devendo dela se desviar nem pela largura de um cabelo. Com a Lei Divina devem elas conformar seus atos e suas palavras. Pelo mínimo desvio serão responsáveis, e na Presença de Deus serão reprovadas. Certo é que não participam do direito de “Ele faz o que deseja”, pois esta condição é peculiar aos Manifestantes universais.
Assim Cristo – Oxalá meu espírito Lhe seja sacrificado! – foi a manifestação destas palavras: “Ele faz o que deseja”, mas os discípulos não compartilharam desta condição, pois estando à sombra de Cristo, não puderam desviar-se de Seus mandamentos e Sua vontade.
-~-44. Explicação Das Repreensões Que Deus Dirige Aos Profetas
Pergunta – Os Livros Sagrados contêm algumas repreensões dirigidas aos Profetas. Para quem é a censura?
Resposta – Todos os discursos divinos contendo repreensões, embora sejam realmente para o povo, são dirigidos em aparência aos Profetas, por uma sabedoria que é absoluta misericórdia, a fim de que o povo não se desanime ou desalente. É por isso que parecem ser dirigidos aos Profetas, mas em verdade o são para o povo, e não para os Profetas.
Além disso, o rei poderoso e independente representa seu país; o que ele diz é dito por todos, qualquer pacto que ele faça é como se todos os fizessem, pois os seus desejos, a sua vontade, encerram os desejos e a vontade de todos os seus súditos. Assim também, todo Profeta é a expressão do povo inteiro e, portanto, as promessas e os discursos que Deus lhe dirige são dirigidos a todos. A linguagem da reprovação é geralmente muito severa para o povo, e lhe afligiria demais o coração. Assim, a Perfeita Sabedoria adota tal modo de falar, como se encontra na Bíblia, por exemplo, quando os filhos de Israel se rebelaram e disseram a Moisés: “Nós não podemos lutar contra os amalecitas, porque eles são poderosos, fortes e valentes.” Deus então repreendeu a Moisés e Abraão, embora a obediência de Moisés fosse completa e Ele jamais se rebelasse. De certo, tão grande homem – o mediador da Graça de Deus, incumbido de transmitir Sua Lei – há necessariamente de obedecer aos Seus mandamentos. Esses Santos Seres são como as folhas de uma árvore, movida pelos sopros do vento e não pelo Seu próprio desejo, pois impelem-nos os sopros do amor de Deus, e a Ele esses seres submetem, de modo absoluto, a vontade própria. As palavras que proferem são as palavras de Deus, Seus mandamentos são os de Deus, e qualquer proibição que façam é proibição de Deus. São como o globo de vidro que recebe luz da lâmpada; embora a luz pareça emanar do vidro, é realmente da lâmpada que se irradia. Assim também o movimento e o repouso dos Profetas de Deus, ou centros de manifestação, procedem da inspiração divina e não das paixões humanas. Doutro modo, como seria o Profeta digno de confiança? Como poderia Ele ser o Mensageiro de Deus, e transmitir Seus mandamentos e Suas proibições? Eis a explicação de todos os defeitos que nos Livros Sagrados são atribuídos aos Manifestantes.
Louvado seja Deus por terdes vindo aqui e conhecido os servos de Deus! Tereis percebido neles outra coisa senão a fragrância de Seu beneplácito? Não, em verdade. Com os próprios olhos tendes visto quanto se esforçam e luta, sem outro objetivo senão o de enaltecer a Palavra de Deus, de instruir os homens, melhorar as condições das massas, incentivar o progresso espiritual, e promover a paz universal, a boa vontade entre todos os seres humanos e benevolência para com todas as nações. Sacrificam-se pelo bem da humanidade, renunciando a todas as vantagens materiais; empenham-se em dotar de virtudes o gênero humano.
Mas voltemos ao nosso assunto. Diz o Velho Testamento, por exemplo, o Livro de Isaías, capítulo XLVIII versículo 12: “Dá-me ouvidos, ó Jacob, e tu, ó Israel, a quem chamei: Eu sou o mesmo, Eu o primeiro, Eu também o último.” Evidentemente, isso não significa que Jacob fosse Israel mas refere-se ao povo de Israel. Também no Livro de Isaías, capítulo XLIII, versículo 1, lemos: “Porém agora, assim diz o Senhor que te criou, O Jacob, e que te formou, O Israel: Não temas, porque Eu te remi; chamei-te pelo teu nome; tu és Meu.”
E mais; em Números, capítulo XX, versículo 23: “E falou o Senhor a Moisés e a Arão no monte de Hor, na costa da terra de Edom, dizendo: Arão recolhido será a seus povos, porque não entrará na terra que tenho dado aos filhos de Israel, porquanto rebeldes fostes à minha boca, junto às águas de Meribah”; e no versículo 13: “Estas são as águas de MeriBahá porque os filhos de Israel contenderam com o Senhor: e se santificou neles:” Vemos que o povo de Israel foi quem se rebelou; no entanto, a censura foi, aparentemente, dirigida a Moisés e Arão. No Livro de Deuteronômio, capítulo III, versículo 26, está escrito: “Porém o Senhor indignou-se muito contra mim por causa de vós, e não me ouviu; antes me disse: Baste-te, não Me fales mais nisto.”
Ora, esse discurso e essas repreensões eram realmente para os filhos de Israel porque se haviam rebelado contra o mandamento de Deus, permanecendo, em conseqüência, durante muito tempo, cativos no deserto, do outro lado Jordão, até o tempo de Josué – bendito seja! Essas censuras, pois, destinaram-se ao povo de Israel, embora parecessem ser para Moisés e Arão.
No alcorão palavras semelhantes são dirigidas a Maomé: “Nós te concedemos uma vitória manifesta, para que Deus te perdoe os pecados, tanto os precedentes como os subseqüentes.” (1) Estas palavras, se bem que dirigidas, aparentemente, a Maomé, foram na realidade para o povo inteiro. Usou-se tal modo de falar, segundo a perfeita sabedoria de Deus, como já dissemos, para que os corações do povo não se tornassem confusos, ansiosos, e atormentados.
Quantas vezes em Suas preces os Profetas de Deus e Seus Manifestantes universais confessam Seus pecados e defeitos! Assim fazem somente para ensinar aos homens, para animá-los, incutir-lhes a humildade e a submissão, e induzi-los a confessar os defeitos e pecados. Pois esses Santos Seres são puros, sem pecado, livres de qualquer defeito. Relata o Evangelho que veio um homem a Cristo e o chamou de “Bom Mestre”, ao que Cristo replicou: “Por que me chamas bom? Não há bom senão um só, que é Deus.” Não significa isto ser Cristo um pecador – Deus nos defenda! Apenas queria Ele ensinar ao homem com quem falava a submissão, a humildade, a brandura e a modéstia.
Estes Santos Seres são luzes, e a luz não se une com a treva; são vida, a qual não se confunde com a morte; vêm a fim de guiar ao caminho certo, onde não se admite o erro; corporificam a obediência, a cujo lado não pode existir a rebelião.
Em suma, embora as repreensões contidas nos Livros Sagrados pareçam ser dirigidas aos Profetas ou Manifestantes de Deus, não o são realmente; destinam-se ao povo. Isso percebemos claramente quando examinamos com diligência os Livros Sagrados...
-~-Passemos agora ao assunto da modificação das espécies e do desenvolvimento orgânico: isto é, ao ponto de verificar se o homem descende do animal.
Essa teoria encontrou aceitação no espírito de alguns filósofos europeus, de modo que agora é muito difícil fazer-se entender sua falsidade, mas futuramente será muito fácil, vindo os próprios filósofos europeus a perceber seu erro. Pois é, de fato, um erro evidente.
Quando o homem contempla atentamente a criação, examina as condições dos seres, e vê o estado, a organização e a perfeição do mundo, convence-se de que, no reino do possível, nada há mais maravilhoso que aquilo já existente. Pois todos os seres que existem, sejam terrestres ou celestiais, como também esse espaço ilimitado e tudo o que nele está, foram criados segundo a devida ordem e combinação, sendo dispostos e aperfeiçoados precisamente como deviam ser. O universo não tem imperfeição. Se todos os seres se tornassem pura inteligência e meditassem perpetuamente, ser-lhes-ia impossível imaginar algo melhor do que aquilo que existe.
Se no passado a criação não fora adornada com a máxima perfeição, a existência teria sido imperfeita e sem sentido: a criação teria sido incompleta. Esse assunto deve ser considerado muito atenta e refletidamente. Por exemplo, imaginemos que o mundo da possibilidade, isto é, o mundo da existência, se assemelhe, de um modo geral, ao corpo humano. Se fossem diferentes essa composição, organização, beleza e perfeição que existem atualmente no corpo humano, isso seria absoluta imperfeição. Ora, se imaginarmos um tempo em que o homem tenha pertencido ao mundo animal, sendo animal simplesmente, concluiremos ter sido imperfeita sua existência; noutros termos, não teria havido o homem. O membro principal, correspondendo no corpo do mundo ao cérebro e mente no homem, teria faltado. O mundo assim teria sido absolutamente imperfeito. Evidentemente, pois, se houvesse um tempo em que o homem permanecesse estritamente no reino animal, a perfeição da existência seria destruída, pois o homem é o principal membro, deste mundo, e o corpo privado de seu membro principal seria certamente imperfeito. Dizemos ser o homem o membro supremo, porque, entre as criaturas, ele é a soma de todas as perfeições que existem. Ao falarmos em homem, queríamos nos referir ao ser perfeito, preeminente no mundo, que reúne em si as perfeições espirituais e visíveis, um verdadeiro sol entre os seres. Imaginemos um tempo em que o sol não existisse, ou fosse apenas um planeta – quanta desordem isso haveria de causar nas relações dos seres? Como podemos imaginar tal coisa? Para quem examina o mundo existente, o que já dissemos basta.
Há outra prova mais sutil. É fato conhecido ser composto de elementos cada um dessa infinidade de seres que habitam o mundo, quer seja homem, animal, vegetal ou mineral. Segundo a criação divina, essa perfeição inerente a todos os seres, sem dúvida, deriva da composição dos elementos, de sua combinação apropriada, em quantidades proporcionais, e também da maneira de sua composição, e da influência dos outros seres – porque todos os seres estão ligados, como os elos de uma corrente – e o auxílio e a influência recíprocos, próprios das coisas, são o que condicionam a existência, o desenvolvimento e o crescimento dos seres criados. Existem evidências indiscutíveis de que cada ser atua universalmente sobre os demais seres, seja de um modo direto, ou por associação. Enfim, a perfeição de cada ser individual – a perfeição manifesta atualmente no homem ou nos outros seres – no tocante aos seus átomos, membros ou poderes, é devida à composição dos elementos, à sua medida, ao seu equilíbrio, ao método de sua combinação, e à influência recíproca. Quando todos esses elementos se encontram reunidos, o homem existe.
Desde que a perfeição do homem é devida inteiramente, pois, à composição dos átomos – os quais por sua vez compõem os elementos, dependendo de sua medida, do método de sua combinação, e da influência e ação recíprocas dos diferentes seres, e, desde que o homem, há dez mil ou há cem mil anos passados foi feito desses elementos terrestres, na mesma medida e com o mesmo equilíbrio, pelo mesmo método de combinação e pela mesma influência dos outros seres, segue-se que o mesmo homem existiu então exatamente como agora. Isso é claro e não merece discussão. Se daqui a cem milhões de anos esses elementos do homem forem reunidos, dispostos nessa proporção especial, combinados segundo o mesmo método, e sujeitos à mesma influência dos outros seres, existirá exatamente o mesmo homem. Por exemplo, se daqui a cem mil anos houver querosene, fogo, um pavio, uma lâmpada, e quem a acenda – numa palavra, se houver todos os requisitos que agora existem, existirá exatamente a mesma lâmpada.
Estes são fatos claros e concludentes, enquanto os argumentos usados por aqueles filósofos europeus apresentam provas duvidosas e não concludentes.
-~-É uma verdade, embora das mais obscuras, que o mundo da existência – este universo infinito, não teve começo.
Já explicamos que os próprios nomes e atributos da Divindade pressupõem a existência dos seres. Não obstante haver sido esse assunto já explicado com minúcias, falaremos dele novamente em forma resumida. De fato, é impossível imaginarmos um educador sem alguém que receba a educação, ou um monarca sem súditos, ou um mestre sem discípulos; um criador sem criatura é inconcebível, como também o é um provedor sem que exista alguém beneficiado. Todos os nomes e atributos divinos implicam a existência de seres. Se pudéssemos conceber um tempo em que não existissem seres, tal conceito encerraria a negação da divindade de Deus. Além disso, a inexistência absoluta não pode tornar-se existência. Se os seres houvessem sido absolutamente inexistentes, a existência não teria vindo a se realizar. Como, pois, a Essência da Unidade, isto é, a existência de Deus, é duradoura, eterna – não tendo começo nem fim – é certo também que não há para esse mundo existente, esse infinito universo, nem começo nem fim. Pode acontecer, é verdade, que uma das partes do universo, um dos astros, por exemplo, venha a existir ou a decompor-se, mas ainda existiram outros astros sem conta; o universo não seria destruído por isso, nem perderia sua ordem. Não, a existência é perpétua, é eterna. Como todo astro teve seu começo, terá forçosamente seu fim, desde que toda a composição – seja coletiva, ou individual – há de se desfazer. A única diferença é que algumas se decompõem rapidamente, e outras com lentidão, mas é impossível que um ser composto não venha a decompor-se.
Devemos saber, portanto, o que era, a princípio, cada uma das existências, pois, sem a menor dúvida, a origem foi uma só, assim como a origem de todos os números é um, e não dois. Evidentemente, a matéria foi uma, desde o começo e, em cada elemento, esta mesma matéria aparecia sob aspectos diferentes, sendo assim produzidas várias formas; e esses aspectos diversos, à medida que se produziam, tornavam-se constantes, sendo cada elemento especializado. Essa constância, porém, não era definida; só depois de muito tempo atingiu plena realização, ou existência perfeita. Esses elementos vinham então a se compor, organizar e combinar uma infinidade de formas; ou melhor, resultaram da combinação desses elementos, inúmeros seres.
Através da sabedoria de Deus e Seu preexistente poder, essa composição foi produzida de uma só organização natural, combinada com a máxima força, segundo uma lei universal e sábia. Assim, claro está, tudo é uma criação de Deus, e não composição ou organização fortuita. Portanto, de toda composição natural um ser vem a existir, mas de uma acidental, ser algum pode resultar. Se um homem, por exemplo, pela sua própria inteligência, reunir e combinar alguns elementos, não virá daí um ser vivo, por não ser este o método natural. Aqui está a resposta à pergunta: “Por que, se os seres são resultantes da composição, da combinação dos elementos, não podemos nós reuni-los, combiná-los, e assim criar um ser vivo?” Não o podemos, porque a origem da composição é divina – Deus é quem a faz, e desde que seja feita pelo sistema natural, um ser resulta de cada composição – uma existência realiza-se. Resultado algum haverá, porém, de uma composição de autoria humana, porque o homem não pode criar.
Numa palavra, já dissemos que as formas, as infinitas realidades e os inúmeros seres derivam da composição e combinação dos elementos, nas devidas proporções e também da própria decomposição, e da ação de outros seres sobre eles. Este globo terrestre – é claro – não apareceu logo de uma vez em sua forma atual, mas sim, gradativamente, esta existência universal veio atravessando fases diversas até atingir sua presente perfeição. Os seres universais são semelhantes aos individualizados, pois ambos estão sujeitos a um mesmo sistema natural, a uma mesma lei universal e organização divina. Verificamos, então, serem os mais pequeninos átomos do sistema universal similares aos maiores seres do universo. É claro que derivam de um mesmo laboratório de poder, segundo o mesmo sistema da natureza e uma lei única universal, e, por conseguinte, são comparáveis uns aos outros. O embrião humano no ventre materno cresce e se desenvolve gradativamente, aparecendo sob formas e condições diversas, até atingir seu pleno desenvolvimento – época em que manifesta a máxima formosura e graça, em que adquire uma forma perfeita.
Assim, a semente desta flor que vemos era, a princípio, uma coisa insignificante, muito pequenina; cresceu, porém, desenvolveu-se no ventre da terra e, depois de assumir várias formas, atingiu seu estado atual de perfeito viço e encanto. Da mesma maneira, evidentemente, este globo terrestre, uma vez tendo vindo a existir, cresceu, desenvolveu-se no ventre do universo, aparecendo em formas e condições diversas, alcançando pouco a pouco sua perfeição atual, adornando-se com inúmeros seres, até que atingiu um grau consumado de organização.
Está claro, pois, que a matéria original no estado embrionário, e suas formas primitivas, resultante da reunião e composição dos elementos, cresceram gradativamente, evoluindo por muitas épocas e ciclos, passando de uma a outra forma, até manifestarem, afinal, a perfeição, o sistema, a ordem e a organização atuais, graças à suprema sabedoria de Deus.
Voltemos ao nosso assunto: o homem no começo de sua existência, nas entranhas da terra, semelhante ao embrião no ventre materno, cresceu e desenvolveu-se gradativamente, passando de uma a outra forma e condição, até atingir seu presente estado de perfeição, formosura, força e poder. É certo que não possuía desde o princípio esse encanto, essa graça e essa excelência, mas só aos poucos adquiriu sua forma atual tão bela e graciosa. Indubitavelmente, o embrião humano não apareceu logo de início nessa forma – não era desde o começo símbolo das palavras: “Louvado seja Deus, o melhor dos criadores.” Só aos poucos, atravessando várias condições e aspectos diversos, veio a atingir essa perfeição, esse belo aspecto, com sua graça e seu encanto. Assim é claro, é indiscutível, que o desenvolvimento do homem na terra, até alcançar sua perfeição atual, é comparável ao do embrião no ventre materno: passou gradativamente, de um a outro estado, de uma a outra forma, estando isso de acordo com as exigências do sistema universal e da Lei Divina.
Por outras palavras, o embrião atravessa estados diferentes e graus numerosos antes de manifestar os sinais do raciocínio e da madureza, quando alcança a forma que justifica esta glorificação: “Louvado seja Deus, o melhor dos criadores.”
Do mesmo modo, o homem na terra atravessou muitos graus em sua caminhada desde o princípio até seu estado atual, sua forma e suas condições presentes, e isso levou necessariamente muito tempo. O homem é, entretanto, desde o começo de sua existência, espécie distinta, justamente como o embrião humano no ventre materno. Embora o embrião, a princípio, tivesse uma forma estranha, passando em seguida de um a outro aspecto, de um a outro estado, até adquirir a máxima formosura e perfeição, era ainda aí – apesar de tão estranha forma, completamente diferente de sua forma ulterior – embrião de espécie humana, e não de animal. A espécie e a essência não mudam. E ainda que se admita existirem realmente vestígios de órgãos já desaparecidos, isso não constitui prova da inconstância da espécie; não prova que ela não seja original. Indica, quando muito, que a forma, a aparência e os órgãos do homem têm progredido. O homem foi sempre espécie distinta – homem, e não animal. Se, pois, o embrião humano no ventre materno, passa de uma a outra fase, de tal modo que a segunda não se parece com a primeira, será isso prova de que a espécie tenha mudado, tendo sido primeiramente animal e depois, com o progresso e desenvolvimento de seus órgãos, se tornado homem? Certamente que não! Quão pueril e sem base é tal idéia, tal pensamento! A originalidade da espécie humana, a constância da natureza do homem, é clara e evidente.
-~-48. A Diferença Que Existe Entre O Homem E O Animal
Falamos já uma ou duas vezes sobre o assunto do espírito, mas nossas palavras não foram escritas.
Há duas categorias de pessoas, ou dois grupos. Um nega a existência do espírito e diz que o homem também é uma espécie de animal, pois – perguntam eles – não vemos que os animais e os homens participam dos mesmos poderes e sentidos? Esses elementos simples, singelos, que enchem o espaço, formam uma infinidade de combinações, de cada uma das quais um ser é produzido. Entre eles figura o possuidor de espírito, (1) de sentidos e outros poderes. Quanto mais perfeita a combinação, mais nobre o ser. A combinação dos elementos no corpo do homem excede em perfeição a qualquer outro ser; sendo feita com absoluto equilíbrio, é mais elevada, é mais perfeita. “Não é”, dizem eles, “que o homem tenha espírito e poderes especiais de que careçam os outros animais; estes possuem também sensibilidade, apenas o homem em alguns sentidos atingiu um desenvolvimento maior, embora no que diz respeito aos sentidos exteriores, tais como o ouvido, a vista, o gosto, o olfato e o tato, e até a algumas faculdades interiores, como a memória, o animal é mais ricamente dotado que o homem.” “O animal”, afirmam eles, “também possui inteligência e percepção.” Só concedem ser maior a inteligência do homem.
É o que sustentam os filósofos da atualidade; tal é o que afirmam e supõem; é o que lhes dita sua imaginação. Com poderosos argumentos e provas prendem ao animal a origem do homem; dizem ter havido um tempo em que o homem era animal, tendo, então, a espécie se modificado e progredido gradativamente, até alcançar seu estado atual.
Dizem os teólogos, entretanto: Não; não é assim. Embora o homem tenha faculdades e sentidos exteriores em comum com o animal, existe nele um poder extraordinário que o animal não possui. As ciências, artes, invenções, indústrias, e as descobertas de fatos reais resultam do poder espiritual – poder este que abrange tudo, compreende a realidade de tudo, descobre todos os mistérios ocultos nos seres e, graças a este conhecimento, controla-os, percebendo até coisas que não existem exteriormente, isto é, realidades intelectuais, que não podem ser percebidas pelos sentidos e não têm existência exterior, sendo invisíveis. Assim, este poder compreende a mente, o espírito, as qualidades, os caracteres, o amor e a tristeza do homem, que são realidades intelectuais. Houve um tempo em que as ciências hoje existentes, as artes, as leis, e as inúmeras invenções do homem, eram segredos – invisíveis, misteriosos, ocultos; só o poder humano, que tudo abrange, conseguiu descobri-las e fazê-las sair do plano do invisível para o do visível. Em certa época, a telegrafia, a fotografia, a fonografia, e todas essas invenções e artes maravilhosas eram mistérios; a mentalidade humana descobriu-as e levou-as do plano do invisível para o do visível. Nos tempos primitivos, as qualidades deste ferro que vemos, bem como de todos os outros metais, eram mistérios; o homem descobriu este metal e deu-lhe sua forma industrial. Igual caso se dá com todas as outras descobertas e inúmeras invenções do homem. Isso não podemos negar.
