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More Books by 'Abdu'l-Bahá

A Última Vontade e Testamento
Alicerces da Unidade Mundial
Epístola a Haia
Epístola ao Dr. Forel
Epístolas do Plano Divino
Narrativa de um Viajante
O Segredo da Civilização Divina
Palestras de 'Abdu'l-Bahá Londre 1911
Palestras de 'Abdu'l-Bahá Paris 1911 - Paris Talk
Promulgação da Paz Universal
Respostas a Algumas Perguntas
Selecao dos Escritos de 'Abdu'l-Baha
Tltima Vontade e Testamento, A
Tributo aos Fiéis
Free Interfaith Software

Web - Windows - iPhone








'Abdu'l-Bahá : Promulgação da Paz Universal
A PROMULGAÇÃO DA PAZ UNIVERSAL
PALESTRAS DE 'Abdu'l-Bahá
ESTADOS UNIDOS E CANADÁ - 1912
COMPILADAS POR HOWARD MACNUTT

Título original em inglês: The Promulgation of Universal Peace; Talks Delivered by 'Abdu'l-Bahá during His Visit to the United States and Canada in 1912.

Tradução: Bijan Ardjomand
Revisão: Tiago B. Dantas e Rubens Dantas
PREFÁCIO
À Primeira Edição em Português

De 1911 a 1913, 'Abdu'l-Bahá empreendeu Suas audaciosas viagens de ensino ao continente europeu e norte-americano, divulgando incessantemente neles a mensagem curadora de paz e unidade da humanidade.

Com idade avançada (67 anos) e debilitado devido a uma vida inteira de exílio, privação, sofrimento e perseguição, 'Abdu'l-Bahá faz Seu primeiro discurso a um público ocidental no City Temple, Londres, em 10 de setembro de 1911. Em 3 de outubro, Ele deixa a Inglaterra e parte para a França, ficando em Paris por nove semanas. Deixando a Europa em 2 de dezembro de 1911, 'Abdu'l-Bahá retorna ao Egito até a próxima primavera, quando Ele inicia Sua segunda viagem ao Ocidente, desta vez para a América, onde no curso de oito meses, visita mais de quarenta cidades, do Atlântico ao Pacífico, em ambos os Estados Unidos e Canadá. Em Wilmette, Chicago, lança a pedra fundamental do primeiro Templo Bahá'í no Ocidente. Em dezembro de 1912, ele volta a visitar a Inglaterra e procede novamente para a França e subseqüentemente visita um grande número de cidades européias, incluindo Stuttgart, Viena e Budapeste, antes de embarcar para o Egito, onde permanece por quase 5 meses Se restabelecendo, e volta para Israel, em dezembro de 1913, nunca mais retornando ao Ocidente, vindo a falecer em Haifa, em 1921.

Durante estas estadias no Ocidente, proclamando a Mensagem divina de Bahá'u'lláh a todas as camadas da sociedade ocidental, Ele palestrava em persa e árabe, e simultaneamente elas eram traduzidas ou para o inglês, ou francês, ou alemão ou para a língua do país que estava visitando. Ao mesmo tempo, sempre que possível, alguém tomava notas estenográficas das palestras no idioma original e às vezes, na língua do país. Foram esses apontamentos em inglês e francês, compilados por devotados Bahá'ís que deram origem à Coleção "Palestras de 'Abdu'l-Bahá".

O livro Palestras de 'Abdu'l-Bahá; Londres - 1911, é uma coletânea de Suas palestras durante Sua primeira estadia naquela cidade, compiladas por E. Hammond * e publicado em 1912 pelos bons préstimos de lady Blomfield. Ela, também, publica três outras palestras da segunda passagem de 'Abdu'l-Bahá em Londres (1912-1913), porém as incluí no final do livro de Paris - 1911.

* Peter Smith, A Concise Encyclopedia of the Bahá'í Faith - p. 20 e 377.

O livro Palestras de 'Abdu'l-Bahá; Paris - 1911, é outra coletânea de Suas palestras durante Sua primeira estadia naquela cidade, compiladas por lady Blomfield, com ajuda de suas duas filhas e Beatrice Platt. Elas foram publicadas a pedido de 'Abdu'l-Bahá.

O livro Palestras de 'Abdu'l-Bahá; Estados Unidos e Canadá - 1912, o único a receber um título pelo próprio 'Abdu'l-Bahá - A Promulgação da Paz Universal - é outra coletânea de Suas palestras durante Sua permanência no continente americano, compiladas por Howard MacNutt. Sua publicação foi estimulada por 'Abdu'l-Bahá.

Infelizmente, 'Abdu'l-Bahá não leu e não autenticou todas as transcrições de Suas palestras, algumas destas tendo sido traduzidas e publicadas em várias línguas. Muitas delas, incluídas nesta "coleção", nenhum texto autêntico foi ainda achado. No entanto, Shoghi Effendi, o Guardião da Fé Bahá'í, permitiu que estas compilações fossem usadas pelos amigos.

No caso específico de Palestras de 'Abdu'l-Bahá; Londres - 1911, nenhuma transcrição original existe e Shoghi Effendi esclarece que " 'Abdu'l-Bahá in London não pode ser considerado como escritura devido a não haver texto original. Uma gravação verbal de Suas palestras em persa, seria, é claro, mais confiável que em inglês, porque Ele nem sempre era interpretado com precisão. Entretanto, este livro tem valor e certamente tem seu lugar em nossa Literatura".* E a respeito do status das palestras de 'Abdu'l-Bahá que estão publicadas no Palestras de 'Abdu'l-Bahá; Paris - 1911 e A Promulgação da Paz Universal algumas transcrições originais em persa destas palestras estão disponíveis, porém não todas. O Departamento de Pesquisa da Casa Universal de Justiça não pode no momento, providenciar uma lista detalhada de quais extratos são autênticos e quais não são, pois até o presente, tal lista não foi compilada. Isto não quer dizer que as não-identificadas tenham que parar de ser usadas - meramente que o grau de autenticação de cada documento terá de ser conhecido e compreendido.**

* Shoghi Effendi, Unfolding Destiny. BPT of U.K., 1981, p. 208.

** Trecho da carta da Casa Universal de Justiça de 23 de março de 1987.

No futuro, cada palestra *** terá de ser identificada e aquelas que não forem identificadas terão que ser claramente diferenciadas daquelas que fazem parte da Escritura Bahá'í.

*** Há outras compilações de Suas palestras. Das que são de conhecimento público, uma é de Sua segunda passagem por Paris em 1913; compiladas pela sra. I. Chamberlein: 'Abdu'l-Bahá on Divine Philosophy. Outra é uma compilação feita pela Assembléia Espiritual Nacional dos Bahá'ís do Canadá, sobre a passagem de 'Abdu'l-Bahá no Canadá em 1912, intitulada 'Abdu'l-Bahá in Canada.

Editora Bahá´'í do Brasil
ITINERÁRIO DE 'Abdu'l-Bahá
EGITO E VIAGENS AO OCIDENTE
EGITO
1910 Partida de Haifa, ? Ago.
Port Said
Alexandria (Ramlih) até 11/8/1911
A PRIMEIRA VISITA À EUROPA
1911 Londres, 4-23 Set.
Bristol, 23-25 Set.
Londres, 25 Set. - 3 Out.
Paris, 3 Out. - 2 Dez.
Retorna para o Egito
AMÉRICA DO NORTE
COSTA LESTE
1912 Partida de Alexandria, 25 Mar.
Nova York, 11-20 Abr.
Washington DC, 20-28 Abr.
Chicago, 29 Abr. - 6 Maio
Cleveland, OH, 6-7 Maio
Pittsburgh, 7-8 Maio
Washington DC, 8-11 Maio
Nova York, 11-14 Maio
(Montclair, NJ, 12 Maio)
Lake Mohawk, NY, 14-16 Maio
Nova York, 16-22 Maio
Boston, 22-26 Maio
(Worcester, MA, 23 Maio)
Nova York, 26-31 Maio
Fanwood, NJ, 31 Maio - 1 Jun.
Nova York, 1-3 Jun.
Milford, PA, 3 Jun.
Nova York, 4-8 Jun.
Filadélfia, 8-10 Jun.
Nova York, 10-20 Jun.
Montclair, NJ, 20-25 Jun.
Nova York, 25-29 Jun.
West Englewood, NJ, 29-30 Jun.
Morristown, NJ, 30 Jun.
Nova York, 30 Jun. - 23 Jul.
(West Englewood, NJ, 14 jul.)
Boston, 23-24 Jul.
Dublin, NH, 24 Jul. - 16 Ago.
Greenacre, nr. Eliot, ME, 16-23 Ago.
Malden, MA, 23-29 Ago.
Montreal, Quebec, 30 Ago. - 9 Set.
Buffalo, NY, 9-12 Set.
CENTRO-OESTE
Chicago, 12-15 Set.
Kenosha, WI, 15-16 Set.
Chicago, 16 Set.
Minneapolis, 16-21 Set.
OESTE
Omaha, NB, 21 Set
Lincoln, NB, 23 Set.
Denver, CO, 24-27 Set.
Glenwood Springs, CO, 28 Set.
Salt Lake City, UT, 29-30 Set.
São Francisco, 1-13 Out.
Pleasanton, CA, 13-16 Out.
São Francisco, 16-18 Out.
Los Angeles, 18-21 Out.
São Francisco, 21-25 Out.
Sacramento, 25-26 Out.
Denver, 28-29 Out.
VOLTA PARA O LESTE
Chicago, 31 Out. - 3 Nov.
Cincinnati, OH, 5-6 Nov.
Washington, DC, 6-11 Nov.
Baltimore, 11 Nov.
Filadélfia, 11 Nov.
Nova York, 12 Nov. - 5 Dez.
SEGUNDA VISITA À EUROPA
INGLATERRA
Liverpool, 13-16 Dez

Londres, 16 Dez - 6. Jan. 1913 (Oxford, 31 Dez.)

1913 Edinburgh, 6-11 Jan.
Londres, 11-15 Jan.
Bristol, 15-16 Jan.
Londres, 16-21 Jan. (Woking, 18 Jan.)
EUROPA CONTINENTAL
Paris, 22 Jan. - 30 Mar.

Stuttgart, 1-8 Abril (Bad Mergentheim, 7-8 Abr.

Vienna, 8 Abr.
Budapeste, 9-19 Abr.
Stuttgart, 25 Abr. - 1 Maio
Paris, 2 Maio - 12 Jun.
Marselha, 12-13 Jun.
EGITO NOVAMENTE
Port Said, 17 Jun. - 11 Jul.
Ismá'iliyyah, 11-17 Jul.
Alexandria (Ramlih), 17 Jul. - 2 Dez.
Retorno para Haifa, 5 Dez.
PREFÁCIO
À Edição Americana de 1982

É com grande prazer e senso de conveniência do tempo que publicamos esta nova edição de A Promulgação da Paz Universal, pois este ano, 1982 marca o septuagésimo aniversário da histórica visita de 'Abdu'l-Bahá, Filho de Bahá'u'lláh, o Profeta-Fundador da Fé Bahá'í, ao continente americano, um evento que iria ter um profundo impacto na evolução da jovem Fé por todo o mundo e nas vidas de incontáveis indivíduos. Em 1908, a Revolução dos Jovens Turcos havia deposto o tirânico regime do sultão otomano 'Abdu'l-Hamíd. Um dos primeiros atos da nova liderança libertou todos os antigos prisioneiros políticos e religiosos, um dos quais foi 'Abdu'l-Bahá que compartilhou com Seu pai quarenta anos de perseguição e exílio, bem como dezesseis anos adicionais após a morte de Seu pai.

Libertado das rigorosas, e freqüentemente terríveis circunstâncias, sob as quais Ele conduziu os afazeres da Fé Bahá'í durante os primeiros anos de Seu ministério, como sucessor designado por Seu pai, 'Abdu'l-Bahá imediatamente começou a contemplar uma breve passagem pelo Ocidente. Tal viagem serviria tanto para fortalecer a fé dos isolados grupos de Bahá'ís espalhados pelos continentes europeu e norte-americano como para obter publicidade para a Fé. Assim, 'Abdu'l-Bahá viajou primeiramente da Terra Santa ao Egito, e então para a Europa em 1911, retornando ao Egito para o inverno. Em 25 de março de 1912 Ele partiu de Alexandria com destino a Nova Iorque, e uma viagem que finalmente O levaria a toda parte do continente americano, com paradas em muitas das principais cidades dos Estados Unidos.

Durante nove meses, 239 dias ao todo, 'Abdu'l-Bahá viajou constantemente, de um lugar a outro na costa oriental, de Maine a Washington D.C. até a área central de Chicago, e ao retornar, parou em cidades como Filadélfia, Pittsburgh e Cleveland, atravessando finalmente o continente via Montreal, Minneapolis, St. Paul e Denver até a costa ocidental, e depois retornando a Nova Iorque, parando durante longos períodos em algumas cidades que já havia visitado. Quando 'Abdu'l-Bahá partiu de Nova Iorque em 5 de dezembro de 1912, Ele havia completado uma das mais fatigantes viagens de ensino registradas na história religiosa, a mais notável porque foi realizada por um Homem de sessenta e oito anos cuja saúde estava debilitada por longos anos de privação e aprisionamento. Ele deixou atrás de Si um rebanho de crentes que, embora espalhados e separados por longas distâncias, haviam sido reunidos pelos Seus pacientes e persistentes esforços numa nascente comunidade bahá'í.

A Promulgação da Paz Universal é uma compilação de muitas das palestras que 'Abdu'l-Bahá proferiu durante Sua visita aos Estados Unidos e Canadá, palestras que expuseram os princípios da Fé Bahá'í conforme promulgadas por Bahá'u'lláh. Muitas e muitas vezes, Ele falou a todos os que vinham ouvi-Lo, Bahá'ís e também não Bahá'ís, sobre a igualdade entre homens e mulheres, a harmonia entre ciência e religião, a necessidade de educação universal e de uma língua universal, a independente investigação da verdade, a unicidade de Deus, a unicidade e a continuidade dos Profetas de Deus, a unicidade do gênero humano, e a eliminação de preconceitos de toda espécie - todos essenciais para a paz que Bahá'u'lláh veio estabelecer, e que ao livro confere tema e título.

Embora A Promulgação da Paz Universal seja uma compilação das palestras e, portanto, não propriamente uma obra de 'Abdu'l-Bahá, ainda assim é de um "estilo" singular que Lhe é próprio, e ocupa um lugar único na coletânea de Seus escritos e palestras. Sua Última Vontade e Testamento, escrita em três partes, provê a autoridade para a Ordem Administrativa da Fé Bahá'í e assegura sua integridade e unidade. O Segredo da Civilização Divina é um tratado sobre o estado geral da civilização moderna. A Traveller's Narrative, a narrativa dos primórdios da história das revelações Bábí e Bahá'í. Tributo aos Fiéis contém as recordações de 'Abdu'l-Bahá sobre setenta e nove dos primeiros Bahá'ís, todos cativos de seu amor a Bahá'u'lláh. Respostas a Algumas Perguntas é talvez a obra que em formato mais se assemelha a A Promulgação da Paz Universal - uma série de discursos sobre uma diversidade de assuntos. Mas Respostas a Algumas Perguntas foi formado por perguntas propostas a 'Abdu'l-Bahá. Em A Promulgação da Paz Universal, na maioria das vezes 'Abdu'l-Bahá escolheu os assuntos com cuidado e determinação, algumas vezes com deliberada repetição. Pois Ele viera ao Ocidente, não como turista, mas como um emissário, por assim dizer, de Seu pai. À Sua chegada em Nova Iorque, Ele declarou que: "Meu propósito é anunciar na América os princípios fundamentais da revelação e ensinamentos de Bahá'u'lláh."

E foi exatamente isto que Ele fez. Esta nova edição de A Promulgação da Paz Universal, setenta anos após as palestras serem proferidas, novamente nos capacita a sentarmos na primeira fila e escutarmos enquanto 'Abdu'l-Bahá pacientemente explica, uma após a outra, as facetas da Fé Bahá'í, mostrando como cada uma pode trazer esperança, paz e conforto ao nosso atribulado mundo, até que tenhamos coragem, pois Ele disse que devemos "...dar a estes princípios desenvolvimento e a aplicação nas mentes, nos corações e nas vidas das pessoas".

INTRODUÇÃO
À Edição Americana de 1922

Dois anos antes da eclosão da guerra mundial sacudir os continentes e soerguer os oceanos, 'Abdu'l-Bahá 'Abbás visitou os Estados Unidos da América, proclamando as boas-novas da Paz Universal e da unicidade do mundo humano. Em Sua mensagem, ele considerou as condições sociais, religiosas e políticas das nações, predisse o iminente choque e conflito do militarismo, convocando o gênero humano ao estandarte da guia divina erguida neste ciclo dos ciclos pela manifestação e ensinamentos de Bahá'u'lláh. Sua visita, estendendo-se de abril a dezembro de 1912, abrangeu um itinerário de ida e volta de um lado ao outro do continente, significando um extraordinário e inacreditável dispêndio de energia da parte dAquele que no limiar de Seus setenta anos havia passado praticamente toda a vida em exílio e prisão pela Causa de Deus.

Este tesouro de Suas palavras é uma compilação de palestras informais e discursos improvisados, proferidos em persa e árabe, traduzidos por lingüistas hábeis que O acompanharam e tomaram notas estenográficas tanto na língua oriental como na ocidental.

No dia de Sua chegada em Nova Iorque Ele disse: "Meu propósito é anunciar na América os princípios fundamentais da revelação e ensinamentos de Bahá'u'lláh. Então caberá aos Bahá'ís deste país dar a estes princípios desenvolvimento e a aplicação nas mentes, nos corações e nas vidas das pessoas." As palavras de 'Abdu'l-Bahá, portanto, caracterizam-se por uma grande e clara simplicidade e uma base prática, distinguem-se por uma ausência de viagens metafísicas, especulação filosófica e uma retórica meramente eloqüente, sempre refletindo a pura beleza da Palavra de Deus, o fundamento primordial, essencial e eterna sobre o qual repousam a religião, a ciência e todos os avanços humanos.

Durante Sua viagem, em toda parte dos Estados Unidos, 'Abdu'l-Bahá foi recebido e saudado num espírito de amor e reverência. Templos e igrejas de todas as denominações, sinagogas, sociedades pacifistas, instituições religiosas e educacionais, faculdades, clubes femininos, grupos metafísicos e centros de novos pensamentos, prontamente e sem reservas abriram suas portas, púlpitos e plataformas à Sua mensagem. Ele participou de conferências de paz em Lake Mohonk, visitou o fórum público em Green Acre no Piscataqua, dirigiu a palavra a grandes audiências nas universidades Columbia e Leland Stanford, falou a associações científicas, corporações socialistas, cultos éticos, organizações assistenciais e caritativas, compareceu a recepções e banquetes nas mansões dos ricos, visitou pobres e espezinhados em suas humildes casas, levou a luz da esperança e elevação às almas obscurecidas na Bowery Mission - em suma, proclamou Sua mensagem e ensinamentos universalmente a todos os níveis e capacidades do gênero humano, com motivos tão sinceros e puros que todos ouviram-No com alegria e sem preconceito ou antagonismo. Além disso, Sua atividade beneficente na Causa de Deus e Seu amoroso serviço à humanidade eram feitos graciosamente, pois em instância alguma 'Abdu'l-Bahá aceitou remuneração, algo completamente sem precedentes e salutarmente diferente dos métodos arrecadadores dos demais visitantes do Oriente. Ao contrário, era Seu costume fazer doações generosas a igrejas e sociedades religiosas em necessidade, muitas vezes auxiliando com generosos presentes e contribuições as sociedades e associações dedicadas a princípios e ideais universais. Permanecendo do lado externo da Bowery Mission, certa noite Ele distribuiu duzentos dólares em prata a uma longa fila de pessoas indigentes e desconsoladas, dizendo palavras de exaltação e encorajamento enquanto elas passavam por Ele. Em todas as circunstâncias 'Abdu'l-Bahá recusava-Se aceitar dinheiro para Si próprio ou para a Causa que representava. Quando os Bahá'ís deste país receberam a promessa de Sua planejada visita, foi aprovada a quantia de dezoito mil dólares para a despesa de Sua viagem. Ele foi notificado a respeito desse ato e parte do dinheiro Lhe foi enviado por cabograma. Em resposta, Ele enviou um cabograma, dizendo que os fundos contribuídos pelos amigos não podiam ser aceitos, devolveu o dinheiro e instruiu-os a oferecerem suas doações aos pobres.

Em resumo, a visita de 'Abdu'l-Bahá aos Estados Unidos foi singular e característica de Sua elevada e sagrada missão, refletindo um inequívoco altruísmo de propósito e pureza de motivo. Filósofos e cientistas, agnósticos e materialistas, professores, diplomatas e oficiais se encontravam em meio às Suas audiências, ouvindo atentamente e examinando sinceramente as Suas apresentações sobre a aplicação dos exaltados princípios e perfeitos ideais da revelação Bahá'í à educação, elevação e unificação do gênero humano. Em toda parte, nos comentários editoriais e publicação de notícias a Seu respeito, a imprensa foi reverente e respeitosa em espírito e nas declarações, reconhecendo instintivamente Seu elevado propósito e as virtudes manifestas de Seus ensinamentos ao mundo.

Nenhum entendimento a respeito da missão e da significância deste radiante arauto do Novo Dia seria completo sem a visão da cadeia cumulativa da história religiosa que se estende do tempo do aparecimento de 'Abdu'l-Bahá aqui até um período praticamente contemporâneo com o nascimento da independência americana em 1776. Também é de importância especial à luz do fato de que quando Bahá'u'lláh enviou epístolas aos reis e governantes do mundo em 1868, dirigiu uma à república dos Estados Unidos, na qual Ele disse: "Ó assembléia de governantes!... Reuni vós os alquebrados com as mãos da justiça e esmagai o opressor que viceja, com o bastão dos mandamentos do vosso Senhor, o Ordenador, o Sapientíssimo." Um breve resumo será suficiente para mostrar esta seqüência espiritual e progressão histórica da qual 'Abdu'l-Bahá é o ápice e consumação.

Os primeiros raios do alvorecer do resplendente Sol da Realidade, a Palavra de Deus, que se irradiaram do céu da vontade divina sobre o horizonte do mundo humano neste ciclo luminoso, refletiram-se nos puros espelhos de santidade de Shaykh Ahmad-i-Ahsá'í e Siyyid Kázim-i-Rashtí. Como as estrelas matutinas precedem o despontar do poderoso astro rei, estas brilhantes almas se levantaram sucessivamente na Pérsia pelo final do século dezoito, rompendo as sombrias trevas da noite e proclamando o esplendor da iminente manifestação. Completada esta missão, as lâmpadas de suas existências físicas se extinguiram respectivamente em 1826 e 1844.

Em 23 de maio de 1844, Mirza 'Alí Muhammad, o Báb, subitamente inflamou o mundo ao declarar em Shíráz, Pérsia, que o Dia de Deus havia chegado. Durante seis anos como Arauto e Precursor, este cativante mensageiro do reino fez soar Seu chamado celestial, até que em 1850 a brilhante língua e a pena de Sua eloqüência foram silenciadas pelas dores de um glorioso martírio.

Então o céu da religião se cobriu pelo radiante esplendor de Bahá'u'lláh, a Glória de Deus, o manifesto Verbo e Sol da Realidade que por quarenta anos fez jorrar sua bondade sobre o mundo humano, estendendo-se até o tempo de seu ocaso (i.e. o passamento de Bahá'u'lláh) em 1892. Durante todos esses anos, este glorioso Ser foi submetido a contínuo exílio, aprisionamento e opressão por governantes mundanos, até que após infinitas dificuldades e sofrimentos, Ele ascendeu dessas abjetas condições e ambientes de tirania religiosa e política à Sua morada no mundo supremo.

Mas a equação do propósito divino ainda não estava completa. A vinda de Bahá'u'lláh cumpriu as promessas proféticas dos livros sagrados dos judeus, cristãos, muçulmanos, zoroastrianos, hinduístas, budistas e outros. Tal como imensos rios, confinados aos seus próprios leitos estes diferentes sistemas de crença e culto religioso, incapazes de se misturarem no decorrer de seus cursos, encontraram sua predestinada união e confluência no infinito oceano das elocuções de Bahá'u'lláh. Além disso, o supremo e derradeiro produto da revelação divina, a apoteose da profecia e o resultado universal no qual todas as religiões celestiais se realizariam era aquela quintessência dos ciclos, aquele "Mistério de Deus", um perfeito "Servo" em quem as vontades divina e humana haviam encontrado a completa combinação. Este santificado personagem iria aparecer no grande Dia de Deus, o Dia de esplendor universal em que "a glória do Senhor será revelada, e toda a humanidade o verá de uma só vez."

Na última metade do século dezenove, as nações e povos do mundo haviam se tornado tão intimamente associados e reunidos em sua existência física, tão interligados e interdependentes nas necessidades e requisitos da vida, que os problemas políticos de um governo agora afetavam e influenciavam as condições de todos eles. O mundo havia se tornado uma grande família humana, na qual os interesses eram muito intimamente relacionados, as responsabilidades mútuas e os problemas universais. Por isso, a palavra de Deus revelada por Bahá'u'lláh era universal em suas provisões e o remédio para as condições da humanidade, as quais, embora resultassem diretamente da vontade e da ação humana, haviam sido constantemente previstas pelos olhos oniscientes e ditas pelas línguas dos Profetas, segundo registradas em todos os Livros sagrados. Inúmeras almas brilhantes em todo o Oriente haviam aceitado e seguido este manifesto estandarte de unidade e reconciliação. Eles haviam sido divergentes, hostis e irreconciliáveis na herança, na educação e na crença religiosa, mas sob a influência benigna e penetrante do Espírito Santo e do Verbo feito carne em Bahá'u'lláh, eles atingiram a abençoada condição de unicidade e amor no céu do reino.

Para estreitar, salvaguardar e fomentar essa unidade e amor, Bahá'u'lláh designou um sucessor a Quem todos devem se volver em busca de guia e iluminação, após Sua própria partida, nomeando no Livro do Convênio, escrito pelo Seu próprio punho, Seu filho mais velho, o Mais Grandioso Ramo, 'Abdu'l-Bahá, como o Centro do Convênio em Quem os Bahá'ís de todo o mundo reconhecem a autoridade da perfeita servitude no limiar da Palavra manifesta.

A grande sabedoria desta nomeação é demonstrada de muitas maneiras. É particularmente evidente, quando constatamos que desde Sua mais tenra infância 'Abdu'l-Bahá esteve inseparavelmente associado a Bahá'u'lláh. Nascido em Teerã em 23 de maio de 1844, o dia exato da declaração do Báb, Seu próprio nascimento prenunciava a importância de Sua vida e Seu ser no processo e na consumação divina deste ciclo luminoso. À idade de oito anos, Ele foi um dos membros do pequeno grupo de exilados que cruzou a fronteira da Pérsia em direção ao Iraque, participando de vicissitudes e sofrimentos com resistência heróica e sendo submetido, juntamente com os demais, a contínuos aprisionamentos em diversas cidades até chegarem à cidade-prisão de 'Akká na Síria (hoje Israel), em 31 de agosto de 1868. Durante toda esta longa e fiel vigília de devoção a Bahá'u'lláh e lealdade à Causa de Deus, os anais da vida de 'Abdu'l-Bahá são puros e imaculados, maravilhosos em sua elevação e resplendentes com a beleza da santidade. Quando o tirânico regime do sultão 'Abdu'l-Hamíd findou, os portões de 'Akká foram escancarados e 'Abdu'l-Bahá saiu livre no quadragésimo aniversário de Sua entrada naquele lugar esquecido e indescritível. Isto foi em 31 de agosto de 1908. Em 1911, dois anos após Sua libertação de uma vida em martírio de cinqüenta e seis anos, aos sessenta e sete anos de idade, Ele visitou a Europa, retornando ao Egito, donde em 1912 partiu para a América, conforme foi dito.

Até aqui as evidências das forças e influências divinas que envolveram a vida de 'Abdu'l-Bahá são suficientes para impressionar e convencer qualquer alma atenta de que estamos observando uma personalidade incomum e majestosa, uma figura de autoridade mundial que surgiu para elevação, unificação e paz do gênero humano. São de fato tenebrosos os horizontes do mundo a menos que contemplemos a radiante beleza deste Sol da Realidade. O mundo humano, mergulhando cada vez mais profundamente e com ímpeto crescente nos mares do materialismo, em sua crucial necessidade e tensão está clamando por auxílio e solução, por um novo espírito criativo de vida e regeneração, um vigor e cura oriundos diretamente de Deus. E nesta época 'Abdu'l-Bahá, o mensageiro da Paz Universal e da unicidade do mundo humano, está dirigindo Seu chamado de salvação às nações da terra com palavras celestiais reforçadas por um dinâmico poder espiritual impulsor e carregado com os puros sopros do Espírito Santo.

A posição de servitude de 'Abdu'l-Bahá na Causa divina ... de âmbito mundial e universal, além das limitações de raça, denominação, credo ou nacionalidade, uma posição suprema em sua sublimidade, perfeita em sua humildade - Servo dos servos de Deus. É deveras significativa a Sua visita às costas do mundo ocidental; deveras fecundas são Suas palavras às altamente organizadas civilizações materiais do Ocidente; deveras potente Sua mensagem de paz e unidade do gênero humano, unindo o Oriente e o Ocidente em solidariedade espiritual, mesclando o velho mundo e o novo mundo sob as leis benéficas do reino celestial.

Em obediência à ordem explícita de 'Abdu'l-Bahá, esta introdução foi escrita por um humilde seguidor de Sua luz e um devotado amante de Sua beleza. Que a Glória de Deus ilumine este coração e guie esta pena a cumprir Sua vontade nesta suprema responsabilidade.

Howard MacNutt
EXCERTOS DAS EPÍSTOLAS

À Sua Reverência, sr. Howard MacNutt, Brooklyn, Nova Iorque, E.U.A.

Ó tu velho amigo!

. . . Tua intenção de imprimir e publicar os discursos de 'Abdu'l-Bahá que tu compilaste é de fato muito recomendável. Este serviço te fará adquirir uma face radiante no reino de Abhá e te tornará o objeto de louvor e gratidão dos amigos no Oriente bem como no Ocidente. Mas isto deve ser feito com o máximo cuidado de modo que seja reproduzido o texto exato e que todos os erros e desvios cometidos pelos tradutores anteriores sejam excluídos.

Abdu'l-Bahá Abbás
(Haifa, Palestine, 13 de abril de 1919)

À Sua Reverência, sr. Albert R. Windust, Chicago, Illinois, E.U.A.

Ó tu servo de Sua Santidade Bahá'u'lláh!

... Intitula o livro que sr. MacNutt está compilando em: "A Promulgação da Paz Universal". Quanto à sua Introdução, deve ser escrita pelo próprio sr. MacNutt, pois ele está volvendo seu coração ao reino de Abhá a fim de poder deixar um vestígio permanente atrás de si. Envia um exemplar dele à Terra Santa.

Abdu'l-Bahá Abbás
(Bahji, 'Akká, Palestina, 20 de julho de 1919)
I
PALESTRAS PROFERIDAS
POR 'Abdu'l-Bahá EM
NOVA IORQUE E BROOKLYN
1
11 DE ABRIL DE 1912

Palestra na Residência do sr. e sra. Edward B. Kinney

Avenida West End, 780, Nova Iorque
Registrada por Hooper Harris
Como estais vós? Bem-vindos! Bem-vindos!

Hoje, depois de chegar, embora fatigado da viagem, tive o máximo anseio e desejo de vos ver, e não pude resistir a este encontro. Agora que me encontrei convosco, todo o meu cansaço desapareceu, pois vos encontrar é causa de alegria espiritual.

Eu estava no Egito e não me sentia bem, mas desejava vir vos ver na América. Meus amigos diziam: "Esta é uma longa viagem; o mar é imenso, o senhor deveria ficar aqui." Mas quanto mais me aconselhavam e insistiam, maior se tornava meu desejo de fazer esta viagem, e agora vim à América visitar os amigos de Deus. Esta longa viagem provará quão grande é meu amor por vós. Havia muitos problemas e vicissitudes, mas, ao pensar em me encontrar convosco, todas essas coisas desapareceram e foram esquecidas.

A cidade de Nova Iorque me agrada muito. Sua entrada portuária, suas pontes, prédios e largas avenidas são magníficos e belos. É realmente uma cidade maravilhosa. Como Nova Iorque teve todo esse progresso na civilização material, espero que também progrida espiritualmente no Reino e no Convênio de Deus, de modo que os amigos daqui possam se tornar causa de iluminação da América, que esta cidade se torne a cidade do amor e daqui as fragrâncias de Deus sejam difundidas para todas as partes do mundo. Eu vim para isso. Rezo para que vós sejais as manifestações do amor de Bahá'u'lláh, que cada um de vós possa vir a ser como uma brilhante lâmpada de cristal, da qual os raios das graças da Abençoada Perfeição possam se irradiar para todas as nações e povos. Esta é minha mais alta aspiração.

Foi uma viagem muito, muito longa. Quanto mais viajávamos, mais imenso parecia o mar. O tempo estava sempre brilhante e bom; não houve nenhuma tempestade e o mar era interminável.

Estou muito contente em vos ver a todos aqui hoje. Louvores a Deus por vossas faces estarem brilhando com o amor de Bahá'u'lláh. Contemplá-las traz uma grande alegria espiritual. Planejamos encontrar-vos todos os dias nas casas dos amigos.

No Oriente as pessoas me perguntavam: "Por que motivo o senhor fará esta longa viagem? Seu corpo não irá agüentar as durezas de tal viagem." Sempre que necessário, meu corpo pode agüentar qualquer coisa. Ele suportou quarenta anos de aprisionamento e ainda pode superar as maiores provações.

Haverei de vos ver novamente. Agora vou cumprimentar cada um de vós pessoalmente. É minha esperança que estejais todos felizes e que nos encontremos muitas e muitas vezes.

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12 DE ABRIL DE 1912

Palestra na Residência do Sr. e Sra. Howard MacNutt

Eastern Parkway, 935, Brooklyn, Nova Iorque
Registrada por Howard MacNutt

Esta é a mais feliz das visitas. Eu cruzei o mar, vindo das terras do Oriente, pelo prazer de encontrar os amigos de Deus. Embora eu esteja fatigado de minha longa jornada, a luz do espírito brilhando em vossas faces me descansa e recompensa. Nesta reunião, as suscetibilidades divinas estão radiantes. Esta é uma casa espiritual, a habitação do espírito. Não há discórdia aqui; tudo é amor e unidade. Quando as almas estão reunidas desta maneira, as dádivas divinas são concedidas. O propósito da criação do homem é alcançar as supremas virtudes da humanidade através da obtenção das dádivas celestiais. O propósito da criação do homem, portanto, é unidade e harmonia, e não discórdia e separação. Se não houvesse afinidade entre os átomos que compõem o reino dos minerais, a terra jamais se teria formado, o universo não poderia ter sido criado. É por causa da afinidade que eles têm uns pelos outros que a força da vida pode se manifestar, e os organismos do mundo fenomênico se tornam possíveis. Quando essa atração ou afinidade atômica é destruída, a força da vida deixa de se manifestar e o resultado é morte e inexistência.

Do mesmo modo, isto ocorre no mundo espiritual. Este é o Reino de completa atração e afinidade. É o Reino do Único Espírito Divino, o Reino de Deus. Assim, a afinidade e o amor que se manifestam nesta reunião, as suscetibilidades divinas aqui testemunhadas, não são deste mundo, mas provenientes do mundo do Reino. Quando as almas são separadas e egoístas, as graças divinas não descem e as luzes da Assembléia Suprema não mais se refletem, mesmo que os corpos estejam reunidos. Um espelho com as costas voltadas para o sol não pode refletir o esplendor deste. Louvores a Deus! O propósito desta assembléia é amor e unidade.

Os profetas de Deus vieram para estabelecer a unidade do Reino nos corações dos homens. Todos eles proclamaram as boas-novas das dádivas divinas ao mundo humano. Todos trouxeram a mesma mensagem do amor divino ao mundo. Jesus Cristo deu Sua vida na cruz pela unidade do gênero humano. Do mesmo modo, os que acreditaram nEle sacrificaram sua vida, honra, posses, família, tudo, a fim de que este mundo humano pudesse ser libertado do inferno da discórdia, inimizade e contenda. Seu princípio era a unidade da humanidade. Apenas poucos foram atraídos a Ele. Não foram os reis e governantes de Sua época. Não foram pessoas ricas e importantes. Alguns deles eram pescadores. A maioria deles era ignorante, sem instrução nos conhecimentos deste mundo. Um dos mais destacados entre eles, Pedro, não conseguia se lembrar dos dias da semana. Todos eles eram homens sem importância aos olhos do mundo. Mas seus corações eram puros e atraídos pelo fogo do Espírito Divino manifestado em Cristo. Com este pequeno exército, Cristo conquistou o mundo oriental e ocidental. Reis e nações se levantaram contra Ele. Filósofos e os homens mais eruditos atacaram e blasfemaram contra Sua Causa. Todos foram derrotados e superados, suas línguas se calaram, sua luz foi extinta, seu ódio, suprimido; nenhum traço deles permaneceu. Eles se tornaram como inexistentes, enquanto Seu Reino é triunfante e eterno.

A brilhante estrela de Sua Causa ascendeu ao zênite, enquanto escuridão envolveu Seus inimigos e os eclipsou. Seu nome, amado e venerado por poucos discípulos, é reverenciado agora pelos reis e nações do mundo. Seu poder é eterno; Sua soberania continuará para sempre, enquanto aqueles que se Lhe opuseram foram arrasados, seus nomes, ignorados e esquecidos. O pequeno exército de discípulos transformou-se numa poderosa legião de milhões. As Hostes Celestiais, a Assembléia Suprema são Suas legiões; a Palavra de Deus é Sua espada; o poder de Deus, Sua vitória.

Jesus Cristo sabia que isto iria acontecer e estava contente em sofrer. Sua humilhação era Sua glorificação; Sua coroa de espinhos, um diadema celestial. Quando eles a forçaram na Sua abençoada cabeça e golpearam Sua formosa face, estabeleceram as fundações de Seu Reino imorredouro. Ele continua soberano, enquanto eles e seus nomes se perderam e foram ignorados. Ele é eterno e glorioso; eles são um simples nada. Eles queriam destruí-Lo, mas destruíram a si próprios e, com os ventos de sua oposição, aumentaram a intensidade de Sua chama.

Por intermédio de Sua morte e de Seus ensinamentos, nós entramos em Seu Reino. Seu ensinamento essencial foi a unidade da humanidade e o cumprimento das supremas virtudes humanas através do amor. Ele veio para estabelecer o Reino de paz e de vida eterna. Podeis encontrar em Suas palavras qualquer justificativa para discórdia e inimizade? O propósito de Sua vida e a glória de Sua morte foram libertar a humanidade dos pecados da contenda, guerra e carnificina. As grandes nações do mundo se orgulham de que suas leis e sua civilização se baseiam na religião de Cristo. Por que então travam guerra umas contra as outras? O Reino de Cristo não pode ser mantido se for destruído e desobedecido. As bandeiras de Seus exércitos não podem conduzir as forças de Satã. Considerai o triste retrato da Itália travando guerra em Trípoli. Se a Itália fosse proclamada uma nação bárbara e não-cristã isto seria negado com veemência. Mas será que Cristo aprovaria o que eles estão fazendo em Trípoli? Esta destruição de vidas humanas é obediência às Suas leis e ensinamentos? Onde Ele ordena tal coisa? Onde ele consente tal coisa? Ele foi morto pelos Seus inimigos; Ele não matou. Ele até amou e orou por aqueles que O crucificaram. Por isso, essas guerras e crueldades, este derramamento de sangue e pesar são o Anticristo e não Cristo. Estas são as forças da morte e de Satã, não das hostes da celestial Assembléia Suprema.

Um conflito não menos amargo é o que existe entre seitas e denominações. Cristo era o divino Centro de unidade e amor. Sempre que prevalecer discórdia sobre a unidade, sempre que ódio e antagonismo tomam o lugar de amor e camaradagem espiritual, aí reina o Anticristo em vez de Cristo. Quem está com a razão nessas controvérsias e antagonismos entre as seitas? Cristo ordenou que amassem ou que odiassem uns aos outros? Ele amou até mesmo Seus inimigos e, na hora da crucificação, orou por aqueles que O mataram. Portanto, ser cristão não é meramente levar o nome de Cristo e dizer: "Eu pertenço a um governo cristão." Ser um cristão verdadeiro é ser um servo de Sua Causa e de Seu Reino, caminhar sob Sua bandeira de paz e amor a toda a humanidade, ser abnegado e obediente, vivificar-se pelos sopros do Espírito Santo, ser espelhos que reflitam o esplendor da divindade de Cristo, ser árvores frutíferas em Seu jardim, refrescar o mundo com a água da vida de Seus ensinamentos - ser como Ele em todas as coisas e pleno do espírito de Seu amor.

Louvores a Deus! A luz da unidade e amor está brilhando nestas faces. Estas suscetibilidades espirituais são os verdadeiros frutos celestiais. O Báb e Bahá'u'lláh, há mais de sessenta anos, proclamaram as boas-novas da paz universal. O Báb foi martirizado na Causa de Deus. Bahá'u'lláh sofreu quarenta anos como prisioneiro e exilado para que o Reino de amor pudesse ser estabelecido no Oriente e no Ocidente. Ele tornou possível que nós nos encontrássemos aqui em amor e unidade. Ele sofreu aprisionamento para que nós fôssemos livres para proclamar a unicidade do mundo humano pela qual Ele sofreu por tanto tempo e tão fielmente. Ele foi acorrentado em masmorras, Ele ficou sem alimento, Seus companheiros eram ladrões e criminosos, Ele foi submetido a todo tipo de brutalidade e aflição, mas no decorrer de tudo isso nunca parou de proclamar a realidade da Palavra de Deus e a unicidade da humanidade. Foi pelo poder de Sua Palavra que nós nos reunimos aqui - vós da América e eu da Pérsia - todos em espírito de amor e unidade. Isto era possível nos séculos anteriores? Se isto se tornou possível após cinqüenta anos de sacrifício e ensino, o que nós devemos esperar nos maravilhosos séculos por vir?

Portanto, que vossas faces se tornem mais radiantes de esperança e determinação celestial para servir à Causa de Deus, difundir as puras fragrâncias do divino jardim de rosas da unidade, despertar as suscetibilidades espirituais nos corações dos homens, novamente inflamar o espírito da humanidade com o fogo divino e refletir a glória celestial neste tenebroso mundo de materialismo. Quando possuirdes essas divinas suscetibilidades, sereis capazes de despertar e desenvolvê-las nos outros. Não podemos dar de nossas riquezas aos pobres a menos que as possuamos. Como pode o pobre dar ao pobre? Como pode a alma privada das graças celestiais desenvolver em outras almas a capacidade de receber essas graças?

Adornai-vos com as perfeições das virtudes divinas. Minha esperança é que possais ser despertados e vivificados pelos sopros do Espírito Santo. Então sereis realmente os anjos celestiais que, segundo Cristo prometeu, apareceriam neste Dia para colher os frutos da plantação divina. Esta é minha esperança. Esta é minha prece por vós.

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12 DE ABRIL DE 1912
Palestra no Estúdio da Srta. Phillips
Rua Setenta e Sete, 39, Zona Oeste, Nova Iorque
Registrada por John G. Grundy

Eu vos saúdo em amor e unidade. Os afazeres deste mundo são como nada diante da alegria e da felicidade celestial de encontrar os amigos de Deus. É para sentir esta grande alegria e bênção que vim aqui, embora cansado de minha longa viagem através do mar. Nesta noite, sinto a máxima alegria ao ver esta grande assembléia divina. Vossa reunião aqui é certamente uma evidência de que estais apoiando a Causa de Deus, que estais ajudando e auxiliando no estabelecimento do Reino de Deus. Por isso, minha maior alegria é contemplar vossas faces e sentir que fostes reunidos pelo poder da Abençoada Perfeição, Bahá'u'lláh. Nesta reunião, estais levantando Seu estandarte e apoiando Sua Causa. Portanto, contemplo em vós a criação de uma vistosa árvore na qual os frutos divinos aparecerão a fim de sustentar o mundo da humanidade.

Com os corações incandescentes pelo fogo do amor de Deus e os espíritos refrescados pelo alimento do espírito celestial, deveis seguir adiante como os discípulos fizeram há dezenove séculos, vivificando os corações dos homens com o chamado de boas-novas, com a luz de Deus em vossas faces, afastados de tudo salvo de Deus. Portanto, dirigi vossas vidas de acordo com o primeiro princípio do ensinamento divino, que é o amor. Servir à humanidade é servir a Deus. Deixai que o amor e a luz do Reino se irradiem através de vós de modo que todo aquele que vos olhar seja iluminado pelo seu reflexo. Sede como estrelas, brilhantes e cintilantes na sublimidade de sua posição celestial. Sabeis o valor do Dia em que viveis?

Este é o século da Abençoada Perfeição!
Este é o ciclo da luz de Sua beleza!
Este é o dia da consumação de todos os Profetas!

Estes são os dias de semeadura. Estes são os dias de plantio. As generosas dádivas de Deus são contínuas. Aquele que lançar uma semente neste dia verá sua recompensa em forma de frutos e colheitas do Reino celestial. Esta oportuna semente, ao ser plantada nos corações dos amados de Deus, será regada pelas chuvas da misericórdia divina e aquecida pelo sol do amor divino. Suas flores e frutos serão a solidariedade do gênero humano, a perfeição da justiça e os louváveis atributos do céu manifestos na humanidade. Todos aqueles que espalharem tal semente e plantarem tal árvore de acordo com os ensinamentos de Bahá'u'lláh, certamente testemunharão este resultado divino na plenitude de sua perfeição e atingirão o beneplácito do Misericordioso.

Hoje as nações do mundo estão dedicadas a si mesmas, ocupadas com realizações efêmeras e transitórias, consumidas pelos fogos da paixão e do egoísmo. O ego é dominante; inimizade e animosidade prevalecem. As nações e os indivíduos pensam somente em seus interesses e realizações mundanos. A explosão da guerra e o estrondo da contenda são ouvidos em seu meio. Mas, os amigos da Abençoada Perfeição não têm outros pensamentos senão os celestiais e o amor de Deus. Por isso, sem demora, deveis usar vossas forças em difundir o fulgente brilho do amor de Deus e de tal modo conduzir vossas vidas que possais ser conhecidos e considerados como exemplos de sua radiância. Deveis tratar todos com amorosa bondade, de modo que esta preciosa semente, a qual fostes incumbidos de plantar, possa continuar a crescer e produzir seus frutos perfeitos. Se tiverdes amor em vossos corações, o amor e a misericórdia de Deus realizarão isto através de vós.

As portas do Reino estão abertas. Brilham as luzes do Sol da Verdade. As nuvens da divina mercê fazem chover suas preciosas jóias. Os zéfiros de uma nova primavera divina sopram seus fragrantes alentos do mundo invisível. Sabei então o valor desses dias.

Despertai para a realização desta oportunidade celestial. Esforçai-vos com toda a força de vossas almas, vossos atos, ações e palavras para ajudar a difundir essas boas-novas e a descida dessa graça misericordiosa. Vós sois a realidade e a expressão de vossos feitos e ações. Se seguirdes os preceitos e ensinamentos da Abençoada Perfeição, vossos serão o mundo celestial e o Reino sempiterno - felicidade perpétua, amor e vida eterna. Emanam as graças divinas. A cada um de vós foi dada a oportunidade de se tornar uma árvore carregada de frutos. Esta é a primavera de Bahá'u'lláh. O verdor e a folhagem do desenvolvimento espiritual estão aparecendo em grande abundância nos jardins dos corações humanos. Sabei o valor desses dias passageiros e dessas noites que desvanecem. Esforçai-vos por atingir uma condição de absoluto amor uns pelos outros. Na ausência de amor, a inimizade aumenta. Com o exercício do amor, este se reforça e a inimizade se extingue.

Considerai-me - em idade avançada, oprimido por enfermidades físicas - cruzei o imenso oceano para contemplar vossas faces. Tenho a esperança de que através da vida espiritual vós todos possais vos tornar como uma só alma, como uma árvore que adorna o jardim de rosas do Reino. Tenho a esperança de que os infindáveis tesouros das dádivas de Deus possam doravante ser vossos. Suplico que a Assembléia Suprema possa ser iluminada pelas vossas luzes resplandecentes, brilhando para sempre nos céus de glória eterna.

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13 DE ABRIL DE 1912

Palestra na Residência do Sr. e Sra. Alexander Morten

Rua Vinte e Um, 141, Zona Leste, Nova Iorque
Registrada por Esther Foster

Louvores a Deus! Esta é uma reunião radiante. As faces estão brilhando com a luz de Deus. Os corações estão atraídos para o Reino de Bahá. Suplico a Deus que dia a dia vossas faces se tornem mais brilhantes; que dia a dia possais estar mais próximos de Deus; que dia a dia possais obter uma porção maior das emanações do Espírito Santo, de modo que possais vir a ser circundados pelas graças celestiais.

O mundo espiritual é como o mundo fenomênico. Cada um é o exato correlato do outro. Quaisquer coisas que apareçam neste mundo de existência são retratos exteriores do mundo celestial. Quando observamos o mundo fenomênico, notamos que é dividido em quatro estações; uma é a primavera, a outra, o verão, e depois o outono, e então essas três estações são seguidas pelo inverno. Quando a primavera aparece no campo da existência, todo o mundo rejuvenesce e encontra nova vida. A refrescante brisa sopra de todas as direções; as graças vivificadoras estão em toda parte; as nuvens da misericórdia derramam sua chuva, e o sol brilha sobre todas as coisas. Dia após dia percebemos que os sinais da vegetação nos cercam de todos os lados. Flores maravilhosas, jacintos e rosas perfumam as narinas. As árvores estão carregadas de folhas e flores, e as flores dão lugar a frutos. A primavera e o verão são seguidos por outono e inverno. As flores murcham e deixam de existir; as folhas secam e perdem a vida. Então surge nova primavera; a antiga primavera é renovada; novamente surge nova vida em todas as coisas.

O aparecimento dos Manifestantes de Deus é a primavera divina. Quando Cristo apareceu neste mundo, foi como a graça primaveril; as emanações desceram; as resplandecências do Misericordioso envolveram todas as coisas; o mundo humano encontrou nova vida. Até mesmo o mundo físico participou disso. As perfeições divinas ascenderam; as almas foram treinadas na escola celestial e assim todos os graus da existência humana receberam vida e luz. Então, gradualmente essas fragrâncias do céu cessaram de emanar; o inverno tomou conta do mundo; as dádivas da primavera desapareceram; as excelências e perfeições se extinguiram; as luzes e a vivificação não mais apareciam; o mundo fenomênico e seus atributos materiais conquistaram todas as coisas; os aspectos espirituais da vida foram perdidos; o mundo da existência tornou-se um corpo sem vida; não ficou qualquer traço da primavera.

Bahá'u'lláh veio a este mundo. Ele renovou aquela primavera. Sopram as mesmas fragrâncias; o mesmo calor do Sol está concedendo vida; a mesma nuvem está derramando sua chuva, e com nossos próprios olhos vemos o mundo da existência avançar e progredir. O mundo humano encontrou nova vida.

Tenho a esperança de que cada um e todos vós possais vos tornar semelhantes a árvores verdejantes e viçosas de modo que, através das brisas da primavera divina, das emanações celestiais e do calor do Sol da Verdade, vós vos torneis eternamente revivificados; que fiqueis carregados de flores e vos torneis frutíferos; que não sejais como árvores estéreis. Árvores infrutíferas não produzem flores nem frutos. Espero que todos vós possais tornar-vos amigos do paraíso de Abhá, mostrando-vos com o máximo frescor e beleza espiritual. Oro por vós e suplico a Deus confirmações e ajuda.

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14 DE ABRIL DE 1912
Palestra na Igreja da Ascensão

Esquina da Quinta Avenida com Rua Dez, Nova Iorque

Registrada por Ahmad Sohrab e Howard MacNutt

Em sua preleção a respeito das escrituras, esta manhã, o honrado doutor leu os versículos da Epístola de São Paulo aos Coríntios: "Agora vemos em espelho e de maneira confusa, mas depois veremos face a face." (1 Coríntios 13:12)

Antigamente a luz da verdade era vista de um modo turvo através de vidros multicoloridos, mas agora os esplendores da Divindade devem estar visíveis através dos espelhos translúcidos de corações e espíritos puros. Os ensinamentos divinos, as instruções celestiais, os princípios misericordiosos e a civilização espiritual são a luz da verdade. Desde minha chegada a este país, tenho visto que a civilização material progrediu imensamente, o comércio atingiu o máximo grau de expansão; as artes, a agricultura e pormenores da civilização material chegaram ao estágio máximo de perfeição, mas a civilização espiritual foi deixada para trás. A civilização material é como uma lâmpada, enquanto a civilização espiritual é a luz dessa lâmpada. Se a civilização material e a espiritual se tornarem unidas, então teremos a lâmpada e a luz juntas, e o resultado será perfeito, pois a civilização material é como um belo corpo, e a civilização espiritual, como o espírito de vida. Se esse maravilhoso espírito de vida penetrar nesse formoso corpo, este se tornará um canal de distribuição e desenvolvimento das perfeições da humanidade.

Jesus Cristo veio ensinar aos povos do mundo esta civilização celestial, e não a material. Ele insuflou o sopro do Espírito Santo no corpo do mundo e estabeleceu uma civilização iluminada. Entre os princípios da civilização divina que Ele veio proclamar está a Suprema Paz da humanidade. Dentre Seus princípios de civilização espiritual está a unicidade do reino humano. Dentre os princípios da civilização celestial trazida por Ele está a virtude do mundo humano. Dentre os princípios da civilização celestial que Ele anunciou estão a melhora e o aperfeiçoamento da moralidade humana.

Hoje o mundo humano tem carência de unidade internacional e conciliação. Para estabelecer estes grandes princípios fundamentais necessita-se de uma força propulsora. É intrinsecamente evidente que a unidade do mundo humano e a Suprema Paz não podem ser atingidos através de meios materiais. Não podem ser estabelecidos por meio de poder político, pois os interesses políticos das nações são variados e as políticas dos povos, divergentes e conflitantes. Não podem ser criadas através de poder racial ou patriótico, pois estes são poderes humanos, egoístas e fracos. A própria natureza das diferenças raciais e preconceitos patrióticos impede a realização dessa unidade e acordo. É evidente, portanto, que a promoção da unicidade do reino humano, que é a essência dos ensinamentos de todos os Manifestantes de Deus, é impossível a não ser por intermédio do poder divino e dos sopros do Espírito Santo. Outros poderes são excessivamente fracos e incapazes de tal realização.

Ao homem são necessárias duas asas. Uma asa é o poder físico e a civilização material; a outra é o poder espiritual e a civilização divina. Com apenas uma asa o vôo é impossível. É essencial que haja duas asas. Por isso, não importa quão avançada seja a civilização material, ela não pode chegar à perfeição a não ser através do avanço da civilização espiritual.

Todos os Profetas vieram para promover as dádivas divinas, fundar a civilização espiritual e ensinar os princípios da moralidade. Por isso devemos nos esforçar com todas as nossas forças para que as influências espirituais possam ser vitoriosas. Pois as forças materiais atacaram o gênero humano. O mundo humano está submerso num mar de materialismo. Os raios do Sol da Realidade são visíveis, porém enfraquecidos e obscurecidos por vidros opacos. O penetrante poder da graça divina não está totalmente manifesto.

Na Pérsia, há imensas diferenças entre as várias religiões e seitas. Bahá'u'lláh surgiu naquele país e fundou a civilização espiritual. Ele estabeleceu união entre os vários povos, promoveu a unicidade do mundo humano e desfraldou a bandeira da Suprema Paz. Ele escreveu Epístolas especiais a respeito desses fatos a todos os reis e governantes das nações. Há sessenta anos Ele transmitiu Sua mensagem aos líderes do mundo político e aos altos dignitários do mundo espiritual. É por isso que a civilização espiritual está em progresso no Oriente e a unicidade da humanidade e a paz entre as nações estão sendo atingidas passo a passo. Agora eu vejo um poderoso movimento pela paz universal surgindo da América. Tenho a esperança de que este estandarte da unicidade da humanidade possa ser erguido com a máxima firmeza para que o Oriente e o Ocidente venham a se reconciliar perfeitamente e atingir completa intercomunicação, que os corações do Leste e do Oeste possam se tornar unidos e atraídos, que a verdadeira união surja, que a luz da orientação brilhe, os esplendores divinos se tornem dia a dia mais visíveis, de modo que o mundo humano encontre completa tranqüilidade, que a felicidade eterna do homem se torne evidente e os corações dos povos do mundo sejam como espelhos nos quais possam ser refletidos os raios do Sol da Realidade. Conseqüentemente, meu pedido é que vós deveis vos esforçar para que a luz da realidade possa resplandecer e a felicidade eterna do mundo humano possa se tornar manifesta.