Talvez aleguemos ser tudo isto o efeito de poderes possuídos pelo animal também, dos sentidos corpóreos, mas, obviamente, estes podem ser superiores no caso do animal. A visão de certos animais, por exemplo, é muito mais aguda do que a do homem, como são também suas faculdades olfativa e gustativa. Numa palavra, no tocante aos poderes comuns ao homem e ao animal, vemos ser o animal em muitos casos superior. Tomemos o poder da memória, por exemplo: se levarmos um pombo daqui a um país distante e lá o soltarmos, ele voltará, porque se lembrará do caminho. Podemos levar um cachorro daqui ao centro da Ásia e soltá-lo, e ele regressará sem se desviar nenhuma vez. O mesmo sucede com as outras faculdades – o ouvido, a vista, o olfato, o gosto e o tato.
Evidentemente, pois, se não houvesse no homem um poder diferente de qualquer dos que existem no animal, este seria superior ao homem em invenções e na compreensão dos fatos. É claro que o homem possui um dom não possuído pelo animal. O animal percebe as coisas sensíveis, mas não as realidades intelectuais. Vê, por exemplo, o que está ao alcance de sua visão, porém aquilo que não está, ele é incapaz de perceber ou imaginar. É impossível o animal compreender o fato de que a terra possui a forma de globo. O homem, entretanto, das coisas conhecidas deduz as desconhecidas, descobre verdades novas. Vê a curva do horizonte, e daí deduz a redondeza da terra. A Estrela Polar, por exemplo, está em ´Akká a 33 graus acima do horizonte; eleva-se um grau acima do horizonte por cada grau de distância que viajamos em direção ao Pólo Norte; isto é, a altitude da Estrela Polar será de 34 graus, depois 40, 50, 60, 70. Se viajarmos até o Pólo Norte, sua altitude será de 90 graus – terá atingido o zênite, estará justamente na vertical. A Estrela Polar e sua ascensão são coisas sensíveis. Quanto mais viajarmos em direção ao Pólo, mais a Estrela Polar se eleva. Destes fatos conhecidos, descobrimos um desconhecido: o horizonte é curvo, isto é, o horizonte de cada ponto na terra é diferente do horizonte de outro ponto. O homem percebe isto e daí prova uma coisa invisível: a redondeza da terra. É impossível que o animal perceba isto. Tampouco pode ele compreender que o sol é o centro em cujo redor a terra gira. O animal é prisioneiro dos sentidos, está restrito a eles, e, portanto, tudo o que estiver além dos sentidos, todas as coisas fora de seu alcance, jamais as compreenderá, apesar de ser superior ao homem no que diz respeito aos sentidos exteriores. Está assim provado que existe no homem um poder de descoberta que o distingue do animal, isto é, o espírito do homem.
Louvado seja Deus! O homem mira sempre as alturas, tendo aspirações elevadas, desejando constantemente alcançar um mundo superior àquele em que vive, subir a uma esfera mais alta que esta na qual se acha. Amor à elevação é uma das características do homem. Causa-me espanto que certos filósofos da América e da Europa têm satisfação em se aproximarem pouco a pouco do mundo animal, isto é, em retrogradar, enquanto a tendência de tudo o que existe deve ser para a elevação. Se porém, dissermos a um deles: “Sois animal”, ele se ofenderá no extremo.
Quão grande é a diferença entre o mundo humano e aquele ao qual o animal pertence, entre a elevação do homem e a vileza do animal, entre as perfeições humanas e a ignorância que caracteriza o animal, entre a iluminação do homem e a treva em que o animal está submerso, entre a glória humana e a degradação do estado animal! Um menino árabe de dez anos pode governar duzentos ou trezentos camelos no deserto, e pela sua voz conduzi-los para frente ou para trás. Um hindu fraco pode controlar um enorme elefante a tal ponto que este se torna o mais obediente criado. Todas as coisas são domadas pela mão do homem; ele pode resistir à natureza, enquanto todas as outras criaturas são suas escravas, não podendo, nenhuma delas, fugir de suas exigências. Somente o homem pode resistir à natureza. A natureza atrai os corpos para o centro da terra; o homem por meios mecânicos afasta-se dele, voando nos ares. A natureza impede o homem de atravessar os mares, mas ele constrói um navio e viaja através do grande oceano, e assim por diante – o assunto é inesgotável. O homem, por exemplo, guia máquinas sobre as montanhas e através dos desertos; reúne em um lugar as notícias dos acontecimentos do oriente e do ocidente. Tudo isso ultrapassa a natureza. O mar com sua grandeza não pode se desviar por um átomo sequer das leis da natureza; o sol, com toda a sua magnificência, não pode infringir as leis naturais, nem pela largura de uma ponta de agulha, e jamais poderá compreender as condições, o estado, as qualidades, os movimentos e a natureza do homem.
Qual o poder, pois, existente nesse pequeno corpo humano, que é capaz de abranger tudo isso? Que poder é esse, graças ao qual ele subjuga todas as coisas?
Resta um ponto ainda. Dizem os filósofos modernos: “Nunca vimos o espírito; não obstante nossas pesquisas, nossas tentativas de penetrar os segredos do corpo humano, não percebemos um poder espiritual. Como imaginar um poder imperceptível?” Replicam os teólogos: “O espírito do animal tampouco é sensível, ou perceptível pelos poderes corporais. Como, pois, provar a existência do espírito animal? São os seus efeitos que constituem prova indiscutível da existência no animal de um poder que não existe na planta, o poder dos sentidos – vista, audição, como outros poderes também – do que se conclui que há um espírito animal. Assim, pois, das provas e dos sinais mencionados, argumentamos que há um espírito humano. Uma vez que haja no animal sinais inexistentes na planta, dizemos ser esse poder de sensação uma propriedade do espírito animal. Também no homem vemos sinais, poderes e perfeições inexistentes no animal, e assim deduzimos que existe nele um poder de que o animal carece”.
Se quisermos negar tudo o que não seja perceptível, teremos de negar as realidades que indiscutivelmente existem. O éter, por exemplo, é imperceptível, embora se não possa duvidar da sua existência. O poder da atração é imperceptível, embora exista, certamente. Por que meios conhecemos essas existências? Por meio de seus sinais. Assim, esta luz é vibração do éter, e dessa vibração deduzimos a existência do éter.
-~-49. O Crescimento E Desenvolvimento Da Espécie Humana
Pergunta – Qual a sua opinião a respeito das teorias sustentadas por alguns filósofos europeus sobre o crescimento e desenvolvimento dos seres?
Resposta – Embora tenhamos falado acerca desse assunto, há poucos dias, trataremos dele novamente. Toda a questão se resume em determinar se as espécies são ou não originais – se a espécie humana se acha estabelecida desde sua origem, ou se derivou posteriormente dos animais.
Certos filósofos europeus concordam em dizer que não somente a espécie cresce e se desenvolve, como também modificações podem ocorrer. Uma das provas apresentadas em apoio dessa teoria é que se tornou claro, mediante um estudo atencioso da ciência da geologia, ter a existência do vegetal precedido à do animal, e a deste precedido à existência do homem. Admitem que tanto as espécies vegetais como as animais, têm mudado, porque em algumas camadas da terra foram descobertas plantas que existiam no passado mas não existem agora. Ao longo da evolução, esses espécimes progrediram, tornaram-se mais fortes, mudando de forma e aspecto; assim, as espécies se modificaram. Há também nas camadas da terra algumas espécies de animais que sofreram metamorfose. Um destes é a serpente. Há indícios de que em certo período possuía pés, mas com o correr do tempo esses membros desapareceram. De modo semelhante, existe na coluna vertebral do homem um indício, praticamente prova, de que ele – como os animais – numa determinada época, possuía cauda. Esse membro alguma vez teve sua utilidade, mas com o desenvolvimento do homem deixou de ter; desapareceu, pois, gradativamente. Quando a serpente começou a refugiar-se debaixo da terra, tornando-se réptil, já não precisava de pés, e assim estes desapareceram, persistindo, porém, seus vestígios. O argumento principal é este: a existência de vestígios de membros prova que estes em algum tempo existiram e, como foram perdendo a utilidade, aos poucos vieram a desaparecer. Assim, enquanto persistiam os membros perfeitos e necessários, os desnecessários gradualmente desapareceram, pela modificação da espécie, embora se vejam ainda seus vestígios.
A primeira resposta a esse argumento é que o fato de haver o animal precedido ao homem não constitui prova da evolução ou transformação da espécie; não indica que o homem fosse elevado do plano animal para o humano. Embora seja certo o aparecimento individual desses diferentes seres, é possível, no entanto, ter o homem vindo a existir após o animal. Quando examinamos o reino vegetal, vemos que os frutos das várias árvores não amadurecem simultaneamente; pelo contrário, uns vêm primeiro, e outros depois, mas esta prioridade não prova que o fruto de uma árvore fora produzido do fruto anterior de outra.
Em segundo lugar, esses ligeiros traços e sinais de membros talvez possuam sua razão de ser, a qual o nosso intelecto ainda não conhece. Quantas coisas existem cuja razão nós ainda ignoramos! Assim, a ciência da filosofia, isto é, o estudo das funções do organismo, desconhece ainda a razão por que diferem as cores dos animais e dos cabelos humanos, por que são vermelhos os lábios, e por que variam as cores dos pássaros – tudo isso são segredos ainda não revelados. Sabe-se, porém, que a pupila do olho é preta em função dos raios do sol, porque, se fosse de outra cor, isto é, uniformemente branca, não os atrairia. Assim como é desconhecida, pois, a razão das coisas mencionadas, igualmente o pode ser a razão desses vestígios de membros, quer seja no animal, quer no homem. Há uma razão, sem dúvida alguma, embora nos seja ignorada.
Em terceiro lugar, suponhamos ter havido uma época em que certos animais, ou até o homem, possuíssem membros agora desaparecidos; isto não é prova suficiente da mudança e evolução da espécie. Pois a forma e a aparência do homem, desde o começo do período embrionário até à plena maturidade, passam por modificações. Ele muda de aspecto, forma, aparência e cor; passa de uma a outra forma, de uma a outra aparência. Desde o início do período embrionário, no entanto, ele é da espécie humana, ou seja o embrião de um homem, e não o de um animal. A princípio, não aparenta sê-lo, porém mais tarde vê-se claramente que é. Suponhamos ter o homem se assemelhado ao animal em certo período, e depois ter progredido e mudado – supondo que isso seja verdade, ainda não prova que houvesse mudança de espécie. Quando muito, indica, como já dissemos, que essas mudanças são comparáveis às modificações por que passa o embrião humano antes de adquirir o raciocínio e alcançar a perfeição. Falaremos mais claramente: suponhamos que num tempo remoto o homem andasse com as mãos e os pés, ou tivesse tido cauda; as modificações que sofreu desde então são comparáveis àquelas do embrião no ventre materno. Se bem que o embrião mude de todas as maneiras, crescendo e se desenvolvendo até adquirir a forma perfeita, é, não obstante, desde o começo, espécie distinta. Vemos também no reino vegetal, que as espécies originais do gênero não mudam, mas que há modificações, ou progresso, no que diz respeito à forma, à cor, e ao tamanho.
Em resumo: assim como o homem no ventre materno experimenta várias conformações, mudando e se desenvolvendo, e todavia é espécie humana desde o início do período embrionário, de modo idêntico, o homem, desde o princípio de sua existência no ventre do mundo, é também espécie distinta, isto é, humana, apenas tendo evoluído gradativamente em sua conformação. Ainda que se admita, portanto, a realidade da mudança de aspecto, da evolução dos membros, do desenvolvimento e progresso (1), isto não constitui uma negação da originalidade da espécie. O homem desde o princípio guarda essa forma e essa composição perfeitas, possuindo capacidade e aptidão para adquirir perfeições, tanto materiais como espirituais, e sendo assim a manifestação das palavras: “Faremos o homem à nossa imagem e semelhança”. Ele apenas tem adquirido qualidades mais amáveis – maior formosura e graça. A civilização elevou-o acima de seu estado selvagem, do mesmo modo que os frutos silvestres cultivados por um fruticultor se tornam mais belos, mais doces, mais cheios de viço e de paladar mais delicado.
Os fruticultores do mundo humano são os Profetas de Deus.
-~-As provas que já aduzimos, relativas à origem da espécie humana eram provas lógicas; apresentaremos agora as provas de ordem espiritual, que são as essenciais. Pois, como usamos argumentos lógicos para provar a Divindade, e também provamos logicamente haver sido o homem desde sua origem sempre homem, tendo sua espécie existido desde toda a eternidade, vamos agora estabelecer provas espirituais da necessidade da existência humana, ou espécie do homem, mostrando que, sem o homem, as perfeições da Divindade não apareceriam. Mas estas são provas espirituais, e não lógicas.
Já muitas vezes demonstramos e estabelecemos o fato de ser o homem o mais elevado dos seres, a soma de todas as perfeições, sendo todas as criaturas, todas as existências, centros dos quais a glória de Deus se reflete; isto é, na realidade das coisas e das criaturas aparecem os sinais da Divindade de Deus. Assim como o globo terrestre é o lugar em que os raios do sol se refletem, sendo sua luz, calor e influência visíveis em todos os átomos da terra, também os átomos dos seres neste infinito espaço proclamam e dão provas de uma das perfeições divinas. Coisa alguma é destituída desse benefício; é sinal da misericórdia de Deus, ou de Seu poder, de Sua grandeza, justiça ou sublimidade, que concede a educação; ou é sinal da divina generosidade, da visão, audição, sabedoria ou graça divina, e assim por diante.
Indubitavelmente, cada ser é centro de irradiação da glória de Deus; isto é, nele aparecem com resplendor as perfeições divinas, assim como o sol brilha sobre o deserto, o mar, as árvores, as flores e os frutos, e sobre todas as coisas terrestres. O mundo, ou, de fato, cada um dos seres existentes, proclama-nos um dos nomes de Deus, mas a realidade do homem é a realidade coletiva ou geral, é o centro de onde se irradia a glória de todas as perfeições de Deus. Quer isso dizer, de cada qualidade ou perfeição que atribuímos a Deus, existe no homem um sinal. Se assim não fosse, nem poderia o homem imaginar essas perfeições, e menos ainda compreendê-las. Assim, dizemos que Deus vê, e os olhos são os sinais de Sua visão; se não existisse no homem a faculdade visual, como lhe seria possível imaginar a visão de Deus? Pois o cego, pelo menos o cego de nascimento, não pode imaginar o que é a vista; para o surdo, isto é, para quem nasceu surdo, é inconcebível a audição; e o morto (1) não compreende a vida. A Divindade de Deus, soma de todas as perfeições, reflete-se, pois, na realidade do homem; quer isto dizer, a Essência da Unidade é a reunião de todas as perfeições, e desta Unidade Ele lança um reflexo sobre a realidade humana. O homem é assim o perfeito espelho voltado para o Sol da Verdade, é o centro irradiante, e nesse espelho resplandece o Sol da Verdade. As divinas perfeições refletem-se na realidade do homem, sendo ele, pois, uma imagem de Deus, e Seu mensageiro. Privado da existência do homem, o universo não teria finalidade, pois o objetivo da existência é a manifestação das perfeições de Deus.
Portanto, não se deve supor haver sido um tempo em que o homem não existisse. Tudo o que podemos dizer é isto: em certa época este globo terrestre não existia e, no começo de sua existência, o homem não aparecia nele, mas desde o princípio que não teve princípio, até ao fim que não terá fim, sempre existe um perfeito manifestante. Este homem de quem falamos não é qualquer homem; referimo-nos ao homem perfeito. Pois a parte mais digna da árvore é o fruto, o qual é sua razão de ser e sem o que ela nada significaria. Assim, não podemos imaginar que os mundos existentes – sejam as estrelas ou a terra – estivessem em certo tempo habitados por animais como o burro, o boi, o rato e o gato, e sem o homem! Tal suposição é falsa e irracional. A palavra de Deus é clara como o sol.
A prova que acabamos de aduzir é espiritual, e não deve ser apresentada, de início, aos materialistas. Quando falamos com eles, devemos usar primeiro argumentos lógicos, e depois espirituais.
-~-51. O Espírito E A Mente Do Homem Existem Desde O Princípio
Pergunta – Possui o homem, desde o princípio, mente e espírito, ou são estes o resultado de sua evolução?
Resposta – O princípio da existência do homem no globo terrestre é comparável à sua formação no ventre materno. Ele aqui cresce e se desenvolve até o nascimento, e depois continua a crescer e a desenvolver-se até alcançar o discernimento e a maturidade. Embora desde a infância apareçam no homem os sinais do intelecto e do espírito, estes não chegam logo à perfeição, estando de início imperfeitos. Só quando o homem atinge a maturidade é que a mente e o espírito se revelam com a máxima perfeição.
A formação do homem no ventre do mundo foi análoga à do embrião. Este progride gradativamente, crescendo e se desenvolvendo até atingir a maturidade, quando o intelecto e o espírito se revelam em todo seu poder. No começo de sua formação, já existem a mente e o espírito, porém ocultos, sendo que só mais tarde se manifestam. Também no homem, no ventre do mundo, existem, desde o princípio, mente e espírito, mas estão ocultos e só mais tarde se tornam manifestos. De modo idêntico, a árvore existe na semente, porém oculta, só se revelando à medida que a semente se desenvolve e cresce. Assim, o desenvolvimento de todos os seres é gradativo, de acordo com a organização divina universal, o sistema natural. A semente não se torna logo árvore; não é num instante que o embrião se transforma em homem; o mineral não se torna de repente pedra. Não, crescem e se desenvolvem gradativamente até atingirem o limite de sua perfeição.
Todos os seres, sejam grandes ou pequenos, foram criados perfeitos e completos desde o princípio, mas suas perfeições só vão se manifestando aos poucos. A organização de Deus é una; a evolução da existência é una; é uno o sistema divino. Sejam pequenos ou grandes, todos os seres estão sujeitos a uma mesma lei e sistema. Cada semente, por exemplo, tem dentro de si, desde o princípio, todas as perfeições vegetais, mas não de modo visível; depois, pouco a pouco, elas vêm vindo à luz. Assim, da semente primeiro surge o broto, depois os ramos, as folhas, as flores e os frutos, mas isso tudo, desde o começo de sua existência, está na semente, embora em potência apenas, e não visível.
De igual modo, o embrião possui desde o princípio todas as perfeições – o espírito, a mente, a vista, a olfação, a gustação – enfim, todas as faculdades, porém elas não se acham visíveis, só aos poucos vindo a manifestar-se.
Assim também, o globo terrestre foi criado inicialmente com todos os seus elementos, substâncias, minerais, átomos e organismos, porém estes só se revelaram pouco a pouco: primeiro, o mineral; depois, a planta; mais tarde, o animal; e finalmente, o homem. Todas essas espécies, no entanto, existem desde sempre, embora não se houvessem desenvolvido logo no globo terrestre, só gradativamente vindo a manifestar-se. Pois a suprema organização de Deus, o sistema natural universal, se estende a todos os seres – todos estão sob seu controle. Quando se contempla este sistema universal, verifica-se que não há um único destes seres que tenha alcançado logo no começo de sua existência o limite da perfeição. Não, é gradativamente que eles crescem e desenvolvem, e assim atingem o grau de perfeitos.
-~-Pergunta – Qual a razão do aparecimento do espírito no corpo?
Resposta – A razão do aparecimento do espírito no corpo é a seguinte: o espírito humano é-nos confiado por Deus e necessitar passar por todas as condições da existência, a fim de adquirir suas perfeições. Assim, quando um homem viaja e visita vários países e regiões, estudando-os sistematicamente, com método, vem a se aperfeiçoar, porque verá diversos lugares e cenas, e destarte descobrirá condições existentes nos outros países. Tornar-se-á conhecedor de sua geografia, suas maravilhas e artes, familiarizando-se com os hábitos e costumes dos povos; constatará a civilização e o progresso da época; adquirirá conhecimento da orientação dos governos, e do poder e da capacidade de cada país. O mesmo sucede quando o espírito humano atravessa as várias condições da existência: alcança novos graus e estados. Até mesmo no corpo, pode, seguramente, adquirir perfeições.
Além disso, é necessário que apareçam neste mundo os sinais da perfeição do espírito, não só para que sejam produzidos entre as criaturas inúmeros efeitos como também para que esse corpo receba vida e manifeste as graças divinas. Os raios do sol devem brilhar sobre a terra, e assim, graças ao seu calor, os seres terrestres desenvolver-se-ão; em caso contrário, este planeta ficaria inabitado, não progrediria, nem teria razão de ser. Da mesma maneira, a menos que se manifestassem no mundo as perfeições do espírito, nenhuma iluminação existiria; a brutalidade é que haveria de dominar. É só quando o espírito se revela em forma física, que o mundo é iluminado. Justamente como o corpo humano tem no espírito a causa da sua vida, também o mundo, como se fosse o corpo, depende do homem, o qual, por assim dizer, lhe serve de espírito. Se não fosse o homem, não se veriam as perfeições espirituais, nem resplandeceria no mundo a luz da inteligência. Este mundo seria, em verdade, um corpo sem alma.
Podemos comparar o mundo, também, a uma árvore frutífera, e o homem a seu fruto, sem o qual a árvore nenhuma utilidade teria.
Além disso, essa composição – esses membros e elementos encontrados no organismo humano – agem como ímã, para atrair o espírito; fatalmente, o espírito tem de se manifestar aí. Sem a menor dúvida, um espelho límpido deve atrair os raios do sol, tornando-se luminoso e refletindo admiráveis imagens. Assim, esses elementos existentes, ao serem reunidos segundo a ordem natural, com perfeita força, tornar-se-ão um ímã para o espírito, o qual se manifestará neles com todas as suas perfeições.
Não se pode perguntar, então: “Que necessidade têm os raios solares de descer para o espelho?” Pois a relação que existe entre as realidades das coisas, sejam espirituais, sejam materiais, implica no reflexo da luz solar no espelho quando se ache este límpido e voltado para o sol. De igual modo, quando os elementos estiverem dispostos e combinados de determinada maneira, segundo o mais glorioso sistema e a mais perfeita organização, neles se manifestará o espírito humano. Assim decretou o Poderoso, o Sábio.
-~-Pergunta – Qual a natureza da relação entre Deus e a criatura, isto é, entre o Independente, o Altíssimo, e os outros seres?
Resposta – A relação entre Deus e as criaturas é a que existe entre um criador e sua criação; é semelhante àquela que há entre o sol e a escuridão dos seres contingentes; é a relação entre o artífice e as coisas por ele feitas. O sol em sua própria essência é independente dos corpos que ilumina, pois sua luz é-lhe inerente, nada tendo que ver com o globo terrestre. Nosso planeta, sim, está sob a influência do sol, dele recebendo sua luz; o sol e seus raios, porém, são inteiramente independentes da terra. De fato, sem o sol, não poderia existir nem a terra, nem um só dos seres terrestres.
As criaturas dependem, pois, de Deus, e essa dependência é por emanação. Isto é, as criaturas emanam de Deus, e não O manifestam; a relação é de emanação, e não de manifestação. É isto que se entende por emanação: é como o aparecimento dos raios daquele astro que ilumina os horizontes do mundo.
A santa essência do Sol da Verdade não se divide, nem desce até às condições das criaturas, assim como o globo solar não se divide nem desce para a terra; apenas seus raios, que são suas graças, emanam e iluminam os corpos escuros.
O aparecimento por manifestação, por outro lado, é similar ao modo pelo qual da semente surgem haste, folhas, flores e frutos; pois a semente em sua própria essência torna-se ramos e frutos, sua realidade entra nos ramos, nas folhas e nos frutos. Acreditar que Deus, o Altíssimo, se manifeste dessa maneira é atribuir-Lhe simples imperfeição, o que é inteiramente impossível; equivaleria a dizer que o Preexistente Absoluto tem qualidades fenomenológicas. Se assim fosse, entretanto, a pura independência tornar-se-ia simples pobreza, e a verdadeira existência, mera inexistência – o que seria um contra-senso.
Por conseguinte, todas as criaturas emanam de Deus; isto é, graças a Ele, tudo se realiza, todos os seres vêm a existir. A primeira coisa a emanar de Deus foi aquela realidade universal denominada pelos filósofos antigos “Primeira Inteligência”, e pelos Bahá´ís “Primeira Vontade”. Essa emanação, no tocante à sua atividade no mundo divino, não é limitada nem no tempo nem no espaço; não teve começo, tampouco terá fim – em relação a Deus, começo e fim são o mesmo. A preexistência de Deus é uma preexistência de essência, e também de tempo; e a fenomenalidade dos seres contingentes é essencial e não temporal, como já explicamos um dia à mesa.
Embora não tivesse começo, a “Primeira Inteligência” não participa da preexistência de Deus, pois existência da realidade universal em comparação com a Existência Divina é simplesmente nada – não tem o poder de se associar a Ele ou de Lhe ser semelhante quanto à preexistência. Este argumento já foi explicado em outra ocasião.
A vida dos seres depende de sua composição; a sua decomposição implica a morte. A matéria universal, porém, os elementos, não são absolutamente destruídos; o que chamamos inexistência é apenas transformação. Por exemplo, o homem ao morrer torna-se pó, mas ainda existe em forma de pó. Não se torna, pois, absolutamente inexistente; apenas sujeita-se a uma transformação, à decomposição ocidental. O mesmo sucede com os outros seres, já que a existência não se torna absoluta inexistência, bem como esta não se torna existência.
-~-Pergunta – Na Bíblia se lê que Deus insuflou o espírito no corpo do homem. Qual o sentido deste versículo?
Resposta – Precisamos compreender que há duas espécies de procedência: por emanação e por manifestação. Um exemplo de procedência por emanação vemos no ato que provém de seu autor, ou na obra do escritor. Ora, o que este escreve emana dele: o discurso emana do orador; do mesmo modo, o espírito do homem emana de Deus. A procedência divina do espírito humano não é por manifestação; quer isto dizer, nenhuma partícula separou-se da Realidade Divina para entrar no corpo do homem. Não, justamente como o discurso emana do orador, assim também o espírito aparece no corpo humano. Quando falamos em procedência por manifestação, queremos dizer que a realidade de uma coisa se manifesta sob outras formas, como, por exemplo, esta árvore provém da semente de uma árvore, ou esta flor da semente de uma flor, pois é a própria semente que assume a forma de ramos, folhas e flores. É isso que chamamos procedência por manifestação. O espírito do homem, em relação a Deus, tem uma dependência por emanação, assim como o discurso procede do orador, ou a obra literária do escritor; isto é, o próprio orador não se torna o discurso, o escritor não se transforma em sua obra. É apenas uma procedência por emanação. O orador é dotado de perfeita habilidade e poder, e assim, seu discurso emana dele, do mesmo modo que o ato do autor. O verdadeiro Orador, a Essência da Unidade, esteve sempre em uma mesma condição, a qual não muda, não se sujeita à transformação ou vicissitude. Ele é o Imortal, o Eterno. É, pois, por emanação que o espírito humano provém de Deus. Quando a Bíblia diz que Deus insuflou no homem Seu espírito, refere-se à emanação do espírito, semelhante a um discurso emanado do verdadeiro Orador, a atuar sobre a realidade do homem.
A procedência por manifestação, porém, é aplicável ao aparecimento do Espírito Santo e do Verbo de Deus, embora não se refira aqui a uma fragmentação da Divindade, como já dissemos. Está escrito no Evangelho de São João: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus.” O Espírito Santo e o Verbo referem-se, pois, à revelação de Deus; isto é, às perfeições divinas que estavam com Deus e se manifestaram na realidade de Cristo, assim como o sol manifesta no espelho toda a sua glória. O Verbo não significa o corpo de Cristo, mas as divinas perfeições Nele manifestas. Cristo era semelhante a um espelho límpido voltado para o Sol da Realidade, e as perfeições deste Sol, sua luz e seu calor, estavam visíveis nesse espelho. Ao olharmos para o espelho, vemos o sol, e dizemos: é o sol. Assim, Deus se revela no Verbo e no Espírito Santo, que significam as divinas perfeições. É a isso que se refere o versículo do Evangelho: “O Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus”; pois as divinas perfeições não se distinguem da Essência da Unidade. As perfeições de Cristo são denominadas o Verbo, isto é, palavra, porque todos os seres estão na condição de letras, as quais, isoladas, carecem de sentido completo, ao passo que, quando são dispostas em forma de palavras, podemos inferir delas um sentido completo. Assim, as perfeições de Cristo têm o poder do verbo; por ser Sua Realidade a manifestação das perfeições divinas, assemelha-se ao verbo. Por quê? Porque Ele é a soma dos significados perfeitos. É por isso que ele se chama o Verbo.
Quando falamos na procedência divina do Verbo e do Espírito Santo, como sendo uma procedência por manifestação, não imaginem que nos refiramos a uma divisão ou multiplicação da Realidade Divina, ou a uma descida desta Realidade das sublimes alturas da santidade e pureza. Deus nos defenda! Se um espelho puro e fino estiver voltado para o sol, manifestará sua luz e seu calor, sua forma, sua imagem, e com tal esplendor que, se alguém, vendo no espelho todo esse brilho, disser: “É o sol”, dirá a verdade. O espelho, entretanto, é o espelho, como o sol também é o sol. O sol, ainda que apareça em numerosos espelhos, é uno. Sua condição não é moradia ou entrada, nem de associação ou descida, pois entrada, moradia, descida, saída e associação são necessidades características dos corpos e não dos espíritos. Muito menos ainda, pois, podem essas características pertencer à Realidade Divina, àquela Realidade santificada e pura. Deus está livre de tudo o que não estiver de acordo com Sua pureza, ou Sua exaltada e sublime santidade.
O Sol da Realidade, segundo já dissemos, esteve sempre em uma mesma condição, isento de qualquer mudança, alteração, transformação ou vicissitude. E eterno, imperecível. Mas a Santa Realidade do Verbo de Deus está na condição do espelho puro, fino e brilhante, no qual se refletem a luz, o calor, a imagem e semelhança, ou sejam as perfeições do Sol da Realidade. Eis porque Cristo diz no Evangelho: “O Pai está no filho”; isto é, O Sol da Realidade aparece no espelho. Louvado seja o Uno que brilhou sobre esta Santíssima Realidade, entre todos os seres santificada!
-~-Pergunta – Qual a diferença entre a mente, o espírito e a alma?
Resposta – Em outra ocasião explicamos que o espírito se divide universalmente em cinco categorias: o vegetal, o animal, o humano, o da fé e o Espírito Santo.
O espírito vegetal é o poder do crescimento que se atua na semente pela influência de outras existências.
O espírito animal é o poder de todos os sentidos; depende da composição e associação dos elementos, perecendo quando estes se desintegram. Assemelha-se a esta lâmpada: ao se combinarem o querosene, o pavio e o fogo, resulta luz, mas uma vez dissolvida essa combinação, separando-se as partes associadas, a luz se extingue.
O espírito humano, que distingue o homem do animal, é a alma racional. Estes dois termos, espírito humano e alma racional, designam a mesma coisa. Tal espírito, ou, segundo a terminologia dos filósofos, essa alma racional, abrange tudo e – dentro dos limites da capacidade humana – descobre a realidade das coisas, tornando-se conhecedor de suas peculiaridades e de seus efeitos, e das qualidades e propriedades dos seres. Os segredos divinos, porém, as realidades celestiais, escapam ao espírito humano, a menos que este seja reforçado pelo espírito da fé. É semelhante a um espelho, que, embora claro, polido e brilhante, ainda precisa de luz. Enquanto não receber um raio do sol, não descobrirá os segredos celestiais.
A mente é o poder do espírito humano. O espírito é o foco; a mente é a luz que dele irradia. O espírito humano é a árvore e a mente o fruto. A mente é a perfeição do espírito, é sua qualidade essencial, assim como os raios solares são uma necessidade essencial do sol.
Demos esta explicação em forma resumida, porém completa; refleti, pois, sobre isso, para que, através da graça Divina, possais compreendê-la mais a fundo.
-~-Existem no homem cinco poderes exteriores, sendo estes os agentes da percepção, o meio pelo qual ele percebe os seres materiais. São: a vista, que observa as formas visíveis; o ouvido, sensível aos sons audíveis; o olfato, que distingue os odores; o gosto, que conhece os alimentos; e o tato, encontrado em todas as partes do corpo e percebedor das coisas tangíveis. Esses cinco poderes percebem as existências exteriores.
O homem possui também poderes espirituais: a imaginação que concebe as coisas; o pensamento, que reflete sobre sua realidade; a compreensão, que as entende; e a memória, cuja função é a de reter o que o homem imagina, pensa, e compreende. O intermediário entre as cinco faculdades exteriores e as interiores é o sentido que possuem em comum, isto é, o sentido que age entre elas, transmitindo às faculdades interiores tudo quanto seja discernido pelas exteriores. Denomina-se faculdade comum, por ser o meio de comunicação entre as faculdades exteriores e as interiores, sendo-lhes assim comum.
A visão, por exemplo, é uma das faculdades exteriores; percebe esta flor e conduz esta percepção à faculdade comum, a qual a leva ao poder da imaginação. Este, por sua vez, concebe a forma a imagem, transmitindo-a, então, à faculdade do pensamento, a qual medita e, uma vez abarcada sua realidade, leva-a ao poder da compreensão. Depois de ser compreendida, a imagem do objeto percebido é entregue à memória, e esta, afinal, guarda-a em seu repositório.
Os poderes exteriores são cinco: a vista, o ouvido, o gosto, o olfato e o tato.
Os poderes interiores também são cinco: a faculdade comum, e os poderes da imaginação, do pensamento, da compreensão e da memória.
-~-57. As Causas Das Diferenças Nos Caráteres Dos Homens
Pergunta – Quantas espécies de caráter tem o homem, e qual a causa das diferenças e variações nos homens?
Resposta – O homem possui o caráter inato, o herdado, e o adquirido, este na dependência da educação.
Quanto ao caráter inato, embora seja puramente boa a criação divina, as qualidades naturais do homem variam; todas são excelentes, porém em maior ou menor grau. Todos os seres humanos possuem inteligência e capacidade, mas há entre eles, obviamente, vários graus de inteligência, de capacidade, de mérito.
Por exemplo, se observarmos um grupo de meninos pertences à mesma família, nativos do mesmo lugar, até estudando as mesmas lições, na mesma escola, e sob a orientação do mesmo professor, sujeitos a idênticas condições de clima, vestuário e alimentação, verificaremos que, ainda assim, alguns deles se distinguirão nas ciências, enquanto outros mostrarão uma habilidade apenas média, ou até muito inferior. Disso deduzimos que existe na natureza original uma diferença de grau, bem como uma variação na capacidade e no mérito dos homens. Tal diferença não implica no bem ou no mal; é simplesmente uma diferença de grau. Um está no grau mais elevado, outro num grau médio, e outro ainda inferior. O homem existe, como também existem todos os outros seres – animal, planta e mineral, mas os graus dessas quatro existências variam. Que diferença entre a existência do homem e a do animal! Ambos, no entanto, existem. A variedade de graus na existência é, pois, óbvia.
As qualidades herdadas variam, como se sabe, segundo a força ou fraqueza de constituição: de pais fortes nascem filhos robustos, e de pais fracos, filhos fracos. Sangue puro exerce um grande efeito, pois o germe puro é como a estirpe superior no caso das plantas ou dos animais. É natural crianças de pais débeis terem uma constituição débil e nervos fracos, estarem sujeitas à doença, faltando-lhes resistência, resolução, perseverança e paciência, desde que herdaram a fraqueza dos pais.
Além disso, uma benção especial é concedida a certas famílias e gerações, como, por exemplo, no caso de Abraão, pois todos os Profetas dos filhos de Israel são de Sua descendência. É uma benção conferida por Deus a esta família, e que se estende a Moisés por parte do pai, bem como da mãe, a Cristo, pela linhagem materna, e também a Maomé, ao Báb e a todos os Profetas e Santos Manifestantes de Israel. Evidentemente, pois, há um caráter herdado. Tanto assim que, se o caráter de alguém que pertença fisicamente a certa linhagem não se mostrar digno desta linhagem, não será ele considerado, espiritualmente falando, membro da família. Assim aconteceu no caso de Canaã (1) que não é incluído entre os descendentes de Noé.
A variação nas qualidades de acordo com a cultura ou a educação é, entretanto, muito grande; é, de fato, imensa sua influência. É por seu intermédio que o ignorante adquire conhecimentos, e o covarde, valor; assim como o ramo torto se endireita mediante cultivo, a fruta azeda, amarga, das montanhas e selvas, torna-se doce, deliciosa, e a flor de cinco pétalas vem a ter centenas. Graças à educação, os povos selvagens tornam-se civilizados, e até os animais se domesticam. De suma importância é, pois, a educação. Como no plano físico as moléstias são extremamente contagiosas, também o são as qualidades de coração e espírito. A educação tem influência universal; as diferenças por ela causadas são muito grandes.
Se alguém afirmar que a variação em capacidade existente entre os homens explica a diferença de caráter (1), refutaremos tal asserção, pois não há somente a capacidade natural, mas também a adquirida. A primeira, criação de Deus, é puramente boa, porque o mal não existe na criação divina. É da capacidade adquirida que surge o mal. Por exemplo, Deus criou o homem de tal modo, dotando-o de tal constituição, de tais capacidades, que ele colhe benefício do açúcar ou do mel, mas é prejudicado, e até destruído pelo veneno. Essa natureza, essa constituição, é inata, concedida por Deus a toda a humanidade. Um homem, no entanto, vem a habituar-se, pouco a pouco, a um certo veneno; toma cada dia uma pequena quantidade, aumentando-a gradativamente ao ponto de não poder passar, digamos, sem uma grama de ópio por dia. Assim, as capacidades naturais pervertem-se completamente. Observemos quanto a constituição e a capacidade natural mudam, ao ponto de se perverterem absolutamente, em conseqüência de certos hábitos. Não censuramos o homem viciado por causa da natureza e capacidades inatas, mas por causa das adquiridas.
Na criação não existe o mal; tudo é bom. Certas qualidades inatas em algumas pessoas, embora pareçam ser censuráveis, não o são na realidade. Por exemplo, notamos numa criança desde o começo de sua vida, enquanto ainda amamentada, certos sinais de desejo, ira e impaciência, e disso talvez queiramos inferir que o bem e o mal sejam inatos no homem. Tal inferência, entretanto, seria contrária ao conceito da pura bondade da natureza, e de toda a criação. A explicação é a seguinte: o desejo – a vontade de possuir algo – é uma qualidade louvável, contanto que seja usado de modo conveniente. Assim, um homem pode desejar adquirir ciência ou outros conhecimentos, ou talvez queira tornar-se compassivo, generoso e justo. Tudo isso é muito louvável. Se exercer sua indignação e ira contra os tiranos sanguinários, que são como animais ferozes, isso ainda será muito meritório. Se, porém, essas qualidades não forem usadas de maneira apropriada, serão também censuráveis.
Realmente, pois, mal algum existe na natureza, na criação. Só quando o homem usa suas qualidades naturais de um modo ilegítimo é que estas se tornam censuráveis. Se um rico der generosamente a um pobre, mas se este, em vez de empregar a quantia recebida para suas necessidades, preferir gastá-la com coisas condenáveis, isso será repreensível. Igual caso se dá com todas as qualidades naturais do homem, que constituem o capital da vida: se forem usadas ou exteriorizadas de um modo condenável, tornar-se-ão censuráveis. É claro, pois, ser a criação puramente boa. Vejamos a pior das qualidades, o mais odioso dos atributos, a base de todo o mal, a mentira. Não se pode imaginar uma qualidade mais repreensível, pois destrói todas as perfeições humanas, e dá origem a inúmeros vícios. Não há característica pior; é a base de todos os defeitos. Não obstante tudo isso, se um médico com intuito de consolar um doente, disser: “Graças a Deus, está melhor; há esperança de seu restabelecimento”, isso não será censurável, ainda que tal afirmação seja contrária à verdade, pois pode animar o doente e até deter a marcha da doença.
O assunto está agora claramente elucidado...58. O Grau De Conhecimento Possuido Pelo Homem E Pelos Manifestantes Divinos
Pergunta – Qual o grau da inteligência humana, e quais são suas limitações?
Resposta – Sabemos que a inteligência varia, sendo em grau ínfimo a do animal, isto é, a percepção natural que depende dos sentidos e que se chama sensação. Este grau é comum ao animal e ao homem, e até há alguns animais superiores ao homem no que diz respeito aos sentidos. Entre os seres humanos a inteligência varia segundo suas condições.
A primeira condição da inteligência no mundo da natureza é a da alma racional. Todos os homens são dotados desta inteligência, sejam crentes ou descrentes, vigilantes ou descuidados. Essa alma racional humana é criação divina; encerra e ultrapassa as outras criaturas; é a mais elevada, sobressai mais, e abarca todas as coisas. O poder da alma racional descobre a realidade das coisas, compreende as peculiaridades dos seres, penetra os mistérios da existência. Todos os conhecimentos – as artes e ciências – todas as maravilhas, instituições, descobertas e empresas são devidos ao exercício da inteligência da alma racional. Houve um tempo em que tudo isso era desconhecido, misterioso, secreto, mas a alma racional conseguiu pouco a pouco desvendar esse mistério e transportá-lo do plano do invisível, do oculto, para o domínio do visível. É o grau máximo de inteligência existente no mundo da natureza. Em seu mais alto vôo, compreende a realidade dos seres contingentes, discerne suas propriedades e seus efeitos.
A mente divina universal, entretanto, que transcende a natureza, é uma graça do Poder Preexistente. Por ser divina, ela abarca a realidade de tudo o que existe, e recebe a luz dos mistérios de Deus. É poder consciente, e não depende de investigação ou pesquisas. O poder intelectual do mundo da natureza só por meio de investigações e pesquisas descobre a realidade dos seres existentes e suas propriedades, mas o poder intelectual divino, que transcende a natureza, abrange tudo, compreende, conhece, entende tudo, é cônscio dos mistérios, do sentido das realidades divinas, e atinge as mais recônditas verdades do Reino espiritual. Este poder intelectual divino é atributo próprio dos Santos Manifestantes e Profetas; um raio desta luz cai sobre o espelho do coração dos retos – uma parte deste poder é-lhes concedida por intermédio dos Santos Manifestantes.
Os Santos Manifestantes possuem três condições: a física, a da alma racional, e a da manifestação do esplendor e das perfeições celestiais. O corpo abrange as coisas na medida de sua capacidade no mundo físico, e portanto, em certos casos, demonstra fraqueza física. Vejamos, por exemplo, as palavras: “Eu estava adormecido, inconsciente; atingiu-me o sopro de Deus, despertando-me e ordenando que eu proclamasse o Verbo”; ou então quando, Cristo, aos trinta anos, foi batizado, e o Espírito Santo desceu e pousou sobre Ele, pois antes disso não se havia manifestado Nele. Tudo isso se refere à condição corporal dos Manifestantes, mas Sua condição celestial abrange todas as coisas, conhece todos os mistérios, descobre todos os sinais, rege tudo – não só antes, como depois de Sua missão. Por isso Cristo disse: “Sou Alfa e Omega, o primeiro e o último”; isto é, nunca houve nem haverá em mim mudança ou alteração alguma.
-~-Pergunta – Até que ponto é a mente humana capaz de compreender Deus?
Resposta – É um assunto que exige muito tempo; não é fácil explicá-lo assim, à mesa, mas tratá-lo-emos de forma resumida.
Notemos que há duas espécies de conhecimento: o da essência de uma coisa, e o de suas qualidades. É apenas pelas qualidades que se conhece a essência de uma coisa; de outro modo estaria oculta, completamente desconhecida. Já que nosso conhecimento das coisas – até das coisas criadas, que têm limites – é restrito ao conhecimento de suas qualidades, não nos sendo possível penetrar sua essência, como, pois, haveremos de compreender, em Sua Essência, a Realidade Divina, a qual é ilimitada? Não compreendemos a substância da essência de coisa alguma, mas apenas suas qualidades. Por exemplo, a substância do sol é desconhecida: apenas suas qualidades, calor e luz, são perceptíveis. Tampouco se conhece a substância, a essência do homem, nem se pode percebê-la; só pelas qualidades que a caracterizam pode a essência ser conhecida. De tudo, pois, conhecemos simplesmente as qualidades, e não a essência. Embora a mente alcance todas as coisas, compreenda todos os seres exteriores, é incapaz, no entanto, de penetrar sua essência; apenas conhece suas qualidades.
Como será possível, então, conhecermos em Sua Essência o Senhor Eterno, imperecível, aquele Ser santificado além de nossa compreensão e de todo e qualquer conceito? Isto é, se as coisas só podem ser conhecidas pelas qualidades, e nunca pela essência, não resta dúvida de que a Realidade Divina é desconhecida no tocante à Sua essência, nada se podendo conhecer além de Seus atributos. Reflitamos: seria possível a realidade transitória compreender a Realidade Preexistente? Pois compreensão é resultado da delimitação – deve-se delimitar, a fim de se poder compreender. Ora, a Essência da Unidade circunscreve tudo, e não é circunscrita por coisa nenhuma.