Rezarei por vós a fim de que possais atingir essa felicidade imorredoura. Quando cheguei a esta cidade, fiquei muito feliz, pois percebi que aqui as pessoas têm capacidade para as dádivas divinas e são merecedoras da civilização celestial. Oro para que possais atingir todas as graças misericordiosas.

Ó Todo-Poderoso! Ó Deus! Ó Tu o Compassivo! Este servo Teu apressou-se às regiões do Ocidente vindo das regiões mais remotas do Oriente para que, porventura, essas narinas possam ser perfumadas pelas fragrâncias de Tuas dádivas; que as brisas do jardim de rosas da orientação possam soprar sobre estas cidades; que o povo possa atingir a capacidade de receber Teus favores; que os corações possam se regozijar pelas Tuas boas-novas; que os olhos possam contemplar a luz da realidade; que os ouvidos possam ser despertados para o chamado do Reino. Ó Todo-Poderoso! Ilumina os corações. Ó Deus bondoso! Torna as almas o desejo do jardim de rosas e do prado. Ó Bem-amado incomparável! Infunde as fragrâncias de Tua bondade. Irradia as luzes da compaixão de modo que os corações possam ser limpos e purificados, e que possam obter uma porção de Tuas confirmações. Em verdade, esta congregação busca Teu caminho, procura Teu mistério, contempla Tua face e deseja ser identificada por Teus atributos.

Ó Todo-Poderoso! Confere Tuas infinitas graças. Concede Teu inexaurível tesouro para que estes incapazes possam se tornar fortes.

Tu, em verdade, és o Bondoso. És o Generoso. És o Onisciente, o Onipotente.

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14 DE ABRIL DE 1912

Palestra na Reunião do Centro de Pensamento Avançado

Liceu Carnegie
Rua Cinqüenta e Sete, Zona Oeste, Nova Iorque
Registrada por Mountfort Mills e Howard MacNutt

Eu vim de terras distantes para visitar as reuniões e assembléias deste país. Em todo encontro vejo pessoas reunidas, amando umas às outras; por isso estou imensamente satisfeito. Os laços de união estão evidentes hoje nesta assembléia, na qual aqueles que se dedicam ao desenvolvimento do mundo humano foram reunidos em fé, entendimento e concórdia pelo poder de Deus. É minha esperança que, do mesmo modo, toda a humanidade possa se tornar unida nos laços de entendimento e amor. Unidade é a expressão do amoroso poder de Deus e reflete a realidade da Divindade. Neste Dia ela resplandece através das dádivas de luz à humanidade.

Por todo o universo, o poder divino resplandece em infindáveis imagens e retratos. O mundo da criação, o mundo humano, pode ser comparado à própria terra, e o poder divino, ao sol. Este Sol brilha sobre todo o gênero humano. A Vontade divina se manifesta na infinita variedade de seus reflexos. Considerai como todos são objetos da graça do mesmo Sol. No máximo, a diferença entre eles é a de intensidade, pois a fulgência é a mesma, a mesma luz que emana do Sol. Isto há de expressar a unicidade do mundo humano. A sociedade organizada, ou a unidade social do mundo humano, pode ser comparada a um oceano, e cada membro, cada indivíduo, a uma onda desse mesmo oceano.

A luz do sol se evidencia em cada objeto de acordo com a capacidade desse objeto. A diferença é apenas de grau e de receptividade. A pedra pode receber apenas uma quantidade limitada; outra coisa criada pode ser como um espelho que reflete o sol integralmente; mas é a mesma luz que brilha sobre ambas.

O mais importante é polir os espelhos dos corações de modo que possam ser iluminados e receptivos à luz divina. Um coração pode ter a capacidade do espelho polido; outro pode estar encoberto e obscurecido pela poeira e escória deste mundo. Embora o mesmo Sol brilhe sobre ambos, no espelho polido, puro e santificado, pode-se contemplar o Sol em toda a plenitude, glória e poder, revelando sua majestade e esplendor; mas no espelho encoberto e obscurecido não há capacidade de reflexão, embora o próprio Sol esteja brilhando sem ser afetado ou privado por causa disso. Nosso dever, portanto, é procurar polir os espelhos de nossos corações para que possamos nos tornar refletores dessa luz e recipientes das divinas graças que por seu intermédio podem ser completamente reveladas.

É este o significado da unicidade do mundo humano. Ou seja, quando esta comunidade humana atingir a condição de absoluta unidade, o esplendor do Sol eterno fará com que sua luz e seu calor se manifestem em toda a sua plenitude. Portanto, não devemos fazer distinção entre os membros da família humana. Não devemos considerar qualquer alma como infrutífera ou incapaz. Nosso dever é educar as almas de modo que o Sol das dádivas de Deus resplandeça nelas, e isto é possível através do poder da unicidade da humanidade. Quanto mais amor se expressar entre os homens e quanto mais forte for o poder da unidade, maior será essa reflexão e revelação, pois o amor é a maior dádiva de Deus. O amor é a fonte de todas as dádivas de Deus. A menos que o coração seja dominado pelo amor, nenhuma outra dádiva divina pode se revelar nele.

Todos os Profetas Se esforçaram para tornar o amor manifesto nos corações dos homens. Jesus Cristo procurou criar esse amor nos corações. Ele sofreu todas as dificuldades e provações a fim de que o coração humano pudesse se tornar o manancial do amor. Por isso devemos nos esforçar de todo coração e alma para que esse amor nos domine e assim toda a humanidade - tanto no Oriente como no Ocidente - possa se unir através dos laços desse divino afeto; pois somos todos as ondas do mesmo mar; viemos à existência por intermédio da mesma dádiva e somos favorecidos pelo mesmo centro. As luzes da terra são todas aceitáveis, mas o centro da resplandecência é o sol, e devemos dirigir nossa vista a ele. Deus é o Supremo Centro. Quanto mais nos dirigirmos a esse Centro de Luz, maior será nossa capacidade.

No Oriente havia grandes diferenças entre raças e povos. Eles odiavam uns aos outros e não havia qualquer união entre eles. Havia várias seitas divergentes que eram hostis e irreconciliáveis. As diferentes raças estavam em constante guerra e conflito. Cerca de sessenta anos atrás Bahá'u'lláh apareceu sobre o horizonte oriental. Ele fez com que o amor e a unidade se tornassem manifestos entre esses povos antagônicos. Ele os uniu com os laços do amor; o antigo ódio e animosidade entre eles desapareceram, e amor e unidade reinaram em seu lugar. Era um mundo tenebroso, mas tornou-se radiante. Uma nova primavera surgiu por Seu intermédio, pois o Sol da Verdade ergueu-se outra vez. Flores multicoloridas de significado interior começaram a florescer nos campos e prados dos corações humanos e os belos frutos do Reino de Deus se tornaram manifestos.

Eu vim para cá com essa missão: a de que através de vosso empenho, através de vossa conduta celestial e vossos devotados esforços possa ser estabelecido um perfeito laço de unidade entre o Oriente e o Ocidente, de modo que os favores de Deus possam descer sobre todos e que todos possam ser vistos como partes da mesma árvore - a grande árvore da família humana. Pois o gênero humano pode ser assemelhado aos ramos, folhas, flores e frutos dessa árvore.

Os favores de Deus são infindáveis, ilimitados. Infinitas graças envolveram o mundo. Nós devemos seguir o exemplo das dádivas divinas, e assim como cada uma delas - a dádiva da vida, por exemplo - envolve e abrange a todos, devemos estar unidos e em harmonia até que cada parte se torne a expressão do todo.

Considerai: Nós plantamos uma semente. A partir dela surge uma árvore completa e perfeita, e de cada semente dessa árvore uma nova árvore pode ser produzida. Desse modo, a parte é uma expressão do todo, pois essa semente era parte da árvore, mas nela existia uma árvore completa em potencial. Assim, cada um de nós pode se tornar a expressão ou a representação de todas as dádivas da vida para a humanidade. Esta é a unidade do mundo humano. Esta é a dádiva de Deus. Esta é a felicidade do mundo humano e esta é a manifestação dos favores divinos.

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15 DE ABRIL DE 1912
Palestra na Residência de Mountfort Mills
Avenida West End, 327, Nova Iorque

Compilada das Notas Estenográficas de Howard MacNutt

Cheguei em Nova Iorque há alguns dias, vindo diretamente de Alexandria. Numa viagem anterior, eu fui à Europa, visitando Paris e Londres. Exteriormente, Paris é muito bonita. As evidências da civilização material são muito grandes naquela cidade, mas a civilização espiritual está bem atrasada. Vi o povo daquela cidade submerso e se afogando no mar de materialismo. Suas conversas e discussões se limitavam aos fenômenos físicos e naturais, sem menção de Deus. Eu fiquei muito espantado. A maioria dos eruditos, professores e sábios se mostrou materialista. Eu lhes disse: "Estou surpreso e atônito em ver homens de tamanha percepção e de evidente conhecimento permanecerem cativos da natureza, sem reconhecer a Realidade intrinsecamente evidente."

O mundo fenomênico é inteiramente sujeito ao domínio e controle da lei natural. Essas miríades de sóis, satélites e corpos celestes que existem por todo o espaço infinito são cativos da natureza. De modo algum podem eles transgredir as leis prefixadas que governam o universo físico. O sol, em toda a sua imensidão, e o oceano em sua vastidão são incapazes de violar essas leis universais. Todos os seres fenomenais - as plantas no seu reino, até mesmo os animais com sua inteligência - são sujeitos à natureza e cativos dela. Todos vivem dentro dos limites da lei natural, e a natureza domina a todos exceto o homem. O homem não é cativo da natureza, pois, embora de acordo com a lei natural ele seja uma criatura da terra, ele navega através dos oceanos, atravessa o céu em aviões e submerge em submarinos; por isso ele sobrepujou a lei natural e a fez subserviente aos seus desejos. Por exemplo, ele aprisiona numa lâmpada incandescente a ilimitada energia natural chamada eletricidade - uma força natural que pode rachar montanhas - e dela obtém luz. Ele toma a voz humana e a confina no fonógrafo para seu benefício e divertimento. Pela sua capacidade natural, o homem pode se comunicar através de uma distância limitada, mas superando as restrições da natureza ele pode aniquilar distâncias e enviar mensagens telefônicas a milhares de milhas. Todas as ciências, artes e descobertas eram mistérios da natureza e, de acordo com a lei natural, esses mistérios permaneceriam latentes e ocultos; mas o homem procurou romper essa lei e livrar-se de seu domínio, trazendo essas coisas para o plano visível. Por isso, ele é o regente e o comandante da natureza. O homem possui inteligência; a natureza não. O homem possui vontade; a natureza não. O homem tem memória; a natureza carece dela. O homem possui a faculdade do raciocínio; a natureza é privada dela. Portanto está provado e evidente que o homem é mais nobre que a natureza.

Se admitirmos que o homem nada mais é do que parte da natureza, defrontar-nos-emos com uma afirmativa ilógica, pois isso seria o mesmo que dizer que uma parte pode possuir qualidades que são ausentes no todo. Porque o homem, que é parte da natureza, tem percepção, inteligência, memória, consciência, reflexão e suscetibilidade, enquanto a própria natureza é completamente carente delas. Como é possível que a parte possua qualidades e faculdades que são ausentes no todo? A verdade é que Deus deu certos poderes sobrenaturais ao homem. Como pode ele, então, ser considerado cativo da natureza? Não está cada vez mais dominando e controlando a natureza para seu próprio uso? Não é ele o próprio senhor da natureza? Poderíamos dizer que a natureza é cega, que não possui percepção, que é privada de vontade e não possui vida, e então relegar o homem à natureza e suas limitações? Como podemos responder a essa pergunta? Como é que os materialistas e eruditos ateus esperam comprovar e sustentar tal suposição? O fato é que eles próprios fazem as leis naturais subservientes ao seu desejo e propósito. Está completamente provado que no homem há um poder além das limitações da natureza, e esse poder é a dádiva de Deus.

Em Nova Iorque achei que as pessoas são mais dotadas de suscetibilidades espirituais. Elas não são meramente cativas do controle da natureza; estão se libertando das limitações e da opressão desse cativeiro. Por isso estou muito feliz e tenho a esperança de que, se Deus quiser, neste país populoso, neste vasto continente ocidental, as virtudes do mundo humano se tornarão resplandecentes; que a unicidade do poder mundial do homem, o amor de Deus, possa incendiar os corações, e que a paz internacional possa hastear seu estandarte, influenciando todas as outras regiões e países a partir daqui. Eis minha esperança.

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16 DE ABRIL DE 1912

Palestra no Hotel Ansonia para os Amigos Bahá'ís de Nova Jersey

Esquina das Ruas Broadway com Setenta e Três, Nova Iorque

Registrada por Ahmad Sohrab

Almas do Oriente e do Ocidente foram reunidas aqui pelo poder do Espírito Santo. Uma reunião como esta seria impossível através de meios materiais. Nunca houve uma reunião desse tipo em Nova Iorque, pois nesta noite encontramos aqui pessoas de regiões remotas da terra, associadas com pessoas da América em máximo amor e unidade espiritual. Isto só é possível pelo poder de Deus. Cristo apareceu neste mundo há dezenove séculos para estabelecer laços de unidade e vínculos de amor entre as várias nações e diferentes comunidades. Ele uniu o conhecimento de Roma e o esplendor da civilização grega. Conseguiu juntar também o reino da Assíria e o poder do Egito. Havia sido impossível reunir essas nações em unidade, amor e concórdia, mas Cristo, através do poder divino, estabeleceu esta condição entre os filhos dos homens.

Hoje nos defrontamos com uma dificuldade muito maior quando tentamos estabelecer unidade entre o Oriente e o Ocidente. Bahá'u'lláh, através do poder celestial, reuniu o Oriente e o Ocidente. Em breve saberemos que eles foram reunidos pelo poder de Deus. A unicidade do reino humano suplantará a bandeira da opressão e todos os povos do mundo se reunirão sob sua proteção. Não existirão nações com fronteiras separadas e restritas - tal como a Pérsia, por exemplo. Os Estados Unidos da América serão apenas um nome. Alemanha, França, Inglaterra, Turquia, Arábia - todas essas nações serão interligadas em união. Quando se perguntar às pessoas do futuro: "Qual a sua nacionalidade?", a resposta será: "Pertenço à nação da humanidade. Vivo à sombra de Bahá'u'lláh. Sou servo de Bahá'u'lláh. Sou do exército da Suprema Paz." Os povos do futuro não dirão: "Eu sou inglês, francês ou persa"; pois todos eles serão cidadãos da nacionalidade universal - uma só família, um só país, o único mundo da humanidade - e então essas guerras, ódio e contenda desaparecerão.

Bahá'u'lláh apareceu num país que era o centro do preconceito. Lá havia muitas comunidades religiosas, seitas e denominações diferentes. Todas as animosidades dos séculos passados existiam entre elas. Estavam prontos para matar uns aos outros. Eles consideravam um ato de adoração matar aqueles que não concordavam com suas crenças religiosas. Bahá'u'lláh estabeleceu tal unidade e concórdia entre essas diferentes comunidades que agora se pode testemunhar o maior amor e amizade entre elas.

Hoje os Bahá'ís do Oriente têm o mais profundo desejo de vos ver face a face. Sua mais elevada esperança e seu mais ardente desejo é que chegue o dia em que se reunirão convosco numa assembléia. Considerai bem o poder que realizou esta maravilhosa transformação.

O corpo da humanidade está enfermo. Seu remédio e cura será a unicidade do reino humano. Sua vida é a Suprema Paz. Sua iluminação e seu despertar é o amor. Sua felicidade consiste em atingir perfeições espirituais. Meu desejo e minha esperança é que nas graças e favores da Abençoada Perfeição possamos encontrar uma nova vida, adquirir nova força, e chegar a uma maravilhosa e suprema fonte de energia, de modo que a Suprema Paz proveniente da vontade divina seja estabelecida sobre as fundações da unidade do mundo humano com Deus. Que o amor de Deus seja difundido desta cidade, desta reunião, para todos os países vizinhos. Mais ainda, que a América se torne o centro de difusão da iluminação espiritual, e o mundo inteiro receba esta bênção celestial! Pois a América desenvolveu poderes e capacidades maiores e mais poderosos do que outras nações. Já que é verdade que seu povo atingiu uma maravilhosa civilização material, espero que as forças espirituais possam animar este grande corpo e uma civilização espiritual correspondente seja estabelecida. Que os habitantes deste país se tornem como anjos do céu, com as faces constantemente voltadas para Deus. Que todos eles se tornem servos do Onipotente. Que se elevem acima desta atual realização material e atinjam tais alturas que a iluminação celestial possa se projetar deste centro para todos os povos do mundo.

A divina Jerusalém desceu dos céus. A noiva de Sião apareceu. A voz do Reino de Deus se ergueu. Que possais atingir suprema capacidade e magnética atração neste reino de grandeza e poder - manifestando nova energia e maravilhosas realizações, pois Deus é vosso Auxiliador e Apoiador. Os sopros do Espírito Santo são vosso conforto, e os anjos do céu vos circundam. É este poder que desejo para vós. Assegurai-vos de que agora essas graças vos abrigam.

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17 DE ABRIL DE 1912
Palestra no Hotel Ansonia

Esquina das Ruas Broadway com Setenta e Três, Nova Iorque

Registrada por Howard MacNutt

No ano passado, durante minha visita a Londres e Paris, eu tive muitas conversas com os filósofos materialistas da Europa. A base de todas as suas conclusões é que o conhecimento dos fenômenos é adquirido segundo uma lei fixa e invariável - uma lei matematicamente exata que opera através dos sentidos. Por exemplo, o olho vê uma cadeira; por isso não há dúvida a respeito da existência da cadeira. O olho olha para o céu e vê o sol; eu vejo flores sobre esta mesa; sinto seu perfume; ouço sons lá fora, etc. Isto, dizem eles, é uma lei matemática determinada de percepção e dedução, cuja operação não admite qualquer dúvida; pois uma vez que o universo está sujeito aos nossos sentidos, é prova intrinsecamente evidente de que nosso conhecimento dele deve ser adquirido por intermédio dos sentidos. Isto quer dizer que os materialistas proclamam que o critério e o padrão do conhecimento humano é a percepção pelos sentidos. Entre os romanos e gregos o critério do conhecimento era a razão - que tudo o que é provável e aceitável pela razão deve necessariamente ser admitido como verdade. Um terceiro padrão ou critério é a opinião sustentada pelos teólogos de que as tradições ou asserções proféticas e interpretações constituem a base do conhecimento humano. Há ainda um outro, um quarto critério, mantido pelos religiosos e metafísicos, que diz que a fonte e o canal da aquisição de todo conhecimento humano é a inspiração. Em suma, de acordo com o que os homens dizem, estes quatro critérios são: primeiro, a percepção através dos sentidos; segundo, a razão; terceiro, as tradições; e quarto, a inspiração.

Na Europa eu disse aos filósofos e cientistas do materialismo que o critério dos sentidos não é confiável. Considerai, por exemplo, um espelho e as imagens nele refletidas. Estas imagens não têm existência física real. Mas se nunca tivésseis visto um espelho, insistiríeis e acreditaríeis firmemente que são reais. Os olhos vêem uma miragem no deserto em forma de um lago, mas não há qualquer realidade nela. Quando estamos no convés de um vapor a praia parece estar se movendo, embora saibamos que a terra é estacionária e nós é que nos movemos. Acreditava-se que a terra era fixa e que o sol se movia em sua volta, mas, embora pareça ser assim, agora sabemos que o inverso é que é verdadeiro. Uma tocha em movimento circular faz aparecer um círculo de fogo ante nossos olhos, mas sabemos que se trata de apenas um ponto de luz. Vemos uma sombra que se move pelo chão, mas ela não possui existência material nem substância. Nos desertos, os efeitos atmosféricos produzem ilusões que particularmente enganam a vista. Uma vez eu vi uma miragem na qual aparecia toda uma caravana viajando para o céu. No extremo norte aparece outro fenômeno ilusório que confunde a visão humana. Algumas vezes, três ou quatro sóis, que os cientistas chamam de falsos sóis, brilham ao mesmo tempo, enquanto nós sabemos que o grande orbe solar é um e que permanece estacionário e único. Em resumo, os sentidos continuamente nos enganam, e nós não sabemos distinguir entre aquilo que é real e aquilo que não é.

Quanto ao segundo critério - a razão - também não é confiável e não se pode confiar nele. Este mundo humano é um oceano de opiniões divergentes. Se a razão é o padrão e o critério perfeito para o conhecimento, por que as opiniões variam e por que os filósofos discordam tão completamente uns dos outros? Esta é uma prova clara de que não se pode confiar na razão humana como um critério infalível. Por exemplo, grandes descobertas e idéias consagradas de séculos anteriores são continuamente derrubadas e descartadas pelos sábios de hoje. Matemáticos, astrônomos, químicos continuamente desaprovam e rejeitam as conclusões dos antigos; nada é permanente, nada é final; tudo está em contínua mudança porque a razão humana avança em novos rumos de pesquisa e a cada dia chega a novas conclusões. No futuro, muito daquilo que hoje é aclamado e aceito como verdadeiro, será rejeitado e desaprovado. E assim continuará ad infinitum.

Ao considerarmos o terceiro critério - a tradição - sustentado pelos teólogos como o caminho e o padrão para o conhecimento, vemos que é igualmente inseguro e não merece crédito, pois as tradições religiosas são o relato e o registro da compreensão e da interpretação do Livro. Através de que meios se chegou a essa compreensão e essa interpretação? Pela análise da razão humana. Quando lemos o Livro de Deus, a faculdade de compreensão com a qual formamos conclusões é a razão. Razão é mente. Se não somos dotados de uma razão perfeita, como podemos compreender o significado da Palavra de Deus? Por isso, conforme já observamos, a razão humana é, pela sua própria natureza, finita e falha nas suas conclusões. Ela não pode abranger a própria Realidade, a Palavra Infinita. Uma vez que a origem das tradições e interpretações é a razão humana, e a razão humana é falha, como podemos confiar nas suas opiniões como conhecimento verdadeiro?

O quarto critério que citei é a inspiração, através da qual se reivindica ser possível atingir a realidade do conhecimento. O que é inspiração? É a indução do coração humano. Mas o que são as instigações satânicas que afligem o gênero humano? Também são induções do coração. Como podemos fazer distinção entre eles? Surge a questão: Como saber se estamos seguindo a inspiração de Deus ou as instigações satânicas da alma humana? Em resumo, o ponto é que, no mundo material humano dos fenômenos, esses são os únicos critérios ou caminhos do conhecimento existentes, e todos eles são falhos e não confiáveis. O que resta, então? Como atingir a realidade do conhecimento? Pelos sopros e estímulos do Espírito Santo, que é luz e o próprio conhecimento. Por seu intermédio, a mente humana é despertada e impelida para conclusões verdadeiras e conhecimento perfeito. Este é o argumento conclusivo que mostra que todos os critérios humanos disponíveis são falhos e imperfeitos, mas o padrão divino de conhecimento é infalível. Por isso não se justifica que o homem diga: "Eu sei porque percebo através dos meus sentidos", ou "eu sei porque é provado pela minha faculdade da razão", ou "eu sei porque está de acordo com a tradição e a interpretação do Livro Sagrado", ou "eu sei porque sou inspirado". Todos os critérios de julgamento humano são falhos e limitados.

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17 de abril de 1912

Palestra na Residência do Sr. e Sra. Edward B. Kinney

Avenida West End, 780, Nova Iorque
Registrada por John G. Grundy

Nos Livros Sagrados se encontra registrado que o Sol da Verdade, ao nascer, surgirá no Oriente e sua luz se refletirá sobre o Ocidente. Sua alvorada já aconteceu no Oriente e Seus sinais estão aparecendo no Ocidente. Sua luz deverá se espalhar rapidamente no Ocidente. O Sol da Verdade surgiu na Pérsia e agora Seu esplendor se manifesta aqui na América. Esta é a maior prova de Seu aparecimento no horizonte do mundo, conforme o registro dos Livros celestiais. Louvores a Deus! Aquilo que foi profetizado nos Livros Sagrados cumpriu-se.

No domingo passado, no Carnegie Hall, a respeitada alma que apresentou 'Abdu'l-Bahá afirmou que, de acordo com a tradição, apareceriam demônios vindos da terra do sol nascente, mas em vez disso estão aparecendo anjos. Não foi possível dar uma resposta na hora em que isto foi dito, mas hoje podemos falar a esse respeito. As grandes luzes espirituais sempre apareceram no Oriente. A Abençoada Perfeição, Bahá'u'lláh, apareceu no Oriente. Jesus Cristo surgiu no horizonte do Oriente. Moisés, Arão, José e todos os profetas de Israel tais como Jeremias, Ezequiel, Isaías e outros vieram do Oriente. As luzes de Muhammad e do Báb resplandeceram desde o Oriente. O horizonte oriental tem sido inundado com o esplendor desses grandes luminares, e somente do Oriente eles têm se erguido para brilhar sobre o Ocidente. Agora - louvado seja Deus - vós estais vivendo no alvorecer de um ciclo em que o Sol da Verdade brilha novamente desde o Oriente, iluminando todas as regiões.

O mundo se tornou um novo mundo. A escuridão da noite que envolveu a humanidade está passando. Um novo dia raiou. As divinas suscetibilidades e capacidades celestiais estão se desenvolvendo nas almas humanas sob a direção do Sol da Verdade. As almas possuem capacidades diferentes. Suas condições variam. Certos minerais, por exemplo, provêm das regiões rochosas da terra. Todos são minerais, todos são produzidos pelo mesmo sol, mas um permanece pedra, enquanto outro desenvolve a capacidade de uma gema ou jóia brilhante. Num pedaço de terra crescem tulipas e jacintos; em outro, espinhos e cardos. Cada terreno recebe as bênçãos do sol, mas a receptividade não é a mesma. Por isso, devemos desenvolver capacidades e suscetibilidades divinas a fim de podermos refletir as graças misericordiosas do Sol da Verdade para esta era, este tempo em que vivemos, tal como cristais puros refletem a luz.

As graças da Abençoada Perfeição são infinitas. Devemos nos esforçar para aumentar nossa capacidade dia a dia, fortalecer e ampliar nossa receptividade, a fim de nos tornarmos espelhos perfeitos. Quanto mais polido e limpo o espelho, maior o esplendor do reflexo das luzes do Sol da Verdade. Sede como um jardim bem cultivado em que as rosas e flores multicores do céu crescem fragrantes e formosas. Tenho a esperança de que vossos corações se tornem como solo preparado, cuidadosamente cultivado e pronto para receber as chuvas da graça divina da Abençoada Beleza, e os zéfiros da primavera divina possam soprar suas brisas vivificadoras. Então o jardim de vossos corações produzirá flores de deliciosa fragrância para refrescar as narinas do Jardineiro celestial. Que vossos corações reflitam a glória do Sol da Verdade em suas muitas cores para alegrar os olhos do Cultivador divino que os nutriu. Dia a dia tornai-vos mais intimamente atraídos, de modo que o amor de Deus ilumine todos aqueles com os quais entrais em contato. Sede como um espírito, uma alma, folhas de uma só árvore, flores do mesmo jardim, ondas de um mesmo oceano.

Uma vez que há diferença de capacidade e de potencialidade entre as almas humanas, as características individuais diferem de uma pessoa para outra. Mas, na realidade, isto é um motivo de unidade e não de discórdia e inimizade. Se as flores de um jardim fossem todas da mesma cor, o efeito seria monótono aos olhos; mas se há variedade de cores, o jardim se torna muito agradável e maravilhoso. As diferenças de beleza, de cor e capacidade de reflexão entre as flores concedem ao jardim sua beleza e encanto. Por isso, embora nós sejamos dotados de individualidades diferentes, idéias diferentes e várias fragrâncias, devemos nos esforçar como flores do mesmo jardim divino para convivermos em harmonia. Embora cada alma possua seu próprio perfume e cor, todas refletem a mesma luz, todas contribuem para perfumar a mesma brisa que sopra pelo jardim, todas crescendo em completa harmonia e concórdia. Tornai-vos como ondas de um só mar, árvores da mesma floresta, crescendo com o máximo amor, acordo e unidade.

Se atingirdes tal capacidade de amor e unidade, a Abençoada Perfeição fará chover sobre vós infinitas graças do Reino espiritual, Ele vos guiará, protegerá e amparará à sombra de Sua Palavra, aumentará vossa felicidade neste mundo e vos fará superar todas as dificuldades. Por isso, tenho a esperança de que dia após dia vos tornareis mais e mais refulgentes no horizonte celestial, aproximar-vos-eis do Reino de Abhá e atingireis maiores e maiores graças da Abençoada Perfeição. Estou feliz porque percebo evidências de grande amor entre vós. Eu vou a Chicago e, quando retornar, espero que esse amor tenha se tornado infinito. E isto será um eterno júbilo para mim e para os amigos do Oriente.

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18 DE ABRIL DE 1912

Palestra na Residência do Sr. e Sra. Marshall L. Emery

Rua Noventa, 273, Zona Oeste, Nova Iorque
Registrada pela Srta. Dixon

Esta noite desejo vos dizer algo da história da Revelação Bahá'í.

A Abençoada Perfeição, Bahá'u'lláh, pertencia à nobreza da Pérsia. Desde a mais tenra infância, Ele Se distinguia entre Seus parentes e amigos. Eles diziam: "Esta criança tem um poder extraordinário." Em sabedoria, inteligência e como fonte de novos conhecimentos, Ele sobrepujava os de Sua idade e superava aqueles que O cercavam. Todos os que O conheciam ficavam atônitos diante de Sua precocidade. Costumavam dizer: "Uma criança assim não viverá", pois geralmente se acredita que crianças precoces não atingem a maturidade. Durante Sua juventude, a Abençoada Perfeição não foi à escola. Ele não queria ser ensinado. Este fato é bem conhecido entre os persas em Teerã. No entanto, era capaz de resolver as dificuldades de todos os que O procuravam. Em qualquer reunião, encontro científico ou discussão teológica em que Se encontrasse, Ele Se tornava a autoridade na explicação das complicadas e obscuras questões apresentadas.

Apesar de Sua ligação com o governo, até a morte de Seu pai, Bahá'u'lláh não buscou posição ou posto político. Isto ocasionava surpresa e comentários. Freqüentemente se dizia: "Como é que um Jovem de inteligência tão aguçada e sutil percepção não busca uma nomeação lucrativa? O fato é que toda posição está aberta a Ele." Este é um fato histórico totalmente atestado pelo povo da Pérsia.

Ele era extremamente magnânimo, doando generosamente aos pobres. Qualquer um que O procurasse jamais voltava frustrado. As portas de Sua casa estavam abertas a todos. Ele sempre tinha muitos convidados. Esta generosidade sem limites levava a uma surpresa maior, pois Ele não buscava nem posição nem proeminência. Comentando este fato, Seus amigos diziam que Ele empobreceria, pois Seus gastos eram muitos e Sua riqueza se tornava mais e mais escassa. "Por que ele não se preocupa com suas próprias finanças?", perguntavam uns aos outros; mas os mais sábios declaravam: "Esta personalidade está ligada a outro mundo; possui em si algo de sublime que ainda não está evidente; aproxima-se o dia em que isto se manifestará." Na verdade, a Abençoada Perfeição era um refúgio para todo fraco, um abrigo para todo temeroso, generoso para com todo indigente, suave e amoroso com todas a criaturas.

Antes do aparecimento do Báb, Ele havia Se tornado conhecido por essas qualidades. Depois, Bahá'u'lláh declarou ser verdadeira a missão do Báb e promulgou Seus ensinamentos. O Báb anunciou que uma Manifestação maior aconteceria depois dEle e chamou o Prometido de "Aquele que Deus tornará manifesto", dizendo que daí a nove anos a realidade de Sua própria missão se tornaria evidente. Em Seus escritos, Ele afirmou que no ano nove este Ser esperado seria conhecido; no ano nove eles atingiriam toda glória e felicidade; no ano nove eles avançariam rapidamente. Havia comunicação particular entre Bahá'u'lláh e o Báb. O Báb escreveu uma carta contendo trezentos e sessenta derivados da raiz Bahá. O Báb foi martirizado em Tabríz; e Bahá'u'lláh, exilado para o Iraque em 1852, declarou-Se em Bagdá. O governo persa decidiu que, enquanto Ele permanecesse na Pérsia, a paz do país seria perturbada; por isso Ele foi exilado na expectativa de que a Pérsia se aquietasse. Seu banimento, no entanto, surtiu efeito contrário. Novo tumulto começou, e a fama de sua grandeza e influência se espalhou por todo o país. A proclamação de Sua manifestação e missão foi feita em Bagdá. Lá Ele reuniu Seus amigos e lhes falou de Deus.

A uma certa altura, Ele deixou a cidade e, sozinho, foi às montanhas do Curdistão, onde fez Sua morada em cavernas e grutas. Uma parte desse tempo Ele morou na cidade de Sulaymáníyyih. Dois anos se passaram, durante os quais nem Seus amigos, nem Sua família conheciam Seu paradeiro.

Embora Bahá'u'lláh estivesse solitário, recluso e anônimo em Seu retiro, espalhou-se por toda a região do Curdistão a notícia de que Ele era uma Personalidade extremamente notável e sábia, dotada de um maravilhoso poder de atração. Num curto espaço de tempo o Curdistão ficou magnetizado com Seu amor. Nesse período, Bahá'u'lláh viveu em pobreza. Suas roupas eram as dos pobres e necessitados. Seu alimento era o dos indigentes e humildes. Uma atmosfera majestosa O aureolava como o sol do meio-dia. Em todo lugar Ele era muito respeitado e amado.

Depois de dois anos Ele retornou a Bagdá. Amigos que conhecera em Sulaymáníyyih foram visitá-Lo. Eles O encontraram em Seu ambiente habitual de conforto e riqueza, e ficaram estupefatos com a mobília dAquele que havia vivido recluso com tamanha simplicidade no Curdistão.

O governo da Pérsia acreditava que o banimento da Abençoada Perfeição da Pérsia significaria a extinção de Sua Causa naquele país. Esses governantes perceberam agora que ela se espalhou mais rapidamente. Seu prestígio cresceu; Seus ensinamentos se difundiram mais amplamente. Então, os dirigentes da Pérsia usaram sua influência para que Bahá'u'lláh fosse exilado de Bagdá. Ele foi convocado a Constantinopla pelas autoridades turcas. Em Constantinopla, Ele ignorou todas as restrições, principalmente a hostilidade dos ministros de estado e do clero. Os representantes oficiais da Pérsia novamente usaram sua influência para pressionar as autoridades turcas e conseguiram que Bahá'u'lláh fosse banido de Constantinopla a Adrianópolis, sendo que o objetivo era mantê-Lo o mais distante possível da Pérsia e tornar mais difícil Sua comunicação com aquele país. Contudo, a Causa continuou a se difundir e se fortalecer.

Finalmente, eles consultaram entre si e disseram: "Nós banimos Bahá'u'lláh de lugar a lugar, mas cada vez que ele é exilado sua causa se estende mais amplamente, o poder de sua proclamação cresce e dia a dia sua lâmpada está se tornando mais brilhante. Isto se deve ao fato de nós o exilarmos para cidades grandes e centros populosos. Por isso nós o enviaremos a uma colônia penal como prisioneiro, para que todos saibam que ele está junto de assassinos, ladrões e criminosos; em pouco tempo ele e seus seguidores perecerão." Então, o sultão da Turquia O baniu para a prisão de 'Akká, na Síria.

Quando Bahá'u'lláh chegou a 'Akká, Ele pôde hastear Sua bandeira por intermédio do poder de Deus. Inicialmente Sua luz havia sido uma estrela; agora ela se tornou um poderoso sol, e a luz de Sua Causa se expandiu do Oriente para o Ocidente. Dentro dos muros da prisão, Ele escreveu Epístolas a todos os reis e governantes das nações, convocando-os para arbitragem e paz universal. Alguns reis receberam Suas palavras com desdém e desprezo. Um desses foi o sultão do Império Otomano. Napoleão III, da França, não respondeu. Uma segunda Epístola lhe foi enviada. Dizia: "Eu te escrevi uma Epístola anteriormente, convocando-te à Causa de Deus, mas és dos desatentos. Tu te proclamaste defensor dos oprimidos; agora se tornou evidente que não és. Não és generoso nem com teu próprio povo sofrido e oprimido. Teus atos são contrários aos teus próprios interesses, e teu orgulho real deve cair. Por causa de tua arrogância, em breve Deus destruirá tua soberania. A França fugirá de ti e tu serás esmagado por uma grande conquista. Haverá lamento e choro, mulheres pranteando a perda de seus filhos." Esta denúncia contra Napoleão III foi publicada e difundida.

Lede-a e considerai: um prisioneiro, sozinho e solitário, sem auxílio ou defensor, um estrangeiro aprisionado na fortaleza de 'Akká, escrevendo cartas como esta ao imperador da França e ao sultão da Turquia. Refleti sobre isto: como Bahá'u'lláh ergueu o estandarte de Sua Causa de dentro da prisão? Reportai-vos à história. Não há paralelo. Jamais aconteceu tal coisa antes, nem desde então - um prisioneiro e exilado fazendo avançar Sua Causa e difundindo Seus ensinamentos tão amplamente que, ao final, Ele Se tornou suficientemente poderoso para derrotar o próprio rei que O baniu.

Sua Causa se espalhou mais e mais. A Abençoada Perfeição esteve preso por vinte e cinco anos. Durante todo esse tempo, Ele estava sujeito às indignidades e injúria do povo. Ele foi perseguido, zombado e acorrentado. Na Pérsia, Suas propriedades foram pilhadas e Suas posses, confiscadas. Primeiro foi banido da Pérsia para Bagdá, e então para Constantinopla, Adrianópolis, e finalmente da Rumélia * para a fortaleza-prisão de 'Akká.

* Nome dado à província turca na Europa Oriental, cuja capital era Adrianópolis (hoje Edirne). Atualmente, esta região faz parte da Turquia. (n.r.)

No decorrer de Sua vida Ele era extremamente ativo. Sua energia era ilimitada. Dificilmente passou uma noite de sono tranqüilo. Ele suportou essas provações, sofreu essas calamidades e dificuldades para que a manifestação de abnegação e serviço pudesse se tornar evidente no mundo humano; para que a Suprema Paz se tornasse realidade; que as almas humanas pudessem parecer anjos do céu; que milagres celestiais pudessem acontecer entre os homens; que a fé humana fosse fortalecida e aperfeiçoada; que a preciosa e inestimável dádiva de Deus - a mente humana - pudesse se desenvolver até o máximo de sua capacidade no templo do corpo; e que o homem pudesse se tornar o reflexo e a imagem de Deus, tal como foi revelado na Bíblia: "Façamos o homem à nossa imagem." (Gênesis 1:26)

Em suma, a Abençoada Perfeição suportou todas essas provações e calamidades para que nossos corações pudessem se tornar acesos e radiantes, nossos espíritos, glorificados, que nossas faltas se transformassem em virtudes, nossa ignorância, em conhecimento; para que pudéssemos atingir os verdadeiros frutos da humanidade e adquirir graças celestiais; embora peregrinos sobre a terra, pudéssemos trilhar o caminho do Reino celestial, e, embora pobres e necessitados, pudéssemos receber os tesouros da vida eterna. É para isso que Ele suportou essas dificuldades e aflições.

Confiai tudo a Deus. As luzes de Deus são resplandecentes. As abençoadas Epístolas são difundidas. Os abençoados ensinamentos são promulgados por todo o Oriente e Ocidente. Logo vereis que as Palavras celestiais estabeleceram a unicidade do mundo humano. A bandeira da Suprema Paz foi desfraldada e a grande comunidade está surgindo.

12
19 DE ABRIL DE 1912
Palestra no Earl Hall
Universidade Columbia, Nova Iorque
De Notas Estenográficas

Se lançarmos um olhar aguçado sobre o mundo da criação, veremos que todas as coisas existentes podem ser classificadas do seguinte modo: primeiro, o mineral - isto é, matéria ou substância em diferentes formas de composição; segundo, o vegetal - possuindo as virtudes do mineral além da capacidade de aumento ou crescimento, indicando um grau mais avançado e mais especializado que o mineral; terceiro, o animal - possuindo os atributos do mineral e do vegetal, além do poder da percepção dos sentidos; quarto, o homem - o organismo mais altamente especializado da criação visível, incorporando as qualidades do mineral, do vegetal e do animal, além de um excelente dom absolutamente ausente nos reinos inferiores - o poder da investigação intelectual dos mistérios e dos fenômenos exteriores. O resultado desse dom intelectual é a ciência, que é característica específica do homem. Este poder científico investiga e compreende as coisas criadas e as leis que as regem. É o descobridor dos segredos e mistérios ocultos do universo material e é peculiar apenas ao homem. A mais nobre e digna realização do homem são, portanto, o conhecimento e o feito científicos.

A ciência pode ser comparada a um espelho no qual se refletem as imagens dos mistérios dos fenômenos exteriores. Gera e nos mostra, no campo do conhecimento, tudo o que foi produzido no passado. Interliga o passado e o presente. As conclusões filosóficas dos séculos anteriores, os ensinamentos dos Profetas e a sabedoria dos antigos sábios são cristalizados e resultam no avanço científico de hoje. A ciência é a descobridora do passado. De suas premissas do passado e do presente, tiramos conclusões para o futuro. A ciência é a governante da natureza e seus mistérios, o único meio pelo qual o homem explora as leis da criação material. Todas as coisas criadas são cativas da natureza e sujeitas às suas leis. Elas não podem transgredir o controle dessas leis nem por um detalhe ou pormenor. Os infinitos mundos estelares e os corpos celestes são súditos obedientes da natureza. A terra e suas miríades de organismos, todos os minerais, plantas e animais são servos de seu domínio. Mas o homem, através do exercício de seu poder intelectual e científico, pode sobrepujar essa condição, pode modificar, alterar e controlar a natureza de acordo com seus próprios desejos e necessidades. A ciência, por assim dizer, é a que rompe as leis da natureza.

Considerai, por exemplo, que o homem, de acordo com a lei natural, deve habitar sobre a superfície da terra. Superando essa lei e restrição, no entanto, ele iça suas velas sobre os oceanos, sobe ao zênite em aeroplanos e penetra nas profundezas do mar em submarinos. Isto é novamente contrário à ordem da natureza e uma violação de sua soberania e domínio. As leis e métodos da natureza, os segredos ocultos e os mistérios do universo, as descobertas e invenções humanas, todas as nossas aquisições científicas naturalmente permaneceriam ocultas e desconhecidas, mas, através de sua perspicácia, o homem as busca no plano do invisível, coloca-as no plano do visível, expondo-as e explicando-as. Por exemplo, um dos mistérios da natureza é a eletricidade. De acordo com a natureza, esta força, esta energia, deveria permanecer latente e oculta, mas, através da ciência, o homem rompe as próprias leis da natureza, apreende-a e até mesmo a aprisiona para seu uso.

Em suma, por possuir este primoroso dom da investigação científica, o homem é o mais nobre produto da criação, o governante da natureza. Ele toma a espada das mãos da natureza e a usa na cabeça da natureza. De acordo com a lei natural, a noite é o período da escuridão e da obscuridade, mas, utilizando o poder da eletricidade, empunhando esta espada da eletricidade, o homem vence a escuridão e dispersa as trevas. O homem é superior à natureza e faz cumprir sua ordem. O homem é um ser sensível; a natureza não tem sentidos. O homem possui memória e razão; a natureza carece delas. O homem é mais nobre do que a natureza. Nele há poderes de que a natureza é privada. Pode-se dizer que esses poderes são provenientes da própria natureza e que o homem faz parte da natureza. Respondendo a essa afirmativa, diremos que, se a natureza é o todo e o homem é parte desse todo, como é possível que a parte tenha qualidades e virtudes ausentes no todo? Sem dúvida, a parte deve ser dotada das mesmas qualidades e propriedades do todo. Por exemplo, o cabelo faz parte da anatomia humana. Ele não pode possuir elementos que não são encontrados em outras partes do corpo, pois, em todos os casos, os elementos componentes do corpo são os mesmos. Por isso é claro e evidente que o homem, embora fisicamente faça parte da natureza, seu espírito possui um poder que transcende a natureza; pois se fosse simplesmente uma parte da natureza e limitado às leis materiais, somente poderia possuir as coisas que a natureza incorpora. Deus lhe conferiu e lhe acrescentou um poder distintivo - a faculdade da investigação intelectual dos segredos da criação, a aquisição de conhecimento mais elevado - cuja virtude maior é o esclarecimento científico.

Este dom é o mais louvável poder do homem, pois através de seu uso e exercício o aperfeiçoamento da raça humana pode ser realizado, o desenvolvimento das virtudes do gênero humano se torna possível, e o espírito e os mistérios de Deus se tornam manifestos. Por isso estou muito satisfeito com minha visita a esta universidade. Louvor a Deus, pois este país está repleto de tais instituições de erudição nas quais o conhecimento das ciências e artes pode ser rapidamente adquirido.

Como as ciências materiais e físicas são ensinadas aqui e estão constantemente se desenvolvendo com perspectivas de maiores realizações, estou esperançoso de que o desenvolvimento espiritual possa também avançar e caminhar junto com estas vantagens exteriores. Como o conhecimento material está iluminando aqueles que estão dentro dos muros deste grande templo de aquisição de conhecimento, que a luz do espírito, a secreta e divina luz da verdadeira filosofia, possa também glorificar esta instituição. O mais importante princípio da divina filosofia é a unicidade do mundo humano, a unidade da humanidade, o elo que liga Oriente e Ocidente, o laço de amor que mescla corações humanos.

Por isso, é nosso dever envidar o máximo esforço e chamar todas as nossas energias para que os laços de unidade e concórdia possam ser estabelecidos entre a humanidade. Por milhares de anos tivemos derramamento de sangue e contenda. Já basta, já é suficiente. Agora é tempo de se associar em amor e harmonia. Durante milhares de anos temos tentado a espada e a guerra; deixemos a humanidade viver pelo menos por algum tempo em paz. Examinai a história e considerai quanta selvageria, quanta carnificina e guerra o mundo já viu. Houve guerras religiosas, guerras políticas, ou algum outro choque de interesses humanos. O mundo humano jamais desfrutou a bênção de paz universal. Ano após ano os instrumentos de guerra são aumentados e aperfeiçoados. Considerai as guerras dos séculos passados; apenas dez, quinze ou no máximo vinte mil eram mortos. Mas hoje é possível matar cem mil num só dia. Nos tempos antigos, as guerras eram feitas com a espada; hoje é com arma sem fumaça. Anteriormente, os navios de guerra eram embarcações a vela, hoje são encouraçados. Considerai a multiplicação e o aperfeiçoamento das armas de guerra. Deus nos criou a todos, seres humanos, e todos os países do mundo são partes do mesmo globo. Somos todos Seus servos. Ele é bondoso e justo a todos. Por que deveríamos ser cruéis e injustos uns para com os outros? Ele provê a todos. Por que devemos privar uns aos outros? Ele protege e ampara a todos. Por que deveríamos matar nossos semelhantes? Se esta guerra e contenda forem por causa da religião, é evidente que violam o espírito e a base de toda religião. Todos os divinos Manifestantes proclamaram a unicidade de Deus e a unidade do gênero humano. Eles ensinaram que os homens devem se amar e se ajudar mutuamente para que possam progredir. Ora, se este conceito de religião for verdadeiro, seu princípio essencial é a unicidade da humanidade. A verdade fundamental dos Manifestantes é a paz. É isto que sustenta toda religião e toda a justiça. O propósito divino é que os homens vivam em unidade, concórdia e harmonia, e amem uns aos outros. Considerai as virtudes do mundo humano e percebei que a unicidade da humanidade é a base fundamental de todas elas. Lede o Evangelho e outros Livros Sagrados. Sabereis que seus fundamentos são um e o mesmo. Portanto, unidade é a verdade essencial da religião e, quando assim entendido, abarca todas as virtudes do mundo humano. Louvores a Deus! Este conhecimento foi difundido, os olhos foram abertos e os ouvidos se tornaram atentos. Por isso, devemos nos esforçar em promulgar e praticar a religião de Deus que foi fundada por todos os Profetas. E a religião de Deus é absoluto amor e unidade.

13
19 DE ABRIL DE 1912
Palestra na Missão Bowery
Rua Bowery, 227, Nova Iorque
De Notas Estenográficas

Nesta noite eu estou muito feliz, porque vim ao encontro de meus amigos. Eu vos considero meus parentes, meus companheiros; e eu sou vosso amigo íntimo.

Deveis ser gratos a Deus por serdes pobres, pois Jesus Cristo disse: "Bem-aventurados são os pobres." Ele nunca disse: "Bem-aventurados são os ricos." Disse também que o Reino é para os pobres e que é mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus. Por isso, deveis dar graças a Deus que, embora neste mundo sejais indigentes, os tesouros de Deus estão ao vosso alcance; e embora no reino material sejais pobres, no Reino de Deus sois preciosos. O próprio Jesus era pobre. Ele não era dos ricos. Ele passava Seu tempo no deserto, viajando entre os pobres, e vivia com as ervas do campo. Ele não tinha lugar para descansar a cabeça, nem tinha casa. Ele se expunha ao calor, ao frio e à geada - a todos os rigores do clima - mas Ele preferiu isto às riquezas. Se as riquezas fossem consideradas uma glória, o Profeta Moisés as teria escolhido; Jesus teria sido um homem rico. Quando Jesus Cristo apareceu, foram os pobres que O aceitaram primeiro, não os ricos. Por isso, vós sois os discípulos de Jesus Cristo, vós sois Seus companheiros, pois exteriormente Ele era pobre, não rico. Mesmo a felicidade deste mundo não depende de riqueza. Encontrareis muitos ricos expostos a perigos e enfrentando dificuldades, e, em seu último momento, no leito da morte, permanece o desgosto de terem de se separar daquilo a que seus corações são tão apegados. Eles vêm a este mundo despidos, e têm de deixá-lo despidos. Devem deixar tudo o que possuem para trás e morrer solitários, sozinhos. Muitas vezes, na hora da morte, suas almas se enchem de remorso; e o pior de tudo é que sua esperança na misericórdia de Deus é menor do que a nossa. Louvado seja Deus! Nossa esperança está na misericórdia de Deus, e não há dúvida de que a compaixão divina é conferida aos pobres. Jesus Cristo disse isto; Bahá'u'lláh disse isto. Quando Bahá'u'lláh estava em Bagdá, ainda possuindo muita riqueza, Ele deixou tudo o que possuía e sozinho saiu da cidade, vivendo por dois anos entre os pobres. Eles eram Seus companheiros. Ele comia com eles, dormia com eles e Se glorificava por ser um deles. Ele escolheu como um de Seus nomes o título de "O Pobre" e freqüentemente em Seus Escritos refere-Se a Si próprio como Darvísh * , que em persa significa pobre; e Se orgulhava muito desse título. Ele nos admoesta a sermos os servos dos pobres, auxiliadores dos pobres, lembrar os sofrimentos dos pobres, associar-nos a eles, pois assim poderemos herdar o Reino dos céus. Deus não disse que há mansões preparadas para nós se passarmos nossos dias associando-nos com os ricos, mas disse que há muitas mansões para os servos dos pobres, pois os pobres são muito caros a Deus. A misericórdia de Deus e Sua graças estão com eles. Os ricos são, na maioria, negligentes, desatentos, imersos nas coisas mundanas, dependentes de seus meios, enquanto os pobres dependem de Deus, e sua confiança está depositada nEle, não em si mesmos. Por isso, os pobres estão mais próximos do limiar de Deus e de Seu trono.

* Dervixe.

Jesus era um homem pobre. Certa noite, quando Ele estava nos campos, começou a chover. Ele não tinha qualquer lugar para Se abrigar, então levantou Seus olhos para o céu, dizendo: "Ó Pai! Para os pássaros criaste ninhos, para as ovelhas, um aprisco, para os animais, tocas, para os peixes, lugares de refúgio, mas não deixaste abrigo para Mim. Não há lugar em que possa deitar Minha cabeça. Minha cama é o chão frio, à noite, Minhas lâmpadas são as estrelas, e Meu alimento é a grama do campo. Mas quem sobre a terra é mais rico do que Eu? Pois a maior bênção não deste aos ricos e poderosos, mas a Mim, pois Me deste os pobres. A Mim concedeste esta bênção. Eles são Meus. Por isso sou o homem mais rico sobre a terra."

Portanto, meus amigos, vós estais seguindo as pegadas de Jesus Cristo. Vossas vidas são semelhantes à dEle; vossa atitude é como a dEle; sois mais semelhantes a Ele do que os ricos. Por isso, daremos graças a Deus por termos sido abençoados com a verdadeira riqueza. E, concluindo, peço que aceiteis 'Abdu'l-Bahá como vosso servo.

Ao final desta reunião, 'Abdu'l-Bahá ficou parado na entrada do saguão da Missão Bowery, apertando a mão de quatrocentos ou quinhentos homens, e colocando na mão de cada um uma moeda de prata.

II
PALESTRAS PROFERIDAS
POR 'Abdu'l-Bahá EM
WASHINGTON, D.C.
1
20 DE ABRIL DE 1912

Palestra na Conferência da Unidade entre o Oriente e o Ocidente

Auditório da Biblioteca Pública, Washington, D.C.
Registrada por Joseph H. Hannen

Esta noite estou muitíssimo feliz em me apresentar perante uma audiência como esta. Eu sou oriental e vim para o Ocidente visitar os povos ocidentais. Louvado seja Deus! Nas faces dos que se encontram aqui reunidos percebo a luz de Deus. Considero isto uma evidência da possibilidade de unir Oriente e Ocidente, de estabelecer um laço perfeito ente a Pérsia e a América - um dos objetivos desta conferência. Para os persas não há governo melhor para contribuir no desenvolvimento de seus recursos naturais e ajudar nas necessidades nacionais em aliança recíproca do que os Estados Unidos da América, e para os americanos não pode haver melhor mercado para exportação de produtos industrializados do que o solo virgem da Pérsia. A riqueza mineral da Pérsia ainda está latente e intocada. É minha esperança que a grande democracia americana possa ser útil para desenvolver estes recursos ocultos e que um laço de perfeita amizade e unidade possa ser estabelecido entre a república americana e o governo da Pérsia. Que este laço - tanto material como espiritual - seja bem firme. Que a civilização material da América encontre completa eficácia e solidez na Pérsia, e que a civilização espiritual da Pérsia encontre aceitação e tenha efeito na América.

Algumas das criaturas existentes podem viver solitárias e sozinhas. Uma árvore, por exemplo, pode viver sem assistência e cooperação de outras árvores. Alguns animais vivem isolados e levam uma existência separada dos de sua espécie. Mas isto é impossível ao homem. Cooperação e parceria são essenciais em sua vida. Através de associação e reunião, encontramos alegria e desenvolvimento individual e coletivo.

Por exemplo, quando há relacionamento e cooperação entre dois povoados, o progresso de ambos é garantido. Do mesmo modo, quando se estabelece intercomunicação entre duas cidades, ambas se beneficiam e progridem. E quando se atinge uma base recíproca de acordo entre dois países, os interesses individuais e mútuos de ambos se desenvolvem grandemente. Por isso, na unidade dessa assembléia radiante, contemplo o laço entre o Oriente e o Ocidente. Tal unidade é o meio e o instrumento de cooperação entre vários países do Oriente e do Ocidente. É evidente, então, que os resultados desta base de acordo e harmonia são numerosos e ilimitados. Certamente se colherão grandes resultados para a Pérsia e a América. Na Pérsia, uma avançada civilização material será estabelecida, e as portas para o comércio da América, escancaradas.

Acima e além de tudo isso, uma fonte de grande amor e afeição há de entrelaçar e mesclar estes dois povos distantes, pois Bahá'u'lláh proclamou ao mundo a solidariedade entre as nações e a unicidade da humanidade. Dirigindo-Se a toda a humanidade, Ele disse: "Vós todos sois as folhas de uma só árvore e gotas do mesmo mar." O mundo da humanidade foi por Ele expresso como uma unidade - como uma família. Espera-se, portanto, que a América e a Pérsia se unam em amor recíproco. Que se tornem uma raça dotada das mesmas suscetibilidades. Que esses laços de amizade e entendimento sejam firmemente estabelecidos.