As diferenças de condição verificadas entre os seres tendem a obstruir o entendimento. Por exemplo, este mineral pertence ao reino mineral e, por mais que evolua, nunca há de compreender o poder de crescimento. As plantas, as árvores, não importa quanto se desenvolvam, jamais conceberão o poder de ver ou as outras faculdades. Tampouco poderá o animal imaginar a condição do homem, isto é, seus poderes espirituais. Diferença de condição é, pois, um obstáculo ao conhecimento; o grau inferior é incapaz de compreender o superior. Como pode o que é fenomenológico, então, compreender a Realidade Preexistente? O nosso conhecimento de Deus limita-se a Seus atributos; não atinge Sua Realidade. Nem tampouco é absoluto esse conhecimento dos atributos, pois depende da capacidade humana. A filosofia trata de compreender a realidade das coisas existentes, de acordo com a capacidade e os poderes do homem. Só até os limites de sua capacidade poderá a realidade fenomênica compreender os atributos do Preexistente. O mistério da Divindade é santificado, indo além dos poderes do entendimento humano, pois qualquer concepção do homem depende daquilo que ele compreende, e seus poderes de compreensão não alcançam a Realidade da Essência Divina. Tudo o que o homem é capaz de compreender, pois, são os atributos da Divindade, cujo esplendor se irradia visivelmente nos mundos e nas almas.
Ao contemplarmos os mundos e as almas, vemos indícios claros, maravilhosos, das perfeições divinas, porque a realidade das coisas é prova da Realidade Universal. A Realidade Divina assemelha-se ao sol, o qual, das alturas de sua magnificência, brilha sobre todos os horizontes, dispensando a cada horizonte, a cada alma, uma fração de seu esplendor. Se não houvesse essa luz, esses raios, não existiriam os seres; todos os seres exprimem algo disso, participam de algum raio, de alguma fração dessa luz. Os esplendores dos atributos, das graças e perfeições de Deus irradiam-se em toda a sua plenitude da realidade do Homem Perfeito, isto é, do Incomparável, do Manifestante Divino Universal. Os outros seres recebem apenas um raio, mas o Manifestante Universal é o espelho em que esse Sol se reflete em toda a sua perfeição, revelando todos os seus atributos, sinais e maravilhas.
Conhecer a Divina Realidade é-nos vedado, porém conhecer o Manifestante de Deus equivale a conhecer Deus, visto serem revelados Nele os atributos, graças e esplendores divinos. Se, pois, o homem atingir o conhecimento do Manifestante, terá conhecido o próprio Deus; e também, se desprezar a graça de conhecer o Santo Manifestante, será privado da graça de conhecer a Deus. Está claro então, serem os Santos Manifestantes os centros dos sinais, graças e perfeições de Deus. Bem-aventurados os que recebem, dessas Alvoradas Luminosas, a luz da graça divina.
Oxalá os amigos de Deus, com uma força irresistível, atraiam essas graças da própria fonte, e se ergam tão intensamente iluminados que dêem testemunho irrefutável da existência do Sol da Realidade!
-~-Já que demonstramos a existência do espírito humano (1) devemos agora provar sua imortalidade.
Os Livros Sagrados falam da imortalidade do espírito: é a base fundamental das religiões divinas. Dizem haver duas espécies de recompensas e punições, as desta vida, e as do outro mundo. Em todos os mundos de Deus, seja neste, ou nos mundos celestiais, espirituais, há paraíso e há inferno. Ganhar as recompensas é ganhar a vida eterna. Por isso Cristo disse que se deveria pelos atos merecer atingir a vida eterna, e, nascendo da água e do espírito, entrar no Reino do Céu.
As recompensas desta vida são as virtudes e perfeições que adornam o homem. Por exemplo, ele está submerso em trevas e torna-se luminoso; tem pouco conhecimento, e adquire sabedoria; é descuidado, e torna-se vigilante; adormecido, e desperta; morto, e ressuscita; é cego, e adquire a visão; surdo, e ganha o poder de ouvir; de homem terreno, transforma-se em homem celestial; de materialista, em homem de espiritualidade. Em virtude de tais recompensas, alcança o nascimento espiritual; faz-se nova criatura. É-lhe aplicável, pois, o versículo do Evangelho que diz, com referência aos discípulos: “Não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do varão, mas de Deus”(2). Equivale a dizer: libertaram-se das qualidades animais que caracterizam a natureza humana, e adquiriram as divinas, as graças de Deus. É isso que significa o segundo nascimento. Para essas almas, não há maior tortura que a de serem excluídas de Deus, nem existe punição mais severa do que a de serem dominadas pelos vícios sensuais e desejos da carne, e estigmatizadas por baixezas e indignidades. Quando, graças à luz da fé, elas se libertam da escuridão de tais vícios, sendo iluminadas pelo esplendor do Sol da Realidade e enobrecidas por todas as virtudes, nisso vêem sua maior recompensa – nisso reconhecem o verdadeiro paraíso. Da mesma maneira, elas consideram a punição espiritual, isto é, a tortura ou o castigo da existência, como equivalente a estar sujeito ao mundo da natureza, a ser privado de Deus, a ser brutal e ignorante, dominado pela luxúria, absorvido pela fraqueza animal, caracterizado por más tendências, tais como a tirania, a crueldade, a mentira, o apego às coisas deste mundo e a sujeição a idéias satânicas. Para essas almas, tudo isso constitui a maior tortura, a mais severa punição.
De modo semelhante, as recompensas do outro mundo são a vida eterna mencionada claramente em todos os Livros Sagrados, as perfeições e as graças divinas, e a eterna felicidade; são as perfeições e a paz alcançadas no domínio espiritual, após se haver deixado este mundo, assim como as recompensas desta vida são as verdadeiras perfeições luminosas obtidas neste mundo e causadoras da vida eterna, pois nelas consiste o próprio progresso da existência. Tal como sucede quando o homem passa do estado embrionário para o da maturidade e assim se torna a manifestação destas palavras: “Abençoado seja Deus, o melhor dos criadores”. As recompensas do outro mundo são, pois, a paz, as graças espirituais, as várias dádivas espirituais no Reino de Deus, a realização dos desejos da alma e do coração, e o encontro com Deus no mundo da eternidade; justamente como, por outro lado, as punições ou torturas do outro mundo consistem em achar-se destituído das especiais bênçãos divinas e graças absolutas, e em degradar-se aos graus inferiores da existência. Quem se priva destes favores divinos, embora continue a existir após sua partida deste mundo, é, no entanto, considerado pelo povo da verdade como sendo um morto.
Uma prova lógica da imortalidade do espírito é esta: uma coisa inexistente não pode dar sinal de existência; é impossível que sinais apareçam da inexistência absoluta, porque sinais são um resultado, o que depende de uma causa. De um sol inexistente não se irradiará luz alguma, bem como, de um mar inexistente, nenhuma onda surgirá; jamais cairão chuvas de uma nuvem que não existe, nem aparecerão frutos numa árvore inexistente; tampouco poderá um homem inexistente manifestar ou produzir coisa alguma. Enquanto, pois, aparecerem sinais de existência, estes serão prova de uma existência.
Consideremos: o Reino de Cristo ainda hoje existe; de um rei inexistente, seria possível manifestar-se um reino tão grandioso? Seria possível terem ondas tão altas surgido de um mar que existia, ou tão deleitável fragrância ter emanado de um jardim inexistente? Reflitamos: não resta efeito, vestígio ou influência alguma de qualquer outro ser após a dispersão das partes que o compunham, uma vez desintegrados seus elementos – sejam estes de mineral, vegetal ou animal. Somente o homem, o espírito humano, persiste, continua a agir e exercer poder ainda depois da desintegração do corpo e da dispersão das partículas que o compunham.
Este é um ponto extremamente sutil: considerai-o com atenção. Apresentamos uma prova racional, para que os sensatos possam pesar na balança da razão e da justiça. Se, porém, o espírito humano enlevar-se, se for atraído ao Reino de Deus, se adquirir a visão interior e fortalecer o ouvido espiritual, a tal ponto que os sentimentos espirituais predominem, então verá a imortalidade do espírito tão claramente como vê o sol, e perceberá a boa nova e os sinais de Deus por todos os lados.
Amanhã daremos outras provas.Observamos que tanto o poder de entendimento como a capacidade de ação do espírito humano, são de duas categorias; isto é, o espírito percebe e age de duas maneiras diferentes: uma, por meio de instrumentos ou órgãos, como, por exemplo, vê com os olhos, ouve com os ouvidos, fala com a língua. Tal é a percepção do homem – do espírito humano, e tal é seu modo de agir, por meio de órgãos. É o espírito quem vê, sendo os olhos o instrumento; o espírito quem ouve, por meio dos ouvidos; o espírito quem fala, por intermédio da língua.
A outra maneira pela qual o espírito manifesta seus poderes de perceber e agir não depende dos órgãos. Por exemplo, durante o sono, vê sem precisar de olhos, ouve sem usar os ouvidos, fala sem língua, e move-se sem pés. Estas ações não dependem de instrumentos e órgãos. Quantas vezes acontece, durante o sono, o espírito perceber um sonho, cujo significado se torna claro uns dois anos depois, ao sucederem os fatos correspondentes. Assim também, quantas vezes acontece que um problema insolúvel no estado de vigília é resolvido no mundo dos sonhos. Acordado, o homem enxerga com os olhos apenas uma pequena distância, ao passo que, em sonho, pode do oriente ver o ocidente. Acordado, vê o presente, enquanto dormindo, vê o futuro. Acordado, o homem viaja, por meios rápidos, apenas vinte farsakhs (1) por hora; em sono, num abrir e fechar de olhos, atravessa o mundo, de leste a oeste. O espírito, pois, viaja de dois modos: sem meios, sendo esta uma viagem espiritual, e com meios, no caso de uma viagem material, assim como um pássaro pode voar ou ser transportado.
Enquanto adormecido, o corpo parece morto: não vê, nem ouve; não sente, não tem consciência ou percepção; seus poderes estão inativos. O espírito, entretanto, vive, subsiste; ainda mais, sua penetração é aumentada, seu vôo é de maior alcance, sua inteligência é superior. Imaginar que o espírito pereça ao morrer o corpo, é como imaginar que o pássaro morra ao quebrar-se-lhe a gaiola. Nada tem o pássaro que recear, porém, com a destruição da gaiola. Nosso corpo é apenas a gaiola, enquanto o espírito é o pássaro. Vemos que esse pássaro voa no domínio do sono, sem a gaiola; portanto, se esta for quebrada, ele continuará a existir, e seus sentimentos serão até mais poderosos, suas percepções mais agudas, e sua felicidade maior. Na verdade, deixará um inferno para entrar num paraíso de delícias, pois para os pássaros gratos, não há paraíso maior que se libertar da gaiola. É por isso que os mártires se precipitam na arena do sacrifício com perfeito contentamento e alegria.
Quando o espírito humano age por intermédio do corpo, seu poder é limitado pela capacidade corporal. Assim, com os olhos físicos, o homem vê até uma certa distância, equivalente a uma hora(2), mas com a vista interior, com os olhos mentais, vê a América, percebe o que está ali, examina e pode decidir determinados assuntos. Fosse o espírito idêntico ao corpo, o poder da vista interior estaria na mesma proporção. Torna-se claro, pois, que o espírito é diferente do corpo – que o pássaro é diferente da gaiola – e que seu poder aumenta, e sua penetração é mais aguda, quando age independentemente do corpo. Ao abandonar um instrumento, o possuidor continua a agir. Um escritor pode quebrar a pena e permanecer vivo e presente. Uma cada pode ser destruída, sem que o dono deixe de viver. Aqui temos uma das evidências lógicas da imortalidade da alma.
Há outra: o corpo pode aumentar ou diminuir de peso, adoecer ou recuperar a saúde, fatigar-se ou descansar, perder às vezes uma mão ou uma perna, ou sofrer uma mutilação, ficar cego, ou surdo, ou mudo, ou paralítico – numa palavra, está sujeito a todas as imperfeições. O espírito, entretanto, conserva seu estado original, sua própria percepção; é eterno, não pode ser mutilado, nem se tornar defeituoso. Quando o corpo, porém, é completamente dominado por alguma doença ou outra aflição, pode ficar privado das graças do espírito, tal como o espelho, quando se quebra ou se cobre de poeira, e assim não reflete os raios do sol, nem revela suas graças.
Já explicamos que o espírito do homem não existe no corpo, por ser santificado e não sujeito a entradas nem saídas – coisas que são puras condições físicas. A relação entre espírito e corpo é semelhante à do sol com o espelho. O espírito mantém-se numa só condição, não sendo afetado pelas moléstias do corpo, nem pela sua saúde; não adoece, nem enfraquece; não diminui em peso ou em tamanho; não se torna pobre, nem infeliz. As enfermidades do corpo não o atingem; ainda que o corpo se torne débil, perca mãos, pés e língua, ou seja privado dos sentidos, audição ou vista, nada disso terá efeito algum sobre o espírito. É claro, pois, é indiscutível, que o espírito difere do corpo, e sua duração é independente da duração deste. Na verdade, o espírito exerce supremo domínio sobre o corpo; sua força e sua influência tornam-se visíveis nele, semelhantes às graças do sol refletidas no espelho. O espelho, porém, ao cobrir-se de pó, ou quebrar-se, deixa de refletir os raios do sol.
-~-Observemos que as condições da existência se restringem às de servidão, estado profético, e Divindade. As perfeições divinas e as contingentes, ambas, são ilimitadas. Ao refletirmos, descobrimos serem ilimitadas até as perfeições exteriores da existência, porque não encontramos ser algum tão perfeito que não lhe possamos imaginar um superior. Por exemplo, não se vê no reino mineral um rubi, ou no reino vegetal uma rosa, ou no reino animal um rouxinol, de tal perfeição que se não possa imaginar espécimes mais perfeitos. Como são infinitas as graças divinas, também o são as perfeições humanas. Se nos fosse possível atingir o limite da perfeição, teríamos então alcançado a condição de seres independentes de Deus – o contingente teria atingido a condição do absoluto. Mas há para cada um dos seres um ponto que ele não pode ultrapassar. Por exemplo, quem está no grau de servo, por mais que progrida nos sentido de adquirir perfeições, nunca alcançará a condição de Divindade. O mesmo sucede com os outros seres: o mineral, não importa quanto progrida em seu próprio reino, jamais adquirirá o poder vegetal, como tampouco aparecerá na flor, por mais que ela progrida em seu reino, qualquer poder sensorial. Assim, esta prata não há de adquirir o poder de ouvir ou ver, podendo, quando muito, melhorar dentro de sua própria condição, aperfeiçoar-se como mineral; jamais terá o poder do crescimento nem o da sensação – não adquirirá vida. Ela só poderá progredir dentro dos limites de sua própria condição.
Por exemplo, Pedro não se pode tornar Cristo. Tudo o que pode fazer é atingir infinitas perfeições em seu estado de servo, pois cada ser existente está apto a fazer progresso. Desde que o espírito humano, após haver abandonado esta forma material, tem uma vida eterna, e já que todo ser vivo pode, certamente, progredir, é-nos permitido orar para que um homem progrida após a morte, receba perdão, misericórdia, graça e várias bênçãos, pois tudo que existe é capaz de progresso. É por isso que as orações de Bahá´u´lláh pedem clemência e remissão dos pecados para os mortos. Além disso, assim como neste mundo precisamos de Deus, também no outro precisaremos Dele. As criaturas estão sempre necessitadas, seja neste mundo, ou no outro, enquanto Deus é a absoluta independência.
A riqueza do outro mundo consiste na proximidade de Deus. Por conseguinte, é permitido aos que estão próximos da Corte Divina interceder pelos outros, sendo tal intercessão aprovada por Deus. Mas a intercessão no outro mundo não é como neste: é outra coisa, outra realidade, impossível de expressar em palavras.
Se na hora da morte um rico legar aos pobres e infelizes uma parte de sua riqueza para ser gasta em benefício deles, tal ato pode ser causa de seu perdão e de seu progresso no Reino Divino.
Acontece muitas vezes passarem pai e mãe pelas maiores provações e durezas por causa dos filhos, e apenas estes chegam à idade adulta, os pais têm de partir para o outro mundo. Raramente vêem neste mundo a recompensa dos cuidados que dedicaram aos filhos. Estes, pois, reconhecendo tais cuidados e sacrifícios, devem mostrar caridade e misericórdia e implorar perdão para os pais. Assim, o amor e a bondade que vos foram dispensadas pelo vosso pai, deveis retribuir, dando aos pobres em seu nome, rogando perdão e remissão de seus pecados com a maior humildade, implorando para ele a suprema misericórdia.
É até possível modificar o estado dos que morreram em pecado, descrentes; isto é, o perdão ser-lhes-á concedido, graças à bondade de Deus, e não de acordo com Sua justiça, pois dar quando não há merecimento constitui pura bondade, enquanto a justiça exige que se dê o que é merecido. Assim como temos neste mundo o poder de orar por essas pessoas, tê-lo-emos no outro mundo, também, no Reino de Deus. Não continuarão todos a ser naquele mundo, criaturas de Deus? Portanto, ali poderão também progredir. Como aqui recebem luz por meio da prece, igualmente poderão ali pedir perdão e receber luz mediante preces e súplicas. As almas neste mundo progridem graças às súplicas e preces de pessoas santas, e após a morte o mesmo ocorrerá. Progridem também pelas próprias orações e súplicas, e mais especialmente quando por eles intercedem os Santos Manifestantes.
-~-Observemos: nenhuma coisa existente permanece inerte; tudo está em movimento. Todas as coisas crescem ou declinam, vêm da inexistência para a existência, ou saem desta para aquela. Assim, esta flor, este jacinto, durante certo período de tempo esteve passando do mundo da inexistência para o da existência, e agora vai passando deste para aquele. Tal estado de movimento consideramos essencial, ou natural, pois não pode ser isolado dos seres, já que é um requisito essencial deles, assim como queimar é requisito inerente ao fogo.
Torna-se claro, então, ser o movimento indispensável à existência, a qual é obrigada ou a progredir ou a retroceder. Como o espírito continua a existir após a morte, tem necessariamente de progredir ou de retroceder – não progredir é, no outro mundo, a mesma coisa que retroceder – mas nunca sairá de sua própria condição; nela há de se desenvolver sempre. Por exemplo, a realidade do espírito de Pedro, não importa quanto progrida, jamais atingirá a condição da Realidade de Cristo; apenas progredirá dentro de seu próprio estado.
Vejamos este mineral: por mais que evolua, apenas evoluirá em sua própria condição; é impossível elevar o cristal a ponto de adquirir o sentido da vista. Assim a lua que está nos céus, não importa quanto evolua, jamais se tornará um sol luminoso, embora tenha, em sua própria condição, apogeu e decadência. Por mais que progredissem, os discípulos nunca se tornariam Cristo. É verdade que o carvão se transforma em diamante, mas é por estarem ambos na condição mineral e terem os mesmos elementos componentes.
-~-64. O Estado Do Homem E Seu Progresso Após A Morte
Ao contemplarmos os seres, notamos estarem divididos, de um modo geral, em três grupos: mineral, vegetal e animal, contendo cada um suas várias espécies. A espécie mais elevada é a humana, por possuir as perfeições de todos os grupos. O homem tem um corpo que cresce e que sente, e não só tem as perfeições do mineral, do vegetal e do animal, mas também possui especiais atributos dos quais carecem os outros seres: os atributos intelectuais. Por conseguinte, o homem é o mais elevado dos seres.
O homem alcançou o grau máximo da materialidade, e o começo da espiritualidade, ou seja, o fim da imperfeição e o princípio da perfeição. Está no último grau da escuridão e no começo da luz. Foi dito, por isso, que no estado humano são assinalados o fim da noite e o princípio do dia; isto é, o homem é a soma de todos os graus da imperfeição e possui também os da perfeição. Tem o lado animal, bem como o angélico; fazer este lado predominar sobre aquele é o que visa o educador em seu esforço de orientar a alma humana. Se, pois, o poder divino no homem, ou seja sua perfeição essencial, predominar sobre o poder satânico, o qual é absoluta imperfeição, ele tornar-se-á, efetivamente, a mais elevada das criaturas; se, por outro lado, o poder satânico vencer o divino, ele será o mais decaído de todos. Por isso dizemos ser o homem o fim da imperfeição e ao mesmo tempo o começo da perfeição. Em espécie alguma do mundo existente encontramos essa diferença, esse contraste, essa contradição, ou oposição, que vemos na espécie humana. Assim, o reflexo da Luz Divina percebemos num Cristo e notamos quanto amor e reverência Lhe são dedicados! Por outro lado, vemos um homem adorar uma pedra, um monte de terra, ou uma árvore. Quão vil se mostra em adorar a mais baixa forma da existência – uma pedra, ou barro, que não tem espírito, um monte, uma floresta, ou uma árvore! Será concebível maior vergonha para o homem do que isto – adorar as formas inferiores da criação? O conhecimento é uma qualidade do homem, como também o é a ignorância; a sinceridade é um de seus atributos, e também o é a falsidade; a honradez e a perfídia, a justiça e a injustiça, são atributos humanos, e assim por diante. Numa palavra, todas as perfeições e virtudes, bem como todos os vícios, são propriedades do homem. Semelhantemente, consideremos as diferenças que existem entre vários indivíduos. Cristo apresentou-se em forma de homem, e Caifás também. Moisés e Faraó, Abel e Caim, Bahá´u´lláh e Yahya(1), eram homens.
Diz-se que o homem é quem melhor representa Deus, sendo o Livro da Criação, porque encerra todos os mistérios da existência. Se o homem se abrigar à sombra do Verdadeiro Educador e receber a devida orientação, tornar-se-á a essência das essências, a luz das luzes, o espírito dos espíritos; será o centro dos sinais divinos e a fonte das virtudes espirituais, a alvorada das luzes celestes e o receptáculo das inspirações divinas. Se, porém, for privado dessa educação, manifestará qualidades satânicas, tornando-se sede dos vícios animais e fonte de todas as torpezas.
É a missão do Profeta educar o homem, a fim de que esse pedaço de carvão se transforme em diamante, essa árvore infrutífera seja enxertada de modo a produzir frutos mais doces e deleitáveis. Após haver atingido o mais elevado grau possível no mundo humano, o homem poderá ainda progredir nos graus da perfeição, embora não em estado, pois os estados são limitados, enquanto as divinas perfeições são infinitas.
Não só antes de abandonar esta forma material, mas também depois de o fazer, há progresso, aperfeiçoamento, embora não seja em estado. No homem perfeito os seres encontram sua consumação. Não existe criatura superior ao homem perfeito. Quando atinge esse estado, o homem pode ainda progredir no sentido de se aperfeiçoar, embora não em estado, pois não há estágio superior ao do homem perfeito para o qual possa ser transferido. Ele progride somente dentro do estado humano, sendo infinitas as perfeições humanas. Assim por mais sábio que seja um homem, ainda é possível imaginarmos um outro mais sábio.
Logo, em virtude de serem infinitas as perfeições da humanidade, o homem pode continuar a afeiçoar-se após sua partida deste mundo.
-~-Pergunta – No Kitáb-i-Aqdas está escrito: “Ele pertence ao povo do erro, ainda que manifeste todas as boas ações”. Que significa este versículo?
Resposta – Este abençoado versículo significa que a base da plenitude e da salvação é o conhecimento de Deus, e que as boas ações, os frutos da fé, resultam desse conhecimento.
O homem que não o possui, afasta-se de Deus; e quando há tal afastamento, as boas ações não alcançam efeito completo. Esse versículo não quer dizer que as almas afastadas de Deus sejam iguais, independentemente de suas ações boas ou más, e sim apenas que é fundamental o conhecimento de Deus, sendo as boas ações resultantes disso. Entre as almas privadas de Deus, há sem dúvida uma diferença, conforme sejam boas, pecadoras ou perversas. O homem de bons princípios, de bom caráter, ainda que conheça Deus, merece Seu perdão, enquanto o homem de más qualidades, de caráter perverso, um pecador, priva-se das graças e bênçãos divinas. Aí está a diferença.
Esse bendito versículo, significa, pois, que a salvação eterna, a prosperidade e o bem-estar imperecíveis – a entrada no Reino de Deus, não depende somente das boas ações mas também do conhecimento de Deus.
-~-66. A Existência Da Alma Racional Após A Morte Do Corpo
Pergunta – Quando o corpo for abandonado, e o espírito estiver livre, de que modo existirá a alma racional? Suponhamos que as almas amparadas pelas graças do Espírito Santo atinjam a verdadeira existência e a vida eterna, mas que será das almas racionais(1), ou espírito velados?
Resposta – Há quem pense ser corpo a substância, existindo por si, e o espírito o acidente, dependendo da substância corpórea; mas, pelo contrário, a alma racional é a substância, da qual o corpo depende. Se o acidente – corpo – for destruído, a substância – espírito – permanecerá.
Em segundo lugar, a alma racional, ou seja o espírito humano, não desce para o corpo, nem entra nele, pois descida e entrada são características dos corpos, e a alma racional está isenta disso. Visto que o espírito jamais entrou neste corpo, não carecerá de morada, ao abandoná-lo. A relação entre o espírito e o corpo é semelhante à relação desta luz com este espelho. Quando o espelho está limpo, perfeito, a luz da lâmpada torna-se visível nele, mas quando se encobre de poeira, ou se quebra, a luz desaparece.
Já que a alma racional, ou seja o espírito humano, não entrou neste corpo, nem existiu por seu intermédio, por que imaginarmos que precisará de qualquer substância para continuar a existir após a decomposição do corpo? Ao contrário, a alma racional é a substância, e graças a ela o corpo existe. A personalidade da alma racional existe desde seu começo, não sendo devida à mediação do corpo. O estado e a personalidade da alma racional, entretanto, podem fortalecer-se neste mundo. A alma poderá progredir, atingindo vários graus de perfeição, como também poderá estacionar no mais fundo abismo da ignorância, privada dos sinais de Deus.
Pergunta – De que dependerá o progresso do espírito humano, ou da alma racional, após sua partida deste mundo mortal?
Resposta – O progresso do espírito do homem no mundo divino, após perder o contacto com o corpo, que é pó, será somente através das graças do Senhor; seja pela intercessão e preces sinceras de outros seres humanos, ou pelas caridades ou boas obras importantes realizadas em seu nome.
A IMORTALIDADE DAS CRIANÇASPergunta – Qual a condição das crianças mortas antes de alcançarem a idade do discernimento, ou antes de nascerem?
Resposta – Essas criancinhas ficam à sombra do favor de Deus. Desde que não cometeram pecado algum, nem se macularam com as impurezas do mundo da natureza, são focos de manifestação da bondade, e o Olhar Misericordioso pousará nelas.
-~-Perguntastes sobre a vida eterna e a entrada no Reino. A expressão usada para indicar o Reino é céu, mas isso é apenas uma figura, ou modo de dizer, e não uma realidade ou fato. O Reino aqui não é um lugar material, pois transcende o tempo e o espaço. É um mundo espiritual, divino, o centro da soberania de Deus; é independente do corpo e daquilo que é corpóreo, e sua pureza e santidade pairam acima de toda a imaginação humana. Ser limitado pelo espaço é próprio dos corpos e não dos espíritos. Espaço e tempo envolvem o corpo, mas não a mente ou o espírito. Vemos o corpo do homem confinar-se a um pequeno espaço, ocupar uns dois palmos de terra, ao passo que seu espírito e sua mente viajam a todos os países e regiões, até mesmo através do ilimitado espaço dos céus, abrangendo tudo o que existe, fazendo descobertas nas mais elevadas esferas e mais infinitas distâncias. Isso é porque para o espírito não existe espaço, e circunscrevê-lo é impossível. O espírito vê terra e céus como uma só coisa, fazendo em ambos as suas descobertas. O corpo, por outro lado, está restrito a um espaço, e nada sabe daquilo que estiver além desse espaço.
Há duas espécies de vida: a do corpo e a do espírito. A primeira é material, mas a segunda expressa a existência do Reino, depende do Espírito Divino e do sopro de vida que emana do Espírito Santo. A vida material, se bem que tenha existência, é para os santos, pura inexistência; é morte absoluta. Assim, o homem existe, e esta pedra também existe, mas quão diferentes a existência do homem e a da pedra! A pedra existe, mas em relação ao homem, é inexistente.
A vida eterna é uma graça concedida pelo Espírito Santo, assim como o ar e as brisas primaveris são as graças da estação recebidas pela flor. Consideremos: esta flor tinha, a princípio, uma vida comparável à do mineral; ao chegar a primavera, com as graças de suas nuvens e o calor do sol ardente, atingiu outra vida, adquiriu fragrância, delicadeza e frescura. A primeira vida da flor, em comparação com a segunda, é apenas morte.
Queremos dizer com isso que a vida do Reino é a do espírito, a vida eterna, pura e independente de lugar, assim como o espírito humano, que é inespacial. Se examinardes o corpo humano, não encontrareis nenhum ponto ou local destinado ao espírito, porque, sendo imaterial, nunca se localizou. Associa-se ao corpo do mesmo modo que o sol, a este espelho. O sol não está dentro do espelho, mas tem com ele alguma relação.
Assim também, o mundo do Reino é santificado acima de tudo o que é perceptível pela vista ou pelos outros sentidos – audição, olfato, gosto ou tato. A mente do homem, cuja existência é reconhecida – em que parte do corpo está? Se com os olhos, ouvidos, ou outros sentidos examinardes o corpo, não a encontrareis; entretanto, a mente existe. É, pois, inespacial, mas se associa ao cérebro. O Reino Divino também é assim. O amor não tem sede, mas está ligado ao coração. Semelhantemente, o Reino não se limita a um certo lugar, mas tem uma relação com o homem.
A entrada no Reino é através do amor a Deus e do desprendimento; depende de se ser santo e casto, sincero e puro; é pela constância, pela fidelidade, e pelo sacrifício da vida.
Estas explicações mostram que o homem é imortal, que vive eternamente. Para os que acreditam em Deus, que Lhe têm amor e fé, a vida é excelente, é eterna, mas para aquelas almas privadas de Deus, embora tenham vida, sua vida é obscura – comparada com a vida dos que acreditam em Deus, é inexistência.
Por exemplo, os olhos e as unhas têm vida, mas a das unhas em comparação com a dos olhos equivale à inexistência. Esta pedra e este homem ambos existem, mas a existência da pedra em comparação com a do homem é inexistência, pois quando o homem morre, seu corpo, decompondo-se, torna-se igual à pedra ou à terra. É claro, pois, que o mineral, embora exista, é, em relação ao homem, inexistente.
De modo semelhante, as almas privadas de Deus, se bem que existam neste mundo e no vindouro, em comparação com a santa existência dos filhos do Reino Divino, são inexistentes e afastados de Deus.
-~-Pergunta – A predestinação mencionada nos Livros Sagrados é uma coisa decretada? Se o é, não se torna inútil o esforço de evitá-la?
Resposta – Há duas espécies de destino: uma é pretraçada, enquanto a outra é condicionada a eventualidades. O destino pretraçado não pode ser mudado ou alterado, e o destino condicional pode ou não ocorrer. Assim, para esta lâmpada o destino decretado é que o óleo queime e se consuma. Sua extinção final é, portanto, um decreto impossível de ser mudado ou alterado, porque é uma fatalidade. Também no corpo humano foi criado um poder vital, e quando este for destruído, esgotado, o corpo decompor-se-á, do mesmo modo que a lâmpada se apaga, forçosamente, ao esgotar-se o óleo.
O destino condicionado a eventualidades é comparável ao seguinte caso: há óleo ainda na lâmpada, mas vem um vento muito forte e a apaga. Tal é o destino condicional. É prudente evitá-lo, proteger-se contra ele, ser cauteloso e moderado.
O destino pretraçado, porém, semelhante ao esgotamento do óleo na lâmpada, não pode ser alterado – é imutável e impreterível. Tem de acontecer. Certamente a lâmpada haverá de se apagar.
-~-Pergunta – As estrelas dos céus exercem ou não alguma influência sobre a alma humana?
Resposta – Algumas das estrelas celestes têm um efeito material, claramente visível sobre o globo terrestre e seus seres, o qual não necessita de explicação. Por exemplo, o sol, graças ao amparo e providência de Deus, dá vida à terra e a todos os seres que a habitam. Sem sua luz e seu calor, todas as criaturas terrestres, fatalmente, deixariam de existir.
Se refletirdes profundamente sobre a influência espiritual das estrelas, embora tal influência no mundo humano possa parecer coisa estranha, não vos admirareis tanto. Não quero dizer, porém, que tudo quanto os astrólogos dos tempos antigos inferiam dos movimentos das estrelas tivesse correspondido aos fatos. Seus decretos foram apenas frutos da imaginação, criados pelos sacerdotes egípcios, assírios e caldeus, ou então pelas fantasias dos hindus, dos mitos gregos, romanos e de outros adoradores das estrelas. Quero dizer, sim, que este infinito universo assemelha-se ao corpo humano, no qual todas as partes revelam uma vigorosa interdependência. Vemos como estão inter-relacionados seus órgãos, membros e partes, para mútuo benefício e cooperação, e quanto influi um sobre o outro! Semelhantemente estão inter-relacionadas as partes deste infinito universo, exercendo seus membros e elementos uma influência recíproca, tanto espiritual como material.
Os olhos vêem, por exemplo, e isso afeta todo o corpo; o ouvido ouve, e isso pode ter um efeito sobre todos os membros. Não há dúvida a esse respeito, e o universo é semelhante a uma pessoa. A relação que existe entre os seres deve sobretudo e necessariamente ter uma influência, tanto material como espiritual.
Para aqueles que negam a possibilidade de uma influência espiritual sobre coisas materiais, citamos este exemplo simples: os maravilhosos sons e tons, as melodias e vozes encantadoras, são apenas acidentes que afetam o ar – pois som significa vibrações do ar – e essas vibrações afetam por sua vez os nervos do tímpano, provocando a audição. Ora, reflitamos: a vibração do ar – acidente sem importância – atrai ou perturba o espírito do homem, exerce grande efeito sobre ele, fazendo-o chorar ou rir, ou talvez afetando-o a tal ponto que o leve a expor-se a perigos. Vejamos, pois, qual a relação existente entre o espírito humano e a vibração atmosférica, para que possa o movimento do ar transportá-lo de um a outro estado, dominá-lo completamente, e roubar-lhe a paciência e a tranqüilidade. É bem estranho: o cantor nada emite que penetre em seu ouvinte; no entanto, um grande efeito espiritual é produzido. Sem dúvida, pois, essa estreita relação entre os seres deve exercer influência espiritual.
Dissemos que as várias partes do organismo humano se afetam reciprocamente. Os olhos vêem, e isso afeta o coração; o ouvido ouve, e isso exerce uma influência sobre o espírito; o coração entra em repouso, os pensamentos tornam-se serenos, e todo o corpo humano atinge um estado deleitável. Que grande essa relação, e que harmonia! Já que existe tal relação, tal influência ou efeito espiritual, entre as partes do corpo desse homem, que é apenas um dos muitos seres finitos, deve haver indubitavelmente, entre os seres universais, infinitos, uma relação tanto espiritual como material. Embora não conseguíssemos ainda descobrir essas relações por meio da ciência atual ou qualquer regra conhecida, sua existência entre todos os seres é, não obstante, certa e absoluta.
Em conclusão: os seres, sejam grandes ou pequenos, estão ligados uns aos outros, em acordo com a perfeita sabedoria divina, e exercem uma influência recíproca. Se assim não fosse, haveria desordem e imperfeição no sistema do universo, no plano geral da existência. Como existe entre os seres, porém, uma relação muito estreita, eles acham-se em ordem nos seus lugares, e são perfeitos.
Este assunto merece ser examinado.Pergunta – É o homem agente livre em todas as suas ações, ou é ele compelido e forçado?
Resposta – Essa questão é um dos mais importantes e mais abstrusos dos problemas divinos. Se Deus quiser, qualquer outro dia, ao começo do jantar daremos uma explicação minuciosa desse assunto; agora explicá-lo-emos ligeiramente, em poucas palavras, da seguinte maneira.
Algumas coisas estão sujeitas ao livre arbítrio do homem, tais como a justiça e a equidade, ou a injustiça e a tirania, bem como todas as ações boas e más. É claro que estas ações, em sua maioria, são deixadas à vontade do homem. Há certas coisas, por outro lado, às quais o homem é forçado a submeter-se: tais como o sono, a doença, o declínio do poder, os danos e infortúnios e a morte. Tudo isso é independente da vontade humana, e portanto, o homem não é responsável, sendo realmente forçado a suportar tais coisas. Mas na escolha de ações boas ou más, ele é agente livre; comete-as de acordo com sua própria vontade.
O homem pode, por exemplo, se ele quiser, passar seu tempo louvando a Deus, ou pode ocupar-se com outros pensamentos. É-lhe possível ou ser uma luz acesa pelo fogo do amor divino, um filantropo, ou absorver-se com as coisas materiais, e ser um misantropo. Ele pode ser justo, como também pode ser cruel. Tudo isso está sob o controle da vontade do próprio homem, sendo ele, por conseguinte, responsável por tais atos.
Surge agora outro aspecto: o homem é uma criatura fraca e dependente, pois força e poder são próprios de Deus. Tanto seu enaltecimento como sua humilhação dependem do prazer e da vontade do Altíssimo.
Está escrito no Evangelho: Deus é como um oleiro que faz “um vaso para a honra e outro para a desonra.” O vaso desonrado não tem direito de censurar o oleiro e perguntar: “Por que não fizeste de mim uma taça preciosa, para ser passada de mão em mão?” Este versículo dá a entender que as condições dos seres são diferentes. Quem está no grau interior da existência, no plano mineral, não tem o direito de queixar-se, dizendo: “Ó Deus, por que não me deste as perfeições do vegetal?” Igualmente, não compete à planta queixar-se por não lhe terem sido concedidas as perfeições do reino animal. Tampouco tem o animal o direito de se queixar porque lhe foram negadas as perfeições humanas. Não, para cada um desses seres há perfeições próprias de seu grau, e todos eles devem esforçar-se por alcançá-las. Os seres inferiores, como já dissemos, não têm direito às perfeições próprias dos graus superiores, nem tampouco à incapacidade de adquiri-las. Seu progresso forçosamente limita-se ao seu próprio grau.
A atividade do homem, ou sua inação, depende das graças divinas, pois, sem estas, não pode ele fazer ações boas, nem más. Quando a graça da existência lhe é concedida pelo Senhor Generoso, o homem pode fazer o bem ou o mal, mas ao ser privado desta graça, ele é absolutamente tolhido de agir. Eis porque os Livros Sagrados falam das graças e amparo divinos. O homem assemelha-se a um navio impelido pela força do vento ou do vapor, sem a qual não pode, em absoluto, se mover. O leme do navio, entretanto, dirige-o para um lado ou para outro, enquanto a força motriz oriunda do vento ou do vapor o impele na direção desejada. Se for dirigido para leste, irá para leste; ou se for dirigido para oeste, para ali irá. Esse movimento não provém do navio, mas do vento ou do vapor. De modo semelhante, em toda a ação ou inação do homem, seu poder deriva do amparo de Deus, mas a ele próprio cabe a escolha do bem ou do mal.
Se um rei nomeasse alguém para governar uma cidade, concedendo-lhe a força da autoridade e indicando-lhe os caminhos da justiça e da injustiça, segundo as leis, e se então tal governador cometesse injustiça, embora amparado pela autoridade e poder do rei, o rei não teria culpa disso. Se, por outro lado, o governador agisse com justiça, estaria assim fazendo pela autoridade do rei, e ao agrado deste.
Numa palavra, embora a escolha do bem e do mal seja de sua competência, o homem, no entanto, sob todas as circunstâncias, depende do amparo indispensável à vida, que provém do Onipotente. O Reino de Deus é muito grande, e todos são cativos nas mãos de Seu Poder. O servo nada pode fazer por sua própria vontade somente. Deus é poderoso, é Onipotente, é Quem ampara todos os seres.
O assunto está agora esclarecido...Pergunta – Algumas pessoas acreditam na descoberta de certos meios de comunicação espiritual; isto é, na possibilidade de falar com os espíritos. Que espécie de comunicação é essa?
Resposta – Há duas espécies de revelação espiritual: uma é fruto da imaginação, simples afirmativa gratuita de algumas pessoas, enquanto a outra é semelhante à inspiração, e é autêntica. A esta última espécie pertencem as revelações de Isaías, de Jeremias e de São João, as quais são verdadeiras.
Não olvidemos que a força do pensamento humano pode seguir dois caminhos. Um, real, conduz-nos até uma verdade já provada, e onde vamos encontrar a realização de opiniões acuradas, teorias corretas, descobertas científicas e invenções. O outro só nos leva a pensamentos vãos e idéias inúteis, que nenhum fruto ou resultado produzem, carecendo de realidade, surgindo apenas como ondas do mar da imaginação e esvaindo-se como sonhos ociosos.
Temos, assim também, duas classes de revelações espirituais. Na primeira, figuram as dos Profetas e as visões espirituais dos eleitos. As visões dos Profetas não são sonhos, mas sim, verdadeiras revelações espirituais. Se eles dizem, por exemplo: “Vi uma pessoa de certa forma, a quem eu disse tal coisa, dando-me ela tal resposta”, esta visão pertence ao mundo da vigília e não ao do sono. É uma revelação espiritual expressa em forma de uma visão.
A outra classe de revelações espirituais não passa de pura imaginação, embora se apresente às vezes sob aparências tão convincentes, que muitas pessoas ingênuas acreditam em sua realidade. Mas a prova clara de que não passam de simples narrativas e histórias é a ausência absoluta de qualquer fruto, ou resultado, desse controle de espíritos.
A realidade do homem, de fato, abrange a realidade das coisas, penetra-lhes as propriedades e os segredos. Tanto assim que os conhecimentos – artes, ciências, e todas as maravilhas – foram descobertos pela realidade humana. Houve um tempo em que esses conhecimentos – essas artes e ciências e todas essas maravilhas – eram mistérios ocultos. O homem pouco a pouco as descobriu, trazendo-as do reino invisível para o visível. O espírito do homem, portanto, tem força capaz de abranger a realidade das coisas. Ele está na Europa, e descobre a América; está na terra e explora os céus. Traz à luz o segredo das coisas, penetra a realidade do que existe. Essas descobertas, com bases reais, são semelhantes à revelação, que é entendimento espiritual, inspiração divina, associação entre os espíritos humanos. Quando o Profeta diz, por exemplo: “Vi, disse, ouvi tal coisa”, torna-se claro possuir o espírito uma percepção que ultrapassa qualquer dos cinco sentidos, como sejam vista, audição, etc. Entre os que cultivam a vida espiritual há um entendimento espiritual, revelações, uma comunhão que nada tem de ver com a imaginação e a fantasia, uma associação que escapa à ação do tempo e do espaço. Diz o Evangelho que no Monte Tabor Moisés e Elias vieram ter com Cristo: evidentemente, não se trata aqui de um encontro material, mas sim de um acontecimento espiritual, apenas referido em termos físicos.
A outra espécie de aparecimento e comunicação apresentada como sendo atos de espíritos, não passa de pura fantasia, simulando realidade.
A mente humana às vezes descobre verdades, das quais decorrem evidentes resultados; são pensamentos com base. Mas há outros, sem base nenhuma, que são como ondas de um mar imaginário, sem resultado ou fruto de espécie alguma. Assim, o homem poderá ter durante o sono uma visão que tenha mais tarde a realizar-se exatamente, ao passo que, em outra ocasião, sonhará coisas absolutamente desprovidas de quaisquer conseqüências.
Assim, o que chamamos aqui conversa ou comunicação de espíritos é passível de divisão em duas espécies: uma simplesmente imaginária, outra semelhante às visões mencionadas no Livro Sagrado, tais como as revelações de São João e Isaías, e o encontro de Cristo com Moisés e Elias. Estas são reais, e operam maravilhas nos pensamentos, na mente dos homens, atraindo-lhes os corações.
-~-Pergunta – Algumas pessoas curam os doentes por meios espirituais, isto é, sem a medicina. Como se explica isto?
Resposta – Saibam que há quatro espécies de cura sem a medicina. Duas derivam de causas materiais, e duas de espirituais.
Das duas espécies de cura material, uma é devida ao fato de que no homem a saúde e a doença, ambas, são contagiosas. O contágio da doença é violento e rápido, enquanto o da saúde é extremamente fraco e lento. Quando dois corpos estão em contato, partículas microbiais passam inevitavelmente de um ao outro. Assim como a moléstia é transmitida de um corpo a outro com rápido e forte contágio, é possível que a saúde vigorosa de uma pessoa robusta alivie um ligeiro mal numa doente. Isto é, enquanto o contágio da moléstia é violento e de efeito rápido, o da saúde é muito lento e exerce uma influência pequena, sendo apenas em enfermidades ligeiras que têm este pouco efeito. Assim, pois, o grande vigor de um corpo saudável pode superar a ligeira fraqueza de um doente, daí resultando saúde. É esta uma espécie de cura.
A outra espécie de cura independente da medicina é através da força magnética transmitida por um corpo a outro, que efetua uma cura. Também esta força é só de pequeno efeito. Às vezes se pode aliviar uma pessoa doente pondo-lhe a mão na cabeça ou sobre o coração. Por quê? Por causa do efeito do magnetismo e da impressão mental feita no doente que faz desvanecer-se a moléstia. Este efeito, porém, é muito leve e fraco.