Bahá'u'lláh passou quarenta anos de Sua vida em prisão e exílio para poder erguer a bandeira da unicidade do mundo humano. Para isso Ele suportou todas essas provações e dificuldades. Ele estava sob o domínio de 'Abdu'l-Hamíd. Eu também estive prisioneiro de 'Abdu'l-Hamíd até que o Comitê de União e Progresso içou o estandarte da liberdade e meus grilhões foram removidos. Eles me mostraram muita bondade e amor. Eu fui libertado e assim pude vir a este país. Não fosse pela ação desse Comitê, eu não estaria com vocês esta noite. Por isso, deveis todos pedir assistência e confirmação em nome desse Comitê, por intermédio do qual foi proclamada a libertação da Turquia.

Em resumo, eu viajei esta longa distância através do Oceano Atlântico a este continente do Ocidente com o desejo e a esperança de que os mais fortes laços de unidade possam ser estabelecidos entre a América e a Pérsia. Sei que este é também vosso desejo e propósito, e estou certo de vossa cooperação. Devemos, portanto, oferecer súplica no limiar divino para que um grande amor venha a se apossar dos corações dos homens e as nações do mundo se unam. Oraremos para que a insígnia da paz internacional possa ser erguida e que a unicidade do mundo humano possa ser alcançada e cumprida. Tudo isto se torna possível e praticável através de vossos esforços. Que esta democracia americana seja a primeira nação a estabelecer os fundamentos do entendimento internacional. Que seja a primeira nação a proclamar a universalidade do gênero humano. Que seja a primeira a erguer o estandarte da Suprema Paz e que através dessa nação democrática as intenções e instituições filantrópicas se difundam amplamente por todo o mundo. Em verdade, esta é uma grande e respeitável nação. Aqui a liberdade atingiu seu mais elevado grau. As intenções de seu povo são mais dignas. Eles de fato merecem ser os primeiros a construir o Tabernáculo da Suprema Paz e proclamar a unicidade do gênero humano. Em vosso nome, suplicarei a Deus auxílio e confirmação.

2
21 DE ABRIL DE 1912
Palestra no Studio Hall
Avenida Connecticut, 1219, Washington, D.C.
Registrada por Joseph H. Hannen

Eu vim aqui para vos visitar. Ansiosamente tenho desejado vos ver. Percebendo que somente com grande dificuldade poderíeis ir ao meu encontro e que muito poucos poderiam fazer a viagem, decidi vir ao vosso encontro a fim de que todos tivessem o prazer da reunião. Louvores a Deus! Eu estou aqui, olhando vossas faces - faces radiantes com beleza interior, corações atraídos ao Reino de Abhá, espíritos jubilosos por causa das boas-novas de Deus. Por isso, tenho sentido a maior alegria possível. E certamente essa alegria deve ser mútua, pois os corações estão conectados uns com os outros e estão plenos da mesma vibração. A chama e a luz do amor se refletem em todos. As suscetibilidades espirituais e o anelo enchem os corações. Se oferecêssemos, a cada momento, cem mil agradecimentos ao limiar de Deus por este amor que uniu Oriente e Ocidente, falharíamos em expressar suficientemente nossa gratidão. Se todos os poderes da terra tentassem criar este amor entre Oriente e Ocidente, mostrar-se-iam incapazes. Se desejassem estabelecer esta unidade, seria impossível. Mas Bahá'u'lláh realizou ambos através do poder do Espírito Santo, e este laço de unidade através do amor é indissolúvel. Continuará para sempre, e dia a dia sua força crescerá. Em breve, envolverá o mundo e finalmente os corações de todas as nações do mundo serão reunidos pelo seu abrangente abraço. O mundo humano tornar-se-á a manifestação das luzes da Divindade, e as dádivas de Deus circundarão todos. Há de se testemunhar um extraordinário progresso e desenvolvimento tanto do ponto de vista da civilização material como da espiritual. Neste presente ciclo a civilização terá uma evolução sem paralelo na história do mundo. Antigamente o mundo humano estava no estágio da infância; agora se aproxima da maturidade. Tal como o organismo humano individual, ao chegar ao período da maturidade, atinge seu máximo grau de força física e desenvolvimento das faculdades intelectuais, de modo que num ano desse período de maturidade se vê um desenvolvimento sem precedentes, da mesma maneira, neste ciclo de sua completude e consumação, o mundo humano fará um imensurável avanço, e, por isso, esse poder de realização que Deus - aquele Espírito Universal realizador - deposita em cada realidade individual humana, tal como a faculdade intelectual, revelar-se-á em infinitos graus de perfeição.

Por isso rendei graças a Deus por terdes vindo ao plano da existência neste século radiante, no qual as dádivas de Deus surgem de todas as direções, em que as portas do Reino se abriram diante de vós, o chamado de Deus ergueu-se, e as virtudes humanas estão em processo de desenvolvimento. Chegou o dia em que toda escuridão será dissipada e o Sol da Verdade brilhará resplandecente. Esta época no mundo pode ser comparada ao equinócio do ciclo anual. Pois, verdadeiramente, esta é a primavera de Deus. Há uma promessa nos Livros Sagrados de que a primavera de Deus se tornará manifesta; Jerusalém, a Cidade Sagrada, descerá do céu; Sião saltará e dançará; e a Terra Santa submergirá no oceano da fulgência divina.

No mundo material, na época do equinócio vernal, uma maravilhosa e vibrante energia, e um novo despertar, são vistos em todos os lugares no mundo vegetal; o mundo animal e humano são ressuscitados e se movem com novo impulso. O mundo todo nasce de novo, ressurge. Suaves zéfiros sopram, refrescantes e suaves; flores brotam; as árvores florescem, o ar é temperado e deleitável; quão aprazíveis e belas se tornam as montanhas, campos e pradarias. Do mesmo modo, as graças espirituais e a primavera de Deus vivificam o mundo da humanidade com novo alento e vida. Todas as virtudes guardadas e latentes nos corações humanos estão sendo reveladas por aquela Realidade como flores dos jardins divinos. É um dia de júbilo, um tempo de alegria, um período de crescimento espiritual. Suplico a Deus que esta divina civilização espiritual possa exercer a máxima impressão e influência sobre vós. Que vos torneis plantas em crescimento. Que as árvores dos vossos corações produzam novas folhas e flores multicores. Que frutos perfeitos surjam delas, de modo que o mundo humano, que cresceu e se desenvolveu na civilização material, possa se apressar em produzir perfeições espirituais. Tal como os intelectos humanos revelaram os segredos da matéria e fizeram surgir do reino do invisível os mistérios da natureza, que as mentes e os espíritos possam, da mesma forma, conhecer as verdades de Deus, e as realidades do reino se tornem manifestas nos corações humanos. Então o mundo será o paraíso de Abhá, o estandarte da Suprema Paz será erguido e a unicidade do mundo humano será mostrada em toda a sua beleza, glória e significação. E agora, em vossa presença, desejo orar em vosso nome. Que vossos corações estejam atentos e dirigidos ao Reino de Abhá.(Neste momento, 'Abdu'l-Bahá entoa uma oração em persa.)

Tenho a esperança de que a súplica que ofereci ao Reino de Abhá em vosso nome possa ser logo respondida e que seus resultados e conseqüências se manifestem em vossos corações e vidas.

3
21 DE ABRIL DE 1912
Palestra na Igreja Universalista
Esquina das Ruas Treze e L, Washington, D.C.
Registrada por Joseph H. Hannen

As doutrinas e crenças desta igreja, tão habilmente expressadas pelo seu respeitável ministro, são realmente meritórias, santificadas e dignas de louvor e glorificação, pois esses preceitos se opõem aos profundamente enraizados preconceitos desta época. É evidente que preconceitos que surgem da aderência a formas religiosas e imitação de crenças ancestrais obstruíram o progresso da humanidade durante milhares de anos. Quantas guerras e batalhas foram travadas, quanta divisão, discórdia e ódio foram ocasionados por este tipo de preconceito! Mas uma vez que este é o século da revelação da realidade - louvado seja Deus! - os pensamentos dos homens têm se direcionado para o bem-estar e unidade da humanidade. A cada dia a miragem da imitação está sendo deixada para trás, e o oceano da verdade se torna mais agitado. Originalmente, todas as nações existentes tiveram um fundamento divino de verdade ou realidade que tinha o propósito de conduzir o gênero humano à unidade e harmonia, mas a luz dessa realidade obscureceu gradualmente. A escuridão das superstições e imitações veio e tomou seu lugar, cativando a humanidade nas correntes e grilhões da ignorância. Surgiu inimizade entre os homens, crescendo a tal ponto que uma nação se levantou contra outra com ódio e violência. A guerra tem sido uma herança religiosa e política do homem.

Agora já basta! Devemos investigar a verdade. Devemos deixar de lado essas superstições. É uma verdade evidente que toda a humanidade é criação de Deus. Todos são Seus servos e estão sob Sua proteção. Todos são alvos de Suas dádivas. Deus é bondoso para com todos os Seus servos. No máximo, o que ocorre, é que alguns são ignorantes; devem ser educados para poderem se tornar inteligentes. Alguns são imaturos como crianças; devem ser ajudados a se tornar amadurecidos. Alguns são doentes e indispostos; devem ser curados. Mas o doente não deve ser submetido a falso tratamento. A criança não deve ser impedida e perturbada em seu desenvolvimento. O ignorante não deve ser oprimido por censura e crítica. Devemos olhar para o verdadeiro remédio.

Todos os Profetas de Deus, incluindo Jesus Cristo, apareceram no mundo para a educação da humanidade, para conduzir as almas imaturas à maturidade, para transformar os ignorantes da humanidade em conhecedores, estabelecendo assim amor e unidade através da educação e treinamento divinos. Os Profetas não vieram para criar discórdia e inimizade, pois Deus desejou todo o bem para Seus servos, e todo aquele que deseja mal aos servos de Deus é contra Deus, não obedeceu à vontade nem seguiu Seu exemplo; seguiu a direção e os passos de Satã. Os atributos de Deus são amor e misericórdia; o atributo de Satã é ódio. Por isso, aquele que é misericordioso e bondoso aos seus semelhantes está manifestando os atributos divinos, e aquele que é odiento e hostil a um semelhante é satânico. Deus é, tal como Jesus declarou, amor absoluto, e Satã, completo ódio. Em qualquer lugar que se testemunhar amor, sabei que é manifestação da misericórdia de Deus; sempre que virdes ódio e inimizade, sabei que são evidências e atributos de Satã. Os Profetas surgiram neste mundo com a missão de que as almas humanas possam se tornar as expressões do Misericordioso, que possam ser educadas e desenvolvidas, atingir o amor e a amizade, e estabelecer a paz e a concórdia.

No mundo da existência, o animal é cativo da natureza. Seus atos estão de acordo com as exigências e requisitos da natureza. Não tem qualquer consideração ou consciência do bem e do mal. Ele simplesmente segue seus instintos e inclinações naturais. Os Profetas de Deus vieram mostrar ao homem o caminho da retidão a fim de que ele não siga seu impulso natural, mas mantenha controle sobre seus atos mediante a luz dos preceitos e exemplo por Eles trazidos. De acordo com Seus ensinamentos, ele deve fazer aquilo que parece digno à razão e ao julgamento do intelecto, mesmo que seja oposto à sua inclinação humana natural; e não deve fazer aquilo que parece indigno pelo mesmo padrão, mesmo que seja de acordo com seu impulso e desejo naturais. Por isso, o homem deve seguir e manifestar os atributos do Misericordioso.

Os membros imperfeitos da sociedade, as almas fracas da humanidade, seguem sua tendência natural. Suas vidas e atos estão de acordo com suas inclinações naturais; eles são cativos das suscetibilidades físicas; não estão em contato ou sintonizados com as graças espirituais. O homem possui dois aspectos: o físico, que está sujeito à natureza, e o misericordioso ou divino, que está ligado a Deus. Se sua disposição física ou natural predominar sobre a celestial e misericordiosa, então ele se torna o mais vil dos animais; e se a divina e espiritual triunfar sobre a humana e natural, ele se torna realmente um anjo. Os Profetas vieram ao mundo para guiar e educar a humanidade a fim de que a natureza animal do homem possa desaparecer e a divindade de seus poderes possa despertar. O aspecto divino ou natureza espiritual consiste nos sopros do Espírito Santo. O segundo nascimento de que falou Jesus refere-se ao aparecimento desta natureza celestial no homem. É expresso no batismo pelo Espírito Santo, e aquele que é batizado pelo Espírito Santo é, verdadeiramente, a manifestação da misericórdia divina à humanidade. Então ele se torna justo e gentil a toda a humanidade; em relação a ninguém nutre preconceito e má vontade; não se afasta de qualquer nação ou povo.

Os fundamentos das religiões divinas são um só. Se investigarmos esses fundamentos, descobriremos muita base para entendimento, mas se considerarmos as imitações de formas e crenças ancestrais, encontraremos pontos de conflito e divisão, pois essas imitações são divergentes, ao passo que as origens e os fundamentos são um só e o mesmo. Isto quer dizer que os fundamentos são conducentes à unidade, mas as imitações são causa de desunião e desintegração. Qualquer um que carece de amor pela humanidade, ou manifesta ódio e intolerância por qualquer de suas partes, viola o fundamento e a fonte de suas próprias crenças e se prende a formas e imitações. Jesus Cristo declara que o sol se levanta sobre o bem e o mal, e a chuva cai sobre justos e injustos - sobre toda a humanidade igualmente. Cristo era a divina misericórdia que resplandeceu sobre a humanidade inteira, o meio para a descida das graças de Deus, e a graça de Deus é transcendente, irrestrita e universal.

O respeitável ministro leu das palavras do Evangelho: "Tenho ainda muito a vos dizer, mas não podeis suportar agora. Quando vier o Espírito da Verdade, ele vos conduzirá à verdade plena." Já raiou o século em que o Espírito da Verdade pode revelar estas verdades ao gênero humano, proclamar o próprio Verbo, estabelecer o verdadeiro fundamento da Cristandade e libertar as nações e os povos do cativeiro de formas e imitação. A causa da discórdia, do preconceito e da animosidade será eliminada, e a base do amor e da amizade, estabelecida. Por isso, todos vós deveis vos esforçar de coração e alma a fim de que a inimizade desapareça inteiramente e que contenda e ódio sejam completamente eliminados do seio do mundo humano. Deveis ouvir as admoestações deste Espírito da Verdade. Deveis seguir o exemplo e as pegadas de Jesus Cristo. Lede o Evangelho. Jesus Cristo era a própria misericórdia, era o próprio amor. Ele até mesmo orou pelos Seus executores - por aqueles que O crucificaram - dizendo: "Pai, perdoa-lhes: eles não sabem o que fazem." Se soubessem o que estavam fazendo, não o teriam feito. Considerai quão gentil era Jesus Cristo, pois mesmo na cruz Ele orou por Seus opressores. Devemos emular os Profetas de Deus. Devemos seguir Jesus Cristo. Devemos nos libertar de todas essas imitações que são fonte de escuridão para o mundo.

Eu lhes faço uma pergunta: Deus nos criou para amor ou inimizade? Ele nos criou para paz ou discórdia? Certamente Ele nos criou para amor; por isso devemos viver de acordo com Sua vontade. Não deis ouvidos a qualquer coisa que seja preconceituosa, pois o interesse próprio induz o homem a ser preconceituoso. Eles só pensam sobre sua própria vontade e propósito. Vivem e agem na escuridão. Considerai quantas diferentes nações e crenças religiosas divergentes existiam quando Cristo apareceu. Inimizade e contenda prevaleciam entre eles - romanos, gregos, assírios, egípcios - todos em guerra e hostilidade uns com os outros. Cristo, através dos sopros do Espírito Santo, uniu-os, estabeleceu companheirismo entre eles de modo que nenhum traço de conflito restou. Sob Seu estandarte, eles se tornaram unidos e viveram em paz por intermédio de Seus ensinamentos. Qual é preferível e mais meritório? Seguir o exemplo de Jesus Cristo ou manifestar o instinto satânico. Lutemos com todas as nossas forças para unir Oriente e Ocidente, de modo que as nações do mundo possam progredir e que todos vivam de acordo com o fundamento único das religiões de Deus. Os princípios essenciais da religião divina são uma só realidade, indivisível e não múltipla. Apenas uma. E quando, através da investigação, descobrimos ser apenas uma, temos uma base para a unicidade do mundo humano. Rezarei por vós, pedindo confirmação e ajuda em vosso nome.

4
22 DE ABRIL DE 1912

Palestra na Residência do Sr. e Sra. Arthur J. Parsons

Rua Dezoito, 1700, NW, Washington, D.C.
Registrada por Joseph H. Hannen

Vede como Bahá'u'lláh é bom para nós, quão grande é o poder de Sua Palavra! De que distantes partes do mundo Ele nos reuniu nesta casa e fez com que nos encontrássemos nesta mesa celestial; por amor Ele preparou uma festa e ordenou a 'Abdu'l-Bahá que deixasse esta recepção ser em Seu nome. Que união de corações e que confirmação de Bahá'u'lláh foram estabelecidas entre o Oriente e o Ocidente! Como Sua bênção abarcou a todos! Como Seus favores foram aperfeiçoados para todos!

Quando os muçulmanos conquistaram a Pérsia, o chefe dos sumos sacerdotes zoroastrianos foi beber vinho. De acordo com a lei islâmica o vinho é proibido, e quem bebe vinho deve ser punido com oitenta e uma chibatadas. Por isso, os muçulmanos prenderam o sumo sacerdote e o açoitaram. Na época, os persas consideravam os árabes muito vis e degradados, e dificilmente possíveis de serem considerados humanos. Como Muhammad era árabe, os persas O olhavam com desdém; mas quando o sumo sacerdote percebeu as evidências do poder de Muhammad que regia esse povo desprezado, ele bradou: "Ó tu Muhammad da Arábia, que foi que fizeste? Que foi que fizeste para que teu povo prendesse o chefe dos sumos sacerdotes por ter cometido algo proibido em tua religião?" Por causa desse fato, o preconceito que fazia os zoroastrianos se afastarem dos muçulmanos foi superado, pois, por causa do ocorrido, ele reconheceu a grande influência que Muhammad exercia sobre essas pessoas.

Hoje, nesta reunião, temos uma evidência de como Bahá'u'lláh, através do poder do amor de Deus, exerceu uma maravilhosa influência espiritual por todo o mundo. Das mais remotas regiões da Pérsia e do Oriente, Ele fez as pessoas virem a esta mesa e se reunirem com o povo do Ocidente em máximo amor e afeto, união e harmonia. Vede como o poder de Bahá'u'lláh uniu o Oriente e o Ocidente. E 'Abdu'l-Bahá vos está servindo. Não há nem castigo nem golpe, nem açoite nem espada; mas o poder do amor de Deus realizou isso.

Neste mundo julgamos uma causa ou um movimento pelo seu progresso e desenvolvimento. Alguns movimentos aparecem, mostram um breve período de atividade e depois desaparecem. Outros demonstram uma medida maior de crescimento e força, mas, antes de atingir a maturidade, enfraquecem, desintegram-se e são esquecidos. Nenhum deles é progressista e permanente.

Há ainda outro tipo de movimento ou causa que, de um começo bem pequeno e inconspícuo, avança seguro e constante, crescendo e se difundindo gradualmente até assumir dimensões universais. O Movimento Bahá'í é desta natureza. Por exemplo, quando Bahá'u'lláh foi exilado da Pérsia com 'Abdu'l-Bahá e o resto de Sua família, eles percorreram o longo caminho de Teerã a Bagdá, passando por muitas cidades e povoados. Durante todo o percurso da viagem não encontraram um só crente na Causa pela qual haviam sido banidos. Na época, muito pouco se sabia a Seu respeito em qualquer parte do mundo. Até mesmo em Bagdá havia somente um crente que havia sido ensinado pelo próprio Bahá'u'lláh na Pérsia. Posteriormente, outros dois ou três apareceram. Vereis, portanto, que no início a Causa de Bahá'u'lláh era quase desconhecida, mas, por ser um movimento divino, cresceu e se desenvolveu com irresistível força espiritual até este dia; a qualquer lugar que fordes - Oriente ou Ocidente - e em qualquer país que viajardes, encontrareis assembléias e instituições Bahá'ís. Isto é uma evidência de que, sob a orientação e desígnio divinos, os Bahá'ís estão espalhando as bênçãos da unidade e desenvolvimento progressivo em todo o mundo, enquanto outros movimentos, que apenas estão temporariamente realizando suas atividades, não têm nenhuma importância real e universal.

5
23 DE ABRIL DE 1912
Palestra na Universidade Howard
Washington, D.C.
Traduzida por Amin Banani

Hoje estou imensamente feliz, pois aqui vejo uma reunião dos servos de Deus. Vejo brancos e negros sentados juntos. Não há brancos e negros perante Deus. Todas as cores são uma, e esta é a cor da servitude a Deus. Odor e cor não são importantes. O importante é o coração. Se o coração for puro, não faz diferença se é branco, negro ou de qualquer outra cor. Deus não olha as cores; Ele vê os corações. Aquele cujo coração é puro é melhor. Aquele cujo caráter é melhor é mais agradável. Aquele que se volve mais ao Reino de Abhá é mais adiantado.

No reino da existência as cores não têm importância alguma. Observai, no reino mineral as cores não são causa de discórdia. No reino vegetal, as cores das flores multicoloridas não são causa de discórdia. Ao contrário, as cores são causa de adorno do jardim, pois uma só cor não é atraente; mas quando se vê flores de muitas cores, há encanto e beleza.

O mundo humano também é como um jardim, e a espécie humana, como as flores multicores. Por isso, as diferentes cores constituem adorno. Do mesmo modo, há muitas cores no reino animal. Os pombos são de muitas cores e, no entanto, vivem em completa harmonia. Eles nunca consideram cores, mas sim espécies. Quão freqüentemente pombos brancos voam junto com os pretos. Do mesmo modo, outros pássaros e animais de várias cores nunca levam cores em consideração; eles olham para a espécie.

Ora, ponderai sobre isto: os animais, apesar de carecerem de razão e entendimento, não fazem da cor um motivo de conflito. Por que o homem, que possui razão, deveria criar conflito? Isto é completamente indigno dele. Especialmente brancos e negros são descendentes do mesmo Adão; pertencem à mesma família. Em sua origem eles eram um; eram da mesma cor. Adão possuía uma só cor. Eva era de uma só cor. Toda a humanidades descende deles. Por isso, eles são da mesma origem. Posteriormente estas cores se desenvolveram devido a diferentes climas e regiões; não possuem qualquer significado. Por isso, hoje estou muito feliz, pois brancos e negros estão aqui reunidos. Tenho a esperança que esta união e harmonia cheguem a um grau tal que nenhuma distinção permaneça entre eles e que continuem juntos na máxima harmonia e amor.

Mas desejo dizer algo para que os negros sejam gratos aos brancos e os brancos, amorosos em relação aos negros. Se fordes à África e lá virdes os negros, vereis quanto progresso vós fizestes. Louvores a Deus! Sois como os brancos; não restam grandes distinções. Mas os negros da África são tratados como servos. A primeira proclamação da emancipação dos negros da África foi feita pelos brancos da América. Como eles lutaram e se sacrificaram até libertarem os negros! E isto se espalhou para outros lugares. Os negros da África estavam em completo cativeiro, mas vossa emancipação levou à libertação deles também - ou seja, os estados europeus emularam os americanos e a proclamação da emancipação se tornou universal. Foi por vossa causa que os brancos da América fizeram tal esforço. Se não fosse por esse esforço, a emancipação universal não teria sido proclamada.

Por isso, deveis ser muito gratos aos brancos da América, e os brancos devem se tornar muito amorosos convosco, a fim de que possais progredir em todos os graus humanos. Esforçai-vos em conjunto para fazer progresso extraordinário e mesclar-vos inteiramente. Em suma, deveis ser muito agradecidos aos brancos que foram a causa de vossa libertação na América. Não tivésseis sido libertados, outros negros tampouco o teriam sido. Então - louvado seja Deus! - todos são livres e vivem em tranqüilidade. Oro para que possais chegar a tal grau de bom caráter e conduta que a designação de negros e brancos se desvaneça. Todos devem ser chamados humanos, tal como a designação de um bando de pombos é pombo. Eles não são chamados de brancos e negros. O mesmo acontece com outros pássaros.

Espero que atinjais tal grau elevado - e isto é impossível senão através do amor. Deveis tentar criar amor entre vós, e este amor não acontece a não ser que sejais gratos aos brancos e os brancos sejam amorosos convosco, esforçando-se por promover vosso progresso e realçar vossa honra. Isto será causa de amor. Diferenças entre brancos e negros serão completamente obliteradas. De fato, todas as diferenças étnicas e nacionais desaparecerão.

Estou muito feliz em vê-los e grato a Deus por esta reunião estar composta de pessoas de ambas as raças, e por estarem ambas reunidas em perfeito amor e harmonia. Espero que isto se torne o exemplo de harmonia e amor universais até que nenhuma designação permaneça, exceto a de humanidade. Tal designação demonstra a perfeição do mundo humano e é a causa de glória eterna e felicidade humana. Oro para que vivais em máxima harmonia e amor, e vos esforceis em possibilitar ao outro uma vida confortável.

6
23 DE ABRIL DE 1912

Palestra na Residência do Sr. e Sra. Arthur J. Parsons

Rua Dezoito, 1700, NW, Washington, D.C.
Registrada por Joseph H. Hannen

Hoje eu estive falando desde o amanhecer até agora e, ainda assim, por causa do amor, do companheirismo e do desejo de estar convosco, vim aqui para lhes falar novamente um pouco. Nesses últimos dias aconteceu algo terrível no mundo, um acontecimento que entristece todo coração e aflige toda alma. Refiro-me ao desastre do Titanic, no qual muitos dos nossos semelhantes se afogaram, numerosas almas deslumbrantes passaram para além desta vida terrena. Embora um acontecimento como este seja realmente lamentável, devemos saber que tudo o que acontece é devido a alguma sabedoria e que nada acontece sem alguma razão. Há um mistério nisso; mas qualquer que seja a razão e o mistério, foi uma ocorrência triste, algo que arrancou lágrimas de muitos olhos e angustiou muitas almas. Eu fui muito afetado por este desastre. Alguns dos que morreram, viajaram conosco no Cedric até Nápoles e depois embarcaram no outro navio. Quando penso sobre eles, fico realmente muito triste. Mas quando considero esta calamidade de outro ponto de vista, consolo-me com a percepção de que os mundos de Deus são infinitos; que embora eles tenham sido privados desta existência, eles têm outras oportunidades na vida do além, tal como Cristo disse: "Na casa de meu Pai há muitas moradas." (João 14:2) Eles foram chamados do temporário e transferidos para o eterno; abandonaram esta existência material e entraram pelos portais do mundo espiritual. Superando os prazeres e confortos da vida terrena, eles agora participam de um júbilo e alegria muito mais duradouros e verdadeiros, pois eles se apressaram para o Reino de Deus. A misericórdia de Deus é infinita, e é nosso dever lembrarmos dessas almas que partiram, em nossas orações e súplicas, para que elas possam se aproximar mais e mais da própria Fonte.

Essas condições humanas podem ser comparadas ao ventre materno de onde a criança nasce para este espaçoso mundo exterior. Inicialmente a criança acha muito difícil se reconciliar com sua nova existência. Ela chora, como se não quisesse se separar de sua morada estreita, imaginando que a vida se resuma àquele espaço limitado. Reluta em deixar sua morada, mas a natureza a empurra para este mundo. Nessas novas condições, ela percebe ter saído da escuridão para uma esfera de radiância; ter se transferido de um meio escuro e restrito para um ambiente espaçoso e agradável. Ela se nutria com o sangue de sua mãe; agora desfruta de alimentos deliciosos. Sua nova vida é cheia de luz e beleza; olha maravilhada e prazenteiramente as montanhas, os prados e os campos verdes, os rios e as fontes, as maravilhosas estrelas; respira a vivificadora atmosfera; e então agradece a Deus por tê-la libertado de seu confinamento na condição anterior e a conduzido à liberdade de um novo reino. Esta analogia expressa a relação entre o mundo temporal e a vida do além - a transição da alma do homem da escuridão e da incerteza para a luz e a realidade do Reino eterno. No princípio é muito difícil saudar a morte, mas depois de atingir sua nova condição a alma agradece por ter sido libertada do cativeiro do limitado para usufruir a liberdade do ilimitado. Ela foi desembaraçada de um mundo de pesar, tristeza e provações para viver num mundo de alegria e júbilo infindáveis. O fenomênico e o físico foram abandonados para poder atingir as oportunidades do ideal e do espiritual. Por isso, as almas daqueles que partiram deste mundo e completaram seu período de peregrinação mortal no desastre do Titanic apressaram-se a um mundo superior. Elas saíram destas condições de escuridão e de visão turva para o reino da luz. Estas são as únicas considerações que podem confortar e consolar aqueles que eles deixaram.

Ademais estes acontecimentos têm razões mais profundas. Seu objetivo e propósito é ensinar certas lições ao homem. Vivemos numa época de confiança nas condições materiais. Os homens imaginam que o imenso tamanho e a solidez de um navio, a perfeição de sua maquinaria ou a habilidade do navegador garantem a segurança, mas algumas vezes estes desastres acontecem para que o homem saiba que Deus é o verdadeiro Protetor. Se for a vontade de Deus proteger o homem, um pequeno navio pode escapar da destruição, ao passo que o maior e o mais perfeitamente construído dos navios, com o melhor e mais hábil dos navegadores, pode não sobreviver ao perigo, como aconteceu no oceano. O propósito é que o povo do mundo possa se volver a Deus, o único Protetor; que as almas humanas confiem na Sua proteção e saibam que Ele é a verdadeira salvação. Os acontecimentos ocorrem para que a fé do homem possa crescer e se tornar mais forte. Por isso, embora nos sintamos tristes e abatidos, devemos suplicar a Deus para dirigir nossos corações ao Reino, e orar por essas almas que partiram, com fé em Sua infinita mercê, para que, embora elas tenham sido privadas desta vida terrena, possam desfrutar uma nova existência nas supremas moradas do Pai Celestial.

Que ninguém imagine que estas palavras significam que o homem não deve ser completo e cuidadoso nos seus afazeres. Deus dotou o homem de inteligência para que possa se salvaguardar e proteger. Por isso, o homem deve prover e se proteger com tudo que a experiência científica pode produzir. Deve ser determinado, cuidadoso e íntegro em seus propósitos, construir o melhor navio e providenciar o mais experiente capitão; mas que confie em Deus e considere Deus como seu único Protetor. Se Deus proteger, nada pode ameaçar a segurança do homem; e se não houver Sua vontade em proteger, não há preparativo ou precaução que possa ajudar.

7
23 DE ABRIL DE 1912
Palestra à Sociedade Literária Bethel
Igreja Episcopal Metodista Africana Metropolitana
Rua M, NW, Washington, D.C.
Registrada por Joseph H. Hannen

Nesta noite, no momento em que estou aqui olhando esta assembléia, lembro-me curiosamente de um lindo buquê de violetas de várias cores, escuras e claras. Isto é um sinal e uma evidência de que os Estados Unidos são um governo justo e livre, pois vejo negros e brancos sentados juntos em perfeita harmonia e acordo. Os corações estão unidos. Este governo justo torna esta reunião possível. Deveis continuamente agradecer a Deus por desfrutardes segurança e proteção de um governo que promove vosso desenvolvimento e, tal como um pai, governa todos com eqüidade e igualdade imparciais; pois no mundo humano não há bênção maior. Esta noite eu lhes falarei de assuntos científicos.

As virtudes da humanidade são muitas, mas a ciência é a mais nobre de todas. A distinção da qual o homem desfruta acima e além do estado do animal é devida a esta virtude suprema. É uma dádiva de Deus; não é material, é divina. A ciência é o esplendor do Sol da Realidade, o poder de investigar e descobrir as verdades do universo, um meio pelo qual o homem encontra caminho em direção a Deus. Todos os poderes e atributos do homem são humanos e de origem hereditária - produzidos pelo processo da natureza - exceto o intelecto, que é supranatural. Por intermédio de pesquisa intelectual e inteligente, a ciência descobre todas as coisas. Ela une o presente e o passado, revela a história de nações e eventos passados, e confere ao homem atual a essência de todo o conhecimento e realizações humanas através das eras. Por processos intelectuais e dedução lógica da razão, este grande poder existente no homem pode penetrar os mistérios do futuro e antecipar seus eventos.

A ciência é a primeira emanação de Deus ao homem. Todas as coisas criadas incorporam a potencialidade da perfeição material, mas o poder da investigação intelectual e conquista científica é a maior virtude especificamente do homem apenas. Outros seres e organismos são privados dessa potencialidade e realização. Deus criou ou depositou no homem este amor à realidade. O desenvolvimento e progresso de uma nação estão de acordo com a medida e o grau de suas realizações científicas. Por esse intermédio, sua grandeza aumenta continuamente, e dia a dia o bem-estar e a prosperidade das pessoas são assegurados.

Todas as bênçãos são de origem divina, mas nenhuma pode ser comparada a esse poder da investigação intelectual e da pesquisa, que é uma dádiva eterna, produzindo frutos de infindável deleite. O homem está sempre participando desses frutos. Todas as outras bênçãos são temporárias; esta é uma posse imorredoura. Até mesmo a soberania tem suas limitações e derrotas; esta é uma soberania e domínio que ninguém pode usurpar ou destruir. Em suma, é uma bênção eterna e uma dádiva divina, o supremo presente de Deus ao homem. Por isso, deveis envidar vossos mais sinceros esforços na aquisição de ciências e artes. Quanto maiores as vossas realizações, mais elevado o vosso nível no propósito divino. O homem de ciências é perceptivo e dotado de visão, enquanto aquele que é ignorante e alheio a esse desenvolvimento, é cego. A mente investigativa é atenta e viva; a mente insensível e indiferente é surda e morta. Um homem de ciência é um verdadeiro indicador e representante da humanidade, pois através do processo de raciocínio indutivo e pesquisa ele se informa de tudo o que se refere à humanidade, seu estado, suas condições e acontecimentos. Ele estuda a sociedade humana, entende os problemas sociais e tece a trama e a constituição da civilização. Na verdade, a ciência pode ser comparada a um espelho no qual se revelam e se refletem as infinitas formas e imagens das coisas existentes. É o próprio fundamento de todo desenvolvimento individual e nacional. Sem esta base de investigação, o desenvolvimento é impossível. Por isso, buscai com esforço diligente o conhecimento e realização de tudo que se encontra no poder dessa maravilhosa dádiva.

Já vimos que a ciência ou o atributo da perspicácia científica é supranatural e que todas as outras bênçãos de Deus estão confinadas dentro dos limites da natureza. Qual é a prova disso? Todas as coisas criadas são cativas da natureza, exceto o homem. As estrelas e os sóis que flutuam através do espaço infinito, todas as formas de vida e existência terrena - seja mineral, vegetal ou animal - estão sob o domínio e o controle da lei natural. O homem, por intermédio do conhecimento e do poder científicos, governa a natureza e utiliza suas leis para realizar sua própria vontade. De acordo com as limitações da natureza, ele é uma criatura da terra, restrita a viver sobre sua superfície, mas através da utilização científica das leis físicas ele voa no céu, navega sobre o oceano e mergulha no seu interior. Os produtos de suas invenções e descobertas, tão familiares no nosso dia-a-dia, eram mistérios da natureza. Por exemplo, o homem trouxe a eletricidade do plano do invisível para o plano do visível, subordinou e aprisionou aquele misterioso agente natural e o fez servo de suas necessidades e desejos. Há muitos exemplos semelhantes, mas não nos prolongaremos. O homem, por assim dizer, tira a espada da mão da natureza e, usando-a como cetro de autoridade, domina a própria natureza. A natureza não possui a coroa das faculdades e atributos humanos. O homem possui inteligência consciente e reflexão; a natureza não. Este é um fundamento estabelecido entre os filósofos. O homem é dotado de vontade e memória, a natureza não possui nem uma nem outra. O homem pode desvendar os mistérios latentes na natureza, enquanto a natureza não está consciente dos fenômenos que ela própria oculta. O homem progride; a natureza é estacionária, sem poder progredir ou retroceder. O homem é dotado de virtudes ideais - por exemplo, intelecto, vontade, fé, confissão e reconhecimento de Deus - enquanto a natureza é privada de tudo isso. As faculdades ideais do homem, incluindo a capacidade da conquista científica, estão além do alcance da natureza. Estes são poderes pelos quais o homem é diferenciado e distinguido de todas as outras formas de vida. Esta é a dádiva do idealismo divino, a coroa que adorna a cabeça humana. A despeito da dádiva deste poder supranatural, é extremamente espantoso que os materialistas continuem a se considerar restritos e cativos da natureza. A verdade é que Deus dotou o homem de virtudes, poderes e faculdades ideais, dos quais a natureza é completamente privada e pelos quais o homem é elevado, distinto e superior. Devemos agradecer a Deus por essas dádivas, por esses poderes que Ele nos deu, por essa coroa que Ele colocou sobre nossas cabeças.

Como devemos utilizar essas dádivas e empregar essas bênçãos? Dirigindo nossos esforços para a unificação da raça humana. Devemos usar esses poderes no estabelecimento da unicidade do mundo humano, apreciar essas virtudes realizando a unidade entre brancos e negros, dedicar essa inteligência divina para aperfeiçoar a amizade e a harmonia entre todos os ramos da família humana, de modo que, sob a proteção e providência de Deus, Oriente e Ocidente possam tomar as mãos um do outro e se amarem mutuamente. Então a humanidade será como uma nação, uma raça e uma espécie - como ondas de um só oceano. Embora essas ondas possam diferir na forma e aspecto, são ondas do mesmo mar. Flores podem ser multicores, mas são todas flores do mesmo jardim. Árvores variam, embora cresçam no mesmo pomar. Todas são nutridas e vivificadas pela graça da mesma chuva, todas crescem e se desenvolvem pelo calor e luz de um mesmo sol, todas se refrescam e se alegram pela mesma brisa para produzirem diversos frutos. Isto está de acordo com a sabedoria criativa. Se todas as árvores produzissem o mesmo tipo de fruto, deixaria de ser delicioso. Em sua interminável variedade, o homem encontra satisfação em vez de monotonia.

E agora, ao contemplar vossas faces, lembro-me das árvores de diferentes cores e formas, mas todas carregadas de deliciosos e deleitáveis frutos, fragrantes e agradáveis tanto aos sentidos interiores como exteriores. A radiância e a espiritualidade desta reunião provêm dos favores de Deus. Nossos corações estão elevados em gratidão a Ele. Louvado seja Deus! Viveis no grande continente ocidental, usufruindo perfeita liberdade, segurança e paz deste governo justo. Em nenhum lugar há motivo para pesar e infelicidade; estais cercados por todos os meios de felicidade e satisfação, pois neste mundo humano não há maior bênção do que a liberdade. Vós não sabeis. Eu, que por quarenta anos fui prisioneiro, sei. Eu sei o valor e a bênção da liberdade. Pois vós tendes vivido e continuais a viver em liberdade, e não tendes medo de ninguém. Existe bênção maior do que isto? Liberdade! Liberdade! Segurança! Estas são as grandes dádivas de Deus. Por isso, louvai a Deus! Agora eu rezarei por vós.

8
24 DE ABRIL DE 1912
Palestra na Recepção de Crianças Studio Hall
Avenida Connecticut, 1219,
Washington, D.C.
Registrada por Joseph H. Hannen

Que reunião maravilhosa é esta! Estes são os filhos do Reino. A canção que acabamos de ouvir foi muito bela na melodia e nas palavras. A arte da música é divina e eficaz. É o alimento da alma e do espírito. Através do poder e encanto da música o espírito do homem se eleva. Tem um maravilhoso poder e efeito nos corações das crianças, pois seus corações são puros, e melodias exercem uma grande influência sobre elas. Os talentos latentes com os quais os corações destas crianças são dotados encontrarão expressão através da música. Por isso deveis vos empenhar em fazê-los proficientes; ensinai-as a cantar com excelência e eficiência. Incumbe a cada criança saber algo sobre música, pois sem conhecimento desta arte as melodias dos instrumentos e vozes não podem ser apropriadamente desfrutadas. Do mesmo modo, é necessário que as escolas as ensinem para que as almas e os corações dos alunos possam ser vivificados e alegrados, e suas vidas, abrilhantadas com alegria.

Hoje estão reunidas nesta reunião crianças espirituais e iluminadas. São crianças do Reino. O Reino dos céus é para almas como estas, pois elas estão próximas de Deus. Possuem corações puros. Possuem fisionomias espirituais. A influência dos ensinamentos divinos está manifesta na perfeita pureza de seus corações. Eis por que Cristo dirigiu-Se ao mundo, dizendo: "Se não mudardes e não vos tornardes como as crianças, de modo algum entrareis no Reino dos Céus" - ou seja, o homem deve se tornar puro de coração para conhecer a Deus. Os ensinamentos tiveram grande efeito. Almas espirituais! Almas carinhosas! Os corações de todas as crianças são de máxima pureza. Elas são espelhos sobre os quais não caiu poeira. Mas essa pureza é devida à fraqueza e inocência, não devida à força e experiência, pois sendo este o período inicial de sua infância, seus corações e mentes não estão maculados pelo mundo. Elas não podem mostrar grande inteligência. Não têm hipocrisia nem falsidade. Isto é por causa da fraqueza da criança, enquanto o homem se torna puro através de sua força. Através do poder da inteligência ele se torna simples; através do grande poder da razão e da compreensão ele se torna sincero, e não através da fraqueza. Quando ele atinge o estado da perfeição, ele recebe essas qualidades; seu coração se torna puro, seu espírito, iluminado, sua alma é sensível e terna - tudo isso através de sua grande força. Esta é a diferença entre o homem perfeito e a criança. Ambos possuem as qualidades essenciais de simplicidade e sinceridade - a criança através da fraqueza e o homem através do vigor.

Oro por estas crianças e do Reino de Abhá suplico confirmação e assistência a elas, de modo que cada uma possa ser treinada à sombra da proteção de Deus, cada uma possa se tornar como uma vela acesa no mundo da humanidade, uma tenra e jovem planta crescendo no jardim de rosas de Abhá; que essas crianças sejam tão treinadas e educadas que dêem vida ao mundo humano; que recebam inspiração e que concedam ouvidos aos povos do mundo; que possam disseminar as sementes da vida eterna e sejam aceitas no limiar de Deus; que se caracterizem por tais virtudes, perfeições e qualidades que suas mães, pais e parentes sejam gratos a Deus, satisfeitos e esperançosos. Este é o meu desejo e minha súplica.

Eu vos dou meu conselho, que é o seguinte: treinai estas crianças com as exortações divinas. Desde sua infância instilai em seus corações o amor de Deus, de modo que possam manifestar o temor a Deus em suas vidas e ter confiança nas dádivas de Deus. Ensinai-as a se livrar das imperfeições humanas e adquirir as perfeições divinas latentes no coração do homem. A vida do homem é útil se ele adquire as perfeições humanas. Se ele se torna o centro das imperfeições do mundo humano, a morte é melhor que a vida, e a não-existência, melhor que a existência. Portanto, esforçai-vos para que estas crianças sejam bem treinadas e educadas, e que cada uma delas atinja perfeições no mundo humano. Sabei o valor destas crianças, pois todas elas são minhas crianças.

9
24 DE ABRIL DE 1912

Palestra na Residência do Sr. e Sra. Arthur J. Parsons

Rua Dezoito, 1700, NW, Washington, D.C.
Registrada por Joseph H. Hannen

Sois bem-vindos esta tarde, muito bem-vindos. Fico sempre feliz em vos ver. Peço a Deus que o encontro comigo possa ser cheio de resultados; que esta não seja uma reunião comum, pois geralmente aqueles que reúnem grupos de pessoas têm algum interesse para promover. Louvado seja Deus! Não tenho qualquer interesse pessoal. Estou interessado no Reino, e esta é uma intenção sincera. Tenho amor perfeito por vós; por isso viajei esta longa distância para vos ver e saudar. Espero que estas reuniões sejam de grandes resultados, e não há maior resultado do que o amor de Deus. Não há maior resultado do que laços de serviço no Reino divino e a obtenção do agrado do Senhor. Portanto, desejo que vossos corações possam se volver ao Reino de Deus, que vossos interesses sejam puros e sinceros, que vosso propósito seja direcionado para realizações altruístas, sem consideração de vosso próprio bem-estar; ao contrário, que toda a vossa intenção esteja centrada no bem-estar da humanidade, e que busqueis sacrificar-vos no caminho da devoção à humanidade. Tal como Jesus Cristo sacrificou Sua vida, que vós possais vos oferecer no limiar do sacrifício para a melhora do mundo; e assim como Bahá'u'lláh sofreu severas provações e calamidades por vós durante quase cinqüenta anos, possais voluntariamente enfrentar dificuldades e suportar aflições pela humanidade em geral. Que possais suportar essas provações e testes de boa vontade e alegria, pois cada noite é seguida por um dia e cada dia tem uma noite. Toda primavera tem um outono, e todo outono, a sua primavera. A vinda do Manifestante de Deus é a estação da primavera espiritual. O aparecimento de Cristo, por exemplo, foi uma primavera divina. Por isso causou uma grande comoção e uma vibrante mudança no mundo da humanidade. O Sol da Realidade alvoreceu, da nuvem da misericórdia choveu copiosamente, as brisas da providência sopraram, o mundo tornou-se um novo mundo, a humanidade refletiu uma radiância extraordinária, as almas foram educadas, as mentes se desenvolveram, as inteligências se tornaram aguçadas e o mundo humano adquiriu um novo frescor de vida, como a chegada da primavera. Depois, gradualmente aquela primavera foi seguida pelo outono do ocaso e da extinção. Os ensinamentos de Cristo foram esquecidos. As graças crísticas cessaram. A moralidade divina desapareceu. O dia se transformou em noite. O povo se tornou negligente e esquecido. Os espíritos enfraqueceram até atingir tal crise que a ciência material predominou. O conhecimento e as ciências do Reino se tornaram obsoletos, os mistérios de Deus se tornaram mais obscuros e os traços das graças de Cristo desapareceram completamente. As nações foram envolvidas por superstição e cega imitação. Discórdia e conflito cresceram, culminando em luta, guerra e derramamento de sangue. Os corações foram violentamente despedaçados. Várias denominações surgiram, diferentes seitas e credos apareceram, e o mundo todo foi mergulhado em trevas.

Numa época assim, Bahá'u'lláh surgiu no horizonte da Pérsia. Reformou e renovou os fundamentos e realidades dos ensinamentos de Cristo. Ele enfrentou as maiores dificuldades e suportou as mais severas provações.

Louvores a Deus, pois os ensinamentos de Deus foram repetidos, as luzes da realidade alvoreceram novamente, as fulgências crescem dia a dia e a luz resplandece mais gloriosa no zênite. Da nuvem da mercê cai um dilúvio; o Sol da Realidade brilha na sua posição eterna. Novamente temos esperança de que a mesma primavera erga sua tenda e que essas ilimitadas dádivas apareçam mais uma vez entre nós. Isto se torna possível através de vossos esforços e vossa sinceridade. Se vos levantardes na Causa de Deus com poder divino, graça celestial, sinceridade do Reino, coração misericordioso e determinação, certamente o mundo humano será iluminado, a moralidade do gênero humano se tornará mais misericordiosa, as bases da Suprema Paz serão estabelecidas e a unicidade do reino humano se tornará realidade. Esta é a grande graça que desejo para vós, e oro e suplico ao divino limiar, implorando em vosso nome.

Ó Deus de Misericórdia! Tu que és poderoso e grande! Ó mais benévolo Pai! Estes servos aqui reunidos se dirigem a Ti, suplicando ante Teu limiar, desejando as infinitas graças de Quem tudo assegura. Só aspiram à Tua aprovação. Nada têm em mira senão servir ao mundo humano.

Ó Deus! Faze radiante esta assembléia. Torna misericordiosos os corações. Concede-lhes as dádivas do Espírito Santo. Dota-os de um poder do céu e da graça de um espírito celestial. Torna-os mais sinceros; faze com que se volvam para Teu reino, com toda humildade e contrição, e se ocupem em servir ao gênero humano. Transforma cada um em vela radiante. Faze cada um tornar-se uma estrela esplendorosa. Que todos manifestem beleza e fragrância no reino de Deus.

Ó Pai bondoso! Concede Tuas bênçãos. Não consideres nossas faltas. Abriga-nos sob Tua proteção. Não Te lembres de nossos pecados. Cura-nos por Tua misericórdia. Somos fracos; Tu és forte. Somos pobres; Tu és rico. Para nossas enfermidades, és o Médico. Estamos necessitados; Tu és o Mais Generoso.

Ó Deus! Seja nosso dote a Tua providência. És o Poderoso! És Quem dispensa dádivas! És o Benéfico!

10
24 DE ABRIL DE 1912
Palestra na Residência da Sra. Andrew J. Dyer
Rua Treze, 1937, NW, Washington, D.C.
Registrada por Joseph H. Hannen

Uma reunião como esta parece um belo conjunto de jóias preciosas - pérolas, rubis, diamantes, safiras. É uma fonte de júbilo e deleite. Qualquer coisa que conduza à unidade do mundo humano é perfeitamente aceitável e louvável; qualquer coisa que seja causa de discórdia e desunião é triste e deplorável. Considerai a importância da unidade e harmonia.

Nesta noite eu lhes falarei sobre o assunto da existência e inexistência, vida e morte. Existência é a expressão e o resultado de composição e combinação. Inexistência é a expressão e o resultado de divisão e desintegração. Se estudarmos as formas de existência no universo material, veremos que todas as coisas criadas são o resultado de composição. Os elementos materiais são agrupados em infinita variedade e infindáveis formas. Cada organismo é um composto; cada objeto é a expressão de afinidade de elementos. O complexo organismo humano é simplesmente um agrupamento de estruturas celulares; a árvore é um composto de células vegetais, o animal, uma combinação e agrupamento de átomos ou unidades celulares, e assim por diante. Portanto, existência ou a expressão do ser é composição; e não existência é decomposição, divisão, desintegração. Quando os elementos são agrupados numa determinada composição, o resultado é o organismo humano; quando esses elementos se separam e se dispersam, temos morte e inexistência. A vida é, portanto, produto de composição; e morte significa decomposição.

Do mesmo modo, no mundo dos espíritos e almas, o companheirismo, que é uma expressão de composição, conduz à vida, ao passo que a discórdia, sendo uma expressão de decomposição, é equivalente à morte. Sem coesão entre os elementos individuais que compõem a sociedade humana, segue-se inevitavelmente desintegração e decadência, e a vida se extingue. Os animais selvagens não têm qualquer companheirismo. Os abutres e os tigres são solitários, enquanto animais domésticos convivem em completa harmonia. As ovelhas, pretas e brancas, associam-se sem discórdia. Pássaros de várias espécies e cores voam e se alimentam juntos sem um traço sequer de inimizade e discórdia. Por isso, no mundo humano, é sábio e apropriado que todos os indivíduos manifestem unidade e afinidade. No agrupamento de jóias das raças, os negros podem ser como safiras e rubis, e os brancos, como diamantes e pérolas. A beleza da composição da humanidade será testemunhada em sua unidade e mistura. Quão glorioso o espetáculo da verdadeira unidade entre a humanidade! Como haveria paz, confiança e felicidade, se raças e nações se unissem em união e acordo! Os Profetas de Deus foram enviados ao mundo para esta missão da unidade e harmonia: que estas ovelhas há muito separadas pudessem se congregar. Quando as ovelhas se separam, expõem-se ao perigo, mas em bandos e sob a proteção de pastores, elas estão a salvo do ataque de todos os inimigos ferozes.

Quando os elementos raciais da nação americana se unirem em verdadeiro companheirismo e entendimento, as luzes da unicidade da humanidade brilharão, o dia de eterna glória e alegria alvorecerá, o espírito de Deus os envolverá e os favores divinos descerão. Sob a liderança e treinamento de Deus, o verdadeiro Pastor, todos serão protegidos e preservados. Ele os conduzirá por verdes campos de alegria e amparo, e eles atingirão o verdadeiro objetivo da existência. Esta é a bênção e o benefício da unidade; este é o fruto do amor. Este é o sinal da Suprema Paz; esta é a estrela da unidade do mundo humano. Considerai quão abençoada será essa condição. Oro por vós e em vosso nome peço confirmação e auxílio a Deus.

11
25 DE ABRIL DE 1912
Palestra para a Sociedade Teosófica
Residência do Sr. e Sra. Arthur J. Parsons
Rua Dezoito, 1700, NW, Washington, D.C.
Registrada por Joseph H. Hannen

O maior poder do reino humano e dentro dos limites da existência humana é o espírito - o divino sopro que anima e permeia todas as coisas. Manifesta-se em toda a criação em diferentes degraus ou reinos. No reino vegetal, é o espírito de ampliação, ou poder de crescimento, o sopro de vida e desenvolvimento nas plantas, árvores e organismos do mundo vegetal. Neste nível de sua manifestação, o espírito é inconsciente dos poderes que qualificam o reino animal. A virtude distintiva ou adicional do animal é a percepção sensorial; ele vê, ouve, tem olfato, gustação e tato, mas, por sua vez, é incapaz de ter concepção consciente ou reflexão que caracteriza e diferencia o reino humano. O animal, não exerce e nem apreende esta capacidade e dom que são característicos do homem. A partir do visível ele não pode tirar conclusões sobre o invisível, ao passo que a mente humana, de premissas visíveis e conhecidas, chega ao conhecimento do desconhecido e do invisível. Cristóvão Colombo, por exemplo, a partir de informações baseadas em fatos conhecidos e prováveis, tirou conclusões que o levaram inequivocamente através do vasto oceano para o desconhecido continente americano. Tal poder de realização está além do âmbito da inteligência animal. Por isso, este poder é um atributo distintivo do espírito e do reino humano. O espírito animal não pode penetrar e descobrir os mistérios das coisas. Ele é cativo dos sentidos. Não há grau de ensinamento, por exemplo, que o possa fazer perceber o fato de que o sol é estacionário e que a terra gira em torno dele. Do mesmo modo, o espírito humano tem suas limitações. Ele não pode compreender os fenômenos do Reino que transcendem a posição do homem, pois ele é cativo das capacidades e forças vitais que operam em seu próprio plano de existência, e não pode ultrapassar esse limite.

Há, entretanto, outro Espírito, que pode ser denominado Divino, ao qual Jesus Cristo Se refere quando declara que o homem deve nascer de sua vivificação e ser batizado pelo seu fogo vivo. Almas privadas desse Espírito são consideradas mortas, embora possuam o espírito humano. Jesus Cristo declarou-os mortos uma vez que não participam do Espírito de Deus. Ele diz: "Deixa que os mortos enterrem seus mortos." (Mateus 8:22) Em outra ocasião, Ele declara: "Aquele que é nascido da carne é carne; e aquilo que é nascido do Espírito é espírito." Com isto Ele quer dizer que as almas, embora vivas no reino humano, são no entanto mortas se destituídas deste espírito particular de vivificação divina. Elas não participaram da vida divina do Reino superior, pois a alma que participa do poder do Espírito Divino está verdadeiramente viva.

Este espírito vivificador emana espontaneamente do Sol da Verdade, da realidade da Divindade, e não se trata de revelação ou manifestação. É como os raios do sol. Os raios são a emanação do sol. Isto não significa que o sol tenha se tornado divisível e que parte do sol tenha se desprendido para o espaço. Esta planta aqui ao meu lado cresceu de uma semente; portanto é uma manifestação e desenvolvimento da semente. A semente, como podeis ver, desenvolveu suas potencialidades, e o resultado é esta planta. Toda folha da planta é parte da semente. Mas a realidade da Divindade é indivisível e cada indivíduo do gênero humano não pode ser uma parte dela como muitas vezes se diz. Não, as realidades individuais do gênero humano, quando espiritualmente nascidas, são emanações da realidade Divina, tal como a chama, o calor e a luz do sol são fulgências do sol e não partes do próprio sol. Por isso, um espírito emana da realidade Divina e seus esplendores se tornam visíveis nas realidades e entidades humanas. Este raio e este calor são permanentes. Seus esplendores não cessam. Enquanto o sol existir, o calor e a luz existirão, e uma vez que a eternidade é própria da Divindade, esta emanação é infindável. Não pára de fluir. Quanto mais o mundo humano evoluir, mais as fulgências ou emanações da Divindade serão reveladas, assim como a pedra, quando polida e pura como espelho, reflete a plena glória e esplendor do sol.