Das outras duas espécies de cura que são espirituais, sendo o meio de cura um poder espiritual, uma é realizada quando a mente de uma pessoa forte se concentra inteiramente numa pessoa enferma, e esta espera, com toda sua fé concentrada, que se efetuará uma cura através do poder espiritual da pessoa forte, ao ponto de se estabelecer entre as duas pessoas uma relação cordial. O maior esforço possível é feito para que a cura seja realizada, e o paciente deve ter certeza de ser curado. Essas impressões mentais produzem um excitamento dos nervos, e isto pode causar o restabelecimento do enfermo. Assim quando uma pessoa enferma tem um desejo ardente e uma fervorosa esperança de alguma coisa, e ouve subitamente a notícia de sua realização, pode resultar um excitamento nervoso que faça a doença desaparecer por completo. De modo igual, se houver de súbito um motivo de terror, talvez seja produzido um excitamento nos nervos de uma pessoa forte que cause logo uma doença. A causa não será de natureza material, pois a pessoa pode não ter comido nem tocado coisa alguma que lhe fosse nociva – a única causa da doença é, pois, o excitamento dos nervos. Também a súbita realização de um grande desejo motivará tanta alegria que os nervos serão estimulados, e disso pode resultar saúde.
Enfim, havendo uma relação completa, perfeita, entre o médico espiritual e o doente – isto é, de tal modo que o médico espiritual se concentre inteiramente, e toda a atenção da pessoa enferma seja prestada ao médico espiritual, de quem ela espera obter saúde – isso pode causar um excitamento de nervos do qual resulte a cura. Tudo isso, porém, é eficaz só até certo ponto, e nem sempre. Quando alguém é atingido por uma moléstia violenta, ou é ferido, tais meios não poderão remover a moléstia nem fechar a ferida. Isto é, são improfícuos no caso de uma enfermidade severa, a não ser que a constituição ajude, pois esta, quando é forte, vence muitas vezes a doença. Assim é a terceira espécie de cura.
A quarta espécie de cura resulta do poder do Espírito Santo. Não depende de contato, vista ou presença, nem de qualquer outra condição. Seja branda ou severa a enfermidade, haja ou não contato de corpo, e ainda que se não estabeleça entre o doente e o curador uma relação pessoal, a cura realiza-se através do poder do Espírito Santo.
-~-Ontem à mesa falamos de cura espiritual, do tratamento de doenças através dos poderes espirituais. Vamos falar agora de cura material.
A ciência médica está ainda na fase da infância; não atingiu a maturidade, mas quando a tiver alcançado, curas serão realizadas por meio de coisas que não sejam repugnantes ao olfato e ao gosto do homem, ou seja por alimentos – frutas e vegetais agradáveis ao paladar e ao cheiro.
O que provoca a doença – o que a faz entrar no corpo humano – ou é coisa física ou é o efeito do excitamento dos nervos. As causas principais da moléstia, porém, são físicas. O corpo humano é composto por numerosos elementos, mas em tal proporção que haja um equilíbrio especial. Enquanto for mantido este equilíbrio, o homem será preservado da doença. Perturbando-se, porém, este equilíbrio, que é o pivô da constituição, a ordem desta será alterada, vindo assim a atingi-la a moléstia.
Há, por exemplo, um decréscimo num dos ingredientes constituintes do corpo humano, ao passo que em outro há um aumento, sendo assim perturbada a proporção de que depende o equilíbrio, e, sucede, pois, a doença. Digamos ser necessário que haja de um ingrediente mil gramas, e de um outro cinco, a fim de manter o equilíbrio, e que então o peso do primeiro diminua até setecentas gramas, e o do segundo aumente até que seja alterada a medida do equilíbrio, do que resulta doença. Quando por meio de remédios e tratamentos o equilíbrio for restabelecido, a doença desvanecer-se-á. Se, por exemplo, o constituinte sacarino aumenta, a saúde é prejudicada, e quando o médico proíbe, pois, alimentos doces e amidoados, assim diminuindo a sacarina, restabelece-se o equilíbrio e a doença se afasta.
Ora, o reajuste destes constituintes do corpo humano é obtido de duas maneiras: ou por remédios, ou por alimentos, sendo que qualquer destes dois meios pode banir a moléstia pelo restabelecimento do equilíbrio da constituição. Todos os elementos combinados no homem existem também nos vegetais, e se, portanto, no caso da diminuição de um de seus constituintes, ele tomar alimentos contendo grande quantidade desse constituinte decrescido, restaurará o equilíbrio, conseguindo assim curar-se. Visto ser o objetivo reajustar os constituintes do organismo, isso pode ser efetuado tanto pela alimentação como pela medicina.
A maioria das moléstias que atacam o homem atacam também o animal; mas este não se cura por meio de drogas. Nas montanhas e selvas o animal tem como seu médico sua própria faculdade de cheirar e o sentido do gosto. O animal doente cheira as plantas que crescem no mato e come daquelas que parecem doces a seu paladar e fragrantes a seu faro, curando-se deste modo. E a causa de sua cura é esta: quando o ingrediente sacarino, por exemplo, decresce em sua constituição, ele começa a desejar alimentos doces, e assim come uma erva que seja doce a seu paladar, sendo guiado pela natureza a fazer isso; porque o cheiro e o gosto da erva lhe agradam, ele a come. O ingrediente sacarino em seu organismo é deste modo acrescido, e ele recupera a saúde.
Evidentemente, pois, é possível efetuar curas por meio de alimentação – frutas e vegetais, mas como a ciência da medicina hoje está imperfeita, este fato não foi ainda plenamente compreendido. Quando a ciência médica tiver alcançado a perfeição, tratamento será por meio de alimentos – frutas fragrantes e vegetais, e por várias águas, quentes e frias de temperatura.
Este discurso é breve, mas em outra ocasião conveniente, se Deus quiser, o assunto será tratado de uma forma mais completa.
-~-A verdadeira explicação deste assunto é assaz difícil. Sabemos que os seres se dividem em duas categorias: materiais e espirituais, ou sejam, os perceptíveis aos sentidos, e os puramente intelectuais.
As coisas sensíveis são aquelas percebidas pelos cincos sentidos exteriores, como, por exemplo, as realidades externas vistas pelos olhos, enquanto as intelectuais são aquelas que não têm existência externa, sendo apenas conceitos mentais. A mente em si, por exemplo, é uma coisa intelectual; não tem existência externa. Todas as características e qualidades do homem formam uma existência puramente intelectual, não sendo elas coisas sensíveis.
Numa palavra, as realidades intelectuais, tais como as admiráveis qualidades e perfeições do homem, são puramente boas e existem. O mal é simplesmente sua inexistência. Assim, ignorância é apenas falta de conhecimento, bem como erro significa a falta de orientação. Quando nos falha a memória, chamamos isso de esquecimento, e quando o bom senso se ausenta, alegamos a presença de estupidez. Nenhum destes males, no entanto, realmente existe.
De modo idêntico, as realidades sensíveis são absolutamente boas; é de sua ausência que o mal provém. Assim a cegueira é a falta da visão, bem como a surdez significa a falta da audição. A pobreza implica na carência da riqueza, a doença na da saúde, a fraqueza na da força, e a própria morte nada mais é que a falta de vida.
Mas surge uma dúvida. Escorpiões e serpentes são venenosos, e no entanto existem. São bons ou maus? Sim, o escorpião é mau em relação ao homem, como também o é a serpente, porém, em relação a eles próprios não o são, pois seu veneno é sua arma; com seu aguilhão é que se defendem. Por estarem os elementos de seu veneno em desarmonia com os nossos elementos, no entanto, eles são maus, isto é, em vista do antagonismo entre os vários elementos, mas é justamente neste antagonismo que o mal está: eles em si são realmente bons.
Numa palavra, é possível que uma coisa seja má em relação a outra, e ao mesmo tempo, dentro dos limites de seu próprio ser, não o seja. Está claro, pois, que não existe o mal, que tudo o que Deus criou foi bom. O mal é o simples nada. A morte é apenas a ausência da vida; só quando o homem perde a vida, é que ele morre. A escuridão nada mais é que a falta de luz; só onde não há luz, reina a escuridão. A luz é coisa que existe, mas a escuridão não é. A riqueza é coisa existente, porém a pobreza é inexistente.
Obviamente, todos os males reduzem-se à inexistência. O bem existe; o mal é inexistente.
-~-Há duas espécies de tormento: sutil e grosseiro. Por exemplo, a própria ignorância é um tormento, porém do tipo sutil. A indiferença para com Deus é em si um tormento, como também o são a mentira, a crueldade e a perfídia. Todas estas imperfeições constituem tormentos, mas são tormentos sutis. Sem dúvida, para um homem inteligente, a morte é melhor que o pecado, e uma língua cortada é preferível à mentira ou à calúnia.
A outra espécie de tormento é a grosseira. Destas categorias são as penas, como encarceramento, açoite, expulsão e desterro.
Mas para o povo de Deus, o maior de todos os tormentos consiste em afastar-se Dele.
-~-Saibamos que a justiça consiste em dar a cada um segundo seu merecimento. Quando um homem trabalha desde a manhã até à noite, é justo que receba seu salário; em caso contrário, quando nenhum esforço faz, porém algo lhe é dado, isto é pura bondade. Quando damos esmolas ou presentes a um pobre, sem que ele nos tenha prestado qualquer serviço ou feito coisa alguma para merecê-los, isto demonstra bondade. Assim Cristo pediu perdão para Seus algozes – a isto denominamos bondade.
A questão de decidir se qualquer coisa é boa ou má depende da razão ou da lei. Uns acreditam que o seja por lei, como os judeus, por exemplo, os quais aceitam todos os mandamentos do Pentateuco como absolutamente obrigatórios, achando, pois, ser questão de lei, e não de razão. Um mandamento do Pentateuco proíbe que manteiga seja tomada com carne, denominando isso taref (termo hebraico que significa impuro, o contrário de kosher, ou puro), o que, dizem eles, é apenas uma questão de lei, e não de razão.
Os teólogos, por outro lado, acham que o bem e o mal das coisas dependem de ambas: razão e lei. A proibição do roubo baseia-se primeiramente na razão, como sucede também no caso da perfídia, ou da falsidade, da hipocrisia ou da crueldade. Todo homem inteligente compreende serem o assassinato, o roubo, a perfídia, a falsidade, a hipocrisia e a crueldade, coisas más, repreensíveis. Se um homem se queixa só por ser ferido por um espinho, e até grita, e geme, ele deve facilmente compreender que o assassinato, segundo a razão, é um ato mau e repreensível. Se cometer tal ato, pois, será responsável, ainda que o conhecimento do Profeta não o tenha alcançado, já que a razão formula o caráter repreensível do ato. Quem o cometer, seguramente será tido como responsável.
Onde não se conhecem os mandamentos do Profeta, porém – onde o povo não age de acordo com as instruções divinas, como, por exemplo, o mandamento de Cristo de retribuir o mal com o bem, onde, ao contrário, se guia pelos desejos naturais, atormentando a quem lhe atormenta – tal povo não é culpado, sob o ponto de vista da religião, por nunca lhe haver sido transmitido o mandamento divino. Embora não mereça misericórdia e benevolência, Deus não lhe nega Sua misericórdia e perdão. Realmente, a vingança é condenável também segundo a razão, pois não traz proveito algum ao vingador. Se um homem assaltar a outro, e este se vingar, retribuindo o golpe, qual será sua vantagem? Servirá isso de bálsamo para sua ferida, ou de remédio para sua dor? Não, Deus nos defenda! Em verdade, os dois atos são iguais; ambos são injúrias. A única diferença está em ter sido um cometido em primeiro lugar. Se, ao contrário, o assaltado perdoar, e retribuir o mal com o bem, isto será louvável. A lei da comunidade punirá o agressor, mas não se vingará. A punição tem o fim de advertir, proteger e combater a crueldade e a transgressão, e evitar a tirania alheia.
Quando o agredido perdoa, está agindo com grande misericórdia, e isto é digno de louvor.
-~-Pergunta – Deve o criminoso ser punido ou deixado impune?
Resposta – Há dois tipos de punição: vingança e correção. O homem não tem o direito de se vingar, mas a comunidade tem o direito de castigar o criminoso, a fim de advertir e prevenir, de modo que outra pessoa não ouse cometer crime semelhante. Este tipo de castigo visa proteger os direitos humanos; não é uma vingança. A vingança aplaca a ira do coração, opondo um mal a outro, mas isso é proibido, pois o homem não tem direito de vingar-se. Se, porém, os criminosos fossem plenamente perdoados, a ordem do mundo se perturbaria. Assim, a punição é uma das necessidades essenciais para a segurança das comunidades, mas o ofendido não tem direito de vingar-se, devendo, ao contrário, perdoar, por ser isso digno do reino humano.
As comunidades devem punir o agressor, o assassino, o malfeitor, a fim de advertir e impedir outros de cometerem crimes semelhantes. O mais importante, porém, é que o povo seja educado de modo a não cometer crime algum, pois é possível educar suficientemente as massas, a ponto de evitarem os delitos, de fugirem deles, de considerarem o próprio crime como o maior castigo, a mais severa condenação, o tormento máximo. Assim nenhum crime será cometido, tornando-se desnecessária qualquer punição.
Devemos tratar de coisas cuja realização seja possível neste mundo. Há muitas teorias e elevadas idéias acerca deste assunto, mas são impraticáveis. Devemos falar de coisas passíveis de execução.
Se, por exemplo, alguém oprimir, injuriar ou maltratar a outro, e este revidar, isto será uma vingança e, portanto, censurável. Se o filho de Amru matar o filho de Zaid, este não terá o direito de matar o filho de Amru, pois se assim fizesse, isto seria uma vingança. Se Amru desonrar a Zaid, este não terá o direito de desonrar a Amru; se assim proceder, estará se vingando, o que é muito condenável. Em lugar de assim fazer, deve pagar o mal com o bem, e não só perdoar mas também, se lhe for possível, prestar algum serviço ao opressor. Esta é a conduta digna do homem. Que lucraria ele com a vingança? As duas ações são equivalentes: se uma é repreensível, a outra também o é. A única diferença está em ter sido, uma, cometida antes, e a outra, depois.
Mas a comunidade tem o direito de defesa e proteção própria. Além disso, a comunidade não alimenta ódio, nem animosidade, contra o assassino; ela o prende ou pune simplesmente para proteger e garantir os outros. Não deseja se vingar do assassino, mas sim, infligir um castigo como medida de segurança para a comunidade. Se a comunidade e a família do assassinado perdoassem e retribuíssem o mal com o bem, o criminoso continuaria a maltratar os outros, cometendo novos assassinatos. Os perversos, como lobos, haveriam de destruir as ovelhas de Deus. A comunidade não nutre rancor nem malevolência ao infligir um castigo; não deseja aplacar a ira do coração. Sua punição visa apenas à proteção dos outros, para que atrocidades não sejam perpetradas.
Assim, pois, quando Cristo disse: “Se alguém te bater na face direita, oferece-lhe também a esquerda”, foi com o propósito de ensinar aos homens a não tomar vingança pessoal. Ele não pretendeu dizer que, quando um lobo quisesse destruir um rebanho, nós devêssemos animá-lo a assim o fazer. Não, se Cristo tivesse sabido que um lobo entrara no aprisco e estava prestes a destruir o rebanho, certamente teria tentado impedi-lo.
Assim como a clemência é um dos atributos do Senhor Misericordioso, a justiça também o é. A tenda da existência é sustentada pelo pilar da justiça, e não da clemência. Não é desta que depende a continuação da humanidade, mas sim da justiça. Se presentemente a lei da clemência fosse praticada em todos os países, o mundo, dentro em breve, cairia em desordem, e as bases da vida humana desmoronariam. Não houvessem os governos da Europa, por exemplo, resistido ao famigerado Átila, ele não teria deixado vivo nem um só homem.
Há pessoas parecidas com lobos sanguinários: a menos que saibam que a punição os espera, matarão por mero prazer, por divertimento. Um dos tiranos da Pérsia matou seu preceptor com o fim único de se divertir, como se fosse um jogo, um esporte. O famoso Mutawakkil, o Abbasid, após haver reunido em sua presença seus ministros, conselheiros e funcionários, soltou na assembléia uma caixa cheia de escorpiões, e proibiu a todos de se moverem, caindo então em gargalhadas ao ver os escorpiões aguilhoarem os presentes.
Em resumo: a constituição das comunidades depende da justiça e não da clemência. Cristo não pretendeu dar a entender por clemência e perdão, que, ao vos atacarem as nações, queimando-vos os lares e roubando-vos o bem, assaltando as vossas esposas, os vossos filhos e parentes, e atacando-vos a honra, devêsseis permanecer submissos em presença desses inimigos tirânicos, e permitir que cometessem todos os seus atos de crueldade e opressão. Não, as palavras de Cristo referem-se à conduta de um indivíduo para com outro. Se uma pessoa assaltar outra, a injuriada deverá perdoar, mas as comunidades devem proteger os direitos do homem. Se alguém me assaltar, injuriar, oprimir ou ferir, não lhe farei nenhuma resistência; perdoá-lo-ei. Se, porém, uma pessoa quiser assaltar Sayyid Manshadi (1), eu certamente hei de impedi-la. Não interferir seria, evidentemente, mostrar bondade em relação ao malfeitor, mas para Manshadi seria uma injustiça. Se agora mesmo entrasse aqui um árabe selvagem, com espada desembainhada para vos assaltar, ferir ou matar, eu seguramente o impediria. Se eu vos abandonasse ao árabe, isso seria uma injustiça, e não uma justiça. Qualquer ofensa a mim pessoalmente, porém eu a perdoaria.
Uma coisa ainda resta dizer: que as comunidades se ocupam dia e noite em fazer leis penais, em preparar instrumentos e organizar meios de punição. Constroem prisões, fazem cadeias e algemas, arranjam exílios e desterros, e várias espécies de provações e torturas, pensando por tais meios corrigir os criminosos, ao passo que na realidade estão destruindo a moral e pervertendo os caracteres. A comunidade deve, em lugar disso, dedicar todos os seus esforços à educação completa do homem, fazê-lo progredir dia a dia, aumentar seus conhecimentos, torná-lo virtuoso, possuidor de uma sã moral, e combater-lhe os vícios, de modo a se acabarem os crimes. Presentemente, o contrário prevalece: a comunidade preocupa-se sempre com a execução das leis penais, com o preparo de instrumentos de castigo e morte, ou de lugares para encarceramento ou exílio; espera que crimes sejam cometidos. Tudo isso exerce um efeito desmoralizador.
Se, em lugar disso, a comunidade se esforçasse por educar as massas, seriam assim mais difundidas as ciências, com os outros ramos de conhecimento, e haveria mais compreensão, uma sensibilidade mais desenvolvida, costumes bons e uma moralidade normal. Numa palavra, em todos estes terrenos veríamos progresso e, em conseqüência, menor número de crimes.
Já se verificou ser o crime menos freqüente entre os povos civilizados do que entre os incultos, isto é, entre os que adquiriram a verdadeira civilização, a civilização divina, aqueles nos quais se encontram reunidas todas as perfeições espirituais, bem como todas as materiais. O crime, desde que provém da ignorância, deverá diminuir à medida que forem disseminados os conhecimentos. Vemos a freqüência do assassínio entre os bárbaros da África; até matam a fim de comerem a carne e o sangue do semelhante! Por que não se vêem na Suíça tais selvagerias? A razão é evidente: a educação e o elevado grau de moralidade impedem isso.
As comunidades, pois, devem pensar em meios de impedir o crime em vez de se preocuparem com modos rigorosos de punição.
-~-Perguntastes acerca de greves. É um assunto que apresenta atualmente – e por muito tempo ainda há de apresentar – grandes dificuldades. Greves são devidas a duas causas: à excessiva astúcia e rapacidade dos capitalistas e industriais, e, por outro lado, à imoderação, à avidez e à má vontade dos operários e artífices. Faz-se mister, pois, remediar ambas as causas.
As leis da nossa civilização atual são em grande parte responsáveis por esse estado de coisas, pois permitem a um pequeno número de indivíduos acumular fortunas inestimáveis, muito além de suas necessidades, enquanto a maioria permanece desprovida, destituída de tudo, entregue à mais completa miséria. Isto é contrário à justiça, a todo sentimento de equidade ou humanidade; é a culminância da iniqüidade, a verdadeira antítese daquilo que agrada a Deus.
Este contraste é peculiar ao mundo humano. Entre as outras criaturas, isto é, entre quase todos os animais, existe uma espécie de justiça ou igualdade. No caso de um rebanho sob os cuidados de um pastor, ou de um grupo de veados nos campos, ou de pássaros nos prados, planícies, colinas ou pomares, cada um recebe, em geral, sua parte justa, baseada na igualdade. Esta desigualdade nos meios de substância não se encontra entre eles, absolutamente, e, por isso, vivem em paz, e em perfeito contentamento.
Muito diferente é o caso da espécie humana, a qual persiste em grandíssimo erro, em absoluta iniqüidade. Consideremos: um homem acumula tesouros, colonizando uma região em seu próprio interesse; adquire uma fortuna incalculável, usufruindo lucros enormes, rendas que deslizam como um rio, enquanto a cem mil infelizes, fracos e desvalidos, falta até o pão. Não há justiça, nem fraternidade neste estado de coisas. Vemos que assim é impossível existir tranqüilidade ou contentamento entre os homens; vemos quanto isso prejudica o bem-estar geral, e torna infrutífera a vida coletiva. De fato, um grupo muito limitado tem em suas mãos a fortuna, o prestígio, a direção total do comércio e da indústria, ao passo que os demais têm de se submeter a uma grande série de dificuldades, a inúmeros desgostos; não podendo participar de lucros ou de quaisquer vantagens, nem adquirir conforto ou sossego.
Urge, pois, uma legislação limitando as fortunas excessivas de certos indivíduos, e aliviando a miséria de milhões de pobres, e assim certa moderação seria obtida. É impossível, porém, a igualdade absoluta de fortunas e honras, como também a igualdade na direção do comércio, da agricultura e da indústria, pois isto destruiria por completo a ordem da comunidade, condicionada a falta de conforto, o desânimo, uma desorganização nos meios de subsistência – enfim, um desapontamento universal. Há grande sabedoria, pois, em não se fazer uma lei impondo a igualdade; é preferível a moderação operar por si mesma. O essencial é que leis e regulamentos impeçam a acumulação de fortunas excessivas nas mãos de uns poucos, e ao mesmo tempo providenciem as necessidades das massas. Os fabricantes e os chefes industriais amontoam tesouros dia a dia, enquanto os pobres operários nem ganham seu sustento diário. É a culminância da iniqüidade. Um homem justo não pode admitir tal estado de coisas. Devemos estabelecer leis segundo as quais o trabalhador receberá não somente seu salário mas também sua parte nos lucros, digamos um quarto ou um quinto, dependendo das necessidades da fábrica; ou então, por algum outro sistema, devem operários e patrões participar eqüitativamente dos lucros e das várias vantagens. Compete ao dono da fábrica, a direção, a administração, mas ao operário cabe o trabalho, a lida. É justo, pois, que este receba um salário que lhe garante um sustento adequado, sendo-lhe facultado também, ao envelhecer ou tornar-se incapacitado, e ter assim de abandonar o trabalho, receber do dono da fábrica uma pensão suficiente. O salário deve ser sempre adequado, para que o trabalhador esteja satisfeito com a quantia recebida e possa também guardar um pouco para os dias de invalidez e conseqüente necessidade.