A missão dos Profetas, a revelação dos Livros Sagrados, a manifestação dos Professores celestiais e o propósito da filosofia divina estão todos centrados no treinamento das realidades humanas de modo que possam se tornar claras e puras como espelhos, e reflitam a luz e o amor do Sol da Realidade. Por isso, tenho a esperança de que - não importa se estais no Oriente ou no Ocidente - esforçar-vos-eis de coração e alma a fim de que dia a dia o mundo humano possa se tornar glorificado, mais espiritual, mais santificado; e o esplendor do Sol da Realidade possa se revelar plenamente nos corações humanos como num espelho. Isto é digno do mundo humano. Esta é a verdadeira evolução e progresso da humanidade. Esta é a suprema dádiva. De outro modo, o homem não se aperfeiçoa pelo simples desenvolvimento nas coisas materiais. No máximo, o homem pode se equilibrar e melhorar no seu aspecto físico, na sua condição natural ou material, mas permanecerá privado da dádiva espiritual ou divina. Então, ele é como um corpo sem espírito, uma lâmpada sem luz, um olho sem o poder de visão, um ouvido que nada ouve, uma mente incapaz de perceber, um intelecto sem o poder da razão.

O homem possui dois poderes; e seu desenvolvimento, dois aspectos. Um dos poderes está ligado ao mundo material e, por seu intermédio, ele é capaz de avanço material. O outro é o espiritual e, através de seu desenvolvimento, sua natureza potencial, interior, é despertada. Esses poderes são como duas asas. Ambas devem ser desenvolvidas, pois é impossível voar com uma asa. Louvores a Deus! O desenvolvimento material tem sido evidente no mundo, mas há necessidade de desenvolvimento espiritual na mesma proporção. Devemos nos esforçar incessantemente e sem descanso para realizar o desenvolvimento da natureza espiritual do homem, e empenhar-nos com energia incansável para conduzir a humanidade à nobreza de sua verdadeira e designada posição. Pois o corpo do homem é incidental; é sem importância. O tempo de sua desintegração inevitavelmente chegará. Mas o espírito do homem é essencial e, portanto, eterno. É uma graça divina. É o esplendor do Sol da Realidade e, portanto, de importância maior do que o corpo físico.

Oro por vós. Viestes me visitar, e sou muito grato. Peço a Deus, o Generoso, o Dadivoso, confirmação e auxílio para vós, para que sejais ajudados em servir o mundo humano.

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25 DE ABRIL DE 1912
Mensagem aos Esperantistas
Residência do Sr. e Sra. Arthur J. Parsons
Rua Dezoito, 1700, NW, Washington, D.C.
Registrada por Joseph H. Hannen

Hoje a maior necessidade do mundo humano é cessar os desentendimentos existentes entre as nações. Isto pode ser conseguido através da unidade de idioma. A menos que a unidade de línguas seja realizada, a Suprema Paz e a unicidade das nações não podem ser efetivamente organizadas e estabelecidas, pois a função da língua é retratar os mistérios e segredos dos corações humanos. O coração é como uma caixa e a língua é a chave. Somente com a chave podemos abrir a caixa e observar as gemas que ela contém. Por isso, a questão de um idioma internacional auxiliar é da maior importância. Por seu intermédio, a educação e o treinamento internacional se tornam possíveis; as evidências e a história do passado podem ser resgatadas. A difusão dos fatos conhecidos do mundo humano depende da linguagem. A explicação dos ensinamentos divinos só pode ser feita por esse meio. Enquanto persistir a diversidade de línguas e a falta de compreensão de outras línguas continuar, este glorioso objetivo não poderá ser realizado. Por isso, o primeiro serviço ao mundo humano é estabelecer este meio de comunicação internacional auxiliar. Ele se tornará causa de tranqüilidade da comunidade humana. Por seu intermédio, as ciências e artes se difundirão entre as nações, e ela se tornará o meio de progresso e desenvolvimento de todas as raças. Devemos nos esforçar com todas as nossas capacidades para estabelecer esta língua internacional auxiliar em todo o mundo. É minha esperança que ela possa ser aperfeiçoada através das graças de Deus e que homens capazes sejam escolhidos de vários países do mundo para organizar um congresso internacional cujo objetivo primordial será a promoção desse meio universal de comunicação.

13
25 DE ABRIL DE 1912

Palestra na Residência do Sr. e Sra. Arthur J. Parsons

Rua Dezoito, 1700, NW, Washington, D.C.
Registrada por Joseph H. Hannen

No mundo da existência, as maiores bênçãos de Deus são Seus ensinamentos. As outras graças de Deus são limitadas em seus benefícios e provisões. A própria existência humana é uma dádiva divina, mas é circunscrita por limitações. A visão e a audição são bênçãos de Deus; ambas são limitadas. O mesmo ocorre com as outras dádivas; o campo de sua ação é confinado e restrito, ao passo que a esfera dos ensinamentos divinos é ilimitada. Séculos e eras se passam, mas sua eficácia prossegue como o espírito de vida que anima o mundo da existência. Sem os ensinamentos de Deus, o mundo da humanidade é como o reino animal. Que diferença há entre o animal e o homem? A diferença é essa: que o animal não é capaz de apreender os ensinamentos divinos, enquanto o homem é digno deles e possui a capacidade de entendê-los. No reino animal não há tal dádiva; por isso, o progresso é limitado. Quando muito, a evolução naquele reino é o desenvolvimento do organismo. No início ele é pequeno, pouco desenvolvido; ele se desenvolve, cresce; mas a esfera de seu crescimento intelectual é limitada. Por isso as dádivas dos ensinamentos de Deus são especificamente para o homem.

Embora os ensinamentos divinos sejam a verdade e a realidade, com a passagem do tempo espessas nuvens os envolvem, obscurecendo-os. Essas nuvens são as imitações e as superstições; não são os fundamentos. Então o Sol da Verdade, a Palavra de Deus, surge novamente, resplandece mais uma vez na glória de sua força e dispersa a escuridão envolvente.

Por um longo tempo os divinos preceitos da refulgente Palavra foram obscurecidos pelas nuvens da superstição e do erro até que Bahá'u'lláh apareceu no horizonte da humanidade, despedaçou as sombras, dispersou as nuvens e revelou novamente os fundamentos dos ensinamentos de Deus.

O primeiro ensinamento de Bahá'u'lláh é o dever que cabe a todos de investigar a realidade. O que significa investigar a realidade? Significa que o homem deve esquecer tudo que ouve dizer e examine a verdade por si próprio, pois ele não sabe se aquilo que ouve dizer está de acordo com a realidade ou não. Onde quer que encontre a verdade ou a realidade, deve se apegar a ela, renunciando e descartando todo o resto; pois fora da realidade nada há senão superstição e imaginação. Na época de Jesus Cristo, por exemplo, os judeus estavam esperando o aparecimento do Messias, dia e noite orando e suplicando a Deus para que o Prometido aparecesse. Por que O rejeitaram quando Ele apareceu? Eles O negaram completamente e se recusaram a acreditar nEle. Não houve brutalidade ou perseguição que não Lhe tenham imposto. Amaldiçoaram-No, colocaram uma coroa de espinhos sobre Sua cabeça, levaram-No pelas ruas, escarnecendo e ridicularizando-O, e finalmente O crucificaram. Por que fizeram isto? Porque não investigaram a verdade ou a realidade de Cristo e não foram capazes de reconhecê-Lo como o Messias de Deus. Se tivessem investigado sinceramente por si mesmos, certamente teriam acreditado nEle, tê-Lo-iam respeitado e teriam se curvado em reverência diante dEle. Teriam considerado Sua manifestação a maior dádiva à humanidade. Eles O teriam aceitado como o Salvador do homem; mas, lamentavelmente, eles estavam cobertos por véus, apegados à imitação das crenças ancestrais e a boatos, e não investigaram a verdade de Cristo. Estavam submersos no mar da superstição e, por isso, privaram-se de testemunhar aquela gloriosa bênção; foram impedidos das fragrâncias ou dos sopros do Espírito Santo e sofreram o maior aviltamento e degradação.

A realidade ou a verdade é uma, embora existam muitas crenças religiosas, denominações, credos e diferentes opiniões no mundo de hoje. Por que existem essas diferenças? Porque as pessoas não investigam nem examinam a unidade fundamental, que é uma só e imutável. Se buscarem a própria realidade, concordarão e serão unidas; pois realidade é indivisível e não múltipla. É evidente, portanto, que nada há mais importante para a humanidade do que investigar a verdade.

O segundo ensinamento de Bahá'u'lláh é a unicidade do mundo humano. Todo ser humano é um servo de Deus. Todos foram criados e educados pelo poder e favor de Deus; todos foram abençoados com as graças do mesmo Sol da verdade divina; todos sorveram da fonte da infinita misericórdia de Deus; e, em Seu apreço e amor, todos são iguais como servos. Ele é benéfico e bondoso a todos. Por isso, ninguém deve se glorificar acima dos outros; ninguém deve mostrar orgulho e superioridade em relação aos outros; ninguém deve olhar os outros com escárnio e desprezo; e ninguém deve privar ou oprimir um semelhante. Todos devem ser considerados submersos no oceano da misericórdia de Deus. Devemos nos associar com toda a humanidade com gentileza e bondade. Devemos amar a todos com o amor do coração. Alguns são ignorantes; devem ser treinados e educados. O doente deve ser curado. O infante deve ser auxiliado a atingir a maturidade. Não devemos detestar aquele que está enfermo, nem evitar, escarnecer ou amaldiçoá-lo, mas cuidar dele com a máxima bondade e ternura. Uma criança não deve ser tratada com desdém simplesmente porque é uma criança. Nossa responsabilidade é treinar, educar e capacitá-la para que possa avançar em direção à maturidade.

O terceiro ensinamento ou princípio de Bahá'u'lláh é que religião e ciência estão em completo acordo. Toda religião que não estiver de acordo com a ciência estabelecida é superstição. A religião deve ser razoável. Se não se conforma com a razão, ela é superstição e sem fundamento. É como uma miragem, que ilude o homem, levando-o a pensar que se trata de água. Deus dotou o homem de razão para que ele possa perceber o que é verdade. Se insistirmos que tal e tal assunto não pode ser concluído e examinado de acordo com a estabelecida lógica do intelecto, de que serve a razão que Deus deu ao homem? O olho é o órgão do sentido pelo qual vemos o mundo dos fenômenos exteriores; a audição é a faculdade de distinguir sons; a gustação sente as propriedades das coisas como o amargo e o doce; o olfato detecta os diferentes odores; o tato revela os atributos da matéria e melhora nossa comunicação com o mundo exterior; mesmo assim, após tudo isso, o campo e a amplitude da percepção pelos cinco sentidos é extremamente limitado. Mas a faculdade intelectual do homem possui campo de ação ilimitado. O olho enxerga detalhes, talvez a uma milha, mas o intelecto pode perceber os confins do Oriente e do Ocidente. O ouvido pode ouvir modulações de tom a mil pés de distância, mas a mente pode detectar as harmonias das esferas celestes enquanto oscilam em suas trajetórias. A mente faz descobertas geológicas nas profundezas subterrâneas e determina o processo da criação nas camadas mais inferiores da terra. As ciências e artes, todas as invenções, artefatos, comércio e seus produtos surgiram do intelecto do homem. É evidente que a mente ocupa a posição suprema no organismo humano. Por isso, se a crença religiosa, princípio ou credo não estiverem de acordo com o intelecto e o poder da razão, são sem dúvida superstição.

Numa outra oportunidade falarei mais sobre os princípios revelados nos ensinamentos de Bahá'u'lláh.

III
PALESTRAS PROFERIDAS
POR 'Abdu'l-Bahá EM
CHICAGO, WILMETTE E EVANSTON
1
30 DE ABRIL DE 1912
Palestra na Reunião Pública de Conclusão da
Convenção da União do Templo Bahá'í *
Drill Hall, Templo Maçônico, Chicago, Illinois
Registrada por Joseph H. Hannen

* Organização estabelecida em Chicago, assim referida por Shoghi Effendi em A Presença de Deus, p. 355: "Em março de 1909, foi convocada uma convenção representativa de vários centros Bahá'ís (dos Estados Unidos), em cumprimento a instruções recebidas de 'Abdu'l-Bahá. Os trinta e nove delegados, representando trinta e seis cidades, que se reuniram em Chicago, no mesmo dia em que os restos mortais do Báb foram depositados por 'Abdu'l-Bahá no mausoléu erigido especialmente no Monte Carmelo, estabeleceram uma organização nacional permanente, conhecida como a União do Templo Bahá'í, que se constituiu como corporação religiosa, regendo-se pelas leis do Estado de Illinois, e investida de plena autoridade para arrogar-se a propriedade do Templo e prover os meios e determinar medidas visando a sua construção." (n.t.)

Entre os princípios dos Livros Sagrados, encontramos o da fundação de locais de adoração. Isto é, um edifício ou templo deve ser construído para que a humanidade possa encontrar um lugar de reunião, e isto deve conduzir à unidade e companheirismo entre os homens. O verdadeiro templo é a própria Palavra de Deus; pois toda a humanidade deve se volver a ela, o centro de unidade de toda a humanidade. É um centro coletivo, causa de concórdia e comunhão dos corações, sinal de solidariedade da raça humana, fonte de vida eterna. Templos são símbolos da força unificadora divina, a fim de que quando as pessoas se reunirem na Casa de Deus, possam lembrar o fato de que a lei foi revelada para eles e que a lei é para uni-los. Eles perceberão que, assim como este templo foi fundado para a unificação do gênero humano, a lei que o precedeu e o criou apareceu na Palavra manifesta. Dirigindo-se a Pedro, Jesus Cristo disse "Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei minha Igreja." [Mateus 16:18] Esta declaração indicava a fé de Pedro, querendo dizer: esta tua fé, ó Pedro, é a própria causa e mensagem de unidade às nações; ela será o laço de união entre os corações dos homens e o fundamento da unicidade do mundo humano. Em suma, o propósito original dos templos e casas de adoração é simplesmente unidade - lugares de reunião em que diversas pessoas, diferentes raças e almas de quaisquer capacidades podem se reunir para que o amor e o entendimento possam se manifestar entre elas. É por isso que Bahá'u'lláh ordenou que seja erguido um lugar de adoração para os seguidores de todas as religiões do mundo; que todas as religiões, raças e seitas possam se reunir ao seu abrigo universal; que a proclamação da unicidade da humanidade seja anunciada de seus tribunais de santidade - o anúncio de que o gênero humano é servo de Deus e que todos estão submersos no oceano de Sua mercê. É o Mashriqu'l-Adhkár. O mundo da existência pode ser comparado a este templo e local de adoração. Pois, tal como o mundo exterior é um lugar em que pessoas de todas as raças e cores, diferentes fés, denominações e condições se reúnem - como se estivessem submersos no mesmo mar dos favores divinos - do mesmo modo, todos podem se encontrar sob o domo do Mashriqu'l-Adhkár e adorar ao mesmo Deus no mesmo espírito de verdade; pois as eras da obscuridade já se passaram e chegou o século de luz. Preconceitos ignorantes estão sendo eliminados e a luz da unidade brilha. As diferenças entre nações e povos logo desaparecerão, e os fundamentos das religiões divinas, que nada mais são do que a unicidade e a solidariedade da raça humana, estão sendo estabelecidos. Durante milhares de anos, a raça humana esteve em guerra. Já basta. Que agora a humanidade, pelo menos por algum tempo, se associe em amizade e paz. Inimizade e ódio imperaram. Que por algum tempo o mundo exerça amor. No decorrer de milhares de anos, as nações renegaram umas às outras, considerando-se mutuamente infiéis e inferiores. Já é suficiente. Agora devemos saber que somos servos de um só Deus, que nos dirigimos a um único Pai benévolo, vivemos sob uma só lei divina, buscamos a mesma realidade e temos o mesmo desejo. Assim podemos viver em máxima amizade e amor e, por sua vez, os favores e graças de Deus nos circundarão; o mundo humano será reformado; o gênero humano desfrutará nova vida; a luz eterna resplandecerá e a moralidade celestial se tornará manifesta.

A política divina governará o mundo, pois a política divina é a unicidade da humanidade. Deus é justo e bondoso com todos. Ele considera todos Seus servos. Não exclui ninguém, e Seus julgamentos são corretos e verdadeiros. Não importa quão completas possam parecer a política e a previdência humanas, elas são imperfeitas. Se não procurarmos os conselhos de Deus ou nos recusarmos a seguir Seus mandamentos, isto será uma prova conjetural de que nós somos conhecedores e sábios, enquanto Deus é ignorante; que nós somos sagazes e Deus não o é. Deus proíba! Que Sua misericórdia nos proteja de tal sugestão! Não importa quanto a inteligência humana possa avançar, ainda continua uma gota, ao passo que a onisciência divina é um oceano. Poderíamos dizer que uma gota é imbuída ou dotada de qualidades que faltam no oceano? Poderíamos crer que a política e o plano deste átomo que é a alma humana são superiores à sabedoria do Onisciente? Não há ignorância maior do que isto. Em resumo, alguns são meras crianças; devemos educá-las com o máximo amor para torná-las sábias. Outros estão enfermos e aflitos; devemos tratá-los com ternura até se restabelecerem. Alguns são de moralidade indigna; devemos treiná-los para o padrão da verdadeira moralidade. Além disso, somos todos servos de um só Deus e estamos sob a providência e proteção do mesmo Pai.

Estas são instituições de Deus e fundações de Seu templo, o Mashriqu'l-Adhkár. O edifício exterior é um símbolo do interior. Que isto seja uma admoestação ao povo.

Oro por vós, para que vossos corações possam ser iluminados com a luz do amor de Deus, que vossas mentes possam evoluir a cada dia, que vossos espíritos se inflamem com o fogo e a luz das boas-novas de Deus, até que estas divinas fundações se estabeleçam por todo o mundo humano. A primeira dessas instituições e fundações é a unicidade da humanidade e amor entre o gênero humano. A segunda é a suprema Paz. Louvado seja Deus! Esta democracia americana manifesta capacidade, mostrando-se pronta para se tornar porta-estandarte da Suprema Paz. Que suas hostes sejam as hostes da unicidade da humanidade. Que sirvam no limiar de Deus e difundam a mensagem do beneplácito de Deus.

Ó Tu Senhor bondoso! Esta reunião volve-se a Ti. Estes corações estão radiantes com Teu amor. Estes espíritos e almas se regozijam com a mensagem de Tuas boas-novas. Ó Deus! Permite que esta democracia americana se torne gloriosa em posição espiritual do mesmo modo que se elevou em posição material, e torna justo este governo vitorioso. Confirma esta respeitosa nação para que erga o estandarte da unicidade da humanidade e promulgue a Suprema Paz, que assim se torne a mais gloriosa e louvável dentre todas as nações do mundo. Ó Deus! Esta nação americana é digna de Teus favores e merecedora de Tua mercê. Faze-a preciosa e próxima de Ti através de Tua graça e Tua dádiva.

2
30 DE ABRIL DE 1912
Palestra na Hull House
Chicago, Illinois
Registrada por Joseph H. Hannen

Quando observamos o mundo da criação, descobrimos que todas as coisas criadas podem ser classificadas sob dois aspectos da existência. Primeiramente, elas possuem corpos de substância material comum a todas - seja vegetal, animal ou humana. Este é o seu ponto de concordância ou, segundo a terminologia filosófica, seu ponto de contato. Em segundo lugar, elas variam e diferem uma da outra em grau e função - ou seja, em seus respectivos reinos. Este é seu ponto de distinção e diferenciação. Por exemplo, o vegetal e o animal são semelhantes no fato de que seus corpos são compostos da mesma matéria, mas amplamente diferentes em seus reinos e poderes. O homem é como o animal na estrutura física, mas, por outro lado, imensuravelmente distinto e superior.

No próprio reino humano há pontos de contato, propriedades comuns a toda a humanidade; do mesmo modo há pontos de distinção que separam raça de raça; indivíduo de indivíduo. Se os pontos de contato, que são as propriedades comuns da humanidade, sobrepujarem os pontos peculiares de distinção, a unidade será assegurada. Por outro lado, se os pontos de diferenciação dominarem os pontos de convergência, o resultado será desunião e fraqueza. Uma das importantes questões que afetam a unidade e a solidariedade do gênero humano é a camaradagem e a igualdade entre brancos e pessoas de cor. Entre estas duas raças existem certos pontos de concordância e pontos de distinção que garantem uma justa e mútua consideração. Os pontos de contato são muitos; pois no plano físico ou material de existência, ambas são igualmente constituídas e existem sob a mesma lei de crescimento e desenvolvimento corporal. Além disso, ambas vivem e agem no plano dos sentidos e são dotadas de inteligência humana. Há muitas outras qualificações comuns. Neste país, os Estados Unidos da América, o patriotismo é comum a ambas as raças; todas possuem direitos iguais à cidadania, falam a mesma língua, recebem as bênçãos da mesma civilização, e seguem os preceitos da mesma religião. De fato existem numerosos pontos de parceria e concordância entre as duas raças; enquanto o único ponto de distinção é o de cor. Pode-se permitir que esta, a menor de todas as distinções, crie separação entre vós como raças e indivíduos? No aspecto físico, na lei do crescimento, nas capacidades sensoriais, inteligência, patriotismo, língua, cidadania, civilização e religião, sois a mesma coisa. Existe apenas um ponto de distinção - a cor de vossa pele. Não agrada a Deus - nem irá qualquer pessoa razoável ou inteligente reconhecer - a desigualdade entre as raças por causa desta distinção.

Mas há necessidade de um poder superior que vença os preconceitos humanos, um poder a que nada no mundo humano possa resistir e que anule o efeito de todas as outras forças em ação nas condições humanas. Esse poder irresistível é o amor de Deus. É minha esperança e súplica que ele possa destruir o preconceito deste ponto de distinção entre vós e vos una permanentemente sob sua sagrada proteção. Bahá'u'lláh proclamou a unicidade do mundo humano. Ele uniu várias nações e credos divergentes. Ele declarou que diferença de raça e cor é como a beleza multicolorida das flores de um jardim. Se entrardes num jardim, vereis flores amarelas, brancas, azuis e vermelhas em profusão e beleza - cada uma radiante em si mesma e, embora diferente das outras, dispensando seu próprio encanto a todas. A diferença racial no mundo humano é semelhante. Se todas as flores de um jardim fossem da mesma cor, o efeito seria monótono e aborreceria os olhos.

Por isso, Bahá'u'lláh disse que as várias raças da humanidade emprestam um misto de beleza e harmonia de cor ao todo. Que todos se associem, portanto, neste grande jardim humano e, como as flores, cresçam e se misturem lado a lado, sem discórdia ou desentendimento.

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30 DE ABRIL DE 1912

Palestra na Quarta Conferência Anual da Associação Nacional

para o Progresso das Pessoas de Raça Negra
Handel Hall, Chicago, Illinois
Registrada por Joseph H. Hannen

De acordo com as palavras do Velho Testamento, Deus disse: "Façamos o homem à nossa imagem, como nossa semelhança." (Gênesis 1:26) Isto indica que o homem é a imagem e semelhança de Deus - ou seja, as perfeições de Deus, as virtudes divinas, são refletidas ou reveladas na realidade humana. Tal como a luz e o esplendor do sol se refletem plena e gloriosamente ao cair sobre um espelho polido, do mesmo modo, as qualidades e atributos da Divindade se irradiam das profundezas de um coração humano puro. Isto é uma evidência de que o homem é a mais nobre das criaturas de Deus.

Cada reino da criação é dotado do necessário complemento de atributos e poderes. Os minerais possuem as virtudes inerentes ao seu próprio reino na escala da existência. O vegetal possui as qualidades do mineral além da virtude do crescimento, ou poder de crescimento. O reino animal possui as virtudes e poderes dos reinos mineral e vegetal, além de possuir certas propriedades peculiares a ele próprio. O mundo humano é repleto de perfeições de todos os reinos inferiores além de poderes que são peculiares apenas ao homem. O homem é, portanto, superior a todas as criaturas abaixo dele, o mais sublime e mais glorioso ser da criação. O homem é o microcosmo; e o universo infinito, o macrocosmo. Os mistérios do mundo maior, ou macrocosmo, são expressos ou revelados no mundo menor, o microcosmo. A árvore, por assim dizer, é o mundo maior, e a semente em relação à árvore é o mundo menor. Mas a totalidade da grande árvore é potencialmente latente e oculta na pequena semente. Quando esta semente é plantada e cultivada, a árvore se revela. Do mesmo modo, o mundo maior, o macrocosmo, está latente e miniaturizado no mundo menor, ou microcosmo, do homem. Isto constitui a universalidade ou perfeição das virtudes potenciais no homem. Por isso se diz que o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus.

Vejamos se descobrimos mais especificamente como ele é a imagem e semelhança de Deus e qual é o padrão ou critério pelo qual ele pode ser medido e mensurado. Este padrão não pode ser outro senão as virtudes divinas nele reveladas. Por isso, todo homem imbuído das qualidades divinas, que reflete a moralidade e as perfeições celestiais, que é a expressão dos atributos mais elevados e louváveis, é verdadeiramente a imagem e semelhança de Deus. Se um homem possui riquezas, podemos chamá-lo de imagem e semelhança de Deus? Ou um homem honrado e notório pode ser o critério da proximidade divina? Podemos aplicar o teste da cor da pele e dizer que a pessoa de determinada cor - seja branca, preta, marrom, amarela, vermelha - é a verdadeira imagem de seu Criador? Devemos concluir que cor não é padrão nem medida de julgamento, e não tem importância alguma, pois cor é contingência da natureza. O espírito e a inteligência do homem é essencial, e esta é a manifestação das virtudes divinas, as misericordiosas dádivas de Deus, a vida eterna e o batismo através do Espírito Santo. Por isso, que fique entendido que cor ou raça não são importantes. Aquele que é imagem e semelhança de Deus, que é a manifestação das dádivas de Deus, é aceitável no limiar de Deus - não importa se sua cor é branca, preta ou marrom. O homem não é homem apenas por causa de atributos corporais. O padrão divino de medida e julgamento é sua inteligência e seu espírito.

Por isso, este deve ser o único critério e medida, pois esta é a imagem e semelhança de Deus. O coração de um homem pode ser puro e alvo, embora a cor de sua pele seja negra; ou seu coração pode ser obscurecido e cheio de pecado, embora a cor de sua pele seja branca. O que tem a máxima importância é o caráter e a pureza do coração. O coração que é iluminado pela luz de Deus é o mais próximo e o mais estimado por Deus, e uma vez que Deus dotou o homem de tais favores de modo a ser qualificado como a imagem e semelhança de Deus, esta é em verdade a suprema perfeição a ser conseguida, uma posição divina que não pode ser sacrificada pelo mero acaso da cor.

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1º DE MAIO DE 1912

Palestra na Dedicação do Terreno do Mashriqu'l-Adhkár

Wilmette, Illinois
Registrada por Joseph H. Hannen

O poder que vos reuniu aqui hoje, apesar do frio e do vento, é realmente grande e maravilhoso. É o poder de Deus, o divino favor de Bahá'u'lláh que vos reuniu aqui. Damos louvor a Deus que através de Seu estimulante amor fez as almas humanas se reunirem e se associarem desta maneira.

Milhares de Mashriqu'l-Adhkars, pontos do alvorecer de louvor e menção de Deus para os seguidores de todas as religiões, serão erguidos no Oriente e no Ocidente, mas este, sendo o primeiro edificado no Ocidente, é de grande importância. No futuro haverá muitos aqui e em todos os lugares - na Ásia, na Europa, até na África, Nova Zelândia e Austrália - mas este edifício em Chicago tem um significado especial. Ele tem a mesma importância do Mashriqu'l-Adhkár de 'Ishqábád, no Cáucaso, Rússia, o primeiro construído lá. Na Pérsia há muitos; alguns são casas utilizadas para este propósito, outros são casas inteiramente devotadas à Causa divina, e em alguns lugares estruturas temporárias foram erguidas. Em todas as cidades da Pérsia existem Mashriqu'l-Adhkars, mas o grande ponto do alvorecer foi fundado em 'Ishqábád. Ele possui importância superlativa porque foi o primeiro Mashriqu'l-Adhkár a ser construído. Todos os amigos Bahá'ís aquiesceram e contribuíram com o máximo auxílio e esforço. A ele, o Afnán dedicou sua riqueza, e colocou tudo o que tinha. De um esforço tão poderoso e conjunto surgiu um belo edifício. Apesar de suas contribuições para aquela construção, eles ajudaram o fundo aqui em Chicago também. O Mashriqu'l-Adhkár de 'Ishqábád está quase terminado. Ele é centralizado, nove avenidas conduzem a ele, nove jardins, nove fontes; todo o plano e a construção estão de acordo com o princípio e proporção do número nove. É como um lindo buquê. Imaginai um edifício sublime e imponente, completamente cercado por jardins e flores de muitas cores, com nove avenidas conduzindo através deles, nove fontes e espelhos de água. Assim é seu incomparável e belo desenho. Agora estão construindo um hospital, uma escola para órfãos, uma casa para deficientes, um albergue e um grande dispensário. Se Deus quiser, quando for completado será um paraíso.

Tenho a esperança de que o Mashriqu'l-Adhkár em Chicago também será assim. Esforçai-vos para conseguir um terreno circular. Se possível, ajustai e modificai o projeto para deixar as dimensões e as delimitações em forma circular. O Mashriqu'l-Adhkár não pode ser triangular. Deve ter a forma de um círculo.

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2 DE MAIO DE 1912
Palestra no Hotel Plaza
Chicago, Illinois
Registrada por Joseph H. Hannen

Nesta Causa, a consulta é de importância vital, mas o que se tem em mira é uma reunião espiritual e não mera expressão de pontos de vista pessoais. Na França, eu presenciei uma sessão no senado, mas a experiência não foi impressiva. A conduta parlamentar deve ter por objetivo atingir a luz da verdade sobre as questões apresentadas e não se tornar um campo de batalha para oposição e opinião pessoal. Antagonismo e contradição são impróprios e sempre destroem a verdade. Na reunião parlamentar mencionada, altercações e jogos de palavra inúteis eram freqüentes; o resultado foi muita confusão e agitação; num dado momento ocorreu até agressão física entre dois membros. Não se tratava de consulta, mas de comédia.

O propósito é enfatizar que a consulta deve ter por objetivo a investigação da verdade. Quem apresenta uma opinião não deve fazê-lo como a expressão da verdade, mas oferecê-la como uma contribuição ao consenso de opiniões, pois a luz da realidade surge pela coincidência de duas opiniões. O encontro da pedra com o aço produz faísca. O homem deve medir suas opiniões com a máxima serenidade, calma e compostura. Antes de expressar suas próprias opiniões, deve considerar cuidadosamente as já apresentadas por outros. Se achar que uma opinião anteriormente apresentada é mais verdadeira e meritória, deve aceitá-la imediatamente e não se prender obstinadamente à própria opinião. Através deste excelente método, ele se esforça para chegar à unidade e à verdade. Oposição e divisão são deploráveis. É melhor, então, ter a opinião de uma pessoa sábia e sagaz; de outro modo, contradição e altercação, em que pontos de vista variados e divergentes são apresentados, tornará necessário que um corpo judicial decida sobre a questão. Até mesmo a opinião da maioria ou consenso pode ser incorreto. Mil pessoas podem apoiar um ponto de vista e estarem erradas, ao passo que uma pessoa sagaz pode estar certa. Por isso, a verdadeira consulta é uma reunião de atitude espiritual com atmosfera de amor. Os membros devem se amar uns aos outros em espírito de camaradagem para que bons resultados possam surgir. Amor e camaradagem são o fundamento.

O mais memorável exemplo de consulta espiritual foi a reunião dos discípulos de Jesus Cristo no monte, após a Sua ascensão. Eles disseram: "Jesus Cristo foi crucificado, e nós não mais temos contato com Ele em corpo físico; por isso, devemos ser leais e fiéis a Ele, devemos ser gratos e estimá-Lo, pois Ele nos ressuscitou, tornou-nos sábios, deu-nos a vida eterna. O que devemos fazer para sermos fiéis a Ele?" E assim eles se reuniram em conselho. Um deles disse: "Devemos nos desprender das correntes e grilhões do mundo; senão não poderemos ser fiéis." Os outros replicaram: "É verdade." Outro disse: "Ou nos casamos e somos fiéis às nossas esposas e crianças ou servimos nosso Senhor, livres desses laços. Não podemos nos ocupar com os cuidados e afazeres para com nossas famílias e ao mesmo tempo anunciar o Reino às massas. Por isso, aqueles que são solteiros que permaneçam assim, e os que são casados que providenciem sustento e conforto para suas famílias e então saiam para difundir a mensagem de boas-novas." Não houve quaisquer vozes divergentes; todos concordaram, dizendo: "Está certo." Um terceiro discípulo disse: "Para praticar atos meritórios no Reino, devemos ser mais abnegados. Pois doravante devemos renunciar bem-estar e conforto físico, aceitar quaisquer dificuldades, esquecer de nós próprios e ensinar a Causa de Deus." Isto foi aceito e aprovado por todos os outros. Finalmente, um quarto discípulo disse: "Há ainda outro aspecto de nossa fé e unidade. Por Jesus seremos espancados, aprisionados e exilados. Poderão nos matar. Aprendamos esta lição agora. Devemos ter em mente e decidir que apesar de sermos espancados, banidos, amaldiçoados, cuspirem em nós e nos levarem para a morte, devemos aceitar tudo isto com júbilo, amando aqueles que nos odeiam e ferem." Todos os discípulos responderam: "Certamente o faremos - está combinado; está certo." Então desceram do cume do monte, cada um seguiu uma direção diferente, rumo à sua divina missão.

Esta foi a verdadeira consulta. Esta foi uma consulta espiritual e não a mera expressão de pontos de vista pessoais como no debate e antagonismo parlamentares.

6
2 DE MAIO DE 1912
Palestra à Federação de Clubes Femininos
Hotel La Salle, Chicago, Illinois
Registrada por Joseph H. Hannen

Uma das funções do sol é vivificar e revelar as realidades ocultas dos reinos da existência. Através da luz e do calor do grande luminar central, tudo o que é potencial na terra desperta e surge no reino do visível. Os frutos ocultos na árvore aparecem nos seus ramos em resposta ao poder do sol; o homem e todos os outros organismos vivos agem e se encontram sob a influência dos seus raios vivificadores; a natureza, através de seu impulso penetrante, resplandece com incontáveis formas evolutivas - de modo que podemos dizer que uma das funções do sol é a revelação dos mistérios e objetivos criativos ocultos no mundo fenomênico.

O sol exterior é um sinal ou um símbolo do Sol da Verdade interior e sublime, a Palavra de Deus. Uma vez que este é o século de luz, é evidente que o Sol da Realidade, o Verbo, revelou-se a toda a humanidade. Uma das potencialidades ocultas no reino da humanidade era a potencialidade ou capacidade feminina. Através dos fulgentes raios da iluminação divina, a capacidade da mulher despertou e se manifestou de tal modo nesta época que a igualdade do homem e da mulher é um fato consumado. Em épocas passadas, a mulher era oprimida e injuriada. Este era especialmente o caso na Ásia e na África. Em certas partes da Ásia, as mulheres não eram consideradas membros da humanidade. Elas eram vistas como criaturas inferiores e indignas, subordinadas e submissas ao homem. Um certo povo conhecido como os Nusayrís mantiveram por longo tempo a crença de que a mulher era a encarnação do espírito do mal, ou Satã, e que somente o homem era a manifestação de Deus, o Misericordioso. Finalmente este século de luz alvoreceu, as realidades resplandeceram e os mistérios longamente ocultos da visão humana foram revelados. Entre essas realidades reveladas, havia o grande princípio da igualdade do homem e da mulher, que agora encontra reconhecimento por todo o mundo - América, Europa e o Oriente.

A história registra que no mundo surgiram mulheres que foram sinais de orientação, poder e realização. Algumas eram poetizas notáveis, algumas filósofas e cientistas, outras corajosas no campo de batalha. Qurratu'l-'Ayn, uma bahá'í, era poetiza. Ela derrotava os homens sábios da Pérsia pelo seu brilho e fervor. Quando entrava numa reunião, até mesmo os sábios se calavam. Ela era tão bem versada em filosofia e ciência que aqueles que se encontravam em sua presença sempre a respeitavam e a consultavam primeiro. Sua coragem era sem paralelo; enfrentou seus inimigos com destemor até ser morta. Ela se opôs a um rei despótico, o xá da Pérsia, que tinha o poder de decretar a morte de qualquer um de seus súditos. Não havia um dia em que ele não ordenasse a execução de alguns. Esta mulher, sozinha e sem apoio, enfrentou tal déspota até expirar, então deu a vida por sua fé.

Considerai os mistérios revelados durante o último meio século, tudo devido ao resplendor do Sol da Realidade, que tão gloriosamente se manifestou nesta era e neste ciclo. Neste dia, o homem deve investigar a realidade com imparcialidade e sem preconceito para atingir o verdadeiro conhecimento e conclusão. O que, afinal, constitui a desigualdade entre homem e mulher? Ambos são humanos. Cada um é o complemento do outro nas suas capacidades e funções. Quando muito, o que acontece é que às mulheres foram negadas as oportunidades que o homem desfrutou por longo tempo, especialmente o privilégio da educação. Mas nem mesmo isto é sempre uma deficiência. Poderíamos considerar uma imperfeição e fraqueza de sua natureza o fato de não ser competente na aprendizagem de táticas militares, de não ir ao campo de batalha para matar, de não ser capaz de empunhar uma arma mortal? Pelo contrário, não é um elogio quando dizemos que em insensibilidade e crueldade ela é inferior ao homem? Quando se pede a uma mulher se armar e matar seus semelhantes, ela responde: "Não posso." Será que podemos considerar isto como falta de qualificação para se igualar ao homem? Sabei, porém, que se a mulher tivesse sido ensinada e treinada na ciência militar da carnificina, até nisso ela teria sido equivalente ao homem. Mas Deus proíba! Que as mulheres nunca atinjam tal eficiência; que jamais empunhem armas de guerra, pois a destruição da humanidade não é algo glorioso. Criar um lar, trazer conforto aos corações humanos são as verdadeiras glórias da humanidade. Que o homem não se glorie no fato de poder matar seus semelhantes; que, ao contrário, se glorie nisso: que pode amá-los.

Quando consideramos os reinos da existência inferiores ao homem, não encontramos qualquer distinção ou idéia de superioridade e inferioridade entre macho e fêmea. Entre miríades de organismos dos reinos vegetal e animal existe o sexo, mas não há qualquer diferenciação no que se refere à importância e valor relativos na igualdade da vida. Se investigarmos imparcialmente, poderemos até encontrar espécies em que a fêmea é superior ou preferível ao macho. Existem, por exemplo, árvores como a figueira cujo macho é estéril, enquanto a fêmea é frutífera. O macho da tamareira nada produz, ao passo que a fêmea frutifica em abundância. Uma vez que, de acordo com a sabedoria criativa, não encontramos qualquer base de distinção ou superioridade nos reinos inferiores, será lógico e adequado que o homem faça tal distinção em relação a si mesmo? O macho do reino animal não se gloria em ser macho e superior à fêmea. Na verdade, existe igualdade e esta é reconhecida. Por que deveria o homem, uma criatura mais elevada e inteligente, negar e se privar desta igualdade que os animais usufruem? A mais certa indicação e direção quanto à intenção criativa referente a ele próprio são as condições e analogias dos reinos que lhe são inferiores, onde a igualdade dos sexos é fundamental.

A verdade é que todos os membros da humanidade são as criaturas e servos de um só Deus e, aos Seus olhos, todos são humanos. Homem é um termo genérico aplicado a toda a humanidade. A declaração bíblica: "Façamos o homem à nossa imagem, como nossa semelhança", não significa que a mulher não foi criada. A imagem e semelhança de Deus se aplicam igualmente a ela. Nas línguas persa e árabe há duas palavras distintas que em inglês são traduzidas como homem: uma designa o homem e a mulher coletivamente, a outra, distingue o homem, como macho, da mulher, a fêmea. A primeira palavra e seu pronome são genéricos, coletivos; a outra se restringe ao macho. O mesmo acontece no hebraico.

Aceitar e observar uma distinção que Deus não tencionou na criação é ignorância e superstição. O fato que deve ser considerado, no entanto, é que a mulher, tendo sido anteriormente privada, deve agora ter as mesmas oportunidades de educação e treinamento que o homem. Não deve haver nenhuma diferença em sua educação. Enquanto a verdadeira igualdade entre o homem e a mulher não for plenamente atingida e estabelecida, é impossível que a humanidade atinja o mais elevado grau de desenvolvimento social. Mesmo que se admita que, em alguma medida de sua capacidade ou realização, a mulher seja inferior ao homem, esta ou qualquer outra distinção continuará a produzir discórdia e transtorno. O único remédio é educação e oportunidade, pois igualdade significa mesma qualificação. Em resumo, admitir a superioridade do homem continuará a desalentar a ambição da mulher, como se para ela fosse intrinsecamente impossível atingir a igualdade; sua aspiração em progredir ficará bloqueada e gradualmente ela perderá a esperança. Devemos, ao contrário, declarar que sua capacidade é igual, até maior que a do homem. Isto lhe trará esperança e ambição, e sua suscetibilidade em crescer aumentará constantemente. Não se deve dizer nem ensinar que ela é inferior e mais fraca em capacidade e qualificação. Se for dito a um aluno que é menos inteligente do que seus colegas, isto será um grande obstáculo e desvantagem ao seu progresso. Ele deve ser encorajado a avançar, dizendo: "Você é muito capaz, e se fizer esforço, atingirá o mais alto grau."

É minha esperança que a bandeira da igualdade possa ser erguida em todos os cinco continentes onde por enquanto isto não está plenamente reconhecido e estabelecido. Neste esclarecido mundo ocidental, a mulher avançou de modo imensurável em relação à mulher oriental. E que fique dito mais uma vez que, até que a mulher e o homem reconheçam a igualdade e a tornem realidade, o progresso social e político será impossível aqui ou em qualquer outro lugar. Pois o mundo da humanidade consiste em duas partes ou membros: um é a mulher e o outro, o homem. Enquanto os dois membros não estiverem igualmente fortes, a unicidade da humanidade não pode ser estabelecida, e a alegria e felicidade do gênero humano não se tornarão realidade. Se Deus quiser, assim será.

7
2 DE MAIO DE 1912
Palestra na Recepção de Mulheres Bahá'ís
Hotel La Salle, Chicago, Illinois
Registrada por Joseph H. Hannen

Quando observamos os reinos da criação inferiores ao homem, encontramos três formas ou planos de existência que estão na expectativa de cultivo e desenvolvimento. Por exemplo, a função de um jardineiro é lavrar a terra do reino mineral e plantar uma árvore que, sob seu cultivo e treino, atingirá o crescimento perfeito. Se for selvagem e infrutífera, tornar-se-á frutífera e prolífica pelo enxerto. Se pequena e de má aparência, tornar-se-á imponente, bela e verdejante sob os cuidados do jardineiro, enquanto uma árvore privada de cultivo degenera-se dia após dia, seus frutos crescem azedos e amargos como as árvores silvestres, ou pode se tornar completamente estéril e sem frutos. Do mesmo modo verificamos que animais que passaram por treinamento em sua esfera de limitações, sem dúvida progredirão e avançarão, tornando-se mais belos e mais inteligentes. Por exemplo, quão esperto e inteligente se tornou o cavalo árabe através de treino, e até mesmo quão polido ele se tornou através da educação. Quanto ao mundo humano, ele é mais necessitado de orientação e educação do que as criaturas inferiores. Refleti sobre a grande diferença existente entre os habitantes da África e os da América. Aqui as pessoas foram civilizadas e elevadas; lá eles estão no mais completo e abjeto estado de selvageria. Qual é a causa da selvageria deles e o motivo de vossa civilização? É evidente que essa diferença se deve à educação e à ausência de educação. Considerai, então, quão efetiva é a educação no reino humano. Ela faz do ignorante, sábio; do tirano, misericordioso; do cego, alguém que vê; do surdo, alguém que ouve; até mesmo do tolo, inteligente. Quão grande é esta diferença. Quão imenso é o abismo que separa os homens educados daqueles destituídos de ensino e treinamento. Eis o que resulta quando o instrutor é apenas um instrutor comum.

Mas - louvores a Deus! - vosso Professor e Instrutor é Bahá'u'lláh. Ele é o Educador do Oriente e do Ocidente. Ele é o Instrutor do próprio mundo da divindade e da espiritualidade, o Sol da Verdade, o Verbo de Deus. As luzes de Sua educação estão se irradiando como o sol. Vede o que ela conseguiu realizar, como ela está desenvolvendo toda a humanidade, de modo que eu, um persa, vim aqui para esta reunião de respeitáveis almas no continente americano e estou aqui falando-lhes com o máximo amor. Isto ocorre através do treinamento de Bahá'u'lláh, que pode unir e de fato uniu os corações. Deste modo ele iluminou o mundo. Deste modo insuflou o espírito de Deus nos homens. Deste modo ressuscitou os corações dos homens.

Por isso, louvor a Deus porque vós fostes reunidos sob a educação dAquele que é o próprio Sol da Realidade e que resplandece sobre toda a humanidade, dotando todos de uma vida que é imorredoura.

Mil vezes louvores a Deus!
8
2 DE MAIO DE 1912
Palestra no Hotel Plaza
Chicago, Illinois
Registrada por Mirzaeh Moss

Esta manhã, a cidade está envolvida por bruma e neblina. Como é bonita a cidade brilhando com os raios do sol. Tal como este nevoeiro e vapor escondem o sol fenomênico, as imaginações humanas obscurecem o Sol da Verdade. Considerai a radiante glória do grande centro do nosso sistema planetário: como é bela a visão, como seu esplendor ilumina até que as nuvens e o nevoeiro o ocultam da vista. Do mesmo modo, o Sol da Verdade fica velado e oculto pelas superstições e imaginações das mentes humanas. Quando o sol se levanta, não importa de que ponto do horizonte ele apareça - nordeste, leste, sudeste - a névoa e a bruma se dispersam, e temos a clara visão de sua glória subindo ao zênite. Do mesmo modo, as nações foram dirigidas aos pontos do alvorecer do Sol da Realidade, cada uma a um lugar de alvorecer específico, do qual a luz da religião se tornou manifesta; mas depois de algum tempo o lugar do alvorecer se tornou objeto de adoração em vez do próprio Sol, o qual é sempre o mesmo Sol, estacionário nos céus da Vontade divina. Por causa disso surgiram divergências, fazendo com que as nuvens e a escuridão envolvessem novamente o glorioso luminar da Realidade. Quando as brumas e a escuridão da superstição e preconceito forem dispersas, todos verão o Sol corretamente e do mesmo modo. Então, todas as nações se tornarão uma em sua radiância.

Uma vez que estas nuvens e brumas humanas da superstição ocultam a luz do Sol espiritual, devemos envidar o máximo esforço para dispersá-las. Que possamos nos unir nisso, e sejamos iluminados para realizar isto, pois o Sol é um e sua radiância e graça, universais. Todos os habitantes da terra são receptores da graça do sol fenomênico, e ninguém é preferido acima dos outros; assim, do mesmo modo, todos recebem as dádivas celestiais do Verbo de Deus; ninguém é considerado favorito; todos são abrigados sob sua proteção e esplendor universal. As lutas humanas e discórdias religiosas complicam e desfiguram a singela pureza e a beleza da Causa divina até que as nuvens obscurecem a luz da realidade e conseqüentemente há desunião. Por isso, fazei uso da inteligência e da razão de modo que possais dispersar estas nuvens densas do horizonte dos corações humanos e estarem todos apegados à mesma realidade de todos os Profetas. É certo que, se as almas humanas exercerem sua respectiva razão e inteligência nas questões divinas, o poder de Deus dispersará toda dificuldade, e as realidades eternas surgirão como uma luz, uma verdade, um amor, um Deus e uma paz que é universal.

9
2 DE MAIO DE 1912
Palestra no Hotel Plaza
Chicago, Illinois
Registrada por Henrietta C. Wagner

Quando investigamos cuidadosamente os reinos da existência e observamos os fenômenos do universo que nos cerca, descobrimos a absoluta ordem e perfeição da criação. Os minerais brutos com suas afinidades, as plantas e vegetais com o poder de crescimento, os animais com seus instintos, o homem com o intelecto consciente e as esferas celestes movendo-se submissas através do espaço ilimitado, estão todos sujeitos à lei universal, na maior completude e perfeição. Eis por que um sábio filósofo disse: "Não há maior ou mais perfeito sistema de criação do que aquele que já existe." Os materialistas e ateus declaram que esta ordem e harmonia são devidas à natureza e suas forças; que a composição e a decomposição que constituem a vida e a existência são exigências da natureza; que o próprio homem é uma exigência da natureza; que a natureza dirige e governa a criação; e que todas as coisas existentes são cativas da natureza. Consideremos estas afirmações. Uma vez que vemos todos os fenômenos sujeitos a uma ordem exata e sob o controle da lei universal, a questão é se isto é devido à natureza ou ao controle divino e onipotente. Os materialistas acreditam que é uma exigência da natureza que a chuva caia, e que o solo não se torna verdejante se a chuva não cair. Eles argumentam que, se da nuvem cai a chuva, se o sol irradia seu calor e sua luz, e a terra é dotada de capacidade, a conseqüência é que haja vegetação; por isso, a vida vegetal é uma propriedade dessas forças naturais e um sinal da natureza; assim como a combustão é uma propriedade natural do fogo e, portanto, o fogo queima, e não podemos conceber o fogo sem que ele queime.

Em resposta a estas afirmações dizemos que, das premissas levantadas pelos materialistas, pode-se concluir que é a natureza que comanda e governa a existência, e que todas as virtudes e perfeições são exigências e conseqüências naturais. Além disso, segue-se que o homem é apenas uma parte ou membro do todo que é a natureza.

O homem possui certas virtudes das quais a natureza é privada. Ele possui vontade; a natureza não. Por exemplo, uma das exigências do sol é que irradie luz. Ele é governado - ele nada pode fazer senão irradiar luz - mas isto não é voluntário. Uma exigência do fenômeno da eletricidade é que, em certas condições, ela se revela em descarga elétrica e clarão, mas não pode voluntariamente fornecer a luz. Uma exigência e propriedade da água é umidade; ela não pode se separar desta propriedade por vontade própria. Do mesmo modo, todas as propriedades da natureza são inerentes e submissas, não voluntárias; por isso, filosoficamente se diz que a natureza carece de volição e percepção próprias. Nesta asserção e princípio concordamos com os materialistas. Mas a questão que alimenta a reflexão é esta: Como é que o homem, que é parte do plano universal, possui certas qualidades das quais a natureza carece? É possível conceber que a gota possa ser imbuída de qualidades das quais o oceano é completamente privado? A gota é uma parte; o oceano é o todo. Pode haver algum fenômeno de combustão ou iluminação que não se manifeste no próprio sol que é o grande luminar? É possível que uma pedra possua propriedades inerentes que não sejam encontradas na totalidade do reino mineral? Pode ser, por exemplo, que a unha, sendo parte da anatomia humana, seja dotada de propriedades celulares inexistentes no cérebro?

O homem é inteligente, instintivamente e conscientemente inteligente; a natureza não o é. O homem é enriquecido com memória; a natureza não a possui. O homem é descobridor de mistérios da natureza; a própria natureza não tem consciência desses mistérios. É evidente, portanto, que o homem tem dois aspectos: como animal, ele é sujeito à natureza, mas em sua natureza espiritual, ou ser consciente, ele transcende o mundo da existência material. Seus poderes espirituais, sendo mais nobres e elevados, possuem virtudes das quais a natureza intrinsecamente não apresenta evidências; por isso o homem triunfa sobre as condições naturais. Estes elevados poderes e virtudes existentes no homem ultrapassam ou abrangem a natureza, compreendem as leis e fenômenos naturais, penetram os mistérios do desconhecido e do invisível, e os trazem para o reino do conhecido e do visível. Todas as artes e ciências existentes eram ocultas e secretas na natureza. Através do comando e controle que exerce sobre a natureza, o homem retirou-as do plano do invisível e revelou-as no plano do visível, ao passo que, de acordo com as exigências da natureza, esses segredos deveriam permanecer latentes e ocultos. De acordo com as exigências da natureza, a eletricidade deveria ser uma força misteriosa e oculta; mas o penetrante intelecto do homem a descobriu, tirou-a do domínio do mistério e transformou-a num servo obediente aos homens. O corpo físico do homem e suas funções são cativos da natureza; por exemplo, ele não pode continuar a viver sem dormir, uma exigência da natureza; ele deve se alimentar e beber, o que é exigido e requerido pela natureza. Mas como ser espiritual e inteligente o homem domina e controla a natureza, o governante de seu ser físico. Não obstante, opiniões e pontos de vista materialistas contrários relegariam o homem completamente à subserviência física às leis da natureza. Isto equivale a dizer que o grau comparativo ultrapassa o superlativo, que o imperfeito abrange o perfeito, que o estudante supera o professor - e tudo isso é ilógico e impossível. Quando está claro e evidente que a inteligência do homem, sua faculdade construtiva, seu poder de penetração e descoberta transcendem a natureza, como podemos dizer que ele é servo e cativo da natureza? Isto indicaria que o homem é privado das bênçãos de Deus, que está retrocedendo à posição do animal, que sua aguda superinteligência não tem qualquer função e que ele considera a si próprio como um animal, sem distinção entre seu próprio reino e o reino animal.

Certa vez eu estava conversando com um famoso filósofo da escola materialista em Alexandria. Ele defendia vigorosamente o ponto de que o homem e os outros reinos da existência são controlados pela natureza, e que afinal o homem é apenas um animal social, muitas vezes bastante animalesco. Quando seus argumentos estavam aniquilados, ele impetuosamente disse: "Não vejo diferença alguma entre eu mesmo e um burro, e não estou disposto a aceitar uma distinção que não consigo perceber." 'Abdu'l-Bahá replicou: "Não, eu o considero completamente diferente e distinto; eu o chamo de homem, e o burro, apenas de animal. Percebo que você é altamente inteligente, enquanto o burro não é. Sei que você é bem versado em filosofia, e também sei que o burro é inteiramente deficiente nisso; por isso, eu não aceitarei sua afirmação."

Considerai a senhora que está ao meu lado e está escrevendo neste pequeno caderno. Parece ser algo trivial e fútil; mas, refletindo com inteligência, concluireis que aquilo que foi escrito pressupõe e prova a existência de um autor. Estas palavras não se escreveram por si mesmas, e estas letras não se reuniram pela sua própria vontade. É evidente que deve haver alguém que as escreveu.

E agora considerai este universo infinito. É possível que ele tenha sido criado sem um Criador? Ou que o Criador e causador desta infinita congérie de mundos possa ser destituído de inteligência? É sustentável a idéia de que o Criador não tem entendimento daquilo que está manifesto na criação? O homem, a criatura, possui vontade e certas virtudes. Será possível que seu Criador seja carente de tais coisas? Uma criança não poderia aceitar esta crença e afirmação. É perfeitamente evidente que o homem não criou a si próprio e não pode fazer tal coisa. Como pode o homem, em sua fraqueza, criar um ser tão poderoso? Por isso, o Criador do homem deve ser mais perfeito e poderoso do que o homem. Se a causa criadora do homem for simplesmente do mesmo nível que o homem, então o próprio homem deveria ser capaz de criar, ao passo que sabemos muito bem que não podemos criar nem mesmo nossa própria semelhança. Por isso, o Criador do homem deve ser dotado de poder e inteligência superlativos em tudo o que a criação envolve e implica. Nós somos fracos; Ele é poderoso, pois se Ele não fosse poderoso, não poderia nos ter criado. Nós somos ignorantes; Ele é sábio. Nós somos pobres; Ele é rico. De outro modo Ele teria sido incapaz de nos criar.

Uma das provas da existência de um poder divino é esta: muitas vezes as coisas são conhecidas pelos seus opostos. Se não fosse a escuridão, a luz não poderia ser percebida. Se não fosse a morte, não se poderia conhecer a vida. Se não existisse ignorância, o conhecimento não seria uma realidade. É necessário que cada um exista para que o outro possa ter realidade. Deve haver noite e dia para que cada um possa ser distinguido. A noite é em si uma indicação e evidência do dia que se segue, e o dia indica que a noite chega. A menos que a noite seja realidade, não pode haver dia. Não fosse pela morte, não poderia haver vida. As coisas são conhecidas pelos seus opostos.

Desse modo, nossa fraqueza é uma evidência de que existe poder; nossa ignorância prova a realidade do conhecimento; nossa carência é uma indicação de plenitude e riqueza. Se não fosse a riqueza, não existiria esta carência; se não fosse o conhecimento, a ignorância seria desconhecida; se não fosse o poder, não haveria incapacidade. Em outras palavras, existe a lei da necessidade e da provisão, e sem dúvida todas as virtudes possuem um centro e uma origem. Esta origem é Deus, de Quem emanam todas estas bênçãos.