Quando assim se fizer, não poderá mais o dono da fábrica acumular, dia após dia, muito além de suas necessidades (sem levar em conta o fato de que um capitalista se sujeita a grandes dificuldades e aborrecimentos, podendo até sucumbir sob a carga tremenda de uma fortuna desproporcionada, pois a administração de uma fortuna excessiva é assaz difícil e esgota as forças naturais do homem). Por outro lado, os trabalhadores não mais se encontrarão em necessidade, em plena miséria, nem sujeitos, no fim da vida, às mais penosas privações.
Evidentemente, pois, a conservação das grandes fortunas nas mãos de um pequeno número de indivíduos, enquanto as massas permanecem na miséria, é uma iniqüidade, uma injustiça, mas também a igualdade absoluta seria um obstáculo na vida do homem, prejudicando-lhe o bem-estar, a ordem e a paz. É preferível um meio termo. Depende de os capitalistas se moderarem na aquisição de lucros, e levar em conta o bem-estar dos pobres e necessitados. Como já dissemos, os operários devem receber não somente um salário fixo, mas também uma parte nos lucros gerais da empresa.
É de suma importância a legislação social que garanta os direitos de ambos, patrões e operários, permitindo que aqueles tenham lucros moderados, e estes os meios necessários de subsistência, bem como segurança para o futuro quando não puderem mais trabalhar, devido à velhice ou fraqueza, ou quando morrerem deixando filhos menores, para que estes não sucumbam à pobreza. Eles têm direito a uma parte da renda da empresa, para lhes proporcionar meios de subsistência.
Por outro lado, os trabalhadores não mais deveriam revoltar-se, nem fazer demandas além de seus direitos, nem fazer greves, ou pedir salário desproporcionados; devem ser obedientes e submissos. Os direitos mútuos de ambas as partes serão estabelecidos segundo os costumes, por leis justas, imparciais. No caso de uma infração de qualquer das partes, as cortes de justiça procederiam ao julgamento ajustando as dificuldades e restabelecendo a ordem, pondo termo a tais infrações por meio de multas eficazes. É legal a interferência das cortes de justiça e do governo em casos de dissídios entre patrões e operários, já que não são como os casos comuns, particulares, que não afetam o público e portanto não devem preocupar o governo. As divergências entre patrões e trabalhadores, embora pareçam simples questões entre indivíduos, causam realmente prejuízos à comunidade, pois o comércio, a indústria, a agricultura e os negócios gerais do país, estão todos intimamente ligados, tanto que, se qualquer deles sofrer uma injustiça, a coletividade também sofrerá. Assim as divergências entre trabalhadores e patrões tornam-se causa de prejuízos gerais.
A corte de justiça, pois, como também o governo, tem o direito de interferir. Quando surge entre dois indivíduos uma questão puramente de direitos particulares, é necessário que um terceiro a ajuste. É o que cabe ao governo. Essa questão de greves, muitas vezes devidas tanto às demandas excessivas dos trabalhadores como à capacidade dos patrões, causando transtornos num país – como pode o governo deixar de levá-la em consideração?
Grande Deus! Será possível um homem viver tranqüilo em sua mansão luxuosa, rodeado de todos os confortos, vendo o semelhante faminto, destituído de tudo? Quem vê o próximo na maior miséria poderá sentir prazer ao contemplar sua própria fortuna? A Religião de Deus prescreve que os ricos contribuam cada ano com uma determinada parte de sua fortuna para a manutenção dos pobres e infelizes. É o mais essencial dos Mandamentos – é a base da Religião Divina.
Se um homem pela bondade natural de seu coração, com a maior espiritualidade, contribuir para os pobres, enquanto o governo ainda não o obrigue a assim fazer, realizará um ato muito louvável, digno de aprovação.
É o que significam as boas obras mencionadas nos Livros Sagrados e nas Epístolas Divinas!
-~-Certos sofistas pensam ser a existência uma ilusão; dizem que cada ser é uma absoluta ilusão, inexistente, ou, em outras palavras, que a existência dos seres é como uma miragem, ou o reflexo de uma imagem na água ou num espelho, sendo apenas uma aparição, que não tem si princípio, fundamento ou realidade.
Tal teoria é errada, pois embora a existência dos seres em relação a existência de Deus seja uma ilusão, há, entretanto, na condição de ser, uma existência real e certa. É fútil negarmos isto. A existência do mineral, por exemplo, em comparação com a do homem é inexistência; pois a aparente aniquilação do homem é quando seu corpo se torna mineral, mas este tem existência no mundo mineral. Evidentemente, pois, a terra, em relação ao homem, é inexistente, sua existência é ilusória; em relação ao mineral, porém, ela existe.
Assim também a existência dos seres em comparação com a existência de Deus é apenas uma ilusão, simplesmente nada; é uma aparição, semelhante à imagem refletida num espelho. Embora a imagem vista num espelho seja uma ilusão, no entanto, a origem e a realidade dessa imagem ilusória é a pessoa refletida, cujo rosto aparece no espelho. Enfim, o reflexo em relação à pessoa refletida é ilusão.
Assim é claro que os seres em relação a Deus não têm existência, sendo semelhantes à miragem ou aos reflexos no espelho, mas que em seu próprio grau, no entanto, eles existem.
Por isso os que desatenderam a Deus, os negadores de Cristo, foram chamados de mortos, embora vivessem aparentemente, pois em relação aos que tinham fé, eram cegos, surdos e mudos – eram mortos. Foi isso que Cristo queria dizer quando ordenou, “Deixai que os mortos sepultem seus mortos”.
-~-Pergunta – Quantas espécies há de preexistência e de fenômenos?
Resposta – Acreditam alguns sábios e filósofos haver duas espécies de preexistência: a essencial e a de tempo. Os fenômenos também são de duas espécies, essenciais e de tempo.
A preexistência essencial é uma existência não precedida por nenhuma causa, mas os fenômenos essenciais são precedidos de causas. A preexistência de tempo não teve começo, mas os fenômenos do tempo têm começos e fins; pois a existência de tudo depende de quatro causas – a causa eficiente, a substância, a forma e a causa final. Esta cadeira, por exemplo, teve quem a fez, ou seja um carpinteiro; uma substância, que é madeira; uma forma, que é a de cadeira; e uma finalidade – a de ser usada como assento. É portanto, essencialmente fenomenal, pois foi precedida de uma causa, e sua existência depende de causas. Isto se chama o essencial e realmente fenomenal.
Ora, este mundo existente em relação a seu Criador é fenômeno real. O corpo, sendo sustentado pelo espírito, é, em relação a este, um fenômeno essencial. O espírito é independente do corpo e, em relação ao corpo, é uma preexistência essencial. Se bem que os raios sejam sempre inseparáveis do sol, este, no entanto, é preexistente, enquanto que os raios são fenomenais, por ser sua existência dependente do sol. A existência do sol, porém, não depende da dos raios, pois é o sol que dá, e os raios são a dádiva.
A segunda preposição é que a existência e a inexistência são ambas relativas. Se dissermos que certa coisa veio da inexistência para a existência, isto não se refere à inexistência absoluta, mas significa haver sido sua condição anterior, em relação à atual, como simplesmente nada. Pois o nada absoluto não pode alcançar existência, não possuindo capacidade para existência. O homem, assim como o mineral, existe, mas a existência deste, em relação à vida humana, nada representa – vemos o corpo do homem, ao ser destruído, tornar-se pó, ou mineral. Quando o pó progride até atingir o mundo humano, e o corpo morto se torna vivo, o homem vem a existir. Embora o pó, isto é, o mineral, tenha existência em sua própria condição, comparado ao homem, é inexistente. Ambos existem, mas a existência do pó, ou do mineral, em relação ao homem, é inexistência, afigura-se como nada, pois vemos que o homem, ao deixar de existir, volta ao pó, ao estado mineral.
Assim, pois, embora o mundo contingente exista, afigura-se como nada em comparação com a existência de Deus. Existem o homem e o pó, mas que grande diferença entre a existência de um e a do outro! A deste, em relação à daquele, é pura inexistência. De modo igual, a existência da criação, comparada à Existência Divina, nada mais é que inexistência. Claro é, pois, que embora os seres existam, nada são em relação a Deus, e ao Verbo de Deus, senão inexistentes. Eis o princípio e o fim do Verbo de Deus, quando diz: “Sou Alfa e Omega”, pois Ele é o princípio e o fim da Graça. Sempre teve o Criador uma criação; os raios sempre têm brilhado e reluzido da realidade do sol, pois sem eles, o sol seria apenas treva opaca. Os nomes e atributos de Deus exigem a existência de seres, e a Graça Eterna não cessa. Se fosse cessar, isso seria contrário às perfeições de Deus.
-~-Pergunta – O que há de certo na teoria da reencarnação em que algumas pessoas acreditam?
Resposta – O objetivo do que vamos dizer é explicar a realidade, e não desprezar as crenças alheias. Não nos opomos às idéias dos outros nem aprovamos a crítica. Vamos só expor os fatos.
Conheçamos, pois, os dois grupos de crentes na reencarnação. Uns não acreditam em punições ou recompensas espirituais no outro mundo, mas supõem que o homem as receba voltando para este mundo, isto é, pela reencarnação; restringe, pois, o céu e o inferno a este mundo, não se referindo à existência de outro. Neste grupo há ainda duas subdivisões: uns pensam que o homem às vezes volta a este mundo em forma de animal, a fim de sofrer severo castigo, e então, após haver suportado tão cruel tormento, livra-se do mundo animal e volta novamente ao humano (a teoria da transmigração); e outros pensam que o homem, depois de ter vivido no mundo humano, ainda volta para este mesmo mundo e neste regresso obtém as recompensas e os castigos merecidos por sua vida anterior (a teoria da reencarnação, propriamente dita). Nenhuma dessas duas subdivisões fala de um outro mundo além do presente.
O segundo grupo de crentes na reencarnação afirma a existência do outro mundo, mas considera a reencarnação o meio de aperfeiçoamento, isto é, pensa que o homem, partindo deste mundo e regressando várias vezes, adquire gradativamente perfeições, até alcançar afinal a perfeição máxima. Em outras palavras, acreditam que o homem se compõe de matéria e força, e que, a princípio, no primeiro ciclo, a matéria está imperfeita, mas que ela, ao vir repetidas vezes a este mundo, progride, purifica-se, torna-se mais delicada, até assemelhar-se a um espelho polido, e não a força, que não é senão o espírito, reflete-se nela com todas as perfeições.
Eis, em resumo, o que sustentam os que acreditam na reencarnação e na transmigração. Se fossemos entrar em detalhes, necessitaríamos de muito tempo e, portanto, devemos limitar-nos a este resumo. Eles não apresentam provas ou argumentos lógicos, mas apenas suposições, inferências tiradas de conjeturas, em vez de argumentos concludentes. Deve-se pedir aos crentes na reencarnação que apresentem provas, e não conjeturas, suposições e fantasias.
Mas pediram-me argumentos que demonstrassem a impossibilidade da reencarnação; é o que devemos, pois, explicar agora. O primeiro argumento é que o exterior é a expressão do interior. A terra é o reflexo do Reino Divino; o mundo material corresponde ao espiritual. Ora, notemos que no mundo sensível nenhum ser se repete, nem é, em nenhum aspecto, idêntico a outro, jamais o mesmo que outro. O sinal da unidade é visível, evidente, em todas as coisas. Se todos os celeiros do mundo estivessem cheios de cereais, não seriam encontrados dois grãos absolutamente iguais, inteiramente idênticos, sem nenhuma distinção. Sem dúvida alguma, haveria diferenças entre eles. Já que a evidência da unidade existe em todas as coisas – pois elas em sua essência refletem a unidade e a singularidade de Deus – é absolutamente impossível a repetição do mesmo ser. Igualmente impossível, irrealizável, é a reencarnação, por implicar na vinda, repetidas vezes, do mesmo espírito, em sua condição anterior, com sua essência anterior, no mesmo mundo fenomenal. Como para cada um dos seres materiais, a repetição é impossível, interdita, assim também para os seres espirituais o regresso à mesma condição, tanto no que diz respeito ao arco descendente, como ao ascendente, é interdito e impossível, pois que existe correspondência entre o material e o espiritual.
No caso dos seres materiais, entretanto, observamos uma repetição de espécie. As árvores que em tempos idos produziam folhas, flores e frutos, hão de produzir em anos vindouros exatamente as mesmas folhas e flores, e os mesmos frutos. A isso chama-se repetição de espécie. Se alguém alegar que a folha, a flor e o fruto, após sua decomposição – sua descida do reino vegetal ao mineral – voltaram outra vez do reino mineral para o vegetal, e que isso constitua uma repetição, a resposta é que a flor, a folha e o fruto do ano passado foram decompostos, que esses elementos anteriormente combinados se separaram e se dispersaram no espaço, que as partículas da folha e do fruto do ano anterior não se reuniram novamente após a decomposição. Foi, antes, pela composição de elementos novos que a espécie voltou. O mesmo sucede com o ser humano: ao decompor-se o seu organismo, os elementos que o compunham dispersam-se. Se surgisse novamente do reino mineral ou do vegetal um corpo semelhante, ele não teria exatamente a mesma composição, os mesmos elementos que o homem anterior, já que esses foram decompostos e dispersos, dissipando-se neste vasto espaço. Foram, pois, outras partículas de elementos que se combinaram depois, para formar o segundo corpo. É possível ter uma das partículas do indivíduo anterior entrado na composição do sucessor, mas aquelas partículas não se conservaram exata e inteiramente, as mesmas, sem adição ou diminuição, de tal modo que pudessem combinar-se novamente e assim produzir um outro indivíduo. Não podemos provar, pois, o regresso desse corpo, com todas as suas partículas, vindo assim, o homem anterior a tornar-se o posterior, o que seria uma repetição. Tampouco é possível provar que o espírito tenha voltado, que a sua essência, após a morte, tenha vindo novamente a este mundo.
Se afirmarmos ser necessária a reencarnação para que sejam adquiridas as perfeições e a matéria se refine e se torne mais delicada, permitindo assim à luz do espírito refletir-se nela com plena perfeição, isso também não passa de imaginação pura, pois, pro mais razoável que nos pareça esse argumento, não é possível que a natureza, pelo simples regresso, se transforme. A essência da imperfeição, por ter voltado, não se torna a essência da perfeição; a escuridão absoluta, regressando, não se torna fonte de luz; a essência da fraqueza não se transforma em poder, pelo simples fato de haver aparecido novamente, nem a natureza terrena tornar-se, com a repetição, uma realidade celestial. Não importa quantas vezes cresça a árvore de Zaqqum, (1) ela nunca produzirá um fruto doce; igualmente a boa árvore, não importa quantas vezes venha a aparecer, não dará um fruto amargo. É claro, pois, que o regresso ao mundo material não causa a perfeição. Tal teoria carece de prova, de evidência; é apenas uma idéia. A verdadeira causa do aperfeiçoamento é a bondade de Deus.
Os teosofistas acreditam que no arco ascendente, (2) o homem voltará muitas vezes, até alcançar o centro supremo, quando então a matéria se tornará um espelho límpido a refletir a luz do espírito em seu pleno poder, e assim a perfeição essencial terá sido alcançada. Ora, é uma bem fundada proposição teológica, que os mundos materiais terminam no fim do arco descendente, e que a posição do homem está onde finda o arco descendente e se inicia o ascendente, achando-se esse ponto em frente ao Centro Supremo. Entre as duas extremidades do arco ascendente há também numerosos graus espirituais. O arco descendente chama-se o começo, enquanto que o ascendente se chama progresso. Aquele termina na materialidade, e este na espiritualidade. O ponteiro do compasso, ao descrever um círculo, não faz movimento retrógrado, pois isso seria contrário à natureza, à ordem divina; a simetria do círculo seria desfeita.
Além disso, este mundo material não possui tão grande valor, nem tal excelência que o homem, uma vez liberto dessa gaiola, dessa armadilha, deva desejar cair nela novamente. Não, graças à Bondade Eterna, o homem demonstra claramente seu valor, sua verdadeira capacidade, ao atravessar os graus da existência, e não ao regressar. Uma vez aberta a concha, vê-se claramente se contém uma pérola ou apenas substância sem valor. Quando a planta tiver crescido, produzirá espinhos ou flores; não é necessário que torne a crescer. Ainda mais, o progresso através dos mundos em ordem direta, segundo a lei natural, é causa da existência, ao passo que um movimento contrário ao sistema, à lei da natureza, causa a inexistência. O regresso da alma após a morte seria contrário ao movimento natural; seria oposto ao sistema divino.
É absolutamente impossível, pois, obter-se a existência mediante o regresso. É como se o homem, uma vez liberto do ventre materno, para lá voltasse novamente. Consideremos como é pueril a crença na reencarnação e na transmigração. Os que assim acreditam vêem o corpo como um vaso em que o espírito é contido, semelhante à água numa taça; tira-se a água de uma taça para despejá-la em outra. É uma idéia infantil. Não compreendem que o espírito é um ser incorpóreo, que não entra nem sai, sendo sua conexão com o corpo semelhante à do sol com o espelho. Se fosse como pensam – se o espírito pudesse pelo regresso a este mundo material atravessar os vários graus e atingir a perfeição essencial, seria melhor que Deus prolongasse suficientemente a vida do espírito no mundo material até ele poder adquirir todas as graças e perfeições sem ter que provar a taça da morte ou passar por uma segunda vida.
A idéia de que a existência se limite a este mundo perecível – isto é, negar-se a realidade dos mundos divinos -, teve origem na imaginação de certos crentes na reencarnação. Mas os mundos divinos são infinitos. Se culminassem neste mundo material, a criação seria fútil – a existência seria um brinquedo. O resultado desses inúmeros seres, ou seja, a pobre existência do homem, passaria alguns dias nesta morada mortal, ir-se-ia e tornaria a vir, e finalmente, após haver recebido castigos e recompensas, estaria perfeito. A criação divina, os infinitos seres existentes, seriam aperfeiçoados, consumados, e então a Divindade do Senhor, os nomes e atributos de Deus, no tocante a esses seres espirituais, acabariam na inércia, na inação! “Glória ao teu Senhor – o Senhor que está santificado acima de todas as suas descrições!”
Tal foi a mentalidade acanhada dos filósofos antigos, como, por exemplo, Ptolomeu, e os outros que imaginavam o mundo, a vida – enfim, toda a existência -, restrita a este globo terrestre, acreditando estar o infinito espaço confinado dentro dos nove esferas do céu, e todas estas vazias e inúteis. Vemos quanto eram limitados seus pensamentos, seus conhecimentos. Os adeptos da reencarnação limitam os mundos espirituais aos da imaginação humana. Alguns, como, por exemplo, os drusos e os nosários, crêem que a existência se restrinja a este mundo físico. Que suposição pouco inteligente! Neste universo de Deus, que se apresenta na maior perfeição, formosura e grandeza, as luminosas estrelas do universo material são inumeráveis! Quanto mais ainda devem os mundos espirituais ser ilimitados, infinitos, pois são o fundamento essencial. “Sede atentos, ó vós que possuis a vista interior!”
Mas voltemos ao nosso assunto. As Divinas Escrituras, os Livros Sagrados, falam em “volta”, porém seu significado não foi compreendido por pessoas de escassos conhecimentos, e os crentes na reencarnação fizeram conjeturas sobre o assunto. O que os divinos Profetas querem dizer por “volta” não é a volta da essência, mas apenas a das qualidades; não se referem à volta do próprio Manifestante mas simplesmente à de Suas perfeições. Diz o Evangelho que João, filho de Zacarias, é Elias. Isso não significa haver regressado a alma racional, a personalidade de Elias, no corpo de João; apenas se acham manifestas em João as qualidades, as perfeições de Elias.
Uma lâmpada brilhou nesta sala ontem à noite, e quando hoje brilha outra, dizemos que a luz de ontem se irradia novamente. Uma fonte jorra água, e depois cessa: quando volta a jorrar, dizemos que é a mesma água correndo de novo, assim como dizemos ser esta luz idêntica à anterior. O mesmo sucede à primavera passada, quando havia ervas, flores fragrantes e frutos deliciosos. No ano seguinte dizemos que aqueles frutos deliciosos voltaram, aquelas ervas e flores apareceram novamente. Isto não quer dizer terem sido exatamente as mesmas partículas componentes das flores do ano passado que se combinaram outra vez, após a decomposição, para voltarem aqui. Não, significa apenas que a delicadeza, a frescura, o deleitável perfume, e os admiráveis matizes das flores do ano anterior apareceram do mesmo modo, exatamente, nas flores deste ano. Numa palavra, referimo-nos simplesmente à semelhança que existe entre as flores anteriores e as posteriores.
A “volta” mencionada nas Divinas Escrituras é o que acabamos de expor. Uma explicação completa, feita pela Pena Suprema, (1) encontra-se no Kitáb-i-Iqán. Consultai esta obra a fim de conhecerdes a verdade dos mistérios divinos...
-~-Pergunta – Como entendem os teosofistas e os sufis a questão do panteísmo? (2) Que significa, e até que ponto se aproxima da verdade?
Resposta – Saibam que o assunto do panteísmo é antigo; não é crença restrita aos teosofistas e sufis, pois alguns sábios da Grécia a tinham, assim como disse Aristóteles: “A simples verdade são todas as coisas, mas não é nenhuma delas.” Neste caso, “simples” é o contrário de “composto”; é a Realidade isolada, pura e sagrada além da composição e divisão, e que se resolve em inúmeras formas. Portanto, a Existência Real são todas as coisas, mas não é nenhuma das coisas.
Numa palavra, os que acreditam no panteísmo acham a Existência Real comparável ao mar, e os seres às Suas ondas. Estas ondas, ou sejam os seres, são inúmeras formas daquela Existência Real, e assim a Santa Realidade é o Mar da Preexistência, (1) sendo as incontáveis formas das criaturas as ondas que surgem.
De modo semelhante, comparam essa teoria à verdadeira unidade e à infinidade dos números: a verdadeira unidade reflete-se nos graus dos números infinitos, pois os números são a repetição da verdadeira unidade. Assim, o número dois é a repetição de um, e é o mesmo no caso dos outros números.
Uma de suas provas é esta: todos os seres são conhecidos de Deus, e o conhecimento sem coisas conhecidas não existe, porque o conhecimento se relaciona com aquilo que existe e não com a inexistência. A pura inexistência não pode ter especificação ou individualização nos graus do conhecimento. A realidade dos seres, portanto, sendo conhecida por Deus, o Altíssimo, tem a existência que o conhecimento tem, (2) desde que possua a forma do Conhecimento Divino; e é preexistente, assim como o Conhecimento Divino é preexistente. Logo, as coisas conhecidas são igualmente preexistentes e as individualizações e especificações dos seres, sendo conhecimentos preexistentes da Essência da Unidade, são o próprio Conhecimento Divino; porque a realidade da Essência da Unidade, a do conhecimento e as das coisas conhecidas, têm uma unidade absoluta que é real e estabelecida. Se assim não fosse, a Essência da Unidade se tornaria o lugar de múltiplos fenômenos, pressupondo isto a multiplicidade de preexistências, (3) o que seria absurdo.
Está assim provado que as coisas conhecidas constituem o próprio conhecimento, e este a própria Essência; quer isso dizer: o Conhecedor, o conhecimento e as coisas conhecidas são uma simples realidade. E se alguém imaginasse qualquer coisa fora disso, seria necessário admitir a multiplicidade de preexistências e o encadeamento; (1) e preexistências vêm a se tornar inúmeras. Já que a individualização e a especificação dos seres no conhecimento de Deus são a própria Essência da Unidade, não havendo entre elas diferenças alguma, há apenas uma verdadeira Unidade, sendo que todas as coisas conhecidas se difundem e incluem na realidade da Essência única. Quer isso dizer: segundo o modo da simplicidade e da unidade, constituem elas o conhecimento de Deus, o Altíssimo, e a Essência da Realidade. Quando Deus manifestou Sua glória, essas individualizações e especificações dos seres que tinham uma existência virtual, isto é, eram uma forma do Conhecimento Divino, tiveram sua existência substancializada no mundo exterior; e esta Existência Real resolveu-se a Si Própria em infinitas formas. Tal é a base de seu argumento.
Os teosofistas e os sufis dividem-se em dois ramos. Um destes, composto pela maioria, acredita no panteísmo simplesmente em espírito de imitação, sem compreender o que queriam dizer seus sábios de renome; pois a generalidade dos sufis acredita que o significado Ser é existência geral, tomada substantivamente, sendo compreendida pelo raciocínio, pela inteligência; isto é, que o homem a compreende. Em vez disso, a existência geral é um dos acidentes que penetram a realidade dos seres, e as qualidades destes são a essência. Esta existência acidental, dependente dos seres, é como outras propriedades das coisas que elas dependem. É acidente entre acidentes, e sem dúvida o que é a essência é superior àquilo que é o acidente. Pois a essência é a origem, e o acidente a conseqüência; a essência depende de si própria, e o acidente necessita de outra coisa, ou seja de uma essência de que depender. Segundo seu argumento, Deus seria a conseqüência da criatura, teria necessidade dela, e a criatura seria independente Dele.
Por exemplo, cada vez que os elementos isolados se combinam segundo o sistema divino universal, um ser entre os seres vem ao mundo. Isto é, ao combinarem-se certos elementos, uma existência vegetal é produzida; quando outros se combinam, formam um animal; e ainda outros, as várias criaturas. Assim a existência das coisas é conseqüência de sua realidade: como seria possível que essa existência – um acidente entre acidentes, e necessitando de uma essência, de que depender – fosse a Essência Preexistente, Autor de todas as coisas?
Opinam, no entanto, os sábios iniciados entre os teosofistas e sufis que estudaram o assunto, haver duas categorias de existência. Uma é a geral, a compreendida pela inteligência humana, isto é, um fenômeno, um acidente entre acidentes; e a realidade das coisas é a essência. O panteísmo, porém, não é aplicável a esta existência geral, imaginária, mas somente à Existência Verdadeira, livre e santificada acima de qualquer outra interpretação. É por Seu intermédio que existem todas as coisas; é a Unidade através da qual todas as coisas vieram ao mundo, tais como matéria, energia e essa existência geral compreendida pela mente humana. Eis a verdade da questão segundo os teosofistas e sufis.
Enfim, quanto à teoria de que todas as coisas existem em virtude da Unidade, todos estão de acordo – isto é, Profetas e filósofos. Mas há uma diferença entre eles. Dizem os Profetas: o Conhecimento Divino não necessita da existência de seres, enquanto o conhecimento da criatura pressupõe a existência de coisas conhecidas; se o Conhecimento Divino tivesse necessidade de qualquer outra coisa, seria o conhecimento da criatura e não o de Deus. O preexistente é diferente do fenomenal, e este contrário àquele; o que atribuímos à criatura, ou sejam as necessidades dos seres contingentes, negamos para Deus, pois a pureza, a santificação de imperfeições, é uma de Suas propriedades necessárias. Assim, no fenomenal, vemos ignorância, enquanto que no Preexistente verificamos conhecimento; no fenomenal vemos fraqueza, no Preexistente, poder; no fenomenal percebemos pobreza, no Preexistente atestamos riqueza. O fenomenal é, pois, a fonte das imperfeições, e o Preexistente a soma das perfeições. O conhecimento fenomenal exige coisas conhecidas; o Preexistente é independente da existência destas. Não há, portanto, preexistência de especificação e individualização de seres que são as coisas conhecidas por Deus, o Altíssimo; nem podem Seus atributos perfeitos, divinos, ser compreendidos pela inteligência, de modo que nós possamos decidir se o Conhecimento Divino tem ou não, necessidade das coisas conhecidas.
Vimos, pois, o argumento principal dos sufis, e se desejássemos mencionar todas as suas provas e explicar suas respostas, isto levaria muito tempo. A prova decisiva, o argumento claro, dos sufis e teosofistas – pelo menos de seus sábios, foi o que vimos.
A questão, porém, da Existência Verdadeira em virtude da qual existem todas as coisas – isto é, a realidade da Essência da Unidade através da qual todas as criaturas vieram ao mundo – isto é admitido por todos. A diferença reside naquilo que dizem os sufis: “A realidade das coisas é a manifestação da Unidade Verdadeira”, enquanto os Profetas afirmam que “essa realidade emana da Unidade Verdadeira”, e grande é esta diferença, entre manifestar e emanar. Aparecimento por manifestação significa que uma coisa simples, se mostra em inúmeras formas. A semente, por exemplo, é coisa simples, dotada das perfeições vegetativas, que ela manifesta numa infinidade de formas, resolvendo-se a si própria em ramos, folhas, flores e frutos. Isto é aparecimento por manifestação. No aparecimento por emanação, a Unidade Verdadeira permanece no sublime estado de Sua santidade e a existência das criaturas Dela emana – não é por Ela manifestada. Tomemos o sol como exemplo: dele emana a luz que se irradia sobre todas as criaturas, mas o sol continua na elevada condição de sua santidade: não desce, não se resolve a si próprio em formas luminosas; não aparece na substância das coisas mediante a especificação e individualização destas; o preexistente não se torna o fenomenal; a riqueza independente não se converte em pobreza encadeada; a pura perfeição não se transforma na imperfeição absoluta.
Recapitulando: os sufis admitem Deus e a criatura, e dizem que Deus se resolve a Si Próprio nas infinitas formas das criaturas, manifestando-se assim como o mar se manifesta nas inúmeras formas das ondas, as quais, embora sejam fenomenais, imperfeitas, são a mesma coisa do Mar Preexistente, ainda que este seja a soma de todas as perfeições divinas. Os Profetas, ao contrário, crêem que há o mundo de Deus, o mundo do Reino e o mundo da criação – três coisas. A primeira emanação de Deus é a graça do Reino, que emana e se reflete na realidade das criaturas, assim como a luz que emana do sol e resplandece nas criaturas; e esta graça, que corresponde à luz, se reflete em inúmeras formas na realidade de todas as coisas, especificando e individualizando-se segundo a capacidade, o merecimento e o valor intrínseco das coisas. Mas a afirmação dos sufis requer a descida da Riqueza Independente para o grau da pobreza; exige que o Preexistente se limite às formas fenomenais, e que o Poder Puro se restrinja ao estado da fraqueza, de acordo com as limitações dos seres contingentes. É este um erro evidente. Observai que a realidade do homem – de todas as criaturas a mais nobre – não desce à realidade do animal, e que a essência deste, dotado dos poderes de sensação, tampouco se reduz ao grau do vegetal, nem a realidade do vegetal, ou seja o poder do crescimento, se abaixa à realidade do mineral.
Numa palavra, a realidade superior não desce, não se abaixa às condições inferiores. Como seria possível, pois, a Realidade Universal de Deus, livre que é de toda descrição e qualificação, e não obstante Sua santidade e pureza absoluta, resolver-se a Si Própria nas formas das realidades das criaturas, as quais são fontes de imperfeições? É pura imaginação, inteiramente inconcebível.
Pelo contrário, essa Santa Essência é a soma das perfeições divinas, enquanto que todas as criaturas são favorecidas pela graça do resplendor através de Sua emanação, recebendo a luz, a perfeição e a beleza de Seu Reino, assim como toda as criaturas terrestres obtêm a graça da luz dos raios do sol, embora este não desça, não se abaixe às realidades favorecidas dos seres terrestres.
Em vista de ser tarde a hora, não há tempo para se explicar mais...
-~-83. Os Quatro Métodos Para A Aquisição Do Conhecimento
Há somente quatro métodos aceitos de compreensão: isto é, as realidades das coisas são compreendidas por estes quatro métodos.
O primeiro método é pelos sentidos: tudo o que os olhos, os ouvidos, o gosto, o olfato e o tato percebem, é compreendido por este método. É o método hoje considerado o mais perfeito pelos filósofos europeus; dizem que o método principal para se adquirir conhecimento é este, através dos sentidos: este método, eles o acham supremo. É, no entanto, imperfeito, sujeito ao erro. Tomemos, por exemplo, o maior de todos os sentidos, o poder da vista. Esta vê a miragem como água, e imagens refletidas em espelhos como reais, existentes; corpos grandes, mas remotos, parecem ser pequenos, e um ponto em rotação afigura-se como círculo. Segundo a vista, a terra é imóvel enquanto o sol se move, e em muitos casos semelhantes há engano. Nela, pois, não podemos confiar.
O segundo é o método do raciocínio, o qual foi o dos filósofos antigos – sustentáculos que eram da sabedoria. É este o método da compreensão. Eles provavam as coisas pelo raciocínio, aderiam firmemente às provas lógicas; todos os seus argumentos são argumentos de raciocínio. Não obstante isso, havia entre eles grandes divergências, sendo muitas vezes contraditórias suas opiniões. Até mesmo mudavam de idéias: isto é, durante vinte anos, digamos, provavam eles a existência de uma coisa por argumentos lógicos, e depois, também por argumentos lógicos, negavam-na. Assim Platão primeiro provou logicamente a imobilidade da terra e o movimento do sol, e mais tarde, por argumentos lógicos, provou ser o sol o centro estacionário em volta do qual a terra se movia. Subseqüentemente, a teoria ptolemaica foi divulgada, vindo assim a ser esquecida a idéia de Platão, até que, afinal, um novo observador a ressuscitou. Todos os matemáticos, pois, dissentiram, embora dependessem de argumentos racionais. De igual modo, por argumentos lógicos, provavam um problema em certa ocasião, o qual vieram a negar mais tarde por argumentos da mesma natureza. Assim, um dos filósofos apoiava firmemente uma teoria por algum tempo, com fortes argumentos e provas, a qual mais tarde, usando argumentos racionais, ele contradizia e retratava. Torna-se, pois, evidente ser imperfeito o método do raciocínio, sendo isto provado pela divergência de opinião entre os filósofos antigos, e por sua falta de estabilidade. Fosse perfeito esse método, todos deveriam estar unidos em suas idéias e acordes em suas opiniões.
O terceiro método é por tradição, ou seja pelo texto das Sagradas Escrituras, pois costuma-se dizer: no Velho Testamento, ou no Novo, Deus assim falou. Tampouco é perfeito esse método, porque as tradições são compreendidas pelo raciocínio. Já que o próprio raciocínio é sujeito ao erro, como pode-se dizer que não errará em interpretar o significado das tradições? É possível que se engane; não se pode atingir a certeza. É este o método dos teólogos. Tudo o que entendem do texto dos Livros é aquilo que seu raciocínio deduz do texto, e não necessariamente a verdade real, pois o raciocínio é como uma balança, enquanto os significados contidos no texto dos Livros Sagrados são as coisas a ser pesadas. Se a balança for inacurada, como será possível certificar-se do peso?
Saibam, pois: o que está nas mãos dos homens, o que acreditam, é sujeito ao erro. Se, a fim de provarem ou refutarem algo, eles recorrerem à evidência derivada dos sentidos, este método, assim como mostramos, não é perfeito; é o mesmo no caso das provas intelectuais; tampouco são infalíveis as provas tradicionais. Não há norma, portanto, nas mãos dos homens, da qual possam depender.
A graça do Espírito Santo, porém, dá o verdadeiro método de compreensão – método este que é infalível e indubitável. Isso é através do amparo do Espírito Santo que vem ao homem, e é nesta condição somente que se pode atingir a certeza.
-~-84. A Necessidade De Serem Seguidos Os Ensinamentos Dos Manifestantes Divinos
Pergunta – Os que se distinguem por suas boas ações e sua benevolência universal, que possuem característicos louváveis, mostrando amor e bondade para com todas as criaturas, cuidando dos pobres, esforçando-se por estabelecer a paz universal – que necessidade têm eles de ensinamentos divinos, dos quais se julgam, de fato, independentes? Qual a condição de tais pessoas?
Resposta – Saibamos que tais ações, palavras e esforços são louváveis e aprovados, e constituem a glória da humanidade. Mas estas ações, apenas, não bastam; assemelham-se a um corpo dotado da maior formosura, porém, sem espírito. A fonte da vida eterna, de honra imperecível, da iluminação universal, da verdadeira salvação e prosperidade, é, antes de tudo, o conhecimento de Deus. Sabemos que o conhecedor a Deus ultrapassa todo o conhecimento, e constitui a maior glória do mundo humano. O conhecimento da realidade das coisas traz-nos proveito material, promove o progresso exterior da civilização, enquanto o conhecimento de Deus motiva o progresso espiritual, leva-nos a perceber a verdade, a atingir a civilização divina, exaltando a humanidade pela retidão moral e pela iluminação.
Consideremos, em segundo lugar, o amor de Deus, cuja luz brilha da lâmpada do coração de quem O conhece, cujos raios cintilantes iluminam o horizonte, concedendo ao homem a vida do Reino Divino. Em verdade, o fruto da existência humana é o amor de Deus, pois é o espírito da vida, e a graça eterna. Não fosse o amor de Deus, o mundo contingente estaria envolto em trevas; sem este amor de Deus, o coração do homem perderia até a sensação de existir, estaria, de fato, como morto. Se o amor de Deus não existisse, estaria desfeita a união espiritual, e não se irradiaria sua luz sobre a humanidade – não mais haveriam de abraçar-se Oriente e Ocidente, como dois amigos afetuosos. Não fosse o amor de Deus, a desunião não se transformaria em fraternidade, a indiferença não cederia lugar à afeição, a estranheza não se tornaria a amizade. O amor existe no mundo humano origina-se do amor de Deus; graças à Sua bondade e benevolência é que se manifesta.
É claro que a realidade do homem apresenta divergências, tanto de opinião, como de sentimento. Esta diferença de opinião, de pensamento, de inteligência e de afetos verificada na espécie humana, provém de uma necessidade essencial, pois a diferença de grau que se manifesta entre as criaturas é um dos imperativos da existência, a qual se revela numa infinidade de formas. Necessitamos, portanto, de um poder soberano que domine os sentimentos, opiniões e pensamentos de todos, anule os efeitos destas divisões, e leve à união todos os membros individuais da humanidade. É claro, é evidente, que este grandíssimo poder no mundo humano é o amor de Deus. Ele reúne os vários povos sob um mesmo teto de afeição fraternal, e põe entre nações hostis e famílias inimigas o amor e a união.
Vemos, depois de Cristo, quantas nações, raças, tribos e famílias vieram abrigar-se à sombra do Verbo de Deus, graças ao poder de Seu amor, e tanto assim que desapareceram completamente dissensões e diferenças que por mil anos haviam persistido. Desapareceu qualquer pensamento de raça ou pátria; as almas uniram-se, e todos tornaram-se espirituais, verdadeiros cristãos.
A terceira virtude humana é a boa vontade, base das boas ações. Alguns filósofos consideram a intenção como superior à ação, sendo a boa vontade luz absoluta, pura e santificada, isenta do egoísmo, da inimizade, da decepção. É possível um homem cometer um ato, aparentemente reto, porém motivado pela cobiça. Um carniceiro, por exemplo, cria um carneiro e protege-o, mas sua boa ação é ditada pelo desejo de obter lucro; todo seu cuidado tem por fim a matança do pobre animal! Quantas boas ações são ditadas pela cobiça! A boa vontade, porém, é santificada e isenta de tais impurezas.
Numa palavra, se ao conhecimento de Deus acrescentarmos o amor a Ele e também a atração, o êxtase, e a boa vontade, teremos um ato reto realmente íntegro, perfeito. Em caso contrário, se não for sustentada pelo conhecimento de Deus, pelo amor a Ele, e por uma intenção sincera, a boa ação, embora louvável, será imperfeita. Consideremos o exemplo do corpo humano: para que seja perfeito, deve reunir todas as perfeições. Não lhe basta a visão, embora esta seja extremamente preciosa; a audição é imprescindível. A audição também é muito apreciável, mas o poder da linguagem lhe deve servir de auxílio e este, por mais importante que seja, depende, por sua vez, do raciocínio; e assim por diante. Só quando o homem possui todos estes poderes – todos os órgãos e membros do corpo, e todos os sentidos – é ele realmente perfeito.
Encontramos hoje no mundo pessoas que sinceramente desejam o bem universal, fazem tudo ao seu alcance para proteger os oprimidos e auxiliar os pobres, e se dedicam com entusiasmo à causa da paz e bem-estar universais. Embora tais pessoas sejam perfeitas sob este ponto de vista, não o são na realidade, enquanto privadas do conhecimento e do amor de Deus.
Galeno, o médico, comentando em seu livro o tratado de Platão sobre a arte de governar, diz que os princípios fundamentais da religião concorrem muito para o estabelecimento de uma civilização perfeita, porque “a multidão não pode compreender a relevância das palavras descritivas, e portanto precisa de palavras simbólicas que anunciam recompensas e punições no outro mundo; e o que prova a verdade desta afirmação,” diz ele, “é que vemos hoje um novo chamado cristão, acreditando em recompensas e punições, e os atos dessa seita são tão belos como os de um verdadeiro filósofo. Assim todos observamos claramente que eles não têm medo da morte, esperam e desejam da multidão só a justiça e a equidade, e são considerados verdadeiros filósofos”.
Vejamos o grau de sinceridade e fervor demonstrado por um crente em Cristo; consideremos a elevação de seus sentimentos espirituais e de seu conceito de amizade, e a nobreza de suas ações, ao ponto de ter razão Galeno, embora não pertencendo à religião cristã, quando ao testemunhar a boa moral e as virtudes de seus adeptos, proclamou que eram verdadeiros filósofos. Mas essas virtudes, essa moral, não provinham apenas das boas ações, pois se a virtude consistisse simplesmente em se obter e transmitir o bem, então por que não louvarmos esta lâmpada que ilumina a casa, e cuja iluminação é, sem dúvida, um benefício? Do sol depende o crescimento de todos os seres da terra; graças ao seu calor e à sua luz é que todos se desenvolvem. Existe benefício maior? Por não se originar na boa vontade, entretanto, nem no amor, nem no conhecimento de Deus, tamanho benefício é imperfeito.
Quando um homem, porém, oferece a outro um simples copo de água, este sente-se grato e manifesta gratidão. Alguém, sem refletir, dirá: esse sol que dá luz ao mundo merece adoração e louvor pela suprema bondade que manifesta; por que não devemos ser gratos ao sol pelas suas graças, quando louvamos um homem por um simples ato de bondade? Ao tentarmos discernir a verdade, porém, vemos que o ato bondoso do homem, embora insignificante, provém de sentimentos conscientes que existem, e por isso é louvável, enquanto a luz e o calor do sol não são devidos a sentimentos conscientes e não merecem, pois, nossos louvores e agradecimentos, ou nossa gratidão.
Do mesmo modo, a boa ação de uma pessoa, por mais louvável que seja, quando não é motivada pelo conhecimento de Deus nem pelo amor a Ele, é imperfeita. Também, se refletirmos, perceberemos que até as boas ações de pessoas ignorantes de Deus são, fundamentalmente, devidas aos ensinamentos de Deus. Antigos Profetas induziram os homens a fazer o bem, demonstrando-lhes a beleza e os excelentes efeitos da boa ação, e assim vinham se difundindo entre os homens, um após outro, Seus ensinamentos, permitindo que seus corações se inclinassem a estas perfeições. Vendo, pois, a beleza da boa ação, e verificando quanto concorria para a felicidade da espécie humana, os homens seguiam estes ensinamentos.
Vemos, então, que estas ações também são condicionadas pelos ensinamentos de Deus, embora a justiça seja necessária, a fim de perceber isso, nada valendo a controvérsia ou a discussão. Louvado seja Deus por terdes estado na Pérsia e visto como os persas, inspirados pelos sopros sagrados de Bahá´u´lláh, tornaram-se benévolos para com a humanidade. Antigamente, ao encontrarem alguém que pertencia a outra raça, sentiam grande inimizade, ódio e malevolência, e atormentavam-no; a tal ponto desprezavam qualquer estranho que jogavam terra sobre ele. Queimavam o Evangelho e o Velho Testamento, e então lavavam as mãos por acharem-nas poluídas pelo contato. Mas hoje, em suas reuniões e assembléias, a maioria deles recita e entoa o conteúdo destes dois Livros, expondo seus sentidos esotéricos. E demonstram hospitalidade até para com os inimigos. De lobos sanguinários, transformaram-se em gazelas meigas, nas planícies do amor divino. Tendes visto os seus costumes e hábitos e ouvido o que contam acerca dos persas antigos. Será possível que tamanha transformação moral, que tão grande melhora em sua conduta e em suas palavras, tenha sido efetuada de outra maneira senão através do amor divino? Não, em nome de Deus. Se quiséssemos introduzir essa moral, esses costumes, por meio da ciência ou de qualquer conhecimento material, levaríamos mil anos, e mesmo assim não teríamos conseguido disseminá-los completamente entre as massas.
Hoje, graças ao amor de Deus, com a maior facilidade tudo isto é conseguido.
Sede, pois, vigilantes, ó possuidores de inteligência!
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