10
3 DE MAIO DE 1912
Palestra no Hotel Plaza
Chicago, Illinois
Registrada por Mirzaeh Moss

Eu estava no Oriente, e do Oriente até esta parte do mundo há uma longa distância. Viajar é difícil, especialmente para mim por causa das enfermidades do corpo, acentuadas por quarenta anos na prisão. Minha capacidade física é fraca; é o poder da vontade que me sustenta. Vede então quão grande foi meu empenho e quão forte meu propósito em realizar esta viagem através da vontade de Deus. Que se torne causa de grande iluminação no Ocidente.

Neste mundo ocidental, com seu clima estimulante, sua capacidade para o conhecimento e ideais elevados, a mensagem da paz deve ser facilmente difundida. O povo não é tão influenciado por imitação e preconceitos, e através de sua compreensão do real e do irreal deve atingir a verdade. Eles se tornarão líderes no empenho de estabelecer a unicidade do gênero humano. Que responsabilidade é maior do que esta? No Reino de Deus não há serviço maior, e aos olhos dos Profetas, incluindo Jesus Cristo, não há ato mais apreciável.

Mas, mesmo agora, a guerra predomina. Inveja e ódio se interpuseram às nações. Mas, por achar a nação americana tão capaz de realizações e este governo o mais justo dos governos ocidentais, suas instituições superiores às outras, meu desejo e esperança é que a bandeira da reconciliação internacional possa ser primeiramente erguida neste continente e o estandarte da Suprema Paz seja desfraldado aqui. Que o povo americano e seu governo se unam em seus esforços a fim de que esta luz possa alvorecer a partir deste ponto e se espalhar a todas as regiões, pois esta é uma das maiores dádivas de Deus. Para que a América possa aproveitar esta oportunidade, rogo que vos esforceis e oreis de coração e alma, devotando todas as vossa energias a este fim: que a bandeira da paz internacional possa ser erguida aqui e que esta democracia possa ser a causa da eliminação da guerra em todos os outros países.

Observai o que está acontecendo em Trípoli: pessoas despedaçando-se umas às outras, bombardeios provenientes do mar, ataques da terra e o estrondo de explosões vindas do céu. Os exércitos em conflito são sanguinários uns com os outros. É inconcebível que possam fazer isto. Eles têm pais, mães, filhos; são humanos. O que será de suas esposas e famílias? Refleti sobre sua angústia e sofrimento. Quão injusto, quão terrível! Seres humanos deveriam prevenir e proibir isto. Estes reis, governantes e comandantes deveriam se esforçar pelo bem de seus súditos em vez de sua destruição. Esses pastores deveriam reunir suas ovelhas dentro de seus apriscos, confortá-las e lhes dar alimento em vez de morte e carnificina.

Suplico ao Reino divino e peço que sejais o meio de estabelecer a grande paz neste país e que este governo e nação possam difundi-la em todo o mundo.

11
3 DE MAIO DE 1912
Palestra no Hotel Plaza
Chicago, Illinois
Registrada por Mirzaeh Moss

De acordo com a afirmação dos filósofos, na espécie humana, a diferença de grau entre o mais baixo e o mais alto é devida à educação. As provas que eles apresentam são as seguintes: a civilização européia e a americana são uma evidência e resultado da educação, ao passo que as condições dos povos semicivilizados e bárbaros da África dão testemunho de que eles foram privados de suas vantagens. A educação torna o ignorante sábio, o tirano, justo, promove a felicidade, fortalece a mente, desenvolve a vontade e faz árvores infrutíferas da humanidade se tornarem frutíferas. Portanto, no mundo humano, alguns atingiram posições elevadas, enquanto outros tateiam no abismo do desespero. No entanto, a mais alta realização é possível a cada membro da raça humana, até mesmo alcançar a posição de Profetas. Eis o que afirmam e argumentam os filósofos.

Os Profetas de Deus são os primeiros educadores. Eles conferem educação universal ao homem e o fazem erguer-se dos mais baixos níveis de selvageria até os mais altos pináculos do desenvolvimento espiritual. Os filósofos também são educadores que avançam paralelamente na educação intelectual. Eles têm sido no máximo capazes de educar a si mesmos e um número limitado daqueles que os cercam, de melhorar sua própria moral e, por assim dizer, civilizar-se a si próprios; mas foram incapazes de dar educação universal. Falharam em fazer qualquer nação avançar da selvageria para a civilização.

É evidente que, embora a educação melhore a moral da humanidade, confira as vantagens da civilização e eleve o homem dos mais baixos níveis para a posição de sublimidade, há, no entanto, uma diferença na capacidade intrínseca ou inata dos indivíduos. Dez crianças da mesma idade, nascidas na mesma posição social, educadas na mesma escola, alimentando-se da mesma comida, em todos os aspectos sujeitas ao mesmo ambiente, sendo comuns e iguais os seus interesses, mostrarão diferentes e distintos graus de potencialidade e progresso; algumas serão extremamente inteligentes e capazes de progredir, algumas serão medianamente capazes, outras, limitadas e incapazes. Uma poderá se tornar um erudito mestre, enquanto outra, nas mesmas condições de educação, mostrar-se-á inepta e tola. De todos os pontos de vista, as oportunidades foram iguais, mas os resultados e efeitos variam desde o mais alto até o mais baixo grau de progresso. É evidente, portanto, que a humanidade varia em capacidade inata e dom intelectual intrínseco. Não obstante, embora as capacidades não sejam as mesmas, todo membro da raça humana está capacitado para a educação.

Jesus Cristo foi um Educador da humanidade. Seus ensinamentos foram altruístas; Suas dádivas, universais. Ele ensinou a humanidade pelo poder do Espírito Santo e não por intermédio de intervenção humana, pois o poder humano é limitado, enquanto o poder divino é ilimitável e infinito. A influência e as realizações de Cristo atestarão este fato. Galeno, o médico e filósofo grego que viveu no segundo século depois de Cristo, escreveu um tratado sobre a civilização das nações. Ele não era cristão, mas deu testemunho de que as crenças religiosas exerciam uma extraordinária influência sobre os problemas da civilização. Em essência, ele disse: "Há certas pessoas entre nós que seguem Jesus, o nazareno, que foi morto em Jerusalém. Estas pessoas são realmente imbuídas de princípios morais que são a inveja dos filósofos. Eles crêem em Deus e o temem. Têm esperança em Seus favores; por isso eles se afastam de atos indignos e tendem para ética e moral louváveis. Dia e noite eles se esforçam para que suas ações sejam meritórias e possam contribuir para o bem-estar da humanidade; por isso, cada um deles é virtualmente um filósofo, pois estas pessoas atingiram aquilo que é a essência e o sentido da filosofia. Eles têm uma moral louvável, mesmo que sejam iletrados."

O propósito disso é mostrar que os santos Manifestantes de Deus, os divinos Profetas, são os primeiros Professores do gênero humano. Eles são Educadores universais, e os princípios fundamentais que delinearam são causas e fatores do progresso das nações. Modelos e imitações que se arrastam pela posteridade não conduzem àquele progresso. Ao contrário, são destruidores dos alicerces humanos estabelecidos pelos Educadores celestiais. Eles são nuvens que obscurecem o Sol da Realidade. Se refletirdes sobre os ensinamentos essenciais de Jesus, percebereis que são a luz do mundo. Ninguém pode questionar sua veracidade. São a própria fonte de vida e causa de felicidade para a raça humana. Os modelos e superstições que surgiram e obscureceram a luz não afetaram a realidade de Cristo. Por exemplo, Jesus Cristo disse: "Embainha a tua espada." (João 18:11) Isto quer dizer que a guerra é proibida e revogada; mas, considerai as guerras cristãs que aconteceram subseqüentemente. A hostilidade e a inquisição cristãs não pouparam nem mesmo os sábios; aquele que proclamou a translação da terra foi aprisionado; aquele que anunciou o novo sistema astronômico foi perseguido como herege; eruditos e cientistas se tornaram objetos de ódio fanático, e muitos foram torturados e mortos. Como podem esses atos se harmonizar com os ensinamentos de Jesus Cristo, e qual a sua relação com o próprio exemplo de Jesus? Pois Cristo declarou: "Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem; deste modo vos tornareis filhos do vosso Pai que está nos céus, porque Ele fez nascer o Seu sol igualmente sobre maus e bons, e cair a chuva sobre justos e injustos." (Mateus 5: 44-45) Como podem o ódio, a hostilidade e a perseguição se reconciliar com Cristo e Seus ensinamentos?

Por isso há necessidade de retornar aos fundamentos originais. Os princípios fundamentais dos Profetas são corretos e verdadeiros. As imitações e superstições que se seguem estão em imenso conflito com os preceitos e mandamentos originais. Bahá'u'lláh repetiu e restabeleceu a quintessência dos ensinamentos de todos os Profetas, deixando de lado os acréscimos e purificando a religião da interpretação humana. Ele escreveu um livro intitulado As Palavras Ocultas. O prefácio anuncia que ele contém a essência das palavras dos Profetas do passado, revestida com a roupagem da brevidade, para a instrução e orientação espiritual do povo do mundo. Lede-o para que possais entender os verdadeiros fundamentos da religião e refleti sobre a inspiração dos Mensageiros de Deus. É luz sobre luz.

Não devemos buscar a verdade nos atos e feitos das nações; devemos investigar a verdade na sua fonte divina e convocar toda a humanidade a se unir na própria realidade.

12
4 DE MAIO DE 1912
Palestra para a Sociedade Teosófica

Auditório da Northwestern University, Evanston, Illinois

Registrada por Mirzaeh Moss

Estou muito feliz em estar presente nesta reunião. Louvado seja Deus! Vejo diante de mim as faces daqueles que são dotados da capacidade de conhecer e desejam investigar a verdade. Isto traz a máxima alegria.

De acordo com a divina filosofia, há duas condições importantes e universais no mundo dos fenômenos materiais: um diz respeito à vida, e a outra, à morte; uma é relativa à existência, e a outra, à inexistência; uma se manifesta na composição, a outra, na decomposição. Alguns definem a existência como a expressão da realidade ou ser, e a inexistência como o não ser, imaginando que a morte seja aniquilamento. Esta é uma idéia errônea, pois aniquilamento total é uma impossibilidade. No máximo, a composição está sempre sujeita à decomposição ou desintegração - ou seja, existência implica na combinação de elementos materiais numa forma ou corpo, e não existência é simplesmente a decomposição dessa combinação. Esta é a lei da criação em suas infindáveis formas e infinita variedade de expressão. Certos elementos formaram esta criatura composta, o homem. Esta composição dos elementos em forma de um corpo humano é, portanto, sujeita à desintegração, que nós chamamos de morte, mas, após a desintegração, os elementos em si permanecem inalterados. Por isso, aniquilamento total é uma impossibilidade, e existência jamais pode se tornar inexistência. Isto seria equivalente a dizer que a luz pode se transformar em escuridão, o que seria evidentemente falso e impossível. Como existência nunca pode se tornar inexistência, não há morte para o ser humano; ao contrário, o homem é imperecível e imortal. A prova racional disso é que os átomos dos elementos materiais são transferíveis de uma forma de existência a outra, de um grau ou reino para outro, inferior ou superior. Por exemplo, um átomo de terra ou pó de terra pode atravessar os reinos, desde o mineral até o homem, incorporando-se sucessivamente nos corpos dos organismos desses reinos. Em certo momento ele entra na formação de um mineral ou rocha; então é absorvido pelo reino vegetal, e se torna parte constituinte do corpo e fibra de uma árvore; depois ele é apropriado pelo animal e posteriormente se encontra no corpo do homem. No decorrer de todos esses graus de sua travessia pelos reinos, passando de uma forma a outra da existência fenomênica, ele mantém sua existência de átomo e nunca é aniquilado ou relegado à inexistência.

Inexistência é, portanto, uma expressão aplicada à mudança de forma, mas esta transformação não pode ser propriamente considerada aniquilamento, pois os elementos da composição estão sempre presentes e, conforme vimos na passagem do átomo por sucessivos reinos, subsistem sem enfraquecer; conseqüentemente, não há morte; a vida é permanente. O átomo, por assim dizer, ao entrar na composição de uma árvore, morre para o reino mineral, e quando consumido pelo animal, morre para o reino vegetal, e assim por diante até sua transferência para o reino humano; mas durante toda a sua travessia esteve sujeito à transformação e não aniquilamento. Morte, portanto, é aplicável a uma mudança ou transferência de um grau ou condição a outro. No reino mineral havia um espírito de existência; no mundo das plantas e seus organismos, reapareceu como espírito vegetativo; daí chegou ao espírito animal e finalmente atingiu o espírito humano. Estes são graus e mudanças, mas não obliteração, e esta é uma prova de que o homem é imorredouro, sempre vivente. Por isso, morte é apenas um termo relativo que implica em transformação. Diremos, por exemplo, que esta luz que aqui está, tendo aparecido em outra lâmpada incandescente, morreu em uma e vive em outra. Isto, na realidade, não é morte. As perfeições do mineral são transferidas para o vegetal e deste para o animal, as virtudes sempre galgando um grau superlativo na transformação ascendente. Em cada reino, encontramos as mesmas virtudes que se manifestam mais plenamente, provando que a realidade foi transferida de uma forma de ser inferior a um que lhe é superior. Por isso, inexistência é apenas relativa, e inexistência absoluta é inconcebível. Esta rosa que está na minha mão há de se desintegrar e sua harmonia será destruída, mas os elementos de sua composição permanecem inalterados; nada afeta sua integridade elementar. Eles não podem deixar de existir; são simplesmente transferidos de um estado a outro.

Devido à sua ignorância, o homem teme a morte, mas a morte que ele teme é imaginária e absolutamente irreal; é apenas imaginação humana.

As dádivas e graças de Deus vivificaram o reino da existência com vida e ser. Para a existência não há nem mudança nem transformação; existência é sempre existência; jamais pode se transformar em inexistência. É uma questão de grau; um grau abaixo de outro que lhe é superior é considerado inexistência. Este pó debaixo de nossos pés, comparado com nosso ser, é inexistente. Quando o corpo humano se transforma em pó, podemos dizer que ele se tornou inexistente; por isso, sua existência como pó é como inexistência em relação à sua forma como ser humano, mas, em sua própria esfera, ele existe, possui sua existência mineral. Assim está perfeitamente provado que inexistência absoluta é impossível; é apenas relativa.

O propósito é este: que a infindável dádiva de Deus concedida ao homem jamais se sujeita à decomposição. Visto que Ele dotou o mundo fenomênico de existência, é impossível que este se torne inexistente, pois ele é a própria gênese de Deus; está no reino da criação; é um mundo criado e não subjetivo, e a graça que sobre ele desce é contínua e permanente. Por isso, o homem, a criatura mais elevada do mundo fenomênico, é dotado das contínuas graças que lhe são incessantemente concedidas pela divina generosidade. Por exemplo, os raios do sol são contínuos e seu calor emana sem cessar; sua descontinuidade é inconcebível. Desse modo, a dádiva de Deus desce sobre a humanidade sem cessar, continuamente, para sempre. Se dissermos que a dádiva da existência cessa ou hesita, seria equivalente a dizer que o sol pode existir sem emitir seu esplendor. É possível isso? Assim os fulgores da existência estão sempre presentes e contínuos.

O conceito de aniquilamento é um fator de degradação humana, causa de rebaixamento e depreciação, fonte de temor e aviltamento. Conduz à dispersão e enfraquecimento do pensamento humano, enquanto a percepção da existência e continuidade eleva o homem a ideais sublimes, estabelece os fundamentos do progresso humano e estimula o desenvolvimento de virtudes celestiais; por isso, cabe ao homem abandonar pensamentos de inexistência e morte, que são absolutamente imaginários, e se considerar imortal, eterno no propósito divino de sua criação. Ele deve se afastar de idéias que deterioram a alma humana de modo que dia após dia e hora após hora possa ascender a alturas mais elevadas até a percepção espiritual da permanência da realidade humana. Se ele viver com pensamentos de não existência, tornar-se-á extremamente incompetente; com a vontade enfraquecida, diminuirá sua ambição de progredir e deixará de adquirir virtudes humanas.

Por isso deveis render graças a Deus por lhes ter concedido a bênção da vida e da existência no reino humano. Esforçai-vos diligentemente para adquirir virtudes dignas de vosso grau e posição. Sede como luzes do mundo que não podem ser escondidas e que não têm lugar nos horizontes da obscuridade. Ascendei ao zênite de uma existência jamais nublada pelo temor e sentimento de inexistência. Quando o homem não está dotado de percepção interior, ele não é informado destes importantes mistérios. A retina da visão exterior, embora sensível e delicada, pode, entretanto, obstruir a visão interior que é a única que pode perceber. As dádivas de Deus que se manifestam em toda a vida fenomênica, algumas vezes são ocultadas pelos véus da visão mortal e mental que tornam o homem espiritualmente cego e incapaz, mas quando essas crostas são removidas e os véus, despedaçados, os grandes sinais de Deus se tornam visíveis e ele testemunha a luz eterna enchendo o mundo. As dádivas de Deus estão todas continuamente manifestas. As promessas do céu estão sempre presentes. Os favores de Deus são todo-abrangentes, mas se a visão consciente da alma do homem permanecer velada e obscurecida, ele será levado a negar esses sinais universais e permanecerá privado dessas manifestações de bondade divina. Por isso devemos nos esforçar de coração e alma a fim de que o véu que cobre a visão interior possa ser removido, que possamos contemplar as manifestações dos sinais de Deus, discernir Suas misteriosas graças e perceber que as bênçãos materiais são como nada se comparadas com as graças espirituais. As bênçãos espirituais de Deus são as maiores. Quando estávamos no reino mineral, embora fôssemos dotados de certos dons e poderes, esses não podiam ser comparados às bênçãos do reino humano. No ventre materno, nós éramos recipientes de dons e bênçãos de Deus, mas esses eram como nada comparados aos poderes e graças concedidos após o nascimento para o mundo humano. De modo semelhante, se nascermos do ventre deste ambiente físico e fenomênico para a liberdade e sublimidade da vida e visão espirituais, devemos considerar esta existência mortal e suas bênçãos como indignas de comparação.

No mundo espiritual, as bênçãos divinas são infinitas, pois naquele reino não há nem separação nem desintegração, os quais caracterizam o mundo da existência material. A existência espiritual é absoluta imortalidade, completude e permanência. Por isso, devemos agradecer a Deus por ter criado para nós tanto as bênçãos materiais como as dádivas espirituais. Ele nos deu dons materiais e graças espirituais, visão exterior para vermos a luz do sol e visão interior pela qual podemos perceber a glória de Deus. Ele destinou o ouvido exterior para desfrutarmos as melodias dos sons, e o ouvido interior com o qual podemos ouvir a voz do nosso Criador. Devemos nos esforçar com as energias do coração, da alma e da mente para desenvolver e manifestar as perfeições e virtudes latentes dentro das realidades do mundo fenomênico, pois a realidade humana pode ser comparada a uma semente. Se plantarmos a semente, uma vigorosa árvore surge dela. As virtudes da semente são reveladas na árvore; ela produz ramos, folhas, flores e frutos. Todas essas virtudes estavam ocultas e latentes na semente. Através das bênçãos e generosidade do cultivo essas virtudes se tornam aparentes. Do mesmo modo, o Deus misericordioso, nosso Criador, depositou nas realidades humanas certas virtudes latentes e ocultas. Por intermédio de educação e cultura essas virtudes depositadas nas realidades humanas pelo Deus amoroso, tornar-se-ão aparentes, tal como a árvore se desenvolve pela germinação da semente. Eu orarei por vós.

Ó Tu, Senhor bondoso! Estes são Teus servos congregados nesta reunião, dirigindo-se a Teu Reino e necessitando de Tuas dádivas e Tua bênção. Ó Tu, Deus! Manifesta e torna visíveis os sinais da Tua unicidade, existentes em todas as realidades da vida. Revela e desdobra as virtudes que deixaste latentes e ocultas nessas realidades humanas.

Ó Deus! Somos como plantas, e Tua graça, como a chuva. Refresca estas plantas e incentiva-lhes o crescimento, através de Tua bondade. Somos Teus servos; livra-nos dos grilhões da existência material. Carecemos de conhecimentos; torna-nos sábios. Estamos sem vida; ressuscita-nos. Somos materiais, dota-nos de espírito. Falta-nos compreensão, torna-nos conhecedores de Teus mistérios. Somos indigentes; enriquece-nos e abençoa-nos com Teu ilimitado tesouro. Ó Deus! Reanima-nos, dá-nos vista, concede-nos audição. Que conheçamos os mistérios da vida e assim os segredos do Teu reino nos sejam revelados neste mundo existente; e confessemos Tua unidade. De Ti emanam todas as graças; cada bênção é Tua.

És grande! És poderoso! Tua é a dádiva; Tu és a Eterna Clemência!

13
5 DE MAIO DE 1912
Palestra na Reunião das Crianças
Hotel Plaza
Chicago, Illinois
Registrada por Mirzaeh Moss

Vocês são as crianças de quem Cristo disse: "Delas é o Reino de Deus" (Marcos 10:14); e, de acordo com as palavras de Bahá'u'lláh, vocês são as próprias lâmpadas ou velas do mundo da humanidade, pois seus corações são extremamente puros e seus espíritos, muito sensíveis. Vocês estão próximas da fonte; ainda não foram contaminados. Vocês são as ovelhas do Pastor celestial. São espelhos polidos que refletem pura luz. Minha esperança é que seus pais lhes dêem educação espiritual e cuidadoso treinamento moral. Que se desenvolvam de tal modo que cada uma de vocês seja imbuída de todas as virtudes do mundo humano. Que progridam em todos os níveis materiais e espirituais. Que se tornem conhecedores de ciências, aprendam artes e ofícios, mostrem-se membros úteis da sociedade humana e ajudem no desenvolvimento da civilização humana. Que vocês possam ser causa da manifestação de dádivas divinas - cada uma brilhando como uma estrela esplendorosa, irradiando a luz da unicidade da humanidade em direção aos horizontes do Oriente e do Ocidente. Que se devotem ao amor e unidade da humanidade, e que através de seus esforços a realidade entesourada no coração humano encontre sua expressão divina. Eu oro por vocês, e em seu nome peço a Deus ajuda e confirmação.

Todos vocês são meus filhos, meus filhos espirituais. Filhos espirituais são mais queridos do que filhos materiais, pois aos filhos materiais é possível se afastar do Espírito de Deus, mas vocês são filhos espirituais e, por isso, são muito amados. Desejo para vocês progresso em todos os graus de desenvolvimento. Que Deus os ajude. Que vocês sejam cercados pela luz benéfica de Seu semblante e atinjam a maturidade nutridos e protegidos por Ele. Vocês são todos abençoados.

(Aos amigos)

Eu vou embora, mas vocês devem se levantar para servir ao Verbo de Deus. Vossos corações devem ser puros e vossa intenção, sincera, para que possais ser receptores das dádivas divinas. Considerai que, embora o sol brilhe igualmente sobre todas as coisas, seu reflexo no espelho polido é muito brilhante, mas na rocha escura, não. Este grande esplendor e calor foram produzidos pela clareza cristalina do vidro. Se não houvesse clareza e pureza, esses efeitos não seriam vistos. Se a chuva cair sobre o solo salgado e pedregoso, jamais surtirá efeito; mas quando cai sobre o solo puro e fértil, as plantas crescem verdejantes e frutos são produzidos.

Este é o dia em que corações puros têm uma porção das eternas graças e almas santificadas são iluminadas pelas eternas manifestações. Louvado seja Deus! Vós sois crentes em Deus, certos das palavras de Deus e volvendo-vos para o Reino de Deus. Ouvistes o chamado divino. Vossos corações se comovem com as brisas do paraíso de Abhá. Sois bem intencionados; vosso propósito é o beneplácito de Deus; vosso desejo é servir no Reino do Misericordioso. Por isso, levantai-vos com a máxima força. Sede perfeitamente unidos. Jamais vos zangueis uns com os outros. Que vossos olhos estejam dirigidos para o reino da verdade e não para o reino da criação. Amai as criaturas por amor a Deus e não por elas mesmas. Jamais ficareis zangados ou impacientes se os amardes por amor a Deus. A humanidade não é perfeita. Há imperfeições em todo ser humano, e sempre ficareis infelizes se olhardes para as pessoas em si mesmas. Se, porém, contemplardes Deus, sereis bondosos com eles e os amareis, pois o mundo de Deus é o mundo da perfeição e completa misericórdia. Por isso, não olheis as falhas de qualquer pessoa; olhai com os olhos do perdão. O olho imperfeito vê imperfeições. O olho que oculta as falhas contempla o Criador de almas. Ele as criou, Ele as treina e sustenta, dota-as de capacidade e vida, visão e audição; por isso elas são os sinais de Sua grandeza. Deveis amar e ser bondosos com todos, amparar o pobre, proteger o fraco, curar o enfermo, educar e instruir o ignorante.

Minha esperança é que a unidade e a harmonia dos amigos de Chicago possam ser causa de unidade dos amigos por toda a América e que toda pessoa possa receber seu amor e bondade. Que sejam um exemplo para a humanidade. Então as confirmações do Reino de Abhá e as dádivas do Sol da Realidade abarcarão todos.

14
5 DE MAIO DE 1912
Palestra na Igreja Congregacional de Plymouth
Rua Cinqüenta, 935, Zona Leste
Chicago, Illinois
Registrada por Mirzaeh Moss

Rendo graças a Deus pelo privilégio de estar presente nesta assembléia que é promovida em celebração a Deus, cujos membros nada pensam nem pretendem senão Seu beneplácito e a investigação imparcial da realidade. Dou louvor a Deus por esta reunião de almas humanas livres da escravidão da imitação e do preconceito, dispostas a examinar através da razão e aceitar aquilo que for encontrado como verdade.

No nosso sistema solar, o foco de iluminação é o próprio sol. Pela vontade de Deus, este luminar central é a única fonte de subsistência e desenvolvimento de todas as coisas fenomenais. Quando observamos os organismos do reino material, vemos que seu crescimento e cultivo dependem do calor e da luz do sol. Sem este impulso vivificador não haveria crescimento das árvores e da vegetação; nem seria possível a existência do animal ou do ser humano; de fato, nenhuma forma de vida criada poderia se manifestar na terra. Mas se refletirmos profundamente perceberemos que o grande doador e vivificador é Deus; o sol é o intermediário de Sua vontade e plano. Sem as graças do sol, portanto, o mundo estaria na escuridão. Toda a iluminação do nosso sistema planetário procede e emana do foco solar.

Do mesmo modo, no reino espiritual da inteligência e idealismo deve haver um foco de iluminação, e o centro é o sempiterno e sempre brilhante Sol, a Palavra de Deus. Suas luzes são as luzes da realidade que brilharam sobre a humanidade, iluminando o reino do pensamento e da moral, conferindo as graças do mundo divino ao homem. Estas luzes são a causa de educação das almas e fonte de iluminação dos corações, irradiando com seu fulgente esplendor a mensagem das boas-novas do Reino de Deus. Em suma, o progresso do mundo moral e ético e do mundo da regeneração espiritual depende daquele Centro de iluminação celestial. Ele irradia a luz da religião e concede a vida do espírito, imbui a humanidade com virtudes arquetípicas e confere esplendor eterno. Este Sol da Realidade, este Centro de esplendor, é o Profeta ou Manifestante de Deus. Assim como o sol fenomênico brilha sobre o mundo material produzindo vida e crescimento, o Sol espiritual ou profético confere iluminação ao mundo humano do pensamento e da inteligência e, a menos que ele brilhe sobre o horizonte da existência humana, o reino humano se tornará tenebroso e extinto.

O Sol da Realidade é um mesmo Sol, mas alvorece em diversos lugares, tal como o sol fenomênico é um só, embora apareça em vários pontos do horizonte. Durante o verão, o luminar do mundo físico se levanta bem ao norte do equinócio *, na primavera e no outono ele alvorece a meio caminho, e no inverno ele surge no ponto mais meridional de seu percurso zodiacal. Estes pontos de alvorecer mudam grandemente, mas o sol é sempre o mesmo - tanto no caso do luminar fenomênico como do espiritual. As almas que focam sua visão sobre o Sol da Realidade recebem a luz, não importa em que ponto ele se levante, mas aquelas que estão presas à adoração do ponto do alvorecer privam-se quando ele aparece numa posição diferente do horizonte espiritual.

* Cada uma das duas interseções do círculo da eclíptica com o do equador celeste - Dicionário Houaiss. (n.t.)

Além disso, assim como o ciclo solar possui suas quatro estações, o ciclo do Sol da Realidade tem seus distintos e sucessivos períodos. Cada um traz sua estação vernal ou primaveril. Quando o Sol da Realidade retorna para vivificar o mundo da humanidade, a divina graça desce do céu da generosidade. O reino dos pensamentos e ideais é posto em movimento e abençoado com nova vida. As mentes se desenvolvem, as esperanças irradiam, as aspirações se tornam espirituais, as virtudes do mundo humano aparecem com renovado poder de crescimento, e a imagem e semelhança de Deus se torna visível ao homem. É a primavera do mundo interior. Após a primavera surge o verão em sua plenitude e frutificação espiritual; o outono se segue com seus ventos debilitantes que abatem a alma; o Sol parece distante, até que finalmente o manto do inverno se estende por toda parte e restam apenas traços débeis do esplendor do Sol divino. Assim como a superfície do mundo material se torna escura e monótona, o solo, dormente, as árvores, despidas e expostas, e não há nenhuma beleza ou frescor que compense a escuridão e o desolamento, o inverno do ciclo espiritual testemunha a morte e o desaparecimento do desenvolvimento divino e a extinção da luz e do amor de Deus. Mas novamente o ciclo se inicia e uma nova primavera surge. Nela ressurge a primavera anterior; o mundo é revivificado e iluminado, atingindo a espiritualidade; a religião é renovada e reorganizada, os corações se volvem a Deus, o chamado de Deus é escutado e a vida é novamente conferida ao homem. Por longo tempo o mundo religioso havia enfraquecido e o materialismo avançava; as forças espirituais da vida minguavam, a moralidade deteriorava, a tranqüilidade e a paz desvaneciam-se das almas, e qualidades satânicas dominavam os corações; contenda e ódio obscureciam a humanidade, carnificina e violência prevaleciam. Deus havia sido negligenciado; o Sol da Realidade parecia ter desaparecido completamente; a privação das graças celestiais era um fato; o inverno havia caído sobre a humanidade. Mas Deus, em Sua generosidade, fez surgir uma nova primavera, as luzes de Deus se irradiaram e o fulgente Sol da Realidade retornou e se manifestou, o mundo do pensamento e o reino dos corações se regozijaram, um novo espírito de vida insuflou-se no corpo do mundo, e revelou-se contínuo progresso.

Tenho a esperança de que as luzes do Sol da Realidade iluminarão o mundo todo, de modo que não permaneça qualquer conflito e guerra, qualquer batalha e derramamento de sangue. Que o fanatismo e a intolerância religiosos sejam desconhecidos, toda a humanidade participe dos laços de fraternidade, as almas se associem em perfeita harmonia, as nações da terra finalmente icem a bandeira da verdade, e as religiões do mundo adentrem o divino templo da unicidade, pois os fundamentos das religiões celestiais são uma mesma realidade. Realidade não é divisível; não admite multiplicidade. Todos os santos Manifestantes de Deus proclamaram e promulgaram a mesma realidade. Eles conclamaram a humanidade para a própria realidade, e a realidade é uma só. As nuvens e os nevoeiros da imitação obscureceram o Sol da Verdade. Devemos abandonar essas imitações, dispersar estas nuvens e nevoeiros, e libertar o Sol da escuridão da superstição. Então o Sol da Verdade brilhará com a maior glória; os habitantes do mundo tornar-se-ão unidos, as religiões serão uma só, seitas e denominações hão de se reconciliar, todas as nacionalidades se desenvolverão em conjunto, reconhecendo o mesmo Pai, e todas as camadas do gênero humano se reunirão ao abrigo do mesmo tabernáculo, sob a mesma bandeira.

Até que a civilização celestial seja estabelecida, a civilização material não dará qualquer resultado, assim mesmo como observais. Vede que catástrofes sobrevêm à humanidade. Considerai as guerras que perturbam o mundo. Considerai a inimizade e o ódio. A existência dessas guerras e condições indica e prova que a civilização celestial ainda não foi estabelecida. Se a civilização do Reino se estender a todas as nações, este pó da discórdia será disperso, estas nuvens desaparecerão e o Sol da Realidade brilhará sobre toda a humanidade com o máximo esplendor e glória.

Ó Deus! Ó Tu que és generoso! Esta congregação se volve a Ti, dirigindo seu olhar ao Teu Reino e Teu favor, ansiando contemplar as luzes de Tua face. Ó Deus! Abençoa esta nação. Confirma este governo. Revela Tua glória a este povo e confere-lhe vida eterna. Ó Deus! Ilumina as faces, faze os corações radiantes, alegra os sentimentos, coroa as cabeças com o diadema de Tua providência, eleva-os à Tua atmosfera de pureza de modo que possam atingir os mais altos pináculos de Teu esplendor. Ajuda-os para que este mundo possa sempre encontrar a luz e a fulgência de Tua presença. Ó Deus! Abriga esta congregação e exorta esta nação. Concede-lhe progresso em todos os graus. Possam eles se tornar líderes no mundo humano. Possam eles se tornar exemplos em meio ao gênero humano. Possam ser manifestações de Tua graça. Possam ser plenos da inspiração de Teu Verbo. Tu és o Poderoso. Tu és o Grande. Tu és o Generoso e és o Onisciente.

15
5 DE MAIO DE 1912
Palestra na Igreja de Todas as Almas
Lincoln Center, Chicago, Illinois
Registrada por Mirzaeh Moss

As religiões divinas foram fundadas com o propósito de unificar a humanidade e estabelecer a paz universal. Qualquer movimento que crie paz e concórdia na sociedade humana é verdadeiramente um movimento divino; qualquer reforma que faça as pessoas se reunirem sob o abrigo do mesmo tabernáculo é certamente animado por motivos celestiais. Em todas as épocas e eras do mundo, a religião tem sido um fator de união entre os corações dos homens e de agregação de vários credos divergentes. É o elemento da paz existente na religião que mescla o gênero humano e promove a unidade. A hostilidade sempre tem sido causa de separação, desunião e discórdia.

Considerai como Jesus uniu povos, seitas e denominações divergentes dos tempos antigos. É evidente que o fundamento de toda religião é unir e criar laços; seu propósito é a paz universal e eterna. Antes da época de Jesus Cristo, o Verbo de Deus havia unificado camadas em desacordo e elementos conflitantes da sociedade humana; e desde Seu aparecimento, todos os divinos Instrutores dos princípios primordiais da lei de Deus tiveram em mira este resultado universal. Na Pérsia, Bahá'u'lláh conseguiu unir pessoas de diversos tipos de pensamento, credo e denominação. Os habitantes daquele país eram cristãos, muçulmanos, judeus, zoroastrianos com uma grande variedade de subdivisões e crenças, juntamente com diferenças raciais como semitas, árabes, persas, turcos, etc.; mas por intermédio do poder e eficiência da religião, Bahá'u'lláh uniu estes diferentes povos e fez com que se associassem em completa concórdia. Tal unidade e entendimento deixaram-lhes claro que eles eram considerados como um povo e uma espécie.

A causa deste companheirismo e unidade repousa no fato de que a lei divina possui dois diferentes aspectos ou funções: um é o essencial ou fundamental, o outro, material ou acidental. O primeiro aspecto da religião revelada de Deus é aquele que se refere ao desenvolvimento ético e progresso espiritual da humanidade, o despertar das suscetibilidades humanas potenciais e a descida das dádivas divinas. Esses mandamentos são imutáveis, essenciais, eternos. A segunda função da religião divina trata das condições materiais, as leis do relacionamento humano e ordem social. Estes estão sujeitos a mudança e transformação, conforme a época, o lugar e as condições. Os mandamentos essenciais da religião foram os mesmos na época de Abraão, nos dias de Moisés e no ciclo de Jesus, mas as leis acidentais ou materiais foram ab-rogadas e substituídas de acordo com as exigências e necessidades de cada era subseqüente. Na lei de Moisés, por exemplo, havia dez diferentes mandamentos relativos a assassinato, os quais foram revelados de acordo com a exigência e capacidade do povo, mas no tempo de Jesus eles foram revogados e substituídos conforme as mudanças e o avanço das condições humanas.

O objetivo central das religiões divinas é estabelecer paz e unidade entre o gênero humano. Sua realidade é uma; por isso, seu cumprimento é um e universal - seja através de mandamentos essenciais ou materiais de Deus. Há apenas uma luz do sol material, um oceano, uma chuva, uma atmosfera. De modo semelhante, no mundo espiritual há apenas uma realidade divina formando o centro e a base altruísta para a paz e a reconciliação entre diferentes nações e povos conflitantes. Considerai como o Império Romano e a nação grega estavam em guerra, inimizade e ódio após o período messiânico, como as hostilidades do Egito e da Assíria, embora menos intensas, ainda prosseguiam na guerra entre essas nações antigas e decadentes. Mas os ensinamentos de Jesus Cristo mostraram-se como um elemento de ligação pelo qual eles foram unidos; a hostilidade cessou, o conflito e o ódio extinguiram-se e esses povos beligerantes se uniram com amor e amizade. Pois contenda e disputa são os próprios destruidores das bases humanas, enquanto paz e amizade são os construtores e protetores do bem-estar humano. Como exemplo, duas nações que durante séculos haviam permanecido em paz, declararam guerra uma contra a outra. Que destruição e perda recaem sobre ambas em um ano de luta e conflito - a devastação de séculos. Quão urgente é sua necessidade e demanda de paz, com seu conforto e progresso, em vez de guerra, que destrói e aniquila a base de todas as realizações humanas.

A sociedade pode ser comparada ao organismo humano. Enquanto os vários membros e partes desse organismo estiverem coordenados e cooperando em harmonia, o resultado é a expressão da vida em seu mais alto grau. Quando eles carecem de coordenação e harmonia, acontece o contrário, que no organismo humano significa enfermidade, decomposição e morte. Do mesmo modo, na sociedade humana, dissensão, discórdia e hostilidade são sempre destrutivos e inevitavelmente fatais. Todos os seres criados dependem de paz e coordenação, pois todo ser contingente e fenomênico é composto de distintos elementos. Enquanto há afinidade e coesão entre esses elementos constituintes, força e vida se manifestam; mas quando ocorre divergência e repulsão entre eles, a conseqüência é desintegração. Esta é uma prova de que paz e amizade, que Deus desejou para Seus filhos, são fatores que protegem a sociedade humana, enquanto guerra e conflito, que violam Seus mandamentos, são causa de morte e destruição. Por isso, Deus enviou Seus Profetas para anunciar a mensagem de afeição, paz e vida para o mundo humano.

Já que a realidade essencial das religiões é uma e suas aparentes variações e multiplicidade são a adesão a formas e imitações que surgiram, é evidente que estas causas de diferença e divergência devem ser abandonadas para que a realidade subjacente possa unir a humanidade em sua iluminação e desenvolvimento. Todos aqueles que se apegarem firmemente à mesma realidade estarão em acordo e unidade. Então as religiões convocarão os povos à unicidade do mundo humano e à justiça universal; então proclamarão a igualdade de direitos e exortarão os homens à virtude e fé na amorosa misericórdia de Deus. A base fundamental das religiões é uma só; não há diferença intrínseca entre elas. Portanto, se os mandamentos essenciais e fundamentais das religiões forem observados, alvorecerá paz e unidade, e todas as diferenças de seitas e denominações desaparecerão.

E agora consideremos os vários povos do mundo. Todas as nações - a americana, a britânica, a francesa, a alemã, a turca, a persa, a árabe - são filhos do mesmo Adão, membros da mesma família humana. Por que deveria existir dissensão entre elas? A superfície da terra é uma só pátria, e a pátria foi feita para todos. Não foi Deus que colocou estas limitações de fronteira e de raça. Por que barreiras imaginárias que não foram originalmente destinadas por Deus deveriam ser causa de contenda? Deus criou a todos e provê a todos. Ele é o Protetor de todos, e todos estão imersos no oceano de Sua mercê. Nem uma só alma é privada. Uma vez que temos um Deus e Criador tão amoroso, por que deveríamos estar em guerra uns com os outros? Agora que Sua luz brilha universalmente, por que nos lançamos na escuridão? Já que Sua mesa está estendida para todos os Seus filhos, por que privar uns aos outros de seu benefício? Uma vez que Sua fulgência resplandece sobre todos, por que procuramos viver nas trevas? Não há dúvida de que a única causa é a ignorância e que o resultado é perdição. Discórdia priva a humanidade dos eternos favores de Deus; por isso devemos esquecer todas as causas imaginárias da diferença e buscar os próprios fundamentos das divinas religiões para podermos nos associar em perfeito amor e harmonia, e considerar a espécie humana como uma família, a superfície da terra como uma nacionalidade e todas as raças como uma só humanidade. Que vivamos sob a proteção de Deus atingindo a felicidade eterna neste mundo e vida imperecível no mundo vindouro.

Ó Tu senhor bondoso! Criaste toda a humanidade dos mesmos pais. Desejaste que todos pertencessem ao mesmo lar. Em Tua Santa Presença, todos são Teus servos e todo o gênero humano se abriga sob Teu Tabernáculo. Todos se têm reunido à Tua Mesa de Graças e brilham pela luz da Tua Providência.

Ó Deus! És bondoso para com todos, provês a todos, amparas a todos, e a todos concedes vida. De Ti, todos os seres recebem faculdades e talentos. Todos estão submersos no oceano da Tua misericórdia.

Ó Tu, Senhor bondoso! Une todos, faze as religiões concordarem e torna as nações uma só, para que considerem-se todos como uma única família e tenham a terra como um só lar. Que se associem em união e acordo.

Ó Deus! Ergue o estandarte da unidade do gênero humano.

Ó Deus! Estabelece a Suprema Paz.
Enlaça os corações, ó Deus.

Ó Tu, Pai bondoso! Extasia os corações com a fragrância do Teu amor, ilumina os olhos com a Luz de Tua Guia. Alegra os ouvidos com as melodias da Tua Palavra e abriga-nos no recinto da Tua Providência.

Tu és o Grande e o Poderoso! És o Clemente, Aquele que perdoa as faltas da humanidade.

IV
PALESTRAS PROFERIDAS
POR 'Abdu'l-Bahá EM
CLEVELAND
1
6 DE MAIO DE 1912
Palestra no Euclid Hall
Cleveland, Ohio
De Notas Estenográficas

Esta é uma noite muito alegre, em si uma evidência da possibilidade de unir o Oriente e o Ocidente - um homem oriental se apresentando diante de uma reunião de respeitosas pessoas ocidentais. O Oriente e o Ocidente devem se unir. Se pesquisarmos a história, não encontraremos registro de uma ocasião em que alguém tivesse viajado do distante Oriente para o longínquo Ocidente a fim de se dirigir a uma reunião de caráter universal como esta. Este é um milagre do século vinte que prova que aquilo que parece impossível pode se tornar real e possível no reino humano. Louvado seja Deus! As eras da obscuridade desapareceram e a idade da luz finalmente chegou. O Sol da Realidade alvoreceu com esplendor supremo, as realidades das coisas se tornaram manifestas e renovadas, os mistérios do desconhecido se revelaram, e grandes invenções e descobertas marcam este período como a época mais maravilhosa.

Através da engenhosidade e das invenções do homem é possível cruzar os imensos oceanos, voar através do céu e viajar nas profundezas submarinas. O Oriente e o Ocidente podem se comunicar mutuamente a qualquer momento. Trens cruzam velozmente os continentes. A voz humana foi capturada e reproduzida, e agora o homem pode falar a grandes distâncias de qualquer lugar. Estes são alguns sinais deste glorioso século. O grande progresso mencionado aconteceu no mundo material. Sinais e evidências notáveis se tornaram manifestos. Realidades ocultas e mistérios foram desvelados. Esta é a época de o homem se empenhar e dedicar o máximo esforço no sentido espiritual. A civilização material atingiu um estágio avançado, mas agora há necessidade de civilização espiritual. A civilização material, por si só, não é suficiente; ela não pode satisfazer as condições e necessidades da época atual; seus benefícios são limitados ao mundo material. Para o espírito humano não há limitações, pois o próprio espírito é progressivo e, se a civilização espiritual for estabelecida, o espírito humano avançará. Toda suscetibilidade desenvolvida fará crescer a eficiência humana. Descobertas da realidade se tornarão cada vez mais possíveis e a influência da orientação divina se tornará mais e mais reconhecida. Tudo isto leva à forma divina de civilização. É isto que a Bíblia quer dizer com a descida da Nova Jerusalém. A Jerusalém celestial nada mais é do que a civilização divina, e agora ela está pronta. Ela deve ser e será organizada, e a unicidade da espécie humana será um fato visível. Então a humanidade será reunida. As várias religiões se unirão e diferentes raças serão conhecidas como uma espécie. O Oriente e o Ocidente serão interligados e a bandeira da paz internacional será desfraldada. O mundo finalmente encontrará paz, e as igualdades e direitos dos homens serão estabelecidos. A capacidade da espécie humana será testada e chegará a uma condição em que igualdade é uma realidade.

Todos os povos do mundo desfrutarão os mesmos interesses, e os pobres possuirão um quinhão dos confortos da vida. Assim como os ricos são cercados por seus luxos em palácios, os pobres terão ao menos suas moradas confortáveis e agradáveis; e tal como os ricos desfrutam uma variedade de alimentos, os carentes terão suas necessidades satisfeitas e não mais viverão na miséria. Em resumo, haverá um reajuste na ordem econômica, a Filiação divina exercerá sua atração, o Sol da Realidade resplandecerá, e todos os seres fenomênicos receberão sua porção.

Considerai: O que é que esta civilização material da atualidade pode fornecer? Não foi ela que produziu os instrumentos de guerra e destruição? Em épocas passadas, a arma de guerra era a espada; hoje é a arma sem fumaça. Há um século, os navios de guerra eram caravelas; hoje temos os encouraçados. Instrumentos e meios de destruição humana multiplicaram-se enormemente nesta era de civilização material. Mas se a civilização material for organizada em conjunto com a civilização divina, se o homem de integridade moral e de perspicácia intelectual se unir ao homem de capacidade espiritual para a melhora e o enaltecimento do homem, a felicidade e o progresso da raça humana estarão assegurados. Todas as nações do mundo estarão então intimamente ligadas e amigas, e as religiões se fundirão numa só, pois a realidade divina existente em todas elas é a mesma realidade. Abraão proclamou esta realidade; Jesus promulgou-a; todos os Profetas que apareceram no mundo, sobre ela fundaram Seus ensinamentos. Por isso, os povos do mundo possuem essa única verdade, base imutável para a paz e a concórdia, e a guerra, que durante milhares de anos predominou, há de desaparecer.

Durante séculos e ciclos, a humanidade estava empenhada na guerra e conflito. Numa época, o pretexto para a guerra era a religião, em outro, o patriotismo, o preconceito racial, a política nacional, a conquista territorial ou a expansão comercial; em resumo, a humanidade nunca esteve em paz durante o período da história conhecida. Quanto sangue foi derramado! Quantos pais lamentaram a morte de seus filhos; quantos filhos prantearam por seus pais, e mães pelos seus queridos! Os seres humanos têm sido o alimento e o alvo dos campos de batalha, e em todos os lugares o conflito e a contenda têm sido o tema e o refrão da história. A ferocidade tem caracterizado os homens ainda mais do que os animais. O leão, o tigre, o urso e o lobo são ferozes por causa de suas necessidades. Se não forem ferozes, cruéis e impiedosos, morrerão de inanição. O leão não pode pastar; seus dentes são apropriados somente para se alimentar de carne. Isto é verdadeiro também para os outros animais selvagens. A ferocidade é natural a eles como seu meio de sobrevivência; mas a ferocidade humana é proveniente do egoísmo, da ganância e da opressão. Ela não nasce de qualquer necessidade natural. O homem mata mil de seus semelhantes sem qualquer necessidade, torna-se herói e é glorificado durante os séculos seguintes. Uma grande cidade é destruída num dia por um general comandante. Quão ignorante, quão inconsistente é a espécie humana! Se um homem mata outro homem, nós o acusamos de assassino e criminoso e o condenamos à pena capital, mas se mata cem mil homens, ele é um gênio militar, uma grande celebridade, um Napoleão idolatrado pela sua nação. Se um homem rouba um dólar, é chamado de ladrão e lançado na prisão; se ele rapta e pilha um país inocente através de invasão militar, é coroado como herói. Quão ignorante é a espécie humana! A ferocidade não pertence ao reino humano. Cabe ao homem dar vida, não morte. Compete ao homem ser causa de bem-estar humano, mas uma vez que ele se gloria na selvageria da animalidade, é evidente que a civilização divina ainda não foi estabelecida na sociedade humana. A civilização material avançou inequivocamente, mas por não estar associada à civilização divina, o mal e a perversidade grassam. Nas épocas antigas, se duas nações estivessem em guerra durante doze meses, não eram mortos mais do que vinte mil homens; hoje os instrumentos de guerra se multiplicaram e se aperfeiçoaram tanto que cem mil homens podem ser destruídos num só dia. Em três meses, durante a Guerra Russo-Nipônica, um milhão de pessoas pereceram. Isto era inconcebível nas épocas passadas. A causa disso é a ausência da civilização divina.

Esta respeitável nação americana apresenta evidências de grandeza e dignidade. Tenho a esperança de que este governo justo apoiará a paz de modo que o conflito possa ser abolido do mundo todo e os estandartes da unidade nacional e da reconciliação sejam erguidos. Esta é a maior realização do mundo humano. Esta nação americana está equipada e tem o poder de consumar aquilo que há de adornar as páginas da história, para se tornar a inveja do mundo e ser abençoada no Oriente e no Ocidente pelo triunfo da democracia. Oro para que isto venha a acontecer, e em vosso nome peço as bênçãos de Deus.

2
6 DE MAIO DE 1912
Palestra no Sanatório do Dr. C. M. Swingle
Cleveland, Ohio
Registrada por Sigel T. Brooks

Esta é uma bela cidade; o clima é agradável; a paisagem é encantadora. Todas as cidades da América parecem ser grandes e belas, e o povo parece próspero. O continente americano dá evidências e sinais de grande progresso; seu futuro é ainda mais promissor, pois sua influência e iluminação são de ampla projeção e espiritualmente liderará todas as nações. A bandeira da liberdade foi desfraldada aqui, mas a prosperidade e progresso de uma cidade, a felicidade e a grandeza de uma nação dependem de que se ouça e obedeça ao chamado de Deus. A luz da realidade deve resplandecer nela e a civilização divina deve ser fundada; então o esplendor do Reino se difundirá e as influências celestiais estarão em toda parte. A civilização material se assemelha a um corpo, ao passo que a civilização divina é o espírito que se encontra neste corpo. Um corpo que não manifesta o espírito está morto; uma árvore estéril não é digna. Jesus declara que existe capacidade espiritual em algumas pessoas, pois nem todas estão submersas no mar do materialismo. Estas buscam o Espírito Divino; elas se volvem a Deus; anseiam pelo Reino. É minha esperança que estas respeitáveis pessoas presentes possam atingir tanto o progresso material como o espiritual. Como elas avançaram maravilhosamente nos níveis materiais, que possam, do mesmo modo, avançar no desenvolvimento espiritual até que, através da riqueza de potencialidade espiritual e da eficácia, o corpo se torne refinado e belo.

Louvado seja Deus! O Sol da Realidade alvoreceu, e seus esplendores se irradiam de todos os horizontes. Os sinais de Deus resplandecem, e os ensinamentos dos Mensageiros celestiais estão sendo difundidos. Que os corações se dirijam ao Reino de Deus e se iluminem pela contemplação das luzes de Deus, de modo que todos os seres criados possam obter uma porção das dádivas divinas. Que o espírito da vida seja restaurado através das divinas graças do Todo-Poderoso, e Oriente e Ocidente se entrelacem. Que unicidade e harmonia se manifestem em todas as regiões. Que o povo do mundo se torne uma família e obtenha graça imperecível. Que as portas do Reino sejam abertas de todas as direções e o louvor do nome de Abhá seja ouvido por toda a terra.

V
PALESTRA PROFERIDA
POR 'Abdu'l-Bahá EM
PITTSBURGH
7 DE MAIO DE 1912
Palestra no Hotel Schenley
Pittsburgh, Pensilvânia
Registrada por Suzanne Beatty

Eu vim do Oriente para visitar vosso país. Certamente este continente é louvável de todos os pontos de vista, e há sinais de prosperidade em toda parte. As pessoas mostram requinte e há copiosas evidências de uma civilização progressista. Eu vos farei uma breve exposição dos princípios fundamentais dos ensinamentos de Bahá'u'lláh a fim de que sejais informados da natureza e da importância do movimento Bahá'í.

Há cerca de sessenta anos, havia a máxima inimizade e contenda entre as várias etnias e denominações religiosas da Pérsia. Guerra e dissensão prevaleciam no mundo em geral. Neste tempo, Bahá'u'lláh apareceu na Pérsia e começou a Se dedicar à elevação e educação do povo. Ele uniu seitas e credos divergentes, eliminou preconceitos religiosos, raciais, patrióticos e políticos, estabelecendo um forte laço de unidade e reconciliação entre as várias camadas e classes do gênero humano. A inimizade que na época existia entre o povo era tão amarga e intensa que até mesmo o relacionamento comum era impensável. As pessoas não se relacionavam nem faziam qualquer consulta entre si. Pelo poder dos ensinamentos de Bahá'u'lláh foram testemunhados os mais maravilhosos resultados. Ele removeu os preconceitos e o ódio dos corações humanos, e efetuou tal transformação nas atitudes uns em relação aos outros que hoje na Pérsia há perfeita harmonia entre os adeptos de religiões até então intolerantes, várias seitas e classes divergentes. Não foi algo fácil de realizar, pois Bahá'u'lláh foi submetido a severas provações, grandes dificuldades e violenta perseguição. Ele foi aprisionado, infligiram-Lhe tortura, e finalmente Ele foi banido de Sua terra natal. Suportou todas as provações e sofrimentos com contentamento. Nos Seus sucessivos exílios de um país a outro até a época de Sua ascensão deste mundo, Ele pôde promulgar Seus ensinamentos até mesmo de dentro da prisão. Em qualquer lugar a que Seus opressores O lançassem, Ele erguia o estandarte da unicidade do mundo humano e promulgava os princípios da unidade do gênero humano. Alguns desses princípios são os seguintes: em primeiro lugar, incumbe a todo o gênero humano investigar a verdade. Se tal investigação for feita, todos se harmonizarão e se unirão, pois a verdade ou a realidade não é múltipla; não é divisível. As diferentes religiões se baseiam numa só verdade; por isso sua realidade é uma só.

Cada uma das religiões divinas incorpora dois tipos de mandamentos. O primeiro é aquele que se refere às suscetibilidades espirituais, o desenvolvimento dos princípios morais e o despertar da consciência do homem. Este é essencial e fundamental, é o mesmo em todas as religiões, uma realidade imutável e eterna - não sujeita a transformação. Abraão anunciou esta realidade, Moisés promulgou-a, e Jesus Cristo estabeleceu-a no mundo humano. Todos os divinos Mensageiros e Profetas foram instrumentos e canais dessa mesma verdade essencial e eterna.

O segundo tipo de mandamento nas divinas religiões é aquele que tem a ver com os assuntos materiais da espécie humana. São as leis materiais ou contingentes e estão sujeitas a mudança em cada dia da manifestação, segundo as exigências do tempo, as condições e diferenças nas capacidades da humanidade. Na época de Moisés, por exemplo, foram revelados por Ele dez mandamentos relativos a assassinato. Esses mandamentos estavam de acordo com as exigências daquela época. Outras leis que encerravam punições drásticas foram decretadas por Moisés - olho por olho, dente por dente. A penalidade por roubo era decepar a mão. Essas leis e penalidades eram aplicáveis à condição do povo israelita daquele período, que viveu no deserto numa situação em que a severidade era necessária e justificável. Mas no tempo de Jesus Cristo, este tipo de lei não era apropriado; por isso, Cristo revogou e substituiu os mandamentos de Moisés.

Em suma, cada uma das religiões divinas encerra mandamentos essenciais, não sujeitos a mudança, e mandamentos materiais, os quais são ab-rogados de acordo com as exigências do tempo. Mas os povos do mundo abandonaram os ensinamentos divinos e seguiram as formas e imitações da verdade. Uma vez que essas interpretações humanas e superstições variam, surgiram dissensão e fanatismo, e conflito e contenda prevaleceram. Investigando a verdade ou a realidade fundamental na qual se baseiam suas próprias crenças, bem como as demais, todos se unirão e estarão em acordo, pois esta realidade é uma só; ela não é múltipla nem divisível.

O segundo princípio ou ensinamento de Bahá'u'lláh é a proclamação da unicidade do gênero humano - que todos são servos de Deus e pertencem a uma família; que Deus criou todos e, por isso, Suas dádivas são universais; e que Sua providência, instrução, amparo e amorosa bondade abrangem todo o gênero humano.

Esta é a política divina, e é impossível ao homem estabelecer o fundamento de um plano e uma política melhor que a instituída por Deus. Por isso devemos reconhecer e auxiliar no propósito do glorioso Senhor. Já que Deus é bondoso para com todos, por que nós deveríamos ser malevolentes? Já que este mundo é um lar, por que deveriam seus membros se ocupar com animosidade e contenda? Assim, a humanidade deve ser vista com igual estima e a mesma atitude de amor. O mais nobre dos homens é aquele que serve à humanidade e se encontra o mais próximo possível do limiar de Deus e é o mais humilde de Seus servos. A glória e a majestade do homem dependem de sua servitude aos seus semelhantes e não da prática de hostilidade e ódio.

O terceiro princípio ou ensinamento de Bahá'u'lláh é a unicidade entre religião e ciência. Toda crença religiosa que não esteja em conformidade com investigação e comprovação científica é superstição, pois a verdadeira ciência é razão e realidade, e religião é essencialmente realidade e razão pura; portanto, ambas devem se harmonizar. O ensinamento religioso que estiver em desacordo com a ciência é imaginação e invenção humana, e não merece aceitação, pois antítese e oposto de conhecimento é superstição originada da ignorância humana. Se dissermos que a religião se opõe à ciência, desconhecemos tanto a verdadeira ciência como a verdadeira religião, pois ambas se fundamentam nas premissas e conclusões da razão, e ambas devem passar pela sua prova.

O quarto princípio ou ensinamento de Bahá'u'lláh é o reajuste e o equilíbrio dos padrões econômicos da humanidade. Este trata da questão do meio de subsistência humana. É evidente que sob o sistema e condições governamentais atuais, os pobres estão sujeitos às maiores necessidades e sofrimentos, enquanto outros mais afortunados vivem em luxo e fartura muito além de suas reais necessidades. Este desequilíbrio de quinhão e prerrogativa é um dos mais profundos e vitais problemas da sociedade humana. Que há necessidade de equilíbrio e distribuição mais eqüitativa através dos quais todos possam obter conforto e prerrogativas de vida, é evidente. A solução deve ser um reajuste legislativo de condições. Os ricos também devem ser misericordiosos com os pobres, contribuindo de coração para as suas necessidades, sem serem forçados ou compelidos a isso. A tranqüilidade do mundo será assegurada pelo estabelecimento deste princípio na vida religiosa da humanidade.

O quinto princípio ou ensinamento de Bahá'u'lláh é o abandono de preconceitos religiosos, raciais, patrióticos e políticos, os quais destroem os fundamentos da sociedade humana. Todos os homens são criaturas e servos do único Deus. A superfície da terra é uma só moradia e a humanidade é uma só família e lar. Separações e fronteiras são artificiais; são criações humanas. Por que deveria haver discórdia e contenda entre os homens? Todos devem ser unidos e coordenados no serviço ao mundo da humanidade.

O sexto princípio ou ensinamento de Bahá'u'lláh diz respeito à igualdade do homem e da mulher. Ele declarou que, aos olhos de Deus, não há distinção de sexo. Aquele cujo coração é mais puro, cujos atos e serviços à Causa de Deus são maiores e mais nobres, é mais aceitável no limiar divino - não importa se é homem ou mulher. Nos reinos vegetal e animal, os sexos existem em perfeita igualdade, sem distinção ou hostilidade. O animal, embora inferior ao homem em inteligência e raciocínio, reconhece a igualdade dos sexos. Por que o homem, que é dotado de senso de justiça e consciência, deveria permitir que um dos membros da família humana fosse classificado e considerado como subordinado? Tal diferenciação não é nem inteligente nem conscienciosa; por isso, Bahá'u'lláh revelou o princípio religioso de que se deve dar à mulher o privilégio de educação igual à do homem e pleno direito às suas prerrogativas. Ou seja, a fim de que a mulher desenvolva a mesma capacidade e importância do homem na equação econômico-social, não deve haver diferença alguma na educação do homem e da mulher. Então o mundo atingirá unidade e harmonia. Em épocas passadas, a humanidade foi deficiente e incapaz porque estava incompleta. A guerra e sua devastação arruinavam o mundo; a educação da mulher será um poderoso passo para sua abolição e extinção, pois ela utilizará toda a sua influência para combater a guerra. A mulher cria o filho e educa o jovem até a maturidade. Ela se recusará a entregar seus filhos em sacrifício no campo de batalha. Na verdade, ela será o mais poderoso agente no estabelecimento da paz universal e arbitramento internacional. A mulher seguramente abolirá a guerra do seio da humanidade. Uma vez que a sociedade humana consiste de duas partes, o homem e a mulher, sendo cada um o complemento do outro, a felicidade e a estabilidade da humanidade não pode ser garantida a menos que ambos sejam aperfeiçoados. Portanto, deve haver igualdade de padrão e posição entre o homem e a mulher.

Entre outros ensinamentos e princípios, Bahá'u'lláh recomenda a educação de todos os membros da sociedade. Nenhum indivíduo deve ser rejeitado ou privado do treinamento intelectual, embora cada um deva receber de acordo com sua capacidade. Ninguém deve ser abandonado na ignorância, pois no mundo humano ela constitui uma imperfeição. Todo o gênero humano deve adquirir conhecimento da ciência e da filosofia - ou seja, na medida que for julgado necessário. Nem todos podem ser cientistas e filósofos, mas cada um deve ser educado de acordo com suas necessidades e seu mérito.

Bahá'u'lláh ensina que o mundo humano necessita do sopro do Espírito Santo, pois no despertar e na iluminação espiritual é atingida a verdadeira unicidade de Deus e do homem. A Suprema Paz não pode ser assegurada através de força e empenho racial; não pode ser estabelecida pela devoção e sacrifício patrióticos; pois as nações são amplamente diferentes e o patriotismo local tem suas limitações. Além disso, é evidente que o poder político e a capacidade diplomática não conduzem à concórdia universal, pois os interesses dos governos são variados e egoístas; nem a harmonia e reconciliação internacionais resultarão de opiniões humanas concentradas sobre elas, pois opiniões são imperfeitas e intrinsecamente diversificadas. A paz universal, através de ações humanas e materiais, é uma impossibilidade; ela deve ser atingida por meio de poder espiritual. Há necessidade de uma força motriz universal que estabeleça a unicidade da humanidade e destrua os fundamentos da guerra e do conflito. Nada a não ser o poder divino pode fazer isso; e, portanto, isso será alcançado através do sopro do Espírito Santo.

Não importa quanto o mundo material progrida, ele não pode estabelecer a felicidade da humanidade. A felicidade só pode ser garantida quando a civilização espiritual e a material estiverem interligadas e coordenadas. Assim, a civilização material não despenderá suas energias com as forças do mal para destruir a unicidade da humanidade, pois na civilização material o bem e o mal avançam em conjunto e mantêm a mesma marcha. Considerai, por exemplo, o progresso material do homem na década passada. Escolas e universidades, hospitais, instituições filantrópicas, academias científicas e templos de filosofia foram fundados, mas, juntamente com essas evidências de progresso, a invenção e a produção de armas e meios de destruição humana proliferaram igualmente. Em épocas passadas, a arma de guerra era a espada; agora é o rifle de cartucho. Entre os antigos, os homens lutavam com lanças e adagas; agora eles usam granadas e bombas. Agora se constroem encouraçados, inventam-se torpedeiros e quase diariamente novos tipos de munição são produzidos.

Tudo isso é o resultado da civilização material; por isso, embora o progresso material tenha boas propostas para a vida, serve, ao mesmo tempo, a maus propósitos. A civilização divina é boa porque ela cultiva a moralidade. Considerai de que modo os Profetas de Deus contribuíram para a moralidade humana. Jesus Cristo convocou todos à Suprema Paz através da aquisição da moralidade pura. Se os preceitos morais e os fundamentos da civilização divina se unirem ao avanço material do homem, não há dúvida de que a felicidade do mundo humano será atingida e as boas-novas da paz sobre a terra serão anunciadas de todas as direções. Então a espécie humana fará grande progresso, o campo da inteligência humana se expandirá imensuravelmente, maravilhosas invenções surgirão, e o espírito de Deus se revelará; todos os homens se associarão com júbilo e fragrância, e aos filhos do Reino será conferida a vida eterna. Então o poder divino se tornará efetivo e o sopro do Espírito Santo penetrará a essência de todas as coisas. Desse modo, a civilização material e a divina, ou misericordiosa, progredirão em conjunto até as mais elevadas aspirações e desejos da humanidade se tornarem realidade.

Estes são alguns dos ensinamentos e princípios de Bahá'u'lláh, rapidamente apresentados a fim de que possais ser informados de seu significado e propósito, e neles encontrar um estímulo para seu conhecimento e ações. Suplico a Deus que ajude esta nação próspera e progressista, e confira Suas bênçãos a este governo justo e este maravilhoso continente ocidental.

VI
PALESTRAS PROFERIDAS
POR 'Abdu'l-Bahá EM
NOVA IORQUE, MONTCLAIR E JERSEY CITY
1
11 DE MAIO DE 1912
Palestra à Via Riverside, 227, Nova Iorque
Registrada por John G. Grundy

Por apenas três semanas estivemos distantes dos amigos de Nova Iorque, mas tão grande foi o desejo de vos ver que nos pareceram três meses. Desde que vos deixamos, não descansamos nem de dia, nem à noite - seja viajando, caminhando ou falando - mas fizemos tudo com muito prazer, e estivemos muito felizes. Louvado seja Deus! Em todo lugar e o tempo todo houve harakat, harakat, harakat ("movimento, movimento, movimento").

Os amigos na América são muito amáveis. Todos as pessoas que visitamos aqui são gentis e agradáveis. São polidas e não-hostis, embora um tanto inquiridoras. Uma pequena minoria parece ter preconceito, mas mesmo essas têm seus pontos positivos. O povo americano tem um verdadeiro amor pelo progresso. Não está satisfeito em permanecer estacionário. As pessoas são muito vigorosas e progressistas. Ao verdes uma árvore em crescimento, sede confiantes no seu resultado final. Ela florescerá e finalmente dará frutos. Se virdes árvores secas e velhas, não há qualquer esperança de frutificação.

As perguntas que nos foram feitas eram oportunas e importantes. Nossas respostas não foram utilizadas para controvérsia e polêmica. Conhecemos homens de ciências e sábios, e os deixamos satisfeitos com nossas explanações. Pessoas importantes nos expressaram sua satisfação e prazer pelas nossas respostas às suas perguntas. Em suma, seria difícil encontrar no conjunto das pessoas que visitamos alguém que estivesse insatisfeito. Alguns eruditos somente visavam discussão infrutífera. Em Chicago, visitamos dois sacerdotes - fazendo uma palestra na igreja de um e jantando com o outro. Ambos manifestaram grande amor. Do mesmo modo, não encontramos uma só alma que se levantasse em oposição ou que fosse embora insatisfeita.

Ontem, em Washington, encontramos um grupo de pessoas importantes. Uma pessoa proeminente nos círculos políticos veio com um juiz da Suprema Corte. Estavam presentes muitas senhoras dos círculos diplomáticos. Depois que nós falamos, o político já mencionado levantou a questão de que, desde tempos imemoriais, o fundamento de todas as religiões havia sido paz, amor e concórdia - princípios que conduzem ao companheirismo e unificação - mas Jesus foi, segundo ele declarou, "causa de discórdia e não um fator de realização de unidade". "Por isso," disse ele, "não posso aceitar sua afirmação e explicação de que a religião foi causa de aprimoramento humano." Depois de darmos mais explicações, ele disse: "O que me explicastes pode fazer mudar minhas opiniões e concordar convosco." Durante esse tempo o juiz permaneceu em silêncio. Receando que de algum modo ele pudesse estar insatisfeito, perguntamos se em sua opinião havia permanecido alguma objeção diante daquilo que apresentamos. Ele respondeu: "De modo algum! De modo algum! Está tudo bem! Está tudo bem!" Esta é a expressão característica do Ocidente - "All right! All right! " ("Tudo bem! Tudo bem!")

Nessa reunião estavam presentes também vários oficiais de gabinetes, senadores dos Estados Unidos, muitos do serviço diplomático exterior, oficiais do exército e marinha, e outros dignitários. A serva de Deus, nossa anfitriã, teve muito trabalho na preparação e recepção, mas estava sempre ativa e vigorosa no serviço, convidando pessoas importantes e influentes para a reunião. Falamos a todos de seus próprios pontos de vista, com os resultados mais satisfatórios; estivemos trabalhando dia e noite, por isso houve muito pouco tempo para entrevistas individuais e privativas.

Em Washington também convocamos uma reunião para negros e brancos. Houve presença maciça, com predominância de negros. Na nossa segunda reunião ocorreu o inverso, mas na terceira reunião não podíamos dizer qual era a cor predominante. Estas reuniões foram uma grande lição prática sobre a unidade das cores e raças nos ensinamentos Bahá'ís.

Em parte dissemos: O homem negro deve sempre agradecer ao homem branco, pois ele manifestou grande coragem e auto-sacrifício pela raça negra. Durante quatro anos ele lutou pela sua causa, suportando severas dificuldades, sacrificando sua vida, família, riquezas, tudo pelo seu irmão negro até que a grande guerra terminou na proclamação da liberdade. Por este esforço e realização, a raça negra foi beneficiada no mundo todo. Se isto não tivesse sido feito, o negro na África ainda estaria preso nas correntes da escravidão. Por isso, em todos os lugares, sua raça deveria ser grata, pois não poderia haver evidência maior de humanismo e corajosa devoção do que a demonstrada pelo homem branco. Se os negros dos Estados Unidos se esquecerem desse sacrifício, zelo e hombridade demonstrados pelos brancos, não haveria ingratidão maior e mais censurável. Se pudessem ver as tristes condições e o ambiente dos negros da África de hoje, o contraste se tornaria claro e se evidenciaria o fato de que a raça negra na América goza de vantagens incomparáveis. O conforto e a civilização em que eles vivem é devido ao esforço e sacrifício do homem branco. Caso não tivesse sido feito esse sacrifício, eles ainda continuariam nos grilhões e correntes do cativeiro, dificilmente libertados de uma condição aborígine. Por isso, sempre mostrai vossa gratidão ao homem branco. Finalmente todas as diferenças desaparecerão e conquistareis completamente a sua amizade.

Deus não faz distinção alguma entre brancos e negros. Se os corações forem puros, ambos são aceitáveis perante Ele. Deus não considera as pessoas pela sua cor ou raça. Todas as cores Lhe são aceitáveis, seja branca, negra ou amarela. Uma vez que todos foram criados à imagem e semelhança de Deus, devemos perceber que todos incorporam as possibilidades divinas. Se fôssemos a um jardim e encontrássemos todas as flores de igual forma, espécie e cor, seria cansativo aos olhos. O jardim é mais belo quando as flores são multicoloridas e diferentes; a variedade confere encanto e beleza. Numa revoada de pombos, alguns são brancos, alguns pretos, vermelhos, azuis; mas eles não fazem qualquer distinção. Todos são pombos, não importa qual a cor.

Esta variedade de formas e cores que se manifesta em todos os reinos é devida à sabedoria criativa e tem um propósito divino. No entanto, sejam as criaturas todas iguais ou todas diferentes, isto não deveria ser causa de contenda e luta entre elas. Em especial, por que deveria o homem fazer da raça ou cor de seus semelhantes causa de discórdia? Nenhuma mente iluminada ou educada admitirá que tal distinção e discórdia devam existir ou que haja qualquer base para elas. Portanto, os brancos deveriam ser justos e bondosos com os negros, os quais, por sua vez, deveriam refletir igual medida de apreciação e gratidão. Então o mundo se tornará como um grande jardim da humanidade florescente, variada e multicolorida, cada uma rivalizando com a outra apenas nas virtudes e graças que são espirituais.

2
12 DE MAIO DE 1912
Palestra na Igreja da Unidade
Montclair, Nova Jersey
Registrada por Esther Foster

Desejo falar a esta respeitável assembléia sobre a unidade divina, a unicidade de Deus.

É um fato intrinsecamente evidente que a existência fenomênica jamais pode captar nem compreender a Realidade essencial e antiga. A fraqueza extrema não pode entender o poder absoluto. Quando contemplamos o mundo da criação, percebemos diferenças de grau que tornam impossível ao inferior compreender o superior. O reino mineral, por exemplo, não importa quanto avance, jamais poderá compreender os fenômenos do reino vegetal. O vegetal, por mais que se desenvolva, não pode perceber nem manter contato com o reino animal. Por mais perfeita que uma árvore possa crescer, não pode ter os sentidos da visão, audição, olfato, gustação e tato; estes estão além de seus limites. Embora ela exista no mundo da criação, uma árvore não possui qualquer conhecimento da superioridade do reino animal. De igual modo, não importa quão imensamente o animal possa evoluir, ele não pode ter idéia alguma do grau humano, nenhum conhecimento do intelecto e do espírito. A diferença de grau é um obstáculo para esta compreensão. Um grau inferior - seja mineral, vegetal ou animal - não pode compreender um que lhe é superior, embora ambos estejam no mesmo mundo da criação. O grau constitui uma barreira e limitação. No plano humano de existência, podemos dizer que temos conhecimento de um vegetal, suas qualidades e seu produto; mas o vegetal não possui qualquer conhecimento ou compreensão de nós. Não importa quanto esta rosa se aperfeiçoe dentro de seu próprio campo de existência, jamais poderá possuir audição e visão. Uma vez que no mundo da criação, o qual é fenomênico, a diferença de grau é um obstáculo ou impedimento à compreensão, como pode o ser humano, sendo uma contingência da criação, compreender a antiga Realidade divina, que é essencial? Isto é impossível, pois a realidade da Divindade é santificada além da compreensão do ser criado, o homem.

Além disso, aquilo que o homem pode abarcar é finito para o homem, e o homem é infinito para ele. Será possível que a Realidade divina seja finita e a criatura humana, infinita? Ao contrário, o inverso é que é verdadeiro; o homem é finito, ao passo que a essência da Divindade é infinita. O que quer que esteja dentro da esfera da compreensão humana deve ser limitado e finito. Como a essência da Divindade transcende a compreensão humana, Deus envia certos Manifestantes da Realidade divina, aos quais confere as fulgências celestiais para que Eles possam ser intermediários entre Ele próprio e a humanidade. Estes santos Manifestantes ou Profetas de Deus são espelhos que adquiriram iluminação do Sol da Verdade, mas o sol não desce de seu elevado zênite, nem entra dentro do espelho. Na verdade, este espelho adquiriu completo polimento e pureza até atingir sua máxima capacidade de reflexão; por isso, o Sol da Realidade se revela nele com sua plena fulgência e esplendor. Esses espelhos são terrenos, enquanto a realidade da Divindade está em seu mais alto apogeu. Embora suas luzes estejam brilhando e seu calor se manifeste neles, embora esses espelhos contem sua história dessa fulgência, o Sol, no entanto, permanece em sua própria posição de sublimidade; ele não desce, nem entra, pois é sagrado e santificado.

O Sol da Divindade e da Realidade se manifestou em diversos espelhos. Embora esses espelhos sejam muitos, o Sol é único. As dádivas de Deus são uma; a realidade da religião divina é uma. Considerai como uma mesma luz se refletiu nos diferentes espelhos ou suas manifestações. Há certas almas que se devotam ao Sol; elas percebem a fulgência do Sol em qualquer espelho. Não se prendem nem se apegam ao espelho; elas se apegam ao próprio Sol e o adoram, não importa de que ponto ele brilhe. Mas aqueles que adoram espelhos e se apegam a eles privam-se de testemunhar a luz do Sol quando ele brilha em outro espelho. Por exemplo, o Sol da Realidade revelou-se no espelho mosaico. As pessoas que eram sinceras aceitaram e creram nele. Quando o mesmo Sol brilhou no espelho messiânico, os judeus que não se afeiçoavam ao Sol e estavam apegados à adoração do espelho de Moisés não perceberam as luzes e o esplendor do Sol da Realidade que resplandecia em Jesus; por isso, eles se privaram de suas dádivas. Mas o Sol da Realidade, o Verbo de Deus, resplandeceu no espelho messiânico, através do maravilhoso canal de Jesus Cristo, mais plena e maravilhosamente. Seus esplendores eram manifestamente radiantes, mas ainda hoje os judeus se apegam ao espelho mosaico. Por isso são impedidos de contemplar as luzes da eternidade em Jesus.

Em resumo, o sol é o mesmo sol, a luz é uma só luz que brilha sobre todas os seres fenomênicos. Toda criatura tem seu quinhão, mas o espelho puro pode revelar a história de sua graça mais plena e completamente. Portanto, devemos adorar a luz do Sol, não importa através de que espelho ele se revela. Não devemos cultivar preconceito, pois o preconceito é um obstáculo à realização. Uma vez que o esplendor é o mesmo esplendor, as realidades humanas devem todas se tornar receptoras da mesma luz, nela reconhecendo a força penetrante que as une ao iluminá-las.

Como este é o século radiante, tenho a esperança de que o Sol da Verdade possa iluminar toda a humanidade. Que os olhos se abram e os ouvidos se tornem atentos; que as almas sejam revivificadas e se associem com a máxima harmonia, como receptoras da mesma luz. Possa Deus remover este conflito e contenda de milhares de anos. Que esta carnificina se extinga, esta tirania e opressão cessem e esta guerra termine. Que a luz do amor brilhe e ilumine os corações, e que as vidas humanas se unam e se liguem até que nós todos possamos encontrar harmonia e tranqüilidade sob o mesmo tabernáculo, e o estandarte da Suprema Paz siga avante firmemente sobre nós.

Ó Tu Senhor Benévolo! Tu que és generoso e clemente! Somos os servos de Teu limiar e estamos reunidos à sombra protetora de Tua divina unidade. Sobre todos brilha o sol da Tua benevolência e chovem as nuvens da Tua graça. Tuas dádivas abrangem a todos, Tua amorosa providência a todos sustenta. Tua proteção abriga todos, e os olhares de teu favor repousam sobre todos. Ó Senhor! Concede-nos Tuas infinitas graças e deixa brilhar a luz de Tua guia. Ilumina os olhos, alegra as almas e dota os corações de alegria exultante. Confere um novo espírito a todos os povos e dá-lhes a vida eterna. Abre as portas do verdadeiro conhecimento e deixa a luz da fé brilhar resplandecente. Une os seres humanos à sombra de Tua generosidade, e faze com que se unam em harmonia, de modo a se tornarem como os raios do mesmo sol, as ondas de um só mar e os frutos da mesma árvore. Que bebam do mesmo manancial, que se refresquem pela mesma brisa e obtenham iluminação da mesma fonte de luz. Tu és o Generoso, o Clemente, o Onipotente!

3
12 DE MAIO DE 1912

Palestra no Encontro do Fórum Internacional da Paz

Igreja Metodista Episcopal de Grace
Rua Cento e Quatro, Zona Oeste, Nova Iorque
Registrada por Esther Fisher

Quando examinamos a história desde o início até o presente, vemos que conflito e contenda prevaleceram por todo o mundo humano. Guerras - religiosas, raciais ou políticas - originaram-se da ignorância humana, desentendimento e falta de educação. Vamos considerar primeiramente o conflito e a contenda religiosa.

É evidente que os Profetas divinos surgiram no mundo para estabelecer amor e concórdia entre o gênero humano. Eles foram os Pastores e não os lobos. O Pastor vem para reunir e conduzir seu rebanho, e não dispersá-lo criando contenda. Todo Pastor divino reuniu um rebanho anteriormente disperso. Entre os Pastores houve Moisés. Num tempo em que as tribos de Israel estavam dispersas e à deriva, Ele juntou, uniu e educou-as até os mais elevados graus de capacidade e progresso até saírem do deserto da disciplina para a sagrada terra da possessão. Ele transformou sua degradação em glória, sua pobreza em riqueza e substituiu seus vícios em virtudes até se erguerem a tais alturas que tornaram possível o esplendor da soberania de Salomão e a fama de sua civilização se estendeu para o Oriente e o Ocidente. É evidente, portanto, que Moisés foi um Pastor divino, pois congregou as tribos de Israel e uniu-as no poder e força de uma grande nação.

Quando a estrela messiânica de Jesus Cristo apareceu, Ele declarou ter vindo para juntar as tribos perdidas ou ovelhas dispersas de Moisés. Ele não somente conduziu o rebanho de Israel, mas reuniu os povos da Caldéia, do Egito, da Síria, da antiga Assíria e da Fenícia. Esses povos se encontravam num estado de máxima hostilidade, sedentos do sangue uns dos outros com a ferocidade de animais; mas Jesus Cristo os reconciliou, juntou e uniu em Sua Causa, e estabeleceu tal laço de amor entre eles que abandonaram a hostilidade e a inimizade. É evidente, portanto, que os ensinamentos divinos são para criar laços de união no mundo humano e estabelecer os fundamentos de amor e camaradagem entre o gênero humano. A religião divina não é causa de discórdia e desarmonia. Se a religião for fonte de antagonismo e contenda, a ausência de religião será preferível. A religião está destinada a ser uma nova vida para o corpo da sociedade humana; se ela fosse causar a morte da humanidade, sua inexistência seria uma bênção e um benefício para o homem. Portanto, neste dia, deve-se buscar os ensinamentos divinos, pois eles constituem o remédio para a condição atual do mundo humano. O propósito de um remédio é curar e restabelecer a saúde. Se ele ocasionar a piora dos sintomas, sua ausência e eliminação serão preferíveis.

Numa época em que as tribos árabes e povos nômades estavam completamente desunidos, vivendo no deserto, sem lei, em constante carnificina, sem que uma tribo estivesse livre da ameaça de ataque e destruição por outra - numa época crítica assim apareceu Muhammad. Ele congregou essas tribos selvagens do deserto, reconciliou-as, uniu-as e fez com que se congraçassem de modo que a inimizade e a guerra cessaram. A nação árabe progrediu imediatamente até seu domínio se estender em direção ao Ocidente até a Espanha e Andaluzia.

Desses fatos e premissas podemos concluir que o estabelecimento das divinas religiões visa a paz, não a guerra e a carnificina. Visto que todas elas se fundamentam numa só realidade que é amor e unidade, as guerras e dissensões que têm caracterizado a história da religião ocorreram devido às imitações e superstições que surgiram posteriormente. A religião é a realidade, e a realidade é uma só. Portanto, os fundamentos da religião de Deus são na verdade uma só. Não há distinção nem mudança em seus fundamentos. A diferença é causada pelas cegas imitações, preconceitos e adesão a formas externas que aparecem mais tarde; e uma vez que essas diferem entre si, ocasionam discórdia e contenda. Se as religiões do mundo eliminassem essas causas de dificuldades e procurassem os fundamentos, todos concordariam, e contenda e dissensão seriam banidas; pois religião e realidade são uma coisa só e não múltiplas.

Outras guerras são causadas por diferenças puramente imaginárias de raça; pois a humanidade é uma espécie, uma raça e ancestralidade, habitando o mesmo globo. No plano criativo, não há distinção e separação tal como franceses, ingleses, americanos, alemães, italianos ou espanhóis; todos pertencem ao mesmo lar. Essas fronteiras e separações são artificiais e de origem humana, não são naturais nem autênticas. Todos os homens são frutos de uma árvore, flores do mesmo jardim, ondas de um só mar. No reino animal não se vê tal distinção e separação. As ovelhas do Oriente e do Ocidente se associariam pacificamente. Os rebanhos do Oriente não pareceriam surpresos, como se dissessem: "Essas são ovelhas ocidentais; elas não pertencem ao nosso país." Todas se reuniriam em harmonia e desfrutariam do mesmo pasto, sem qualquer sinal de distinção de país ou de raça. Os pássaros de diferentes países se misturam em harmonia. Encontramos estas virtudes no reino animal. Deve o homem se privar dessas virtudes? O homem é dotado de um poder de raciocínio e percepção superior; ele é a manifestação das dádivas divinas. Será que idéias raciais devem prevalecer e obscurecer o propósito criativo da unidade em seu reino? Deve-se dizer: "Eu sou alemão", "Eu sou francês" ou "Eu sou inglês" e declarar guerra por causa desta distinção imaginária criada pelo homem? Deus proíba! Esta terra é um só lar e a terra natal de toda a humanidade; a raça humana deve, portanto, ignorar diferenças e fronteiras que são artificiais e conduzem à desarmonia e hostilidade. Nós viemos do Oriente. Louvado seja Deus! Encontramos este continente próspero, o clima é sadio e agradável, os habitantes são cordiais e amáveis, o governo é eqüitativo e justo. Devemos cultivar qualquer outro pensamento e sentimento que não seja amor por vós? Devemos dizer: "Esta não é a nossa terra natal; portanto tudo é censurável?" Isto seria uma ignorância grosseira à qual o homem não deve se sujeitar. O ser humano é dotado da capacidade de investigar a realidade, e a realidade é que a humanidade é uma só espécie e igual no plano da criação. Portanto, as falsas distinções de raça e de pátria, as quais são causadoras de conflito, devem ser abandonadas.

Considerai o que está acontecendo em Trípoli: como os pobres estão sendo mortos e o sangue dos desamparados está sendo derramado em ambos os lados; pais lamentando a morte de seus filhos; mães velando a perda de seus queridos. E, afinal, qual a vantagem disso? Nada que se possa pensar. Seria, portanto, justificável? Os animais domésticos não manifestam ódio e crueldade uns aos outros; este é atributo dos animais selvagens e ferozes. Num rebanho de mil ovelhas não se vê um derramamento de sangue. Inúmeras espécies de pássaros são pacíficas em seus bandos. Lobos, leões e tigres são ferozes porque é o seu meio natural e necessário de obterem alimento. O homem não necessita de tal ferocidade; seu alimento é obtido de outras maneiras. Assim, é evidente que conflito, crueldade e carnificina no reino humano resultam da ganância, ódio e egoísmo humanos. Os reis e governantes das nações gozam de luxo e conforto em seus palácios, e mandam as pessoas comuns para o campo de batalha - fazem delas alimento e alvos de canhões. A cada dia inventam novos instrumentos para a mais completa destruição das fundações da raça humana. Eles são empedernidos e impiedosos aos seus semelhantes. O que pode reparar o sofrimento e a tristeza das mães que tão ternamente cuidaram de seus filhos? Quantas noites elas passaram sem dormir, e quantos dias de dedicação e amor para conduzir suas crianças até a maturidade! Mas a selvageria desses governantes sanguinários faz com que num só dia um grande número de suas vítimas seja dilacerado e mutilado. Quanta ignorância e degradação, até mesmo maior que a das próprias bestas selvagens! Pois um lobo leva e devora uma ovelha de cada vez, ao passo que um tirano ambicioso pode causar a morte de cem mil homens numa batalha e se vangloriar de sua bravura militar, dizendo: "Eu sou o comandante; eu conquistei essa grandiosa vitória." Considerai a ignorância e a incoerência da raça humana. Se um homem mata outro, não importa por que motivo, ele é acusado de assassinato, aprisionado e executado; mas o brutal opressor que matou cem mil é idolatrado como herói, conquistador ou gênio militar. Um homem rouba uma pequena quantia em dinheiro; ele é chamado de ladrão e é mandado para a penitenciária; mas um líder militar que invade todo um reino e o saqueia, é aclamado como um heróico e poderoso homem de valor. Quão vil e ignorante é o homem!

Na Pérsia, antes dos meados do século dezenove, havia a máxima inimizade, contenda e ódio entre os diferentes povos, tribos, seitas e denominações. Naquele tempo todas as outras nações do Oriente também estavam nessas mesmas condições. Os homens da religião eram hostis e intolerantes, seitas eram inimigas, raças se odiavam uma às outras, tribos estavam em constante guerra, e em todo lugar prevaleciam antagonismo e conflito. As pessoas se afastavam e suspeitavam umas das outras. Um homem que matava muitos de seus semelhantes era glorificado pelo seu heroísmo e poder. Entre os religiosos era considerado um ato meritório matar alguém que tivesse uma crença oposta. Nessa época Bahá'u'lláh levantou-Se e declarou Sua missão. Ele inaugurou a unicidade do mundo humano, proclamou que todos são servos do Deus amoroso e misericordioso que criou, nutriu e proveu a todos; por que deveriam os homens, pois, ser injustos e maus uns com os outros, mostrando aquilo que é oposto a Deus? Uma vez que Ele nos ama, por que deveríamos nutrir animosidade e ódio? Se Deus não amasse a todos, Ele não teria criado, educado e provido a todos. A bondade amorosa é a política de Deus. Poderíamos considerar a atitude e a política humana superiores à sabedoria e política de Deus? Isto seria inconcebível, impossível. Portanto, devemos emular e seguir a política divina, tratando uns aos outros com o máximo amor e ternura.

Bahá'u'lláh proclamou a Suprema Paz e o arbitramento internacional. Ele anunciou estes princípios em numerosas Epístolas que circularam amplamente em todo o Oriente. Ele escreveu a todos os reis e governantes, encorajando, aconselhando e advertindo-os em relação ao estabelecimento da paz, deixando claro, através de provas conclusivas, de que a felicidade e a glória da humanidade só podem ser asseguradas através do desarmamento e arbitramento. Isto foi quase cinqüenta anos atrás. Por ter promulgado a mensagem da paz universal e harmonia internacional, os reis do Oriente se levantaram contra Ele, pois não viam seus interesses pessoais e nacionais satisfeitos com Suas admoestações e ensinamentos. Eles o perseguiram severamente, amontoaram sobre Ele todos os tormentos, encarceraram-No, submeteram-No à bastonada, baniram-No e finalmente O confinaram numa fortaleza. Depois se levantaram contra Seus seguidores. Pelo estabelecimento da paz internacional foi derramado o sangue de vinte mil Bahá'ís. Suas casas foram destruídas, seus filhos foram presos e suas posses, pilhadas, mas nenhuma dessas pessoas se tornou fria ou hesitante em sua devoção. Ainda hoje os Bahá'ís são perseguidos, e muito recentemente vários foram mortos, pois onde quer que eles se encontrem, envidam o maior esforço em estabelecer a paz no mundo. Não somente promulgam princípios; eles são pessoas de ação.

Por causa dos ensinamentos de Bahá'u'lláh, hoje encontrareis na Pérsia pessoas de várias crenças e denominações convivendo na maior paz e concórdia. Os antigos ódios e inimizades foram abandonados, e eles têm o máximo amor por toda a humanidade, pois percebem e sabem que todos são criaturas e servos de um só Deus. Isto é diretamente devido aos ensinamentos divinos. Quando muito, o que ocorre é o seguinte: os ignorantes devem ser educados, os enfermos devem ser curados, aqueles que, no aspecto de desenvolvimento são como crianças, devem ser ajudados a atingir a maturidade. Não devemos ser hostis a ninguém por causa de sua falta de conhecimento; nem devemos rejeitar os imaturos, ou desprezar os doentes, mas devemos administrar o remédio para cada necessidade humana até que todos sejam unidos sob a providência de Deus. É evidente, portanto, que os fundamentos essenciais das religiões divinas são unidade e amor. Se a religião for causa de discórdia entre os homens, ela é destrutiva e não divina, pois religião implica em unidade e congraçamento e não separação. O mero conhecimento de princípios não é suficiente. Nós todos sabemos e admitimos que justiça é algo bom, mas há a necessidade de vontade e ação para executá-la e manifestá-la. Por exemplo, podemos achar bom construir uma igreja, mas simplesmente pensar nisso como uma coisa boa não ajudará em erguê-la. Devem ser providos os meios e o modo; devemos ter vontade de construí-la e então executar sua construção. Todos nós sabemos que paz internacional é algo bom, que conduz ao bem-estar humano e à glória do homem, mas são necessárias vontade e ação para que ela possa ser estabelecida. Ação é essencial. Uma vez que este é o século de luz, a capacidade de ação é assegurada à humanidade. Os princípios divinos serão necessariamente difundidos entre os homens até que chegue o tempo de ação. Certamente isto aconteceu e em verdade agora a época e as condições estão maduras para ação. Todos os homens sabem, verdadeiramente, que a guerra destrói as bases humanas, e em todo país do mundo isto é sabido e claro. Acho os Estados Unidos da América uma nação extremamente progressista, o governo justo, o povo num estado de alerta e o princípio de igualdade estabelecido num grau extraordinário. Por isso, minha esperança é que, uma vez que o estandarte da paz internacional deve ser erguido, que seja sobre este continente, pois esta nação é mais merecedora e possui maior capacidade para tal passo inicial do que qualquer outra. Se outras nações tentassem fazer isso, o motivo seria mal compreendido. Se, por exemplo, a Grã-Bretanha fizesse uma declaração de paz internacional, diriam que isto foi feito para garantir a proteção de suas colônias. Se a França erguesse o estandarte, outras nações declarariam haver alguma política diplomática oculta por trás dessa ação; a Rússia seria suspeita de interesses nacionais se seu povo desse o primeiro passo, e o mesmo ocorreria com todos os governos europeus e orientais. Mas os Estados Unidos da América não poderiam ser acusados de qualquer um desses interesses egoístas. Estritamente falando, vosso governo não possui colônia alguma para proteger. Vós não estais empenhados em ampliar vosso domínio, nem tendes necessidade de expansão territorial. Por isso, se a América der o primeiro passo para o estabelecimento da paz mundial, isto certamente será atribuído a magnanimidade e altruísmo. O mundo dirá: "Não há outro motivo senão altruísmo e serviço à humanidade neste ato dos Estados Unidos." Assim, tenho a esperança de que vós possais vos destacar como os primeiros arautos da paz e erguer essa bandeira, pois essa bandeira será erguida. Erguei-a bem alto, pois vós sois a nação mais qualificada e merecedora. As outras nações aguardam esta convocação, esperam este chamado para o estandarte da reconciliação, pois o mundo inteiro está cansado do excessivo peso e dos irreparáveis danos da guerra. Os impostos o sobrecarregam até o esgotamento. Todo ano os encargos aumentam, e o povo está se consumindo. Agora mesmo a Europa está sendo um campo de batalha com munições prontas para serem disparadas, e um disparo inflamará o mundo todo. Antes que essas complicações e eventos cataclísmicos aconteçam, dai um passo para preveni-los.

Os fundamentos de todas as religiões divinas são a paz e a concórdia, mas o desentendimento e falta de conhecimento se expandiram. Se forem eliminados, vereis que todas as ações religiosas trabalharão pela paz e proclamarão a unicidade da espécie humana. Pois a base de todas é a verdade, e a verdade não é múltipla ou divisível. Moisés fundou-a, Jesus ergueu sua tenda, e sua brilhante luz se irradiou em todas as religiões. Bahá'u'lláh proclamou esta realidade única e difundiu a mensagem da Suprema Paz. Mesmo na prisão Ele não descansou até acender esta lâmpada no Oriente. Louvado seja Deus! Todos os que aceitaram Seus ensinamentos são amantes da paz, pacificadores prontos para sacrificar suas vidas e gastar suas posses em prol dela. Ora, que este estandarte seja erguido no Ocidente e muitos respondam a este chamado. A América se tornou renomada pelas suas descobertas, invenções e capacidade artística, famosa pela equidade de seu governo e surpreendentes empreendimentos; que agora ela seja também notada e celebrizada como a anunciadora e arauto da mensagem da paz universal. Que esta seja sua missão e empreendimento, e que seu abençoado ímpeto se difunda por todos os países. Oro por todos vós, para que possais prestar este serviço ao mundo da humanidade.

4
13 DE MAIO DE 1912

Palestra na Recepção da Sociedade Pacifista de Nova Iorque

Hotel Astor, Nova Iorque
Registrada por Esther Foster

Embora eu tenha me sentido indisposto esta tarde, ainda assim eu vim porque dou grande importância a esta assembléia e estava ansioso por ver vossas faces. A expressão dos sentimentos de cordialidade e o espírito de hospitalidade manifestados pelos palestrantes anteriores são muito agradáveis. Sou grato às suscetibilidades de vossos corações, pois isto é uma evidência de que vosso maior desejo é o estabelecimento da paz internacional. Vós sois os amantes da unicidade da humanidade, os buscadores do beneplácito de Deus, os investigadores dos fundamentos das religiões divinas.

Hoje não há maior glória para o homem do que o serviço na causa da Suprema Paz. Paz é luz, ao passo que guerra é escuridão. Paz é vida; guerra é morte. Paz é guia; guerra é erro. Paz é o alicerce de Deus; guerra é uma instituição satânica. Paz é a iluminação do mundo da humanidade; guerra é o destruidor das bases humanas. Quando consideramos os resultados do mundo da existência, vemos que paz e companheirismo são fatores de construção e melhora, enquanto guerra e conflito são causas de destruição e desintegração. Todas as coisas criadas são a expressões da afinidade e coesão das substâncias elementares, e a inexistência é a ausência de sua atração e harmonia. Vários elementos se unem harmoniosamente na composição, mas quando esses elementos se tornam antagônicos, repelindo uns aos outros, o resultado é decomposição e inexistência. Tudo participa desta característica e está sujeito a este princípio, pois em todos os graus e reinos a base criativa é uma expressão ou resultado de amor. Considerai a intranqüilidade e a agitação do mundo humano hoje por causa da guerra. Paz é saúde e construção; guerra é enfermidade e dissolução. Quando a bandeira da verdade é erguida, a paz se torna causa de bem-estar e progresso do mundo humano. Em todas as eras e ciclos, a guerra foi um fator de transtorno e mal-estar, enquanto a paz e a fraternidade conferiram segurança e consideração aos interesses humanos. Esta distinção é especialmente saliente nas condições do mundo de hoje, pois em séculos passados a guerra não havia atingido o grau de selvageria e destruição que a caracteriza agora. No passado, se duas nações estivessem em guerra, dez ou vinte mil homens eram sacrificados, mas neste século, a destruição de cem mil homens num só dia é perfeitamente possível. A ciência da matança foi tão aperfeiçoada e tão eficientes se tornaram os meios e instrumentos de sua execução que toda uma nação pode ser eliminada em pouco tempo. Por isso, não há termo de comparação com os métodos e conseqüências das guerras antigas.

De acordo com uma lei intrínseca, todos os fenômenos da existência atingem um alto ponto e grau de consumação, após o qual uma nova ordem e condição é estabelecida. Como a ciência e os instrumentos de guerra alcançaram um grau de precisão e eficiência, espera-se que a transformação do mundo humano esteja à mão e que nos séculos vindouros todas as energias e invenções do homem sejam utilizadas na promoção dos interesses da paz e fraternidade. Por isso, que esta estimada e digna sociedade seja confirmada e fortalecida por Deus nas suas sinceras intenções de estabelecer a paz universal. Então se apressará o tempo em que a bandeira da concórdia universal será erguida e o bem-estar internacional, proclamado e realizado, de modo que a escuridão que ora envolve o mundo há de passar.

Há sessenta anos, Bahá'u'lláh estava na Pérsia. Há setenta anos, o Báb surgiu lá. Estas duas Almas Abençoadas dedicaram Suas vidas ao estabelecimento da paz e do amor internacionais entre a humanidade. Eles Se esforçaram de coração e alma para estabelecer os ensinamentos pelos quais os povos divergentes poderiam ser reunidos, sem conflito, rancor e ódio. Dirigindo-Se a toda a humanidade, Bahá'u'lláh disse que Adão, o pai da humanidade, pode ser comparado à árvore da vida, da qual vós sois folhas e flores. Uma vez que vossa origem foi uma, deveis agora ser unidos em harmonia; deveis vos associar uns com os outros com alegria e fragrância. Ele denominou o preconceito - seja religioso, racial, patriótico, político - como destruidor da sociedade. Ele disse que o homem deve reconhecer a unicidade da humanidade, pois originalmente todos pertencem ao mesmo lar e são servos do mesmo Deus. Portanto, o gênero humano deve continuar num estado de amizade e amor, emulando as instituições divinas e se afastando das sugestões satânicas, pois as dádivas divinas conduzem à unidade e harmonia, enquanto as tentações satânicas induzem ao ódio e à guerra.

Esta notável Personalidade conseguiu, através desses princípios, estabelecer laços de unidade entre diferentes seitas e povos antagônicos da Pérsia. Os que seguiram Seus ensinamentos, não importa a que denominação ou facção pertencessem, foram ligados pelos laços de amor e até hoje cooperam e convivem em paz e harmonia. São verdadeiros irmãos e irmãs. Não se vê qualquer distinção de classe entre eles, e prevalece completa harmonia. Dia a dia este laço de afinidade se fortalece e sua camaradagem espiritual se desenvolve constantemente. Para assegurar o progresso da humanidade e estabelecer estes princípios, Bahá'u'lláh sofreu todas as provações e dificuldades. O Báb foi martirizado e mais de vinte mil homens e mulheres sacrificaram suas vidas pela sua fé. Bahá'u'lláh foi aprisionado e submetido a severas perseguições. Finalmente, Ele foi exilado da Pérsia para a Mesopotâmia; de Bagdá foi mandado a Constantinopla e Adrianópolis, e de lá para a prisão de 'Akká, na Síria. * Através de todas essas provações, Ele Se empenhou, dia e noite, em proclamar a unicidade da humanidade e promulgar a mensagem da paz universal. Da prisão de 'Akká, Ele Se dirigiu aos reis e governantes do mundo através de longas cartas, convocando-os para a concórdia internacional, afirmando explicitamente que o estandarte da Suprema Paz certamente seria erguido no mundo.

* Hoje 'Akká pertence ao Estado de Israel (n.t.)

Isso veio a acontecer. Os poderes da terra não podem se opor aos privilégios e dádivas que Deus ordenou para este grande e glorioso século. É uma necessidade e exigência do tempo. O homem pode impedir qualquer coisa exceto aquilo que é divinamente intencionado e indicado para a época e suas exigências. Ora - louvado seja Deus! - em todos os países do mundo podem ser encontrados amantes da paz, e estes princípios estão sendo difundidos entre o gênero humano, especialmente neste país. Louvado seja Deus! Este pensamento prevalece e as almas estão constantemente se levantando como defensores da unicidade da humanidade, esforçando-se para ajudar a estabelecer a paz internacional. Não há dúvida de que esta maravilhosa democracia conseguirá realizar isso, e a bandeira da conciliação internacional será desfraldada aqui para se difundir amplamente entre todas as nações do mundo. Dou graças a Deus por vos encontrar imbuídos com tais suscetibilidades e aspirações sublimes, e espero que sejais o instrumento para difundir esta luz entre todos os homens. Assim o Sol da Realidade poderá brilhar sobre o Oriente e o Ocidente. As envolventes nuvens se extinguirão, e o calor dos divinos raios dissipará o nevoeiro. A realidade do homem se desenvolverá e se apresentará como a imagem de Deus, seu Criador. Os pensamentos do homem voarão tão alto que as realizações anteriores parecerão brincadeira de criança, pois as idéias e crenças do passado, e os preconceitos relativos a raça e religião sempre rebaixaram o homem e impediram sua evolução. Tenho muita esperança de que neste século estes pensamentos elevados serão conducentes à prosperidade humana. Que este século seja o sol dos séculos anteriores, cujas fulgências durarão para sempre, de modo que no futuro se glorifique o século vinte, dizendo que o século vinte foi o século de luzes, que o século vinte foi o século de vida, que o século vinte foi o século da paz internacional, que o século vinte foi o século das dádivas divinas, e que o século vinte deixou sinais que jamais se extinguirão.

5
19 DE MAIO DE 1912
Palestra na Igreja da Divina Paternidade
Central Park West, Nova Iorque
Registrada por Esther Foster

Há muitas religiões, mas a realidade da religião é uma só. Os dias são muitos, mas o sol é apenas um. Há muitas fontes, mas a nascente é uma. São muitos os ramos, mas a árvore é a mesma.

O fundamento das religiões divinas é a verdade; não fosse a verdade, não haveria religião alguma. Abraão anunciou a verdade. Moisés promulgou-a. Cristo estabeleceu a verdade. Muhammad foi o Mensageiro da verdade. O Báb foi a porta da verdade. Bahá'u'lláh foi o esplendor da verdade. A verdade é uma só; ela não admite multiplicidade ou divisão. A verdade é como o sol, que alvorece em diferentes pontos do horizonte; é como a luz que brilha em muitas lanternas.

Por isso, se as religiões investigarem a verdade e buscarem a veracidade essencial de seus próprios fundamentos, elas concordarão e não encontrarão diferença alguma. Porém, uma vez que as religiões estão submersas em imitações dogmáticas, abandonando as bases originais, e como as imitações diferem amplamente, as religiões são divergentes e antagônicas. Essas imitações podem ser comparadas a nuvens que obscurecem a luz do sol; mas a verdade é o sol. Se as nuvens se dispersarem, o Sol da Verdade brilhará sobre todos e não existirá qualquer diferença de visão. Então as religiões concordarão, pois fundamentalmente elas são iguais. O sujeito é um, mas os predicados são muitos.

As religiões divinas são como a seqüência das estações do ano. Quando a terra se torna estéril e desolada, e o gelo e o frio extinguem todo traço da primavera, esta surge novamente e reveste tudo de nova vida. As campinas se tornam frescas e verdejantes, as árvores se adornam de verdor e se enchem de frutos. Então o inverno surge novamente e todos os traços da primavera desaparecem. Este é o ciclo contínuo das estações - primavera, inverno e o retorno da primavera. Mas embora o calendário mude e os anos passem, cada primavera é o retorno da primavera que se foi; esta primavera é a renovação da primavera anterior. Primavera é primavera, não importa quando e quantas vezes surja. Os Profetas divinos são como a chegada da primavera, cada um renova e revivifica os ensinamentos do Profeta que O precedeu. Assim como todas as primaveras são essencialmente uma no que se refere à renovação da vida, às chuvas vernais e à beleza, a essência da missão e a realização de todos os Profetas são a mesma. Hoje as pessoas religiosas perderam de vista a realidade essencial da primavera espiritual. Apegaram-se tenazmente às aparências e imitações dos antepassados, e por causa disso há divergência, conflito e polêmica entre elas. Por isso devemos abandonar essas imitações e buscar os fundamentos dos ensinamentos divinos; e como o fundamento é uma só realidade, os divergentes adeptos das religiões devem concordar nisso, de modo que o amor e a unidade sejam estabelecidos entre todas as pessoas e denominações.

Bahá'u'lláh apareceu numa época em que o Oriente estava devastado por dissensões religiosas. Ele fundou ensinamentos que se tornaram meio de unificação de vários povos divergentes. Ele proclamou princípios que removeram a causa de sua dissensão e até hoje, aqueles que na Pérsia estavam em constante luta, estão unidos. Cristãos, muçulmanos, zoroastrianos, judeus - pessoas de qualquer crença e denominação que seguiram os ensinamentos de Bahá'u'lláh - atingiram perfeito companheirismo e harmonia espiritual. Divergências e dissensões antigas foram completamente abandonadas. Eis alguns dos princípios dos ensinamentos de Bahá'u'lláh:

Primeiro, que a unicidade da humanidade deve ser reconhecida e estabelecida. Todos os homens são servos de Deus. Ele criou todos; Ele é o Provedor e o Protetor; Ele é amoroso para com todos. Sendo Ele justo e bondoso, por que deveríamos nós ser injustos uns com os outros? Como Deus nos vivificou, por que deveríamos ser causa de morte? Uma vez que Ele nos confortou, por que nós deveríamos ser causa de ansiedade e sofrimento? Pode a humanidade conceber um plano e uma política melhores que as de Deus? Certamente, por mais capaz que o homem seja em preparar um plano e organizar um objetivo, seu empenho será inadequado se comparado ao plano e o propósito divinos, pois a política de Deus é perfeita. Portanto, devemos seguir a vontade e o plano de Deus. Como Ele é benévolo a todos, nós também devemos ser; e certamente isto será muito aceitável a Deus.

Segundo, que a verdade ou realidade deve ser investigada; pois a verdade é uma, e ao investigá-la todos encontrarão amor e unidade. Aqueles que carecem de conhecimento devem ser educados, os enfermos devem ser restabelecidos, os subdesenvolvidos devem ser conduzidos à maturidade. Devemos rejeitar ou nos opor ao que carece de conhecimento, ao doente e ao imaturo por causa de sua incapacidade? Não é melhor mostrarmos bondade e gentileza, e provermos a solução? Portanto, em hipótese alguma devemos admitir outra atitude senão a de gentileza e humildade.

Terceiro, que a religião está em harmonia com a ciência. Os princípios fundamentais dos Profetas são científicos, mas as feições e imitações que surgiram são opostas à ciência. Se a religião não concordar com a ciência, é superstição e ignorância; pois Deus dotou o homem de razão para que ele possa perceber a realidade. Os fundamentos da religião são racionais. Deus nos criou com inteligência para percebê-las. Se forem opostas à ciência e à razão, como se pode acreditar nelas e segui-las?

Quarto, que a religião deve conduzir ao amor e à unidade entre os homens; pois se for causa de inimizade e contenda, a ausência da religião é preferível. Quando Moisés apareceu, as tribos de Israel estavam num estado de desunião e cativos dos Faraós. Moisés as reuniu e a lei divina estabeleceu a solidariedade entre elas. Tornaram-se um só povo, unidos, consolidados, e então libertados do cativeiro. Eles entraram na terra prometida e progrediram em todos os aspectos, desenvolveram ciências e artes, avançaram nos assuntos materiais, cresceram na civilização divina ou espiritual até sua nação atingir seu zênite no reinado de Salomão. É evidente, portanto, que a religião é causa de unidade, companheirismo e progresso entre a humanidade. A função de um pastor é reunir as ovelhas e não dispersá-las. Depois surgiu Cristo. Ele uniu credos variados e divergentes e povos guerreiros de Seu tempo. Ele reuniu gregos e romanos, reconciliou egípcios e assírios, caldeus e fenícios. Cristo estabeleceu unidade e acordo entre os povos dessas nações hostis e guerreiras. Por isso, novamente se torna evidente que o propósito da religião é paz e concórdia. Do mesmo modo, Muhammad apareceu num tempo em que os povos e tribos da Arábia se encontravam em conflito e em constante guerra. Eles matavam uns aos outros, pilhavam e levavam cativas as esposas e crianças. Muhammad uniu essas tribos ferozes, estabeleceu a base da solidariedade entre elas, de modo que elas desistiram completamente da guerra umas contra as outras e estabeleceram comunidades. O resultado foi que as tribos árabes se livraram do jugo dos persas e do controle romano, estabeleceram uma soberania independente que se ergueu a um elevado grau de civilização, avançaram nas artes e ciências, estenderam o domínio sarraceno até a Espanha e Andaluzia e se tornaram renomadas no mundo todo. Assim fica provado, mais uma vez, que a religião de Deus é para ser causa de progresso e solidariedade, e não de inimizade e desintegração. Se ela se tornar causa de ódio e discórdia, sua ausência é preferível. Seu propósito é unidade, e suas bases são uma.

Quando Bahá'u'lláh apareceu na Pérsia, lutas violentas e ódio separavam as populações e tribos do país. Não havia nada que os juntasse a não ser a guerra; não compartilhavam da mesma comida nem tomavam da mesma água; associação e comunicação eram impossíveis. Bahá'u'lláh inaugurou a unicidade da humanidade entre essas pessoas e ligou seus corações com tais laços de amor que eles se uniram completamente. Ele restabeleceu as bases proféticas, reformou e renovou os princípios deixados pelos Mensageiros de Deus que O precederam. E agora espera-se que por intermédio de Sua vida e ensinamentos o Oriente e o Ocidente se tornem tão unidos que nenhum traço de inimizade, conflito e discórdia permaneça.

6
19 DE MAIO DE 1912
Palestra na Igreja da Fraternidade

Esquina das Avenidas Bergen e Fairview, Jersey City, Nova Jersey

Registrada por Esther Foster

Como aqui é chamado de Igreja da Fraternidade, desejo falar sobre a fraternidade do gênero humano. Há uma fraternidade perfeita subjacente à humanidade, pois todos são servos de um só Deus e pertencem a uma família protegida pela divina providência. Os laços de fraternidade existem na humanidade porque todos são seres inteligentes, criados no reino do desenvolvimento evolutivo. Há uma fraternidade potencial na humanidade porque todos habitam este globo terrestre sob a proteção única do céu. Há uma fraternidade inata no gênero humano, pois todos são membros da mesma sociedade humana sujeita à necessidade de acordo e cooperação. Há uma intenção de fraternidade na humanidade porque todos são ondas do mesmo mar, folhas e frutos de uma só árvore. Esta é a fraternidade física que assegura felicidade material no mundo humano. Quanto mais forte se tornar, mais a humanidade avançará e maior se tornará o círculo da materialidade.

A verdadeira fraternidade é espiritual, pois a fraternidade física está sujeita à separação. As guerras do mundo externo da existência separam a humanidade, mas no mundo eterno da fraternidade espiritual não há separação. A associação material ou física se baseia em interesses terrenos, mas o companheirismo divino deve sua existência aos sopros do Espírito Santo. A fraternidade espiritual é como a luz, enquanto as almas humanas são como lanternas. Há aqui muitas lâmpadas incandescentes, no entanto a luz é uma.

Bahá'u'lláh apareceu numa época em que no Oriente não existia nem a fraternidade física. Inicialmente Ele apresentou os princípios da fraternidade física e depois estabeleceu a fraternidade espiritual. Ele insuflou tal espírito nos países do Oriente que vários povos e tribos guerreiras se tornaram unidas. Suas dádivas e suscetibilidades se tornaram uma, seus objetivos, um só objetivo, seus desejos, um só desejo, a tal ponto que se sacrificavam uns pelos outros, renunciando nome, possessões e conforto. Sua camaradagem se tornou indissolúvel. Este é o companheirismo espiritual e eterno, esta é a fraternidade divina e celestial que desafia a desintegração. A civilização material avança através da associação física da humanidade. O progresso que observais no mundo exterior baseia-se principalmente na fraternidade de interesses materiais. Se não fosse por essa associação física e mental, a civilização não teria progredido. Ora - Deus seja louvado! - a indissolúvel associação espiritual está evidente; por isso certamente a civilização espiritual já foi fundada e o mundo progredirá e avançará espiritualmente. Neste século radiante, o conhecimento divino, os atributos misericordiosos e as virtudes espirituais atingirão o mais elevado grau de progresso. Os sinais se tornaram manifestos na Pérsia. As almas evoluíram tanto que deram suas vidas e possessões umas pelas outras. Sua percepção espiritual se desenvolveu; sua inteligência despertou; suas almas estão alertas. Manifestou-se o máximo amor. Por isso, tenho a esperança de que a fraternidade espiritual unirá Oriente e Ocidente, e a guerra será completamente abolida do seio da humanidade. Que una os indivíduos e membros da família humana, e seja causa de progresso dos espíritos, de iluminação dos corações, e permita que as dádivas divinas nos envolvam de todos os lados. Que as suscetibilidades espirituais comovam os corações com a mensagem de boas-novas. Que a fraternidade espiritual traga nova vida e regeneração, pois seu despertar criativo emana dos sopros do Espírito Santo e é apoiado pelo poder de Deus. Certamente, aquilo que se fundamenta no poder divino do Espírito Santo é de potência permanente e efeito duradouro.

A fraternidade material não evita nem elimina o conflito; não faz desaparecer as divergências entre a humanidade. Porém, a aliança espiritual destrói a própria base do conflito, extingue inteiramente as divergências, proclama a unicidade da humanidade, revivifica o gênero humano, faz os corações se volverem para o Reino de Deus e batiza a alma com o Espírito Santo. Por intermédio dessa fraternidade divina, o mundo material resplandecerá com as luzes da Divindade, o espelho da materialidade obterá sua luz do céu e a justiça se estabelecerá no mundo de modo que não se verá qualquer traço de escuridão, ódio e inimizade. A humanidade permanecerá dentro dos limites da segurança, a condição de Profeta de todos os Mensageiros de Deus será estabelecida, Sião saltará e dançará, Jerusalém se regozijará, a chama mosaica será acesa, a luz messiânica resplandecerá, o mundo se tornará outro mundo e a humanidade revestir-se-á de novo poder. Esta é a maior dádiva divina; este é o esplendor do Reino de Deus; este é o dia da iluminação; este é o século misericordioso. Devemos apreciar estas coisas e nos esforçar de modo que o desejo mais ardente dos Profetas possa ser realizado e todas as boas-novas, cumpridas. Confiai nos favores do Senhor. Não considerai vossas próprias capacidades, pois as dádivas divinas podem transformar uma gota num oceano; podem fazer de uma pequena semente uma sublime árvore. Verdadeiramente, as dádivas divinas são como o mar, e nós somos peixes desse mar. Os peixes não devem olhar para si próprios; devem contemplar o oceano, que é vasto e maravilhoso. As provisões para o sustento de todos se encontra nesse oceano; por isso, as graças divinas abrangem a todos, e o amor eterno brilha sobre todos.

A pergunta está feita: Será que o progresso espiritual do mundo se equiparará e acompanhará os passos do progresso material e se manterá assim no futuro? Num organismo vivo, a plena medida de seu desenvolvimento não é conhecida ou percebida desde seu início ou nascimento. Desenvolvimento e progresso implicam em estágios e graus sucessivos. O avanço espiritual, por exemplo, é como a primeira luz do alvorecer. Embora este alvor seja débil e fraco, um sábio que vislumbra o nascer do sol desde seu início pode antever a ascendência do sol em sua plena glória e fulgor. Ele sabe, com certeza, que é o início de sua manifestação e que mais tarde adquirirá grande poder e força. Ou, por exemplo, se ele observa o germinar de uma semente, ele sabe que finalmente se tornará uma árvore. Agora é o início da manifestação do poder espiritual, e inevitavelmente a potência de suas forças vitais assumirá proporções cada vez maiores. Por isso, este século vinte é a alvorada ou o início da iluminação espiritual, e é evidente que dia a dia ela avançará. Alcançará tal posição que os esplendores espirituais ultrapassarão os físicos, as suscetibilidades divinas superarão a inteligência material e a luz celestial dissipará e banirá as trevas terrenas. O remédio divino purificará os enfermos, e as nuvens da mercê derramarão suas chuvas. O Sol da Realidade resplandecerá e toda a terra se forrará com seu belo tapete verde. Um dos resultados da manifestação das forças espirituais é que o mundo humano tomará uma nova configuração social, a justiça de Deus se manifestará em todos os afazeres humanos e a igualdade humana será universalmente estabelecida. Os pobres receberão uma grande dádiva, e os ricos alcançarão felicidade eterna. Pois embora atualmente os ricos desfrutem do maior luxo e conforto, são, no entanto, privados da felicidade eterna; porque a felicidade eterna depende de dar, e os pobres, em todos os lugares, estão em condições de extrema necessidade. Através da manifestação da grande justiça de Deus, os pobres do mundo serão inteiramente recompensados e ajudados, e haverá um reajuste nas condições econômicas da humanidade, de modo que no futuro não mais haverá os extremamente ricos, nem os miseravelmente pobres. Os ricos, assim como os pobres, gozarão dos privilégios desta nova condição econômica, pois devido a certas provisões e restrições não poderão acumular tanto de modo a serem sobrecarregados pela sua administração, enquanto os pobres serão libertados do peso da necessidade e da miséria. O rico desfrutará de seu palácio, e o pobre terá sua confortável habitação.

A essência da questão é que a justiça divina se tornará manifesta nas condições e nos afazeres humanos, e toda a humanidade encontrará conforto e prazer na vida. Isto não significa que todos serão iguais, pois diferença de grau e de capacidade é uma propriedade da natureza. Necessariamente haverá pessoas ricas e também aqueles que terão carência de meios de subsistência, mas no conjunto da comunidade haverá equilíbrio e reajustamento de valores e interesses. No futuro não haverá nem os muito ricos, nem os extremamente pobres. Haverá um equilíbrio de interesses, e será estabelecida uma situação em que tanto os pobres como os ricos estarão em estado de conforto e contentamento. Esta será uma conquista eterna e abençoada do glorioso século vinte que será percebida universalmente. Isto significa que as boas-novas de grande júbilo, reveladas nas promessas dos Livros Sagrados, será cumprida. Aguardai este cumprimento.

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20 DE MAIO DE 1912
Palestra na Reunião do Sufrágio Feminino
Templo Metropolitano

Esquina da Sétima Avenida com Rua Catorze, Nova Iorque

Registrada por Esther Foster

Hoje a humanidade enfrenta questões de máxima importância, questões específicas deste século radiante. Nos séculos passados, nem sequer menção delas havia. Uma vez que este é o século da iluminação, o século da humanidade, o século das dádivas divinas, estas questões estão sendo apresentadas para a expressão da opinião pública, e em todos os países está havendo discussões em busca de soluções.

Uma dessas questões diz respeito aos direitos da mulher e sua igualdade com o homem. Nas épocas passadas, estava estabelecido que a mulher e o homem não eram iguais - ou seja, a mulher era considerada inferior ao homem até mesmo quanto à sua anatomia e criação. Ela era considerada especialmente inferior em inteligência, e prevalecia universalmente a idéia de que era inadmissível que ela se aventurasse no campo das atividades importantes. Em alguns países os homens chegaram a acreditar e ensinar que a mulher pertencia a uma categoria inferior à humana. Mas neste século, que é o século da luz e da revelação de mistérios, Deus está comprovando, para a satisfação da humanidade, que tudo isso é ignorância e equívoco; mais ainda, está perfeitamente estabelecido que o sexo masculino e o sexo feminino, como partes integrantes da humanidade, pertencem à mesma categoria e não é admissível qualquer diferença de grau entre eles, pois ambos são humanos. As condições do passado eram devidas à falta de oportunidade para a mulher. Ela não tinha o direito e o privilégio da educação e permanecia em seu estado subdesenvolvido. Naturalmente, ela não podia e não se desenvolveu. Na realidade, Deus criou todo o gênero humano e, aos Seus olhos, não há distinção entre o homem e a mulher. Aquele cujo coração é puro é aceitável perante Deus, seja homem ou mulher. Deus não questiona: "Tu és homem ou mulher?" Ele julga os atos humanos. Se forem aceitáveis no limiar do Glorioso, tanto homem como mulher serão igualmente reconhecidos e recompensados.

Além disso, a educação da mulher é mais necessária e importante que a do homem, pois a mulher é a instrutora da criança desde a infância. Se ela mesma for deficiente e imperfeita, a criança necessariamente se tornará deficiente; por isso, a imperfeição da mulher implica uma condição de imperfeição para toda a humanidade, pois ela é a mãe que cria, nutre e orienta o crescimento da criança. Esta não é a função do pai. Se a educadora for incompetente, o educando será igualmente carente. Isto é evidente e incontestável. Pode o estudante ser brilhante e consumado se o professor for iletrado e ignorante? As mães são as primeiras educadoras da humanidade; se elas forem imperfeitas, a condição e o futuro da raça será lamentável.

A história demonstra também que sempre que as mulheres não participaram nos assuntos humanos, os resultados nunca atingiram uma condição de completude e perfeição. Por outro lado, todo empreendimento de vulto do mundo humano em que houve participação de mulheres, tornou-se importante. Isto é historicamente verdadeiro e acima de refutação até mesmo na religião. Jesus Cristo tinha doze discípulos e, entre Seus seguidores, uma mulher conhecida como Maria Madalena. Judas Iscariotes tornou-se traidor e hipócrita, e após a crucificação os onze discípulos restantes ficaram hesitantes e indecisos. Dos Evangelhos, fica evidente que a pessoa que os confortou e restabeleceu sua fé foi Maria Madalena.

O mundo da humanidade consiste de duas partes: homem e mulher. Cada um é o complemento do outro. Por isso, se um for deficiente, o outro será necessariamente incompleto, e a perfeição não pode ser atingida. Há, no corpo humano, um lado direito e um esquerdo, funcionalmente iguais em utilidade e aplicação. Se qualquer um for deficiente, essa deficiência se estenderá naturalmente ao outro, afetando a completude do todo; pois essa completude não será normal a menos que ambos sejam perfeitos. Se dissermos que uma mão é deficiente, estaremos indicando a inabilidade e incapacidade da outra; pois numa pessoa que possui uma mão só a capacidade é incompleta. Assim como a completude física existe com as duas mãos, o homem e a mulher, como partes do corpo social, devem ser perfeitos. Não é natural que qualquer um dos dois permaneça sem desenvolvimento; e sem que ambos se aperfeiçoem, o mundo da humanidade não atingirá a felicidade.

A mais significativa questão atual é a paz e o arbitramento internacional, e a paz universal é impossível sem o sufrágio universal. As crianças são educadas pelas mulheres. A mãe é que suporta o sofrimento e as ansiedades da criação do filho, passa pelas provações de seu nascimento e desenvolvimento. Por isso, é mais difícil à mãe mandar para o campo de batalha aqueles a quem ela dispensou tanto amor e cuidado. Considerai um filho criado e treinado durante vinte anos por uma mãe dedicada. Quantas noites insones e sem descanso, quantos dias de ansiedade ela passou! Como é agonizante para ela sacrificá-lo no campo de batalha depois de tê-lo feito chegar, através de dificuldades e perigos, até a idade da maturidade! Por isso, as mães não sancionarão a guerra, nem ficarão satisfeitas com ela. Assim, quando as mulheres participarem completa e igualmente nos assuntos do mundo, quando entrarem com confiança e capacidade na grande arena das leis e da política, a guerra há de cessar; pois as mulheres serão obstáculos e impedimentos para ela. Esta é uma verdade indubitável.

Já se argumentou que a mulher não é igual ao homem em capacidade e que é deficiente por criação. Isto é pura imaginação. A diferença da capacidade entre o homem e a mulher é completamente devida à oportunidade e à educação. Até agora à mulher foi negado igual direito e o privilégio de desenvolvimento. Se lhe for concedida igual oportunidade, não há dúvida que ela se igualará ao homem. A história evidencia isto. No passado, mulheres destacadas se levantaram a serviço de nações e ultrapassaram os homens em suas realizações. Entre essas, houve Zenóbia, a rainha do Oriente, cuja capital era Palmira. Mesmo hoje, as ruínas dessa cidade atestam sua grandeza, habilidade e soberania; pois lá o viajante encontrará ruínas de palácios e fortificações de extrema solidez e durabilidade, construídas por essa notável mulher no terceiro século depois de Cristo. Ela era esposa do governador-geral de Atenas. Depois da morte de seu marido, ela assumiu o comando do governo em seu lugar e governou sua província com a maior eficiência. Posteriormente ela conquistou a Síria, subjugou o Egito e fundou um reino maravilhoso com sagacidade política e eficácia. O Império Romano enviou um grande exército contra ela. Quando este exército cheio de esplendor marcial chegou à Síria, a própria Zenóbia surgiu no campo liderando suas forças. No dia da batalha ela se vestiu em trajes reais, colocou uma coroa na sua cabeça e cavalgou, com espada na mão, enfrentando as legiões inimigas. Com sua coragem e estratégia militar, o exército romano foi debandado e tão completamente disperso que não foi mais capaz de se organizar em retirada. O governo de Roma pôs-se a consultar, dizendo: "Não importa qual comandante nós enviemos, não podemos derrotá-la; por isso, o próprio imperador Aureliano deve liderar as legiões de Roma contra Zenóbia." Aureliano marchou para Síria com duzentos mil soldados. O exército de Zenóbia era imensamente inferior em número. Os romanos sitiaram-na em Palmira por dois anos, sem sucesso. Finalmente, Aureliano conseguiu cortar o suprimento de provisões para a cidade, de modo que ela, junto com seu povo, foi forçada a se render devido à fome. Ela não foi vencida em batalha. Aureliano a levou cativa a Roma. No dia de sua entrada na cidade, ele organizou uma parada triunfal - primeiro elefantes, depois leões, tigres, pássaros, macacos - e depois dos macacos, Zenóbia. Colocaram uma coroa sobre sua cabeça e uma corrente de ouro em seu pescoço. Com dignidade real e inconsciente da humilhação, olhando para a direita e a esquerda, ela disse: "Em verdade, eu me glorifico por ser mulher e por ter enfrentado o Império Romano." (Naquela época, o domínio de Roma cobria a metade do mundo conhecido.) "E esta corrente em torno de meu pescoço é um sinal não de humilhação mas de glorificação. Este é um símbolo de meu poder, não de minha derrota."

Outra das mulheres históricas foi Catarina I, esposa de Pedro, o Grande. Rússia e Turquia estavam em guerra. Muhammad Páshá, o comandante das forças turcas, havia derrotado Pedro e estava prestes a tomar São Petersburgo. Os russos estavam na situação mais crítica. Catarina, a esposa de Pedro, disse: "Eu cuidarei disso." Ela teve uma entrevista com Muhammad Páshá, negociou um tratado de paz e o induziu a regressar. Ela salvou seu marido e sua nação. Esta foi uma grande realização. Posteriormente ela foi coroada imperatriz da Rússia e governou com sabedoria até sua morte.

O descobrimento da América por Colombo foi durante o reinado de Isabel da Espanha, a cuja inteligência e auxílio é, em grande parte, devido este maravilhoso acontecimento. Em suma, muitas mulheres notáveis surgiram na história do mundo, mas não há mais necessidade de mencioná-las.

Hoje, entre os Bahá'ís da Pérsia, há muitas mulheres que são o verdadeiro orgulho e inveja dos homens. Elas estão imbuídas de todas as virtudes e excelências da humanidade. São eloqüentes; são poetizas e eruditas, e são a personificação da quintessência da humildade. Em matéria de habilidade política e perspicácia elas foram capazes de rivalizar e competir com homens representativos. Elas consagraram suas vidas e deram suas possessões como sacrifício pela humanidade, e os sinais de sua glória durarão para sempre. As páginas da história da Pérsia estão iluminadas pelas vidas e memórias dessas mulheres.

Em resumo, o propósito é este: se a mulher for perfeitamente educada e lhe forem concedidos seus direitos, ela terá a capacidade para realizações maravilhosas e provará ser igual ao homem. Ela é parceira do homem, seu complemento e sua colaboradora. Ambos são humanos; ambos são dotados de potencialidades e inteligência, e incorporam as virtudes da humanidade. Em todas as capacidades e funções humanas, eles são parceiros e estão na mesma condição. Atualmente, nas esferas da atividade humana, a mulher não manifesta suas prerrogativas inatas, devido à carência de educação e oportunidade. A educação indubitavelmente estabelecerá sua igualdade com o homem. Considerai o reino animal em que não se vê distinção alguma entre o macho e a fêmea. Eles são iguais em capacidades e privilégios. Entre os pássaros não se evidencia distinção alguma. Seus poderes são iguais; vivem juntos em completa unidade e reconhecimento mútuo de direitos. Não deveríamos desfrutar da mesma igualdade? Sua ausência não convém ao gênero humano.

VII
PALESTRAS PROFERIDAS
POR 'Abdu'l-Bahá EM
CAMBRIDGE E BOSTON
1
23 DE MAIO DE 1912

Palestra na Residência do Sr. e Sra. Francis W. Breed

Rua Harvard, 367, Cambridge, Massachusetts
De Notas Estenográficas

O conhecimento científico é a maior realização do plano humano, pois a ciência é a descobridora de realidades. Ela é de duas espécies: a material e a espiritual. A ciência material é a investigação dos fenômenos da natureza; a ciência divina é o descobrimento e a percepção de verdades espirituais. O mundo da humanidade deve adquirir ambas. Um pássaro tem duas asas; ele não pode voar com apenas uma. A ciência material e a espiritual são as duas asas da elevação e realização do homem. Ambas são necessárias - uma é a natural, a outra a supernatural; uma é material, a outra, divina. Por divina queremos dizer a descoberta dos mistérios de Deus, a compreensão das realidades espirituais, a sabedoria de Deus, os significados interiores das religiões celestiais e os fundamentos da lei.

Hoje é 23 de maio, o aniversário da mensagem e da Declaração do Báb. É um dia abençoado e a aurora da manifestação, pois o aparecimento do Báb foi a primeira luz do verdadeiro amanhecer, enquanto a manifestação da Abençoada Beleza, Bahá'u'lláh, foi o resplendor do sol. Por isso ele é um dia abençoado, o princípio da graça celestial, o início do esplendor divino. Neste dia, em 1844, o Báb foi enviado para anunciar e proclamar o Reino de Deus, trazer as boas-novas da vinda de Bahá'u'lláh e enfrentar a oposição de toda a nação persa. Alguns dos persas O seguiram. Por isso eles sofreram as mais penosas dificuldades e severas provações. Eles resistiram a testes com a mais maravilhosa força e sublime heroísmo. Milhares foram aprisionados, punidos, perseguidos e martirizados. Suas casas foram pilhadas e destruídas, suas possessões, confiscadas. De bom grado, eles sacrificaram suas vidas e permaneceram firmes em sua fé até o fim. Aquelas almas maravilhosas são as lâmpadas de Deus, as estrelas da santidade cintilando gloriosamente do horizonte eterno da vontade de Deus.

O Báb foi submetido a penosa perseguição em Shíráz, onde primeiro proclamou Sua missão e mensagem. Um período de escassez afligiu a região e o Báb viajou para Isfáhán. Lá os eruditos se levantaram contra Ele com grande hostilidade. Ele foi preso e enviado a Tabríz. De lá foi transferido para Máh-Kú e finalmente encarcerado na fortaleza de Chihríq. Posteriormente Ele foi martirizado em Tabríz.

Este é meramente um esboço da história do Báb. Ele resistiu a todas as perseguições e suportou todo sofrimento e privação com fortaleza inabalável. Quanto mais Seus inimigos se esforçavam para extinguir aquela chama, mais brilhante ela se tornava. Dia após dia Sua Causa se difundia e se tornava mais forte. Enquanto Se encontrava entre as pessoas, constantemente anunciava a vinda de Bahá'u'lláh. Em todos os Seus Livros e Epístolas, Ele mencionava Bahá'u'lláh e anunciava as boas-novas de Sua manifestação, profetizando que Ele Se revelaria em nove anos. Disse que no ano nove "atingireis toda felicidade"; no ano nove "sereis abençoados com o encontro daquele Prometido de que vos falei". Ele mencionou a Abençoada Perfeição, Bahá'u'lláh, pelo título de "Aquele que Deus tornará manifesto". Em suma, aquela Alma abençoada ofereceu Sua própria vida no caminho de Bahá'u'lláh, tal como se encontra nos relatos e registros históricos. Em Seu primeiro Livro, a Melhor das Histórias, Ele diz: "Ó Remanescente de Deus! Eu me sacrifico inteiramente a Ti; estou contente com as maldições sofridas em Teu caminho; nada almejo senão ser morto no caminho de Teu amor; e Deus, o Supremo, é suficiente como proteção eterna."

Considerai como o Báb suportou dificuldades e tribulações; como Ele deu Sua vida na Causa de Deus; como estava atraído ao amor da Abençoada Beleza, Bahá'u'lláh; e como Ele anunciou as boas-novas de Sua manifestação. Devemos seguir seu exemplo celestial; devemos ser abnegados e acesos com o fogo do amor de Deus. Devemos participar da bondade e graça do Senhor, pois o Báb nos admoestou a nos levantarmos no serviço da Causa de Deus, sermos absolutamente desprendidos de todas as coisas menos de Deus no dia da Abençoada Perfeição, Bahá'u'lláh, sermos completamente atraídos pelo amor de Bahá'u'lláh, amarmos a humanidade por Sua causa, sermos tolerantes e misericordiosos a todos por Ele e construirmos a unicidade do mundo humano. Por isso, este dia, 23 de maio, é o aniversário de um evento abençoado.

2
24 DE MAIO DE 1912

Palestra na Associação Religiosa Livre, ou Conferência Unitária

Boston, Massachusetts
De Notas Estenográficas

A criação é a expressão de movimento. Movimento é vida. Um objeto em movimento é um objeto vivo, ao passo que um imóvel e inerte é como morto. Todas as coisas criadas são progressivas em seus planos ou reinos de existência, e estimulados pelo poder do espírito de vida. A energia universal é dinâmica. Nada é estacionário no mundo material dos fenômenos exteriores ou no mundo interior do intelecto e da consciência.

A religião é a expressão exterior da realidade divina. Por isso deve ser viva, vitalizada, dinâmica e progressiva. Sem movimento e progresso, ela carece de vida divina; ela está morta. As instituições divinas estão em constante atividade e progresso; por isso, sua revelação deve ser contínua e progressiva. Todas as coisas estão sujeitas a reforma. Este é um século de vida e de renovação. As ciências e artes, a indústria e as invenções foram reformadas. A lei e a ética foram reconstituídas e reorganizadas. O mundo do pensamento regenerou-se. As ciências e filosofias de épocas passadas não servem mais para hoje. As necessidades atuais exigem novos métodos e soluções; os problemas do mundo não têm precedentes. Velhas idéias e antigos modos de pensar rapidamente se tornam obsoletos. Leis antigas e sistemas éticos arcaicos não satisfazem os requisitos e as condições modernas, pois este é claramente o século de uma nova vida, o século da revelação da realidade e, por isso, o maior de todos os séculos. Considerai como o desenvolvimento científico de cinqüenta anos superou e eclipsou o conhecimento e as realizações de todas as eras passadas juntas. Poderiam os enunciados e as teorias dos antigos astrônomos explicar nossos conhecimentos atuais sobre o sol e o sistema planetário? Poderia o véu da obscuridade que nublou os séculos medievais satisfazer as exigências da clareza de visão e compreensão que caracteriza o mundo de hoje? Poderá o despotismo dos antigos governos responder ao brado de liberdade que se ergueu do coração da humanidade neste ciclo de iluminação? É evidente que hoje nenhum resultado vital pode surgir dos costumes, instituições e pontos de vista do passado. Em vista disso, deveriam as antigas formas de cegas imitações e interpretações teológicas continuar a guiar e controlar a vida religiosa e o desenvolvimento espiritual da humanidade de hoje? Deveria o homem, dotado que é do poder da razão, seguir e aderir irrefletidamente aos dogmas, credos e crenças hereditárias que são inconsistentes à análise da razão neste século de refulgente realidade? Isto, inquestionavelmente, não satisfará aos homens de ciência, pois quando eles encontram premissas ou conclusões contrárias aos atuais padrões de comprovação e destituídas de bases reais, eles rejeitam aquilo que foi anteriormente aceito como padrão e verdadeiro, e seguem adiante a partir de novas bases.

Os Profetas divinos revelaram e fundaram religiões. Eles formularam certas leis e princípios celestiais para guiar a humanidade. Ensinaram e promulgaram o conhecimento de Deus, estabeleceram ideais éticos louváveis e inculcaram os mais altos padrões de virtudes no mundo humano. Esses ensinamentos celestiais e alicerces da realidade foram gradualmente sendo nublados pelas interpretações humanas e imitações dogmáticas de crenças ancestrais. As realidades essenciais que os Profetas tão arduamente trabalharam para estabelecer nos corações e mentes dos homens enquanto sofriam provações e severas torturas da perseguição, haviam agora quase desaparecido. Alguns desses Mensageiros celestiais foram mortos, alguns aprisionados, todos Eles desprezados e rejeitados por proclamarem a realidade da Divindade. Logo depois de Sua partida deste mundo, a verdade essencial de Seus ensinamentos se perdia de vista e se aderiam imitações dogmáticas.

Uma vez que as interpretações humanas e cegas imitações divergem amplamente, conflito e discórdia religiosa começavam a surgir entre a humanidade, a luz da verdadeira religião se extinguia e a unidade do mundo humano era destruída. Os Profetas de Deus proclamaram o espírito de unidade e acordo. Eles foram os Fundadores da realidade divina. Por isso, se as nações do mundo evitarem a imitação e investigarem a realidade subjacente à Palavra revelada de Deus, hão de se harmonizar e se reconciliar. Pois a realidade é uma e não múltipla.

As nações e religiões imergem em cegas e fanáticas imitações. Um homem é judeu porque seu pai foi judeu. O muçulmano segue implicitamente as crenças e observâncias de seus ancestrais. O budista é fiel à sua herança budista. Isto quer dizer que eles professam crença religiosa cegamente, sem investigação, tornando a unidade e a harmonia impossíveis. É evidente, portanto, que esta condição não terá solução sem uma reforma no mundo da religião. Em outras palavras, a realidade fundamental das religiões divinas deve ser renovada, reformada, novamente anunciada à humanidade.

Da semente da realidade, a religião se desenvolveu numa árvore que deu ramos e folhas, flores e frutos. Depois de algum tempo essa árvore entrou numa condição de decadência. As folhas e as flores murcharam e pereceram; a árvore definhou e se tornou estéril. Não é justo que o homem se apegue à velha árvore, alegando que suas forças vitais estão inalteradas, seus frutos, inigualáveis, sua existência, eterna. A semente da realidade deve ser novamente semeada nos corações humanos para que daí possa surgir uma nova árvore e novos frutos divinos refresquem o mundo. Por seu intermédio as nações e povos agora em divergência religiosa serão unidos, as imitações serão deixadas de lado e a verdadeira fraternidade universal será estabelecida. Conflito e contenda cessarão entre a humanidade; todos serão reconciliados como servos de Deus, pois todos se abrigam sob a árvore de Sua providência e mercê. Deus é bondoso para com todos; Ele concede Sua graça a todos igualmente, tal como Jesus Cristo declarou que Deus faz "cair a chuva sobre justos e injustos" (Mateus 5:45) - ou seja, a misericórdia de Deus é universal. Toda a humanidade se encontra sob a proteção de Seu amor e favor, e a todos Ele mostrou o caminho da orientação e do progresso. O progresso é de dois tipos: o material e o espiritual. O primeiro é alcançado através da observação do mundo exterior e constitui a base da civilização. O progresso espiritual é concedido pelos sopros do Espírito Santo e é o despertar da alma consciente do homem para perceber a realidade divina. O progresso material garante a felicidade no mundo humano. O progresso espiritual garante a felicidade e a eternidade da alma. Os Profetas de Deus inauguraram as leis da civilização divina. Eles foram a raiz e a primeira fonte de todo conhecimento. Estabeleceram os princípios da fraternidade, da irmandade humana, que é de vários tipos - tais como a fraternidade familiar, de raça, de nação e de motivos éticos. Essas formas de fraternidade, esses laços de irmandade, são meramente temporais e transitórios. Não asseguram harmonia e geralmente são causa de desavença. Não impedem conflito e contenda; são, ao contrário, egoístas, restritas e muitas vezes causa de inimizade e ódio entre o gênero humano. A fraternidade espiritual, que se acende e é estabelecida pelos sopros do Espírito Santo, une as nações e remove as causas do conflito e da discórdia. Transforma a humanidade numa grande família e estabelece as fundações da unicidade da humanidade. Promulga o espírito da concórdia internacional e assegura a paz universal. Por isso, devemos investigar os fundamentos desta fraternidade celestial. Devemos nos afastar de todas as imitações e promover a realidade dos ensinamentos divinos. De acordo com esses princípios e ações, e pela assistência do Espírito Santo, tanto a felicidade material como a espiritual serão alcançadas. Enquanto todas as nações e povos não se unirem nesta fraternidade verdadeira pelos laços do Espírito Santo, enquanto os preconceitos nacionais e internacionais não forem eliminados da realidade desta fraternidade espiritual, o homem não atingirá o verdadeiro progresso, prosperidade e felicidade duradoura. Este é o século de uma nacionalidade nova e universal. As ciências avançaram; a indústria progrediu; a política foi reformada; a liberdade, proclamada; a justiça está despertando. Este é o século de movimento, de estímulo divino e de realizações, o século da solidariedade humana e serviço altruístico, o século da paz universal e da realidade do Reino divino.

3
25 DE MAIO DE 1912
Huntington Chambers
Boston, Massachusetts
De Notas Estenográficas

Estou partindo de vossa cidade, mas deixo meu coração convosco. Meu espírito ficará aqui; não me esquecerei de vós. Do Reino de Bahá'u'lláh peço confirmação para vós. Oro para que possais avançar constantemente nas suscetibilidades espirituais, que dia a dia possais aumentar vossa radiância e vos aproximar mais de Deus até vos tornardes instrumentos de iluminação do mundo humano. Que essas confirmações do Reino de Deus vos envolvam. Esta é minha esperança, e minha súplica.

Para os historiadores, este século radiante é equivalente a cem séculos do passado. Se o compararmos com a totalidade das realizações anteriores do homem, veremos que as descobertas, o progresso científico e a civilização material deste século atual igualaram e até mesmo ultrapassaram em muito o progresso e as realizações de cem séculos anteriores. A produção de livros e as compilações de literatura dão testemunho suficiente de que o produto da mente humana neste século foi maior e mais iluminador do que o conjunto de todos os séculos anteriores. É evidente, portanto, que este século é de importância suprema. Refleti sobre os milagres das realizações que já o caracterizaram: as descobertas em todos os campos de pesquisa humana. Invenções, conhecimento científico, reformas e regulamentações éticas estabelecidas para o bem-estar da humanidade, mistérios da natureza explorados, forças invisíveis tornadas visíveis e dominadas - um mundo realmente prodigioso, de novos fenômenos e condições até então desconhecidos ao homem, agora aberto à sua utilização e maiores investigações. O Oriente e o Ocidente podem se comunicar instantaneamente. Um ser humano pode voar nos ares ou se aventurar pelas profundezas submarinas. A energia do vapor interligou os continentes. Trens cruzam os desertos e eliminam a barreira das montanhas; navios abrem caminhos seguros nos oceanos inacessíveis. Dia a dia aumentam as descobertas. Que século maravilhoso é esse! É uma época de reforma universal. Leis e estatutos de governos federais e civis estão em processo de mudança e transformação. As ciências e artes estão sendo renovadas. O pensamento sofre metamorfose. As bases da sociedade estão sendo mudadas e fortalecidas. Hoje as ciências do passado são inúteis. O sistema astronômico de Ptolomeu e inúmeros outros sistemas e teorias de explanação científica e filosófica são descartados e reputados como falsos e inúteis. Princípios e precedentes éticos não podem ser aplicados às necessidades do mundo moderno. Pensamentos e teorias de épocas passadas agora são estéreis. Tronos e governos estão cambaleando e caindo. Todas as condições e requisitos do passado, impróprios e inadequados para a época atual, estão sofrendo transformação radical. É evidente, portanto, que ensinamentos religiosos falsos e espúrios, e formas de crenças antiquadas e imitações ancestrais que divergem dos fundamentos da realidade divina também devem ser deixados de lado e reformados. Eles devem ser abandonados e novas condições devem ser reconhecidas. A moralidade humana deve passar por mudanças. Devem-se adotar novos remédios e soluções para os problemas humanos. Os próprios intelectos humanos devem mudar e se sujeitar à reforma universal. Assim como os pensamentos e hipóteses das eras passadas são inúteis hoje, dogmas e códigos inventados pelo homem são igualmente obsoletos e contraproducentes na religião. Na verdade são causa de inimizade e conduzem o mundo humano à contenda; guerra e carnificina são seus produtos, e a unicidade da humanidade não encontra abrigo nas suas observâncias. Portanto, é nosso dever, neste século radiante, investigar os aspectos essenciais da religião divina, buscar as verdades subjacentes à unicidade do mundo humano e descobrir a fonte de camaradagem e concórdia que unirá a humanidade nos laços celestiais de amor. Esta unidade é a luz da eternidade, a divina espiritualidade, o esplendor de Deus e a graça do Reino. Devemos investigar a fonte divina dessas dádivas celestiais e aderir a elas com toda firmeza. Pois se permanecermos presos e limitados pelos dogmas inventados pelo homem, dia a dia o mundo humano se degradará, dia a dia o conflito e a contenda crescerão e as forças satânicas convergirão para a destruição da raça humana.

Se amor e acordo se manifestarem numa única família, aquela família avançará, e se tornará iluminada e espiritual; mas se inimizade e ódio existirem em seu seio, a destruição e a dispersão são inevitáveis. Isto é verdadeiro também para uma cidade. Se os seus habitantes manifestarem um espírito de harmonia e fraternidade, ela progredirá constantemente e as condições humanas se tornarão mais radiantes, ao passo que através de inimizade e contenda ela degradará e seus habitantes se dispersarão. Do mesmo modo, o povo de uma nação se desenvolve e avança em direção à civilização e iluminação através de amor e concórdia, e se desintegra pela guerra e conflito. Finalmente, isto vale para a própria humanidade como um todo. Quando o amor for efetivo e os laços espirituais perfeitos unirem os corações humanos, toda a raça humana se elevará, o mundo continuamente crescerá em espiritualidade e radiância, e a felicidade e tranqüilidade da humanidade aumentarão imensuravelmente. Conflito e contenda serão eliminados, dissensão e discórdia serão deixadas de lado e paz universal unirá as nações e os povos do mundo. Toda a humanidade viverá em conjunto como uma família, mesclada como as ondas de um mar, brilhará como estrelas de um firmamento e como frutos de uma mesma árvore. Esta é a alegria e a felicidade da humanidade. Esta é a iluminação do homem, a glória eterna e a vida imperecível; esta é a dádiva divina. Desejo esta condição para vós, e peço a Deus que o povo da América possa alcançar este grande destino de modo que as virtudes dessa democracia possam ser asseguradas e que seus nomes sejam eternamente glorificados. Que as confirmações de Deus os elevem em todos os sentidos e suas memórias sejam reverenciadas no Oriente e no Ocidente. Que se tornem servos do Deus Altíssimo, próximos e queridos dEle na unicidade do Reino celestial.

Bahá'u'lláh suportou provações e dificuldades por sessenta anos. Não houve perseguição, vicissitude ou sofrimento que Ele não experimentasse nas mãos de Seus inimigos e opressores. Passou todos os dias de Sua vida em dificuldade e tribulação - num tempo na prisão, noutro em exílio, e algumas vezes acorrentado. De boa vontade Ele suportou essas dificuldades pela unidade do gênero humano, orando para que o mundo humano pudesse perceber a luz de Deus, que a unicidade da espécie humana se tornasse realidade, conflito e contenda cessassem, e paz e tranqüilidade fossem sentidos por todos. Na prisão, Ele ergueu a bandeira da solidariedade humana, proclamando a paz universal, escrevendo aos reis e governantes das nações, convocando-os à unidade internacional e arbitramento conjunto. Sua vida foi um remoinho de perseguições e dificuldades; no entanto, as catástrofes, as severas provações e vicissitudes não O impediram de completar Sua obra e missão. Ao contrário, Ele Se tornou cada vez mais poderoso, Sua energia e influência se espalharam e cresceram até que Sua gloriosa luz brilhou por todo o Oriente, amor e unidade foram estabelecidos, e as religiões divergentes encontraram um ponto de contato e reconciliação.

Por isso, também devemos nos esforçar neste caminho de amor e serviço, sacrificando vida e possessões, passando os dias em estado de devoção, consagrando nossos esforços inteiramente à Causa de Deus de modo que, queira Deus, a insígnia da religião universal possa ser erguida no mundo humano e a unicidade do gênero humano seja estabelecida.

Vejo em vossos corações o reflexo de um grande e maravilhoso amor. Os americanos têm me mostrado bondade invariável, e nutro um profundo amor espiritual por eles. Estou satisfeito com as suscetibilidades de vossos corações. Orarei por vós, pedindo a assistência divina, e então digo adeus.

Ó meu Deus! Ó meu Deus! Verdadeiramente, estes servos dirigem-se a Ti, suplicando a Teu reino de misericórdia. Verdadeiramente, são atraídos por Tua santidade e ardem com a chama do Teu amor; buscam confirmação de Teu reino maravilhoso e esperam atingir Teu domínio celestial. Verdadeiramente, almejam a descida de Tuas dádivas e a iluminação do Sol da Realidade. Ó Senhor! Torna-os lâmpadas radiantes, sinais misericordiosos, árvores frutíferas e estrelas resplandecentes. Que se distingam em Teu serviço e se unam a Ti pelos laços de Teu amor, aspirando à luz da Tua mercê. Ó Senhor! Faze-os sinais que guiem, estandartes de Teu Reino imortal, ondas do mar da Tua misericórdia, espelhos que reflitam a luz da Tua majestade.

Em verdade, és o Magnânimo! Em verdade, és o Clemente. Em verdade, és o Precioso, o Bem-Amado!

VIII
PALESTRAS PROFERIDAS
POR 'Abdu'l-Bahá EM
NOVA IORQUE E FANWOOD
1
26 DE MAIO DE 1912
Palestra na Igreja Batista de Mount Morris

Esquina da Quinta Avenida com Rua Cento e Vinte e Seis, Nova Iorque

Registrada por Esther Foster

Ao entrar na igreja esta noite ouvi o hino: "Aproxima-me, ó meu Deus, de Ti." A maior realização do mundo humano é a proximidade de Deus. Toda glória, honra, graça e beleza duradoura que chega ao homem, provém da proximidade de Deus. Todos os Profetas e apóstolos ansiaram e oraram pela proximidade do Criador. Quantas noites eles passaram insones, almejando esta condição; quantos dias devotaram à súplica por atingir isso, procurando se aproximar dEle cada vez mais! Mas a proximidade de Deus não é algo fácil de se atingir. Na época em que Jesus Cristo estava na terra, a humanidade buscava a proximidade de Deus, mas naquela época ninguém a atingiu salvo bem poucos - os Seus discípulos. Aquelas abençoadas almas foram confirmadas com a proximidade divina através do amor de Deus. A proximidade divina depende de que se atinja o conhecimento de Deus, do desprendimento de tudo salvo dEle. Depende de auto-sacrifício e só pode ser alcançado através da renúncia à riqueza e possessões terrenas. Só pode se tornar possível através do batismo de água e de fogo conforme revelado nos Evangelhos. A água simboliza a água da vida, que é o conhecimento, e fogo é o fogo do amor de Deus; portanto, o homem deve ser batizado com a água da vida, o Espírito Santo e o fogo do amor do Reino. A não ser que ele atinja essas três posições, a proximidade de Deus é impossível. Este é o processo pelo qual os Bahá'ís da Pérsia a atingiram. Deram suas vidas por esta posição, sacrificaram honra, conforto e propriedades, apressaram-se com o máximo júbilo ao lugar de martírio; seu sangue foi derramado, seus corpos foram torturados e destruídos, suas casas foram pilhadas, seus filhos, levados cativos. Eles suportaram tudo isso jubilosa e espontaneamente. Por intermédio deste sacrifício a proximidade de Deus se torna possível. E que fique bem claro que esta proximidade não depende de tempo ou lugar. A proximidade de Deus depende da pureza do coração e da alegria do espírito pelas boas-novas do Reino. Considerai como um espelho puro e bem polido reflete plenamente o esplendor do sol, não importa quão distante o sol possa estar. Assim que o espelho é limpo e purificado, o sol se manifesta nele. Quanto mais puro e santificado se torna o coração humano, mais se aproxima de Deus, e a luz do Sol da Realidade se revela nele. Esta luz incendeia os corações com o fogo do amor de Deus, abre-lhes as portas do conhecimento e revela os mistérios divinos, tornando possível as descobertas espirituais. Todos os Profetas atingiram a proximidade de Deus através de sacrifício. Nós devemos emular aquelas Almas Santas e renunciar nossos próprios desejos e anseios. Devemos nos purificar da terra e do lodo das coisas terrenas até que nossos corações se tornem espelhos límpidos e a luz da suprema guia se revele neles.

Nas Palavras Ocultas, Bahá'u'lláh proclama que Deus inspira Seus servos e é revelado por intermédio deles. Ele diz: "Teu coração é Meu lar; santifica-o para Minha descida. Teu espírito é a sede de Minha revelação; purifica-o para que nele Eu possa Me manifestar." Por isso, aprendemos que a proximidade de Deus é possível através da devoção a Ele, através da entrada no Reino e do serviço à humanidade; é alcançado através da união com a humanidade e de amorosa bondade para com todos; depende da investigação da verdade, da aquisição de virtudes louváveis, do serviço à causa da paz universal e da purificação pessoal. Numa palavra, proximidade de Deus necessita de auto-sacrifício, renúncia e desprendimento de tudo por Ele. Proximidade é semelhança.

Vede como o sol brilha sobre toda a criação, mas somente superfícies puras e polidas podem refletir sua glória e luz. As almas obscurecidas não recebem um quinhão da revelação das gloriosas fulgências da realidade; e o solo do ego, incapaz de se beneficiar dessa luz, nenhum fruto produz. Os olhos do cego não podem ver os raios do sol; somente olhos límpidos com visão perfeita e saudável podem recebê-los. Árvores verdejantes e vivas podem absorver os benefícios do sol; raízes mortas e ramos secos são destruídos por ele. Por isso, o homem deve buscar competência e desenvolver prontidão. Enquanto ele for insensível às influências divinas, será incapaz de refletir a luz e assimilar seus benefícios. O solo estéril nada produz, ainda que por mil anos as nuvens da mercê derramem suas chuvas sobre ele. Devemos tornar férteis e receptivos os solos dos nossos corações, lavrando-os, a fim de que a chuva da misericórdia divina possa refrescá-los e que produzam rosas e jacintos do jardim celestial. Devemos ter olhos perceptivos para ver a luz do sol. Devemos limpar as narinas para podermos sentir as fragrâncias do jardim de rosas divino. Devemos fazer nossos ouvidos atentos para ouvir os chamados do Reino supremo. Não importa quão bela seja a melodia, o ouvido surdo não pode ouvi-la, não pode receber o chamado da Assembléia no Alto. As narinas obstruídas pelo pó não podem inalar os fragrantes odores das flores. Por isso, sempre devemos nos empenhar em melhorar nossa capacidade e presteza. Enquanto permanecermos insensíveis, as belezas e graças de Deus não nos podem atingir. Cristo contou uma parábola na qual disse que Suas palavras são como as sementes do semeador; algumas caem sobre solo pedregoso, outras, sobre solo estéril, algumas são sufocadas por cardos e espinhos, mas algumas caem sobre solos de corações humanos preparados, receptivos e férteis. Sementes que caem em solos estéreis nada produzem. As que caem em solo pedregoso germinam por algum tempo, mas, sem raízes profundas, elas secam. Outras são completamente destruídas por cardos e espinhos, mas as sementes que caem em solo bom produzem boa colheita e proveito.

Do mesmo modo, as palavras que vos dirijo nesta noite podem não produzir qualquer efeito. Alguns corações podem ser comovidos, mas logo esquecerem; outros podem até deixar de ouvir e compreender devido a superstições e vãs imaginações; mas as almas abençoadas que estão atentas às minhas exortações e admoestações, escutando com ouvidos receptivos, deixando minhas palavras penetrarem efetivamente, dia a dia avançarão em direção à plena frutificação, até mesmo à Assembléia no Alto. Considerai como a parábola torna as realizações dependentes da capacidade. A menos que a capacidade seja desenvolvida, os chamados do Reino não podem atingir o ouvido, a luz do Sol da Verdade não é contemplada, e as fragrâncias do jardim de rosas dos significados interiores são perdidas. Vamos nos esforçar para atingir a capacidade, a sensibilidade e o merecimento para podermos ouvir o chamado das boas-novas do Reino, sermos vivificados pelos sopros do Espírito Santo, erguermos o estandarte da unicidade da humanidade, estabelecermos a fraternidade humana e, sob a proteção da graça divina, atingirmos a vida eterna e imperecível.

Ó Deus Clemente! Estes servos dirigem-se a Teu Reino em busca de Tua graça e Tuas dádivas. Ó Deus! Torna bons e puros seus corações para que sejam dignos de Teu amor. Purifica e santifica os espíritos para que a luz do Sol da Realidade irradie sobre eles. Torna puros e santos os olhos a fim de poderem perceber Tua luz. Purifica e santifica os ouvidos para que possam ouvir o chamado de Teu reino.

Ó Senhor! Em verdade, somos fracos, mas Tu és forte. Em verdade, somos pobres, mas Tu és rico. Somos aqueles que buscam, e Tu és o Objeto de nossa busca. Ó Senhor! Tem compaixão de nós e perdoa-nos; concede-nos capacidade e disposição para que possamos corresponder a Teus favores e ser atraídos a Teu reino, acesos com a chama do Teu amor e ressuscitados pelos sopros do Espírito Santo neste século radiante.

Ó Deus, meu Deus! Lança os olhares de Tua amorosa generosidade sobre esta reunião. Guarda cada um e a todos em Tua custódia e sob Tua proteção. Envia Tuas bênçãos celestiais para estas almas. Imerge-as no oceano de Tua misericórdia, e vivifica-as através dos sopros do Espírito Santo.

Ó Senhor! Outorga Tua graciosa ajuda e confirmação a este governo íntegro. Este país encontra -se sob o abrigo de Tua proteção, e este povo está em Teu serviço. Ó Senhor! Confere-lhes Tua benção celestial e proporciona-lhes as emanações de Tua graça e favor copiosos e abundantes. Permite que esta estimada nação seja honrada e faze com que seja aceita em Teu reino.

Tu és o Poderoso, o Onipotente, o Misericordioso, e Tu és o Generoso, o Beneficente, o Senhor de abundantes graças.

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28 DE MAIO DE 1912
Palestra na Recepção no Metropolitan Temple

Esquina da Sétima Avenida com Rua Catorze, Nova Iorque

Registrada por Esther Foster

A Paternidade de Deus, Sua amorosa bondade e favor são evidentes a todos. Em Sua misericórdia Ele provê plena e amplamente às Suas criaturas, e se qualquer alma peca, Ele não suspende Sua bondade. Todas as coisas criadas são manifestações claras de Sua Paternidade, mercê e dádivas divinas. A fraternidade humana é, igualmente, tão clara e evidente como o sol, pois todos são servos de um só Deus, pertencem à mesma espécie humana, habitam o mesmo globo, abrigam-se à sombra protetora da abóbada celeste e estão submersos no mar da misericórdia divina. A fraternidade humana e a dependência existem porque a solidariedade e cooperação mútuas são os dois necessários princípios subjacentes ao bem-estar humano. Este é o relacionamento físico da humanidade. Há uma outra fraternidade - a espiritual - que é mais elevada, mais santa e superior a todas as outras. Ela é celestial; emana dos sopros do Espírito Santo e dos esplendores dos atributos misericordiosos; ela se baseia nas suscetibilidades espirituais. Esta fraternidade é estabelecida pelos Manifestantes do Ser Sagrado.

Desde os dias de Adão, os Manifestantes divinos têm Se esforçado em unir a humanidade para que todos fossem como uma só alma. A função e o propósito de um pastor é juntar e não dispersar seu rebanho. Os Profetas de Deus têm sido os Pastores da humanidade. Eles estabeleceram um laço de amor e fraternidade no seio da humanidade, fizeram de povos dispersos uma só nação e de tribos errantes um grande reino. Eles estabeleceram as bases da unicidade de Deus e convocaram todos à paz universal. Todos esses santos Manifestantes divinos são um só. Eles serviram a um só Deus, proclamaram a mesma verdade, fundaram as mesmas instituições e refletiram a mesma luz. O aparecimento dEles foi sucessivo e correlato; cada um dEles anunciou e louvou Aquele que O sucederia, e todos colocaram os fundamentos da realidade. Convocaram e convidaram as pessoas ao amor e fizeram do mundo humano um espelho da Palavra de Deus. Por isso, as religiões divinas que Eles fundaram têm a mesma base; Seus ensinamentos, provas e evidências são um só; eles diferem em Seus nomes e formas, mas na verdade Eles concordam e são apenas um. Esses santos Manifestantes têm sido como o aparecimento da primavera no mundo. Embora a primavera deste ano seja designada por outro nome de acordo com a mudança do calendário, ainda assim tem a mesma vida e o mesmo despertar da primavera do ano passado. Pois cada primavera é tempo de uma nova criação, cujos efeitos, dádivas, perfeições e forças vivificadoras são as mesmas das primaveras anteriores, embora os nomes sejam múltiplos e variados. Este é o ano de 1912, o ano passado foi 1911, e assim por diante, mas não há qualquer diferença na realidade fundamental. O sol é um só, mas os pontos de alvorecer do sol são numerosos e variáveis. O oceano é uma só massa de água, mas cada parte dele tem uma designação particular - Atlântico, Pacífico, Mediterrâneo, Antártico, etc. Se considerarmos os nomes, há diferença; mas a água, o oceano em si, é apenas uma realidade.

De igual modo, as divinas religiões dos santos Manifestantes de Deus são, na realidade, a mesma, embora sejam designadas por nomes diferentes. O homem deve amar a luz, não importa em que horizonte ela surja. Ele deve amar a rosa, não importa em que solo ela cresça. Ele deve ser um buscador da verdade, não importa de que fonte ela provenha. Apego à lâmpada não significa amor à luz. Apego à terra é indigno, o que é digno é desfrutar a rosa que surge do solo. Devoção à árvore é inútil, benéfico é participar dos frutos. Frutos deliciosos devem ser saboreados, não importa em que árvore cresçam ou onde sejam encontrados. A palavra da verdade deve ser apoiada, não importa que língua a pronuncie. Verdades absolutas devem ser aceitas, não importa em que livro estejam registradas. Se fomentarmos o preconceito, ele será causa de privação e ignorância. O conflito entre religiões, nações e raças surge da incompreensão. Se investigarmos as religiões para descobrirmos os princípios subjacentes aos seus fundamentos, veremos que elas estão de acordo; pois a realidade fundamental delas é uma e não múltipla. Através disso, os seguidores das religiões do mundo chegarão à sua unidade e reconciliação. Eles chegarão à verdade de que o propósito da religião é a aquisição de virtudes louváveis, a melhora da moralidade, o desenvolvimento espiritual da humanidade, a verdadeira vida e as dádivas divinas. Todos os Profetas foram promotores desses princípios; nenhum dEles promoveu a corrupção, vício ou mal. Eles convocaram a humanidade a todo o bem. Eles uniram as pessoas no amor a Deus, convidaram-nas para as religiões da unidade da humanidade e as exortaram à amizade e concórdia. Mencionamos, por exemplo, Abraão e Moisés. Com isso, não nos referimos meramente às limitações de Seus nomes, mas sim às virtudes que esses nomes incorporam. Quando nos referimos a Abraão, queremos dizer a manifestação da guia divina, um centro das virtudes humanas, uma fonte de dádivas celestiais à humanidade, um horizonte de inspiração e perfeições divinas. Essas perfeições e graças não se confinam a nomes e limites. Quando encontramos essas virtudes, qualidades e atributos em qualquer personalidade, reconhecemos a mesma realidade que nela resplandece e nos curvamos diante do reconhecimento das perfeições de Abraão. De modo semelhante, reconhecemos e adoramos a beleza de Moisés. Algumas almas eram amantes do nome de Abraão, afeiçoando-se à lâmpada em vez da luz, e quando viram essa mesma luz brilhando em outra lâmpada, estavam tão apegadas à primeira lâmpada que não reconheceram a luz em seu aparecimento mais recente. Por isso, os que estavam apegados e tenazmente agarrados ao nome de Abraão privaram-se quando as virtudes abraâmicas apareceram em Moisés. De modo semelhante, os judeus acreditavam em Moisés e estavam esperando o Messias. As virtudes e perfeições de Moisés surgiram mais esplendorosas em Jesus Cristo, mas os judeus estavam apegados ao nome de Moisés e não adoravam as virtudes e perfeições nEle manifestas. Se estivessem adorando essas virtudes e buscando essas perfeições, eles seguramente teriam acreditado em Jesus Cristo quando as mesmas perfeições brilharam nEle. Se amamos a luz, nós a adoramos em qualquer lâmpada que ela se manifeste, mas se amamos a própria lâmpada e a luz é transferida a outra lâmpada, não a aceitamos nem a aprovamos. Por isso, devemos seguir e adorar as virtudes reveladas nos Mensageiros de Deus - sejam elas reveladas em Abraão, Moisés, Jesus ou outro Profeta - mas não devemos nos apegar à lâmpada e adorá-la. Devemos reconhecer o sol, não importa em que ponto do horizonte brilhe, seja ele o de Moisés, de Abraão ou de qualquer outro ponto de orientação, pois somos adoradores da luz do sol e não do ponto do horizonte. Somos amantes da iluminação e não de lâmpadas e velas. Somos buscadores de água, não importa de que rocha ela verta. Somos carentes do fruto, seja qual for o pomar em que ele amadureça. Ansiamos pela chuva, qualquer que seja a nuvem da qual ela cai. Não devemos estar presos. Se renunciarmos esses grilhões, entraremos em acordo, pois todos buscamos a verdade. A falsificação ou imitação da verdadeira religião adulterou a crença humana, e os fundamentos foram perdidos de vista. A divergência dessas imitações criou inimizade e conflito, guerra e derramamento de sangue. Agora, o glorioso e brilhante século vinte alvoreceu, e as graças divinas se irradiam universalmente. O Sol da Verdade resplandece com toda intensidade. Este é, em verdade, o século em que essas imitações devem ser eliminadas, superstições, abandonadas, e somente Deus deve ser adorado. Para podermos nos harmonizar, devemos considerar a realidade dos Profetas e Seus ensinamentos.

Louvado seja Deus! A primavera de Deus está ao alcance. Este século é, em verdade, a estação vernal. O mundo do espírito e o reino da alma se refrescaram e se tornaram verdejantes pelas suas dádivas. Ela ressuscitou todo o reino da existência. De um lado, as luzes da realidade estão brilhando; do outro, as nuvens da misericórdia divina fazem cair plenamente as graças celestiais. O maravilhoso progresso material está evidente, e grandes descobertas espirituais estão sendo feitas. Este realmente pode ser chamado o milagre dos séculos, pois está repleto de manifestações miraculosas. Já chegou o tempo em que toda a humanidade deve se unir, quando todas as raças devem ser leais a uma só pátria, o tempo de todas as religiões se tornarem uma só e os preconceitos raciais e religiosos serem eliminados. Este é o dia em que a unicidade da humanidade deve erguer seu estandarte e a paz internacional, como o próprio amanhecer, iluminar o mundo com sua luz. Por isso, suplicamos a Deus, pedindo-Lhe que disperse estas tenebrosas nuvens e erradique essas imitações a fim de que Oriente e Ocidente possam se tornar radiantes com amor e unidade, que as nações do mundo se abracem e a fraternidade espiritual ideal ilumine o mundo como o glorioso sol zenital. Esta é a nossa esperança, nosso desejo e anseio. Oramos para que através da graça e bondade de Deus possamos atingir isso. Estou muito feliz por estar presente nesta reunião que possui radiância, inteligência e percepção inatas, e anseia por investigar a verdade. Essas reuniões são a glória do mundo humano. Peço as bênçãos de Deus em vossos nomes.

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29 DE MAIO DE 1912

Palestra na Residência do Sr. e Sra. Edward B. Kinney

Avenida West End, 780, Nova Iorque
Registrada por Howard MacNutt

Os Manifestantes divinos foram iconoclastas em Seus ensinamentos, erradicando o erro, destruindo falsas crenças religiosas e chamando novamente a humanidade à unicidade fundamental de Deus. Todos Eles proclamaram, igualmente, a unicidade do mundo humano. O ensinamento essencial de Moisés foi a lei do Sinai, os Dez Mandamentos. Cristo renovou e revelou novamente os mandamentos do Deus uno e preceitos para a ação humana. Muhammad, embora ampliasse o âmbito, a intenção de Seus ensinamentos foi, igualmente, elevar e unificar a humanidade no conhecimento do Deus uno. Com o Báb, novamente o círculo foi bastante ampliado, mas o ensinamento essencial foi o mesmo. Os Livros de Bahá'u'lláh ultrapassam cem volumes. Cada um deles é uma clara prova suficiente para a humanidade; cada um deles, desde o início até o fim, proclama a unidade essencial de Deus e da humanidade, o amor de Deus, a abolição da guerra e o padrão divino de paz. Cada um inculca, também, a moralidade divina, a manifestação de graças nobres - sendo que cada palavra encerra um mundo de significados. Pois o Verbo de Deus é sabedoria coletiva, conhecimento absoluto e verdade eterna.

Considerai a declaração registrada no primeiro capítulo do livro de João: "No princípio era o Verbo e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus." (João 1:1) Esta declaração é breve, porém repleta dos mais grandiosos significados. Suas aplicações são ilimitadas e além da capacidade de expressão de palavras e livros. Até hoje os doutores da teologia não a esclareceram, mas restringiram-na a Jesus como "o Verbo feito carne", a separação de Jesus de Deus, o Pai, e Sua descida à terra. Deste modo, passou-se a ensinar a separação individualizada da divindade.

A unicidade essencial do Pai, Filho e Espírito tem muitos significados e constitui o fundamento do Cristianismo. Hoje daremos simplesmente uma sinopse da explicação. Por que Jesus era o Verbo?

No universo da criação, todos os seres contingentes são como letras. As letras - como, por exemplo, a, b, etc. - por si só são destituídas de significado e nada expressam do pensamento ou do ideal. Do mesmo modo, todos os seres contingentes nada significam em si mesmos. Mas uma palavra é composta de letras e possui sentido e significado independentes. Por isso, como Cristo transmitia o perfeito significado da realidade divina e incorporava significados independentes, Ele era a Palavra. Ele era como a realidade comparada com a metáfora. Não há significado intrínseco algum nas folhas de um livro, mas o pensamento que elas transmitem nos leva a refletir sobre a realidade. A realidade de Jesus era o verdadeiro significado, o Cristo nEle existente que nos Livros Sagrados é simbolizado como a Palavra.

"O Verbo estava com Deus." O Cristo não significa o corpo de Jesus, mas a perfeição das virtudes divinas nEle manifestas. Por isso está escrito: "Ele é Deus." Isto não implica separação de Deus, até mesmo porque não é possível separar os raios do sol do próprio sol. A realidade de Cristo era a incorporação das virtudes e atributos de Deus. Pois não há dualidade na Divindade. Todos os adjetivos, nomes e pronomes naquela corte de santidade são um; não há multiplicidade, nem divisão. O propósito desta explicação é mostrar que as Palavras de Deus têm inúmeros sentidos misteriosos e significativos - cada uma delas mais de mil.

As Epístolas de Bahá'u'lláh são muitas. Os preceitos e ensinamentos nelas contidos são universais e tratam de todos os assuntos. Ele revelou explicações científicas a respeito de todos os domínios da pesquisa e investigação humana - astronomia, biologia, ciência médica, etc. No Kitáb-i-Íqán, Ele expôs os significados do Evangelho e outros Livros celestiais. Ele escreveu longas Epístolas a respeito de civilização, sociologia e governo. Todos os assuntos são levados em consideração. Suas Epístolas são incomparáveis em beleza e profundidade. Até mesmo Seus inimigos reconheciam a grandeza de Bahá'u'lláh, dizendo que Ele era o milagre da humanidade. Esta era sua confissão, embora não acreditassem nEle. Ele era elogiado por cristãos, judeus, zoroastrianos e muçulmanos que negavam Suas reivindicações. Freqüentemente diziam: "Ele é incomparável, sem igual." Um poeta cristão do Oriente escreveu: "Não creio nele como Manifestante de Deus, mas seus milagres são grandiosos como o sol." Mirza Abu'l-Fadl menciona muitos poemas desse tipo, e há ainda muitos outros. O depoimento de Seus inimigos dá testemunho de que Ele era "o milagre da humanidade", que Ele "enveredava por um caminho especial de conhecimento" e era "uma personalidade ímpar". Seus ensinamentos são universais e exemplos para a ação humana. Não são meramente teóricos e destinados a permanecer em livros. São princípios de ação. Resultados são conseqüência de ação. A mera teoria é infrutífera. De que serve um livro sobre medicina se nunca é retirado da estante de livros? Sempre que a atividade prática se manifesta, os ensinamentos de Deus produzem frutos.

Os grandes e fundamentais ensinamentos de Bahá'u'lláh são a unicidade de Deus e a unidade da humanidade. Este é o laço de união entre os Bahá'ís do mundo todo. Eles se uniram entre si e unem outros. É impossível unir a menos que se esteja unido. Cristo disse: "Sois o sal da terra; mas se o sal perder seu sabor, com que será ele salgado?" Isto prova que houve dissensão e falta de união entre Seus seguidores. Daí Sua admoestação à unidade de ação.

Agora nós devemos, igualmente, nos unificar na maior unidade, ser gentis uns com os outros, sacrificando todas as nossas posses, nossa honra, e até mesmo nossas vidas uns pelos outros. Então provaremos ter agido de acordo com os ensinamentos de Deus, que realmente cremos na unicidade de Deus e na unidade da humanidade.

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30 DE MAIO DE 1912
Palestra na Loja Teosófica

Esquina da Broadway com Rua Setenta e Nove, Nova Iorque

Registrada por Howard MacNutt

Estou muito satisfeito com essas expressões de amabilidade e evidências de sensibilidade espiritual. Nesta noite estou muito feliz porque temos os mesmos propósitos e objetivos, e nossos desejos e anseios são um só. Este é o reflexo e a evidência da unicidade da humanidade e da intenção de realizar a Suprema Paz. Por isso, estamos unidos em vontade e propósito. No mundo da existência, não há questões mais importantes do que essas. A unicidade do mundo humano assegura a glorificação do homem. A paz internacional é a garantia do bem-estar de toda a humanidade. Não há motivos e objetivos maiores na alma humana. Como estamos de acordo com eles, certamente há esperança de unidade e concórdia entre Bahá'ís e teosofistas. Seus propósitos são os mesmos, seus desejos, apenas um, e as sensibilidades espirituais são comuns a ambos. Suas atenções são dedicadas ao Reino divino; ambos participam igualmente de suas graças.

Hoje o mundo humano necessita de um grande poder através do qual esses gloriosos princípios e propósitos possam ser realizados. A causa da paz é uma grande causa; é a Causa de Deus, e todas as forças do mundo se opõem a ela. Os governos, por exemplo, consideram o militarismo como um passo em direção ao progresso humano, a divisão entre seres humanos e nações é causa de patriotismo e honra, que se uma nação ataca e conquista outra, ganhando assim riqueza, território e glória, este conflito e conquista, esta carnificina e crueldade são causa de avanço e prosperidade da nação vitoriosa. Isto é o maior dos equívocos. Comparai as nações do mundo aos membros de uma família. Uma família é uma nação em miniatura. Simplesmente alargai o círculo da família e tereis uma nação. Ampliai o círculo de uma nação e tereis toda a humanidade. As mesmas condições que envolvem a família envolvem a nação. Os fatos que ocorrem na família são os fatos que ocorrem na vida da nação. Se surgisse uma dissensão entre os membros de uma família, todos brigando e pilhando uns aos outros, desconfiados e vingativos pela injúria, buscando vantagens egoístas, isso acrescentaria ao progresso e avanço da família? Ao contrário, isto seria causa de obstrução do progresso e do avanço. O mesmo ocorre na grande família das nações, pois nações nada mais são do que um agregado de famílias. Portanto, tal como contenda e dissensão destroem uma família e impedem seu progresso, nações também são destruídas e seu avanço, impedido.

Todos os Livros celestiais, os Profetas divinos, sábios e filósofos concordam que conflito é destrutivo para o desenvolvimento humano, e a paz, construtiva. Eles concordam que guerra e contenda são um golpe à estrutura da humanidade. Por isso, é necessário um poder para prevenir a guerra, e proclamar e estabelecer a unicidade da humanidade.

Mas saber da necessidade de tal poder não é suficiente. Perceber que riqueza é desejável não é tornar-se rico. Admitir que realização científica é louvável não traz conhecimento científico. Reconhecer a excelência da honra não torna um homem honrado. Conhecer as condições humanas e a necessidade de soluções para elas não proporciona sua melhora. Aceitar que saúde é bom não restabelece a saúde. É necessário um médico hábil para remediar as atuais condições humanas. Tal como a um médico é necessário completo conhecimento de patologia, diagnóstico, terapêutica e tratamento, este Médico do Mundo deve ser sábio, hábil e capaz para poder restabelecer a saúde. Seu mero conhecimento não é saúde; ele deve ser aplicado e o remédio, administrado.

Atingir qualquer objetivo depende de conhecimento, vontade e ação. A menos que haja uma conjunção dessas três condições, não há execução ou realização alguma. Para erigir uma casa, é necessário primeiro conhecer o terreno e desenhar uma casa adequada a ela; segundo, obter os meios e a quantia necessários para a construção; terceiro, construí-la de fato. Por isso é necessária a capacidade de executar e realizar aquilo que é sabido e admitido como remédio para a situação humana - ou seja, a unificação da humanidade. Além disso, é evidente que isto não pode ser realizado através de processos e meios materiais. Essa unificação não pode ser atingida pela força racial, pois as raças são diferentes e possuem tendências distintas. Não pode ser efetuada através do poder patriótico, pois as nacionalidades não são iguais. Nem pode ser por intermédio do poder político uma vez que as políticas governamentais e as nações são várias. Isto quer dizer que qualquer esforço em se unificar através desses meios materiais beneficiaria uns e prejudicaria outros, pois os interesses são desiguais e individuais. Alguns podem achar que esta grande solução pode ser encontrada insistindo-se dogmaticamente em imitações e interpretações. Isto seria igualmente inconsistente e infrutífero. Por isso, é evidente que nenhum meio pode sanar esse mal mundial da guerra, dissensão e discórdia, a não ser a perfeita intermediação, um poder espiritual, as dádivas divinas e os sopros do Espírito Santo. Nada mais é possível; nada mais se pode conceber. Mas através de meios espirituais e do poder divino isto é possível e praticável.

Considerai a história. O que foi que uniu nações, conferiu moralidade aos povos e beneficiou a humanidade? Se refletirmos sobre isso, veremos que o estabelecimento das divinas religiões foi o maior meio de chegar à unicidade da humanidade. O fundamento da realidade divina existente na religião é que realizou isso, não a imitação de formas de religião ancestral. Imitações se opõem umas às outras e sempre foram causa de contenda, inimizade, suspeita e guerra. As religiões divinas são centros coletivos em que diversos pontos de vista podem se encontrar, harmonizar e unificar. Elas realizam a unicidade de pátrias, raças e políticas. Cristo, por exemplo, uniu várias nações, pacificou povos belicosos e estabeleceu a unicidade da humanidade. Os conquistadores gregos e romanos, os intolerantes egípcios e assírios estavam todos em conflito, inimizade e guerra, mas Cristo reuniu esses povos divergentes e eliminou as bases da discórdia - não através do poder racial, patriótico ou político, mas do poder divino, o poder do Espírito Santo. Isto não era possível de outra maneira. Todos os outros esforços de homens e nações permanecem como meras menções na história, sem resultado.

Como este grande resultado depende do poder e das dádivas divinas, onde o mundo pode obter esse poder? Deus é eterno e antigo - não é um novo Deus. Sua soberania é antiga, não recente - não existe meramente durante esses cinco ou seis mil anos. Este universo infinito existe desde a eternidade. A soberania, o poder, os nomes e atributos de Deus são eternos, antigos. Seus nomes pressupõem criação e proclamam Sua existência e vontade. Dizemos que Deus é Criador. O nome Criador implica em criação. Dizemos que Deus é o Provedor. Este nome pressupõe e prova a existência de alguém que é provido. Deus é Amor. Este nome prova a existência de alguém que é amado. Do mesmo modo, Deus é Misericórdia, Deus é Justiça, Deus é Vida, etc. Por isso, como Deus é Criador, eterno e antigo, sempre existiram criaturas e súditos por Ele providos. Não há dúvida de que a soberania divina é eterna. Soberania necessita de súditos, ministros, fideicomissários e outros subordinados à soberania. Poderia haver um rei sem país, súditos e exército? Se concebêssemos um tempo sem existência de criaturas, servos e súditos do domínio divino, estaríamos destronando Deus e declarando que houve um tempo em que Deus não era. Seria como se Ele tivesse sido recentemente designado e que o homem Lhe deu esses nomes. A soberania divina é antiga e eterna. Desde a eternidade Deus era Amor, Justiça, Poder, Criador, Provedor, o Onisciente, o Generoso.

Como a entidade divina é eterna, os divinos atributos são coexistentes e coeternos. As dádivas divinas, portanto, não têm começo nem fim. Deus é infinito; as obras de Deus são infinitas; os favores de Deus são infinitos. Uma vez que Sua divindade é eterna, Seu domínio e perfeições não têm fim. Como a graça do Espírito Santo é eterna, jamais podemos dizer que Suas dádivas cessam ou que Ele deixa de existir. Se imaginarmos o sol e tentarmos conceber o término de sua chama e seu calor, teremos afirmado sua inexistência, pois é inconcebível separar o sol de seus raios e seu calor. Por isso, se limitarmos as dádivas de Deus, estaremos limitando Seus atributos, estaremos limitando o próprio Deus.

Confiemos, então, na graça e no favor de Deus. Alegremo-nos com o sopro divino, e sejamos iluminados e exaltados pelas boas-novas celestiais. Deus sempre tratou o homem com misericórdia e bondade. Ele, que nos tempos antigos conferiu o espírito divino, é perfeitamente capaz de conceder as mesmas dádivas em todas as épocas e eras. Por isso, sejamos esperançosos. O Deus que anteriormente favoreceu o mundo, fará o mesmo agora e futuramente. O Deus que insuflou o sopro do Espírito Santo em Seus servos haverá de insuflá-lo neles agora e doravante. Não há término para Sua generosidade. O Espírito Divino penetra desde a eternidade e por toda a eternidade, pois é a graça de Deus, e a graça de Deus é eterna. Podeis conceber a limitação do poder divino na realidade atômica, ou a cessação da graça divina nos organismos existentes? Podeis imaginar o poder de coesão que ora se manifesta nos átomos deste vidro tornar-se inexistente? A energia que constitui as águas do mar deixar de se manifestar e o mar desaparecer? Uma chuva cair hoje e depois nunca mais? O esplendor do sol cessar e não mais conceder luz e calor?

Quando vemos que no reino mineral as graças divinas são contínuas, quão maior deve ser nossa expectativa e percepção no Reino espiritual divino! Quão maior deve ser a radiância das luzes de Deus e a graça da vida eterna na alma do homem! Assim como a totalidade do universo é contínua e indestrutível, as graças e favores do espírito divino são perenes.

Dou louvores a Deus por ter o privilégio de estar presente nesta respeitável assembléia vivificada com sensibilidade espiritual e atração celestial - seus membros investigando a verdade, nutrindo a máxima esperança pela paz internacional e tendo como seu maior propósito o serviço ao mundo humano.

Quando observamos o mundo dos fenômenos criados, descobrimos que cada um dos átomos da matéria move-se através de vários graus e reinos do mundo orgânico. Por exemplo, consideremos o elemento etéreo que penetra e viaja através de todas as realidades contingentes. Quando há vibração ou movimento no elemento etéreo, o olho é impressionado pela vibração e contempla o que chamamos de luz.

Do mesmo modo, as dádivas de Deus se movem e circulam por todas as coisas criadas. Essa ilimitada graça divina não teve começo e não terá fim. Ela se move, circula e age quando encontra capacidade para recebê-la. Em cada condição há uma capacidade específica. Por isso, devemos ter esperança de que, por intermédio da graça e do favor de Deus, este espírito de vida infundido em todos os seres criados vivifique a humanidade, e através de suas dádivas o mundo humano se torne um mundo divino, este reino terreno se torne o espelho do Reino da Divindade, as virtudes e perfeições do mundo humano sejam desveladas e a imagem e semelhança de Deus refletidas a partir desse templo.

Sou profundamente grato ao presidente desta sociedade e lhe expresso minhas mais respeitosas saudações. Tenho a esperança de que todos vós sejais assistidos em atingir o beneplácito de Deus. A sensibilidade espiritual dos presentes me deixou muito feliz, e rogo a Deus assistência e confirmação a todos.

5
31 DE MAIO DE 1912
Palestra na Prefeitura
Fanwood, Nova Jersey
Registrada em persa

O mundo material está sujeito a mudança e transformação. A Causa do Reino é eterna; por isso ela é mais importante. Mas, infelizmente, dia a dia o poder do Reino enfraquece nos corações dos homens e as forças materiais ganham ascendência. Os sinais divinos aparecem cada vez menos e as evidências humanas se tornam mais fortes. Chegou-se a um ponto em que os materialistas avançam agressivos, enquanto as forças divinas minguam e se desvanecem. A irreligião venceu a religião. A causa da situação caótica está nas diferenças entre as religiões e sua origem se encontra na animosidade e ódio que existem entre seitas e denominações. Os materialistas se aproveitam dessa dissensão entre as religiões e as atacam constantemente, atentando desarraigar a árvore divina. As religiões estão enfraquecidas e derrotadas devido ao conflito e contenda entre elas próprias. Se um comandante estiver em conflito com seu próprio exército na execução de táticas militares, sem dúvida será derrotado pelo inimigo. Hoje as religiões estão em conflito; inimizade, contenda e recriminação prevalecem entre elas; elas recusam associar-se uma às outras; ao contrário, derramam o sangue umas das outras, se necessário for. Lede a história e lembrai-vos de examinar as coisas terríveis que aconteceram em nome da religião. Os profetas hebreus, por exemplo, foram enviados para anunciar Cristo, mas infelizmente o Talmude e suas superstições O velaram de tal modo que eles crucificaram seu prometido Messias. Tivessem eles renunciado às tradições talmúdicas e investigado a verdade da religião de Moisés, teriam se tornado seguidores de Cristo. Adesão cega a formas e imitações de crenças ancestrais privaram-nos da graça messiânica. Eles não se refrescaram pela torrente de chuvas da mercê, nem foram iluminados pelos raios do Sol da Verdade.

A imitação destrói os fundamentos da religião, extingue a espiritualidade do mundo humano, transforma a iluminação celestial em trevas e priva o homem do conhecimento de Deus. É a causa da vitória do materialismo e da infidelidade sobre a religião; é a negação da Divindade e da lei da revelação; ela recusa a missão profética e rejeita o Reino de Deus. Quando os materialistas submetem as imitações à análise intelectual da razão, percebem que são mera superstição; por isso eles renegam a religião. Por exemplo, os judeus têm certos conceitos a respeito de pureza e impureza da religião, mas quando se submete esses conceitos ao crivo científico, conclui-se que são sem qualquer fundamento.

Será impossível que nós recebamos as infinitas graças de Deus? Será impossível adquirir as virtudes do mundo espiritual só porque nós não vivemos no tempo de Moisés, no período dos profetas ou na era de Cristo? Aqueles foram ciclos espirituais. Será que não podemos nos desenvolver espiritualmente porque estamos distantes deles e vivemos numa época materialista? O Deus de Moisés e Jesus é capaz de conceder os mesmos favores, não, ainda maiores ao Seu povo nos dias atuais. Por exemplo, nas épocas passadas, Ele concedeu razão, inteligência e entendimento aos Seus servos. Podemos dizer que não é capaz de conferir Suas graças neste século? Seria justo Ele enviar Moisés para guiar as antigas nações e negligenciar completamente aqueles que vivem hoje? Será possível que este período atual tenha sido privado das graças divinas enquanto as passadas eras de tirania e barbarismo receberam uma porção inexaurível delas? O mesmo Deus misericordioso que concedeu Seus favores no passado abriu as portas de Seu Reino a nós. Os raios de Seu sol resplandecem; os sopros de Seu Espírito Santo concedem vida. Aquele Deus onisciente continua a assistir-nos e confirmar-nos, a iluminar nossos corações, a alegrar nossas almas e perfumar nossas narinas com as fragrâncias da santidade. A sabedoria e a providência divinas circundam todos e estendem a mesa celestial diante de nós. Devemos tomar uma abundante porção desse generoso favor.

A função do pastor é reunir as ovelhas dispersas. Se ele dispersa o rebanho reunido, ele não é pastor. Como os Profetas cumpriram essa Sua missão, Eles são os verdadeiros Pastores. Quando Moisés apareceu, o povo israelita estava desorganizado. Inimizade e discórdia aumentavam sua desunião. Através do poder divino Ele juntou e uniu estas ovelhas dispersas, colocou em seus corações a pérola do amor, libertou-as do cativeiro e as fez sair do Egito para a Terra Santa. Fizeram maravilhoso progresso nas ciências e nas artes. Uniram-se com laços de fortaleza social e nacional. Seu progresso nas virtudes humanas foi tão rápido e maravilhoso que chegaram ao ápice da soberania de Salomão. Poderíamos dizer que Moisés não foi um verdadeiro Pastor e que não reuniu esse povo disperso?

Cristo era um verdadeiro Pastor. Na época de Sua manifestação, gregos, romanos, assírios e egípcios eram como rebanhos dispersos. Cristo insuflou neles o espírito de unidade e harmonizou-os.

Por isso, é evidente que os Profetas de Deus vieram para unir os filhos dos homens e não para dispersá-los, estabelecer a lei do amor e não da inimizade. Conseqüentemente, devemos deixar de lado todos os preconceitos - sejam religiosos, raciais, políticos ou patrióticos; devemos ser causa de unificação da raça humana. Lutar pela paz universal, buscar o amor e destruir as bases da discórdia, de modo que este mundo material possa se tornar divino, o mundo da matéria se torne o domínio do Reino e a humanidade atinja o mundo da perfeição.

6
2 DE JUNHO DE 1912
Palestra na Igreja da Ascensão

Esquina da Quinta Avenida com Rua Dez, Nova Iorque

Registrada por Esther Foster

Na terminologia dos Livros Sagrados, a igreja foi chamada de casa do convênio porque ela é o lugar em que pessoas de diferentes pensamentos e tendências divergentes - todas as raças e nações - podem se reunir num convênio de permanente companheirismo. No templo do Senhor, na casa de Deus, o homem deve ser submisso a Deus. Ele deve entrar em convênio com seu Senhor para obedecer aos mandamentos divinos e se unir aos seus semelhantes. Não deve levar em consideração diferenças de raça ou de nacionalidade; não deve ter em vista as diversas denominações e credos, nem levar em conta os diferentes níveis de pensamento; deve, ao contrário, ver todos como membros da humanidade e saber que todos devem viver unidos e em harmonia. Deve reconhecer todos como uma família, uma raça, uma pátria; deve ver a todos como servos de um só Deus, vivendo ao abrigo de Sua mercê. Isto quer dizer que a igreja é um centro coletivo. Templos são símbolos da realidade e da divindade de Deus - o centro coletivo da humanidade. Considerai como no interior de um templo todas as raças e povos são vistos e representados - todos na presença do Senhor, compactuando num convênio de amor e companheirismo, todos ofertando a mesma melodia, prece e súplica a Deus. Portanto, é evidente que a igreja é um centro coletivo para a humanidade. Por isso existiram igrejas e templos em todas as religiões divinas; mas os verdadeiros Centros Coletivos são os Manifestantes de Deus, dos quais a igreja ou o templo é um símbolo e expressão. Ou seja, o Manifestante de Deus é o verdadeiro templo divino e o Centro Coletivo do qual a igreja externa é apenas um símbolo.

Recordai as declarações de Cristo no Evangelho. Dirigindo-Se a Pedro, Ele disse: "Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei minha igreja." (Mateus 16:18) É evidente, portanto, que a igreja de Deus é a lei de Deus e que o próprio edifício é apenas um símbolo dela. Pois a lei de Deus é um centro coletivo que une vários povos, pátrias, línguas e opiniões. Todos encontram abrigo sob sua proteção e são atraídos por ele. Por exemplo, Moisés e a lei mosaica foram o centro de unificação para as ovelhas dispersas de Israel. Ele juntou esses rebanhos errantes, reuniu-os sob a supervisão da lei divina, educou-os e uniu-os, fez com que se harmonizassem e elevou-os a uma posição superlativa de desenvolvimento. Numa época em que estavam humilhados, eles foram glorificados; ignorantes, tornaram-se sábios; nas garras do cativeiro, foram libertados; em suma, eles foram unificados. Dia após dia avançaram até atingir o mais alto grau de progresso daquela época. Comprovamos, portanto, que os Manifestantes de Deus e a lei de Deus realizam a unidade.

Não há dúvida de que há diferenças na humanidade. Existem diferentes preferências humanas; há muitos pensamentos, pátrias, raças e línguas. É óbvia a necessidade de um centro coletivo pelo qual essas diferenças possam ser compensadas e os povos do mundo sejam unificados. Considerai como nada a não ser o poder espiritual pode realizar essa unificação, pois as condições materiais e os aspectos mentais são tão amplamente diferentes que é impossível atingir harmonia e união por meios externos. É possível, no entanto, que todos se unam através de um espírito, do mesmo modo que todos recebem luz do mesmo sol. Portanto, assistidos pelo centro coletivo divino que é a lei de Deus e a realidade de Seus Manifestantes, podemos superar essas condições até eliminá-las inteiramente e assim as raças possam progredir.

Considerai o tempo de Cristo. Havia muitos povos, raças e governos; várias religiões, seitas e denominações; mas quando Cristo apareceu, a realidade messiânica mostrou ser o centro coletivo que os unificou sob o mesmo tabernáculo de concórdia. Refleti sobre isto. Poderia Jesus Cristo ter unido esses elementos divergentes ou conseguido tais resultados através do poder político? Teria sido possível atingir essa unidade e concórdia por intermédio de forças materiais? Evidentemente não; ao contrário, esses vários povos foram unidos pelo poder divino, pelos sopros do Espírito Santo. Eles foram mesclados e vivificados pela infusão de uma nova vida. A espiritualidade de Cristo sobrepujou suas dificuldades, de modo que sua discórdia foi completamente eliminada. Desse modo, esses povos divergentes foram reunidos e unificados no único laço de amor capaz de unir corações. Isto mostra que os divinos Manifestantes, os sagrados Porta-vozes de Deus, são os Centros Coletivos de Deus. Esses Mensageiros celestiais são os verdadeiros Pastores da humanidade, pois sempre que Eles aparecem no mundo, unem as ovelhas dispersas. Os Centros Coletivos sempre apareceram no Oriente. Abraão, Moisés, Jesus Cristo, Muhammad foram Centros Coletivos de Suas épocas, e todos se levantaram no Oriente. Hoje, Bahá'u'lláh é o Centro Coletivo de unidade para toda a humanidade, e o esplendor de Sua luz igualmente alvoreceu no Oriente. Ele inaugurou a unicidade da humanidade na Pérsia. Estabeleceu harmonia e acordo entre povos de várias crenças religiosas, denominações, seitas e cultos, libertando-os dos grilhões das imitações e superstições do passado e conduzindo-os ao próprio fundamento das religiões divinas. É desse fundamento que resplandece a radiância da espiritualidade, que é a unidade, o amor de Deus, o conhecimento de Deus, a conduta louvável e as virtudes do mundo humano. Bahá'u'lláh renovou esses princípios, tal como a chegada da primavera refresca a terra e confere nova vida a todos os seres fenomênicos. Pois o frescor da primavera anterior se desvanecera, a vida havia cessado, as brisas vivificadoras não mais sopravam suas fragrâncias e a estação tenebrosa do inverno havia chegado. Bahá'u'lláh veio renovar a vida do mundo com esta nova e divina primavera espiritual que armou sua tenda nos países do Oriente com o máximo poder e glória. Ela refrescou o mundo oriental e não há dúvida de que, se o mundo ocidental abandonar os dogmas do passado, deixar de lado as vãs imitações e superstições, investigar a verdade das religiões divinas, segurando-se firmemente ao exemplo de Jesus Cristo, agindo de acordo com os ensinamentos de Deus e unindo-se ao Oriente, atingirá alegria e felicidade eternas.

No mundo ocidental, a civilização material atingiu o mais alto grau de desenvolvimento, mas a civilização divina foi fundada nas terras do Oriente. O Oriente deve adquirir a civilização material do Ocidente, e o Ocidente deve receber a civilização espiritual do Oriente. Isto estabelecerá laços mútuos. Quando ambas se encontrarem, o mundo humano se apresentará glorioso e alcançará progresso extraordinário. Isto é claro e evidente; não há necessidade de provas. Não se pode negar o alto nível de civilização material no Ocidente; nem se pode deixar de confirmar a civilização espiritual do Oriente, pois todos os fundamentos da elevação humana apareceram no Oriente. Isto também é claro e evidente. Por isso, deveis ajudar o Oriente a alcançar progresso material. E, do mesmo modo, o Oriente deve proclamar os princípios da civilização espiritual no mundo ocidental. Com essa junção e união, a raça humana atingirá o mais alto grau de prosperidade e desenvolvimento. A civilização material por si só não é suficiente e não se mostrará produtiva. A felicidade física de condições materiais foi designada para o animal. Considerai como o animal atingiu o mais alto grau de felicidade física. Um pássaro habita sobre os mais altos ramos e lá constrói seu ninho com consumada beleza e esmero. Todos os grãos e sementes do prado são sua riqueza e seu alimento; toda a água fresca das fontes da montanha e dos rios das planícies é para o seu prazer. Isto é verdadeiramente o ápice da felicidade material, à qual nem mesmo uma criatura humana pode chegar. Esta é a honra do reino animal. A honra do reino humano, porém, é atingir a felicidade espiritual no mundo humano, a aquisição do conhecimento e do amor de Deus. A honra reservada ao homem é a aquisição das supremas virtudes do mundo humano. Esta é sua verdadeira alegria e felicidade. Mas se forem conjugadas alegria material e felicidade espiritual, será "deleite sobre deleite", como dizem os árabes. Rogamos a Deus que una Leste e Oeste de modo que essas duas civilizações possam ser mutuamente intercambiadas e desfrutadas. Estou certo de que isto acontecerá, pois este é o século radiante. Esta é uma época da emanação da misericórdia divina sobre as necessidades deste novo século - a unidade do Oriente e do Ocidente. Isto certamente será realizado.

_______________________________
Pergunta: Qual é a posição da mulher no Oriente?

Resposta: No passado, a posição da mulher era extremamente deplorável, pois no Oriente acreditava-se que era melhor a mulher permanecer na ignorância. Considerava-se preferível que ela não soubesse ler e escrever para não se informar dos acontecimentos do mundo. Considerava-se que a mulher havia sido criada para criar os filhos e fazer as obrigações do lar. Se ela procurasse cursos educacionais, isto era tido como contrário à castidade; por isso as mulheres eram prisioneiras do lar. As casas nem sequer tinham janelas para o mundo exterior. Bahá'u'lláh destruiu estas idéias e proclamou a igualdade entre o homem e a mulher. Ele fez as mulheres respeitadas, ordenando que todas as mulheres sejam educadas, que não haja diferença alguma na educação de ambos os sexos e que o homem e a mulher gozem dos mesmos direitos. Aos olhos de Deus, não há distinção entre os sexos. Aquele cujos pensamentos são puros, cuja educação é superior, cujo conhecimento científico é maior, cujos atos de filantropia são excelentes, tem plenos direitos e reconhecimento, seja homem ou mulher, branco ou de cor; não há qualquer diferença. Por isso, a posição da mulher no Oriente mudou. Atualmente, elas freqüentam escolas e universidades, seguem o currículo normal e dia a dia se tornam indispensáveis aos homens e iguais a eles. Esta é a condição atual da mulher na Pérsia.

Pergunta: Qual a Vossa relação com o Fundador da Vossa crença? Sois Seu sucessor do mesmo modo que o papa de Roma?

Resposta: Eu sou o servo de Bahá'u'lláh, o Fundador; e nisso está a minha glória. Não há honra que eu considere maior do que esta, e tenho a esperança de ser confirmado em minha servitude a Bahá'u'lláh. Esta é a minha posição.

Pergunta: Não é fato que a paz universal não pode ser realizada a menos que haja democracia política em todos os países do mundo?

Resposta: É muito evidente que no futuro não haverá centralização nos países do mundo, sejam eles de governo constitucional, republicano ou democrático. Os Estados Unidos podem ser tomados como exemplo de futuro governo - isto é, cada província será independente em si mesma, mas haverá a união federal para proteger os interesses dos vários estados independentes. Pode não ser uma forma republicana ou democrática. A exigência do tempo é deixar de lado a centralização que promove despotismo. Isto resultará na paz internacional. Outro fato de igual importância no processo de alcançar a paz internacional é o sufrágio feminino. Isto é, quando perfeita igualdade for estabelecida entre homens e mulheres, a paz será realizada pela simples razão de que as mulheres em geral jamais serão a favor da guerra. As mulheres não deixarão aqueles de quem cuidaram tão ternamente irem para o campo de batalha. Quando puderem votar, elas se oporão à causa da guerra. Outro fator que concorrerá para a paz universal é a união entre o Oriente e o Ocidente.

Pergunta: Qual a Vossa crença a respeito da reencarnação?

Resposta: A questão da reencarnação possui dois aspectos. Um é aquele no qual o povo hindustâni acredita, e mesmo este é subdividido em dois: a reencarnação e a metempsicose. De acordo com uma das crenças, a alma vai e depois retorna em diversas reencarnações; por isso dizem que uma pessoa é doente por causa de suas ações numa encarnação anterior e que esta é sua retribuição. O outro ramo do hinduísmo crê que algumas vezes o homem aparece como animal - um burro, por exemplo - e que isto é uma retribuição às suas ações do passado. Refiro-me às crenças existentes naquele país, as crenças das escolas de pensamento. Há uma reencarnação da missão profética. Jesus Cristo, referindo-Se a João Batista, declarou que ele era Elias. Quando perguntaram a João Batista: "És tu Elias?", ele disse: "Não o sou." Essas duas afirmativas são aparentemente contraditórias, mas na realidade elas não se contradizem. A luz é a mesma luz. A luz que brilhou nesta lâmpada na noite passada brilha nela hoje. Isto não significa que os mesmos raios de luz reapareceram, mas sim as virtudes da iluminação. A mesma luz que se revelou através do globo de vidro revela-se novamente; assim, podemos dizer que a luz desta noite é a luz de ontem à noite brilhando novamente. Isto se refere às suas virtudes e não à sua identidade anterior. Este é o nosso ponto de vista a respeito da reencarnação. Nós cremos naquilo que Jesus Cristo e todos os Profetas creram. Por exemplo, o Báb disse: "Eu sou o retorno de todos os Profetas." Isto se refere à unicidade das virtudes proféticas, a unicidade de poder, a unicidade de dádiva, a unicidade de radiância, a unicidade de expressão, a unicidade de revelação.

Pergunta: Qual é a atitude de Vossa crença em relação à família?

Resposta: De acordo com os ensinamentos de Bahá'u'lláh, a família, sendo uma unidade humana, deve ser educada de acordo com as regras de santidade. Todas as virtudes devem ser ensinadas à família. A integridade dos laços de família deve ser constantemente levado em consideração, e os direitos de cada um de seus membros não devem ser transgredidos. Os direitos do filho, do pai, da mãe - nenhum pode ser transgredido, nenhum deve ser arbitrário. Assim como o filho tem certas obrigações para com seu pai, do mesmo modo o pai tem certas obrigações para com seu filho. A mãe, a irmã e outros membros da família têm certas prerrogativas. Todos esses direitos e prerrogativas devem ser preservados e a unidade da família, mantida. A ofensa de um deve ser considerada ofensa de todos; o conforto de cada um, o conforto de todos; a honra de um, a honra de todos.

Pergunta: Qual é a relação dos ensinamentos Bahá'ís com a religião zoroastriana?

Resposta: As religiões de Deus têm a mesma base, mas os dogmas que aparecem depois diferem entre si. Cada uma das religiões divinas tem dois aspectos. O primeiro é essencial. Diz respeito à moralidade e ao desenvolvimento das virtudes do mundo humano. Este aspecto é comum a todas. Ele é fundamental; é único; não varia, não se modifica. No que se refere a conselhos de moralidade e ao desenvolvimento das virtudes humanas, não há diferença entre os ensinamentos de Zoroastro, Jesus e Bahá'u'lláh. Nisso eles estão em pleno acordo; são iguais. O segundo aspecto das religiões divinas é contingente. Concerne às necessidades humanas e em cada ciclo sofre mudança de acordo com a necessidade da época. Na época de Moisés, por exemplo, o divórcio estava em conformidade com as necessidades e condições; por isso, Moisés estabeleceu-o. Mas no tempo de Cristo, os divórcios eram numerosos e eram causa de corrupção; como não era adequado à época, Ele tornou o divórcio ilegal e igualmente mudou outras leis. Essas são necessidades e limitações que têm a ver com a conduta da sociedade; por isso passam por mudanças de acordo com as exigências da época. Moisés vivia no deserto. Como no deserto não havia penitenciárias, nem meios de reabilitação, as leis de Deus eram olho por olho, dente por dente. Poderia isso ser válido hoje? Se uma pessoa destruir o olho de outra, estareis dispostos e destruir o olho do ofensor? Se o dente de uma pessoa for quebrado ou sua orelha cortada, exigireis uma mutilação correspondente no agressor? Isto não seria condizente com as condições da humanidade de hoje. Se um homem roubar, sua mão deverá ser cortada? Esta punição era justa e correta na lei de Moisés, mas ela era aplicável no deserto, onde não havia prisões e reformatórios próprios de formas de governo mais adiantadas que surgiram posteriormente. Hoje em dia há governo e organização, há um sistema policial, um juiz e um processo de júri. Hoje em dia punição e penalidade são diferentes. Por isso, os ensinamentos não-essenciais que tratam dos pormenores da sociedade mudam de acordo com as exigências e condições da época. Mas os fundamentos essenciais dos ensinamentos de Moisés, Zoroastro, Jesus e Bahá'u'lláh são idênticos, são iguais. Não há qualquer diferença entre eles.

Pergunta: A palavra paz é mais importante do que amor?

Resposta: Não! Amor é mais importante do que paz, pois paz se baseia no amor. Amor é o ponto focal da paz, e paz é o resultado do amor. A menos que haja amor, não pode haver paz; mas há uma assim chamada paz sem amor. O amor proveniente de Deus é fundamental. Este amor é o objeto de toda realização humana, a radiância do céu, a luz do homem.

Pergunta: Podeis citar os princípios de Vossa fé?

Resposta: Primeiro, investigar a verdade. O homem deve abandonar a imitação e buscar a verdade. As crenças religiosas contemporâneas divergem por causa de sua submissão a dogmas. É necessário, portanto, abandonar imitações e buscar a verdade fundamental delas.

Segundo, a unicidade da humanidade. Todos os homens são servos de Deus. Todos estão submersos no oceano de Sua misericórdia. O Criador de todos é o Deus uno; o Provedor, o Generoso, o Protetor de todos é o Deus único. Ele é bondoso para com todos; por que nós deveríamos ser maldosos? Todos vivem à sombra de Seu amor? Por que deveríamos odiar uns aos outros? Há certas pessoas que são ignorantes; elas devem ser educadas. Algumas são como crianças; devem ser treinadas e educadas até atingirem a maturidade. Algumas são doentias, intelectualmente fracas, espiritualmente débeis; devem ser tratadas e restabelecidas. Mas todos são servos de Deus.

Terceiro, a religião deve conduzir ao amor a todos, ser causa de companheirismo, unidade e luz. Se ela for causa de inimizade, carnificina e ódio, sua inexistência é melhor que sua existência. Religião e ciência estão em harmonia e acordo. Se uma questão religiosa violar a razão e não estiver de acordo com a ciência, é pura imaginação e não merece crédito.

Quarto, igualdade entre homens e mulheres. Eles são iguais em todos os níveis. Deve haver um ajuste das leis econômicas para a subsistência dos homens para que toda a humanidade possa viver na maior alegria, cada um de acordo com seu grau.

Quinto, fraternidade espiritual. Toda a humanidade deve atingir a fraternidade espiritual - isto é, fraternidade no Espírito Santo - pois fraternidade patriótica, racial e política de nada adiantam. Seus resultados são escassos; mas a fraternidade divina, a fraternidade espiritual, é causa de unidade e amizade entre os homens. Até agora a civilização material foi estendida, agora a civilização divina deve ser proclamada. A menos que as duas se harmonizem, a verdadeira felicidade será desconhecida entre a humanidade. Pelo mero desenvolvimento intelectual e o poder da razão o homem não pode galgar sua mais elevada posição - isto quer dizer que apenas por intermédio do intelecto ele não pode obter o progresso realizado pela religião. Pois os filósofos do passado em vão tentaram revivificar o mundo da humanidade através da faculdade do intelecto. O máximo que eles conseguiram foi educarem a si mesmos e a um número limitado de discípulos; eles mesmos confessaram seu fracasso. Por isso, o mundo humano deve ser confirmado pelos sopros do Espírito Santo para receber educação universal. Pela infusão do poder divino todas as nações e povos são revivificados e a felicidade universal é possível.

Estes são alguns dos princípios Bahá'ís.

Pergunta: Quem é que mais ajudará esta religião, o homem ou a mulher? Qual será mais capaz?

Resposta: Na Pérsia, os homens lhe têm dado maior ajuda, mas, quem sabe no Ocidente sejam as mulheres. No Ocidente, sem dúvida as mulheres têm precedência na religião, mas no Oriente os homens as superam.

Pergunta: Qual será o alimento do povo unido?

Resposta: À medida que a humanidade evolui, a carne será cada vez menos usada, pois os dentes do homem não são carnívoros. Por exemplo, o leão é dotado de dentes carnívoros, próprios para a carne, e se não houver carne, o leão morre de inanição. O leão não pode pastar; seus dentes são de outro formato. O sistema digestivo do leão é tal que não pode receber nutrientes senão através da carne. A águia possui um bico curvo, sendo a parte inferior mais curta do que a superior. A águia não pode apanhar grãos; não pode pastar; portanto é obrigada a comer carne. Os animais domésticos possuem dentes herbívoros, apropriados para comer capim, que é seu alimento. Os dentes humanos, os molares, são formados para triturar grãos. Os dentes dianteiros, os incisivos, são apropriados para frutas, etc. Por isso, de acordo com os implementos para a alimentação, torna-se evidente que o alimento do homem deve ser grãos e não carne. Quando a humanidade estiver mais plenamente desenvolvida, comer carne será gradualmente abandonado.

7
8 DE JUNHO DE 1912

Palestra à Rua Setenta e Oito, 309, Zona Oeste, Nova Iorque

Registrada por John G. Grundy

Hoje em dia a sociedade tem grande necessidade de um médico. É como um corpo humano que sofre de severas enfermidades. O médico faz o diagnóstico e prescreve o tratamento. No entanto ele não prescreve sem antes fazer o diagnóstico. O mal que aflige a sociedade é falta de amor e ausência de altruísmo. Não há verdadeiro amor nos corações dos homens, e a situação é tal que não há qualquer possibilidade de restabelecimento e harmonia para o gênero humano, a menos que suas suscetibilidades sejam despertadas por algum poder, de modo que essa unidade, esse amor e concórdia se desenvolvam entre os homens. Amor e unidade são as necessidades da sociedade hoje. Sem eles não pode haver qualquer progresso ou prosperidade. Portanto, os amigos de Deus devem aderir ao poder que criará esse amor e unidade nos corações dos filhos dos homens. A ciência não pode curar a enfermidade da sociedade. A ciência não pode criar amizade e companheirismo nos corações humanos. Nem o patriotismo nem a fidelidade racial constituem o remédio. Isto só pode ser obtido através das graças divinas e dádivas espirituais que hoje emanam de Deus para este propósito. Esta é uma exigência dos tempos, e o remédio divino foi provido. Somente os ensinamentos espirituais da religião de Deus podem criar este amor, unidade e harmonia nos corações humanos.

Portanto, apoiai estes representantes celestiais que Deus providenciou para que através do amor de Deus este laço espiritual possa ser estabelecido, essa união de corações, realizada, e a luz da verdadeira unidade se irradie de vós para todo o universo. Se não nos segurarmos firmemente a esses representantes e intermediários divinos, não haverá resultado algum. Oremos a Deus que alegre nossos espíritos para que possamos contemplar a descida de Suas graças, ilumine nossos olhos para testemunharmos Sua grande orientação e afine nossos ouvidos para desfrutarmos as melodias celestiais da Palavra divina. Esta é nossa maior esperança. Este é nosso propósito final.

IX
PALESTRAS PROFERIDAS
POR 'Abdu'l-Bahá NA
FILADÉLFIA
1
9 DE JUNHO DE 1912
Palestra na Igreja Unitária
Esquina da Rua Quinze com Avenida Girard,
Filadélfia, Pensilvânia
Registrada por Edna McKinney

Eu vim de terras distantes do Oriente, donde as luzes celestiais sempre resplandeceram, das regiões em que os Manifestantes de Deus surgiram e o esplendor e poder de Deus se revelaram à humanidade. O objetivo e a intenção de minha visita é que talvez um laço de unidade e acordo possa ser estabelecido entre o Oriente e o Ocidente, que o amor divino possa abranger todas as nações, a radiância divina possa iluminar ambos os continentes e as graças do Espírito Santo revivifiquem o corpo do mundo. Por isso, suplico no limiar de Deus que Oriente e Ocidente possam se tornar como um, que os vários povos e religiões sejam unidos e as almas se mesclem como ondas de um só mar. Que se tornem como árvores, flores e rosas que adornam e embelezam o mesmo jardim.

O domínio da Divindade é uma unicidade indivisível, inteiramente santificado acima da compreensão humana; pois o conhecimento intelectual da criação é finito, ao passo que a compreensão da Divindade é infinita. Como pode o finito compreender o infinito? Nós somos a completa pobreza, enquanto a realidade da Divindade é a absoluta riqueza. Como pode a completa pobreza compreender a absoluta riqueza? Nós somos completa fraqueza, enquanto a realidade da Divindade é absoluto poder. A completa fraqueza nunca poderá atingir ou compreender o absoluto poder. Os seres fenomênicos, cativos de limitações, estão constantemente sujeitos a mudança e transformação de condições. De que modo poderiam esses seres fenomênicos perceber a imutável realidade eterna e celestial? Seguramente, esta é uma absoluta impossibilidade, pois quando estudamos o mundo da criação vemos que a diferença de nível é uma barreira a tal conhecimento. Um nível inferior jamais pode compreender um nível ou reino superior. O mineral, não importa quanto possa avançar, jamais poderá atingir o conhecimento do vegetal. Não importa quanto a planta progrida, jamais poderá perceber a realidade do reino animal - em outras palavras, ele não pode compreender um reino dotado do poder dos sentidos. O animal pode desenvolver um maravilhoso grau de inteligência, mas jamais poderá atingir as capacidades intelectuais e de reflexão consciente que são próprias do homem. É evidente, portanto, que a diferença de nível é sempre um obstáculo para a compreensão de um nível superior pelo inferior. Esta flor, tão bela e fresca, fragrante e delicadamente perfumada, embora possa ter atingido a perfeição em seu próprio reino, não pode compreender a realidade humana, não tem capacidade de ver e ouvir; portanto, sua existência é inconsciente do mundo humano, embora o homem e ela própria sejam ambos seres contingentes e dependentes. A diferença é de nível. A limitação de um nível inferior é a barreira de compreensão.

Sendo assim, como pode a realidade humana, limitada que é, compreender o eterno e o oculto Criador? Como pode o homem compreender o Senhor onisciente e onipresente? Sem dúvida, ele não pode, pois tudo o que puder ser percebido pela mente humana é sua própria concepção limitada, enquanto o Reino divino é ilimitado, infinito. Mas embora a realidade da Divindade seja santificada acima da compreensão de Suas criaturas, concedeu Suas graças a todos os reinos do mundo fenomênico, e as evidências da manifestação espiritual são testemunhadas em todos os reinos da existência contingente. A luz de Deus ilumina o mundo humano, tal como o esplendor do sol brilha gloriosamente sobre a criação material. O Sol da Realidade é um; suas dádivas são uma; seu calor é um; seus raios são um; ele brilha sobre todo o mundo fenomênico, mas a capacidade de compreendê-lo difere de acordo com o reino, sendo que cada reino recebe a luz e a graça do Sol eterno conforme sua capacidade. A escura pedra recebe a luz do sol material; as árvores e animais a recebem igualmente. Todos existem e são desenvolvidos por aquela mesma graça. A perfeita alma do homem - isto é, o indivíduo perfeito - é como um espelho no qual se reflete o Sol da Realidade. As perfeições, a imagem e a luz daquele Sol se revelam no espelho; seu calor e luz se manifestam nele, pois essa alma pura é a perfeita expressão daquele Sol.

Esses espelhos são os Mensageiros de Deus que contam a história da Divindade, tal como o espelho material reflete a luz e o disco do sol exterior no céu. Deste modo, a imagem e a fulgência do Sol da Realidade aparecem nos espelhos dos Manifestantes de Deus. É isto que Jesus Cristo quis dizer ao declarar: "o pai está no filho", isto é, que a realidade daquele Sol eterno refletiu-se em sua glória no próprio Cristo. Não significa que o Sol da Realidade desceu de seu lugar nos céus, ou que seu ser essencial entrou no espelho, pois para a realidade da Divindade não há nem entrada nem saída; não há ingresso nem egresso; ele é santificado acima de todas as coisas e ocupa eternamente sua própria posição sagrada. Mudanças e transformações não se aplicam àquela realidade eterna. Transformação de uma condição a outra é atributo das realidades contingentes.

Num tempo em que conflito e guerra prevaleciam entre as nações, inimizade e ódio separavam seitas e denominações, e as divergências humanas eram muito grandes, Bahá'u'lláh surgiu no horizonte do Oriente, proclamando a unicidade de Deus e a unidade do mundo humano. Ele proclamou que todos os homens são servos de um único Deus; que todos vieram a existir através das dádivas de um só Criador; que Deus é bondoso para com todos, nutre, educa e protege a todos, provê a todos e concede Seu amor e misericórdia a todas as raças e povos. Uma vez que Deus é amoroso, por que nós deveríamos ser injustos e maldosos? Já que Deus manifesta lealdade e misericórdia, por que nós deveríamos mostrar inimizade e ódio? Certamente a política divina é mais perfeita do que teorias e planos humanos; pois independente de quão sábio e sagaz um homem possa vir a ser, jamais poderá atingir uma política superior à de Deus. Portanto, devemos emular a atitude de Deus, amar todas as pessoas, ser justos e bondosos com todo ser humano. Devemos considerar todos como folhas, ramos e frutos de uma só árvore, filhos da mesma família; pois todos são descendentes de Adão. Somos ondas de um só mar, a grama do mesmo prado, estrelas de um único céu; e encontramos abrigo no divino Protetor universal. Se alguém estiver doente, deve ser tratado; o ignorante deve ser educado; o adormecido deve ser despertado; o morto deve ser ressuscitado. Estes são os fundamentos dos ensinamentos de Bahá'u'lláh.

Ao proclamar a unicidade da humanidade, Ele ensinou que homem e mulher são iguais perante Deus e não se pode fazer qualquer distinção entre eles. A única diferença entre eles é devida à escassez de educação e treinamento. Se a mulher receber a mesma oportunidade de educação, a discriminação e a idéia de inferioridade desaparecerão. O mundo humano tem duas asas, por assim dizer: uma é a mulher; a outra, o homem. Se uma asa for deficiente, a asa que estiver forte e perfeita não será capaz de voar. O mundo humano possui duas mãos. Se uma for imperfeita, a mão eficiente fica limitada e não consegue executar suas tarefas. Deus é o Criador do gênero humano. Ele dotou ambos os sexos de perfeições e inteligência, deu-lhes membros e órgãos dos sentidos, sem distinção ou característica de superioridade; portanto, qual o motivo de se considerar a mulher inferior? Isto não está de acordo com o plano e a justiça de Deus. Ele os criou iguais; para Ele não há qualquer questão de sexo. Aquele cujo coração for mais puro, cujos atos forem mais perfeitos, é aceitável perante Deus, seja homem ou mulher. Na história, muitas vezes as mulheres foram o orgulho da humanidade - por exemplo, Maria, a mãe de Jesus. Ela foi a glória da humanidade. Maria Madalena, Ásíyih, filha do Faraó, Sara, esposa de Abraão, e inúmeras outras glorificaram a raça humana pela sua excelência. Nos dias de hoje há mulheres Bahá'ís que brilham muito mais que os homens. Elas são sábias, talentosas, bem informadas, progressistas, muito inteligentes e a luz dos homens. Em questão de coragem, elas superam os homens. Quando elas falam nas reuniões, os homens ouvem com grande respeito. Além disso, a educação das mulheres é mais importante que a dos homens, pois elas são as mães da raça humana, e são as mães que educam os filhos. As primeiras educadoras das crianças são as mães. Por isso elas devem ser eficientemente treinadas para educarem tanto filhos como filhas. Nas palavras de Bahá'u'lláh há muitas provisões a esse respeito.

Ele proclamou a adoção da mesma trajetória educacional para homens e mulheres. Filhos e filhas devem seguir o mesmo currículo escolar, promovendo assim a unidade entre os sexos. Quando toda a humanidade tiver as mesmas oportunidade de educação e a igualdade entre homens e mulheres for realizada, os fundamentos da guerra serão completamente destruídos. Sem igualdade isto será impossível, pois todas as diferenças e distinções levarão à discórdia e contenda. Igualdade entre homens e mulheres resultará na abolição da guerra porque as mulheres jamais aceitarão sancioná-la. Mães não entregarão seus filhos como sacrifícios nos campos de batalha depois de vinte anos de ansiedade e devotado amor para criá-los desde a infância, não importa qual a causa a que são chamados para defender. Não há dúvida de que, quando as mulheres obtiverem igualdade de direitos, a guerra cessará completamente entre o gênero humano.

Bahá'u'lláh proclamou a unicidade fundamental da religião. Ele ensinou que a realidade é uma e não múltipla, que ela é subjacente a todos os preceitos divinos e que, portanto, os fundamentos de todas as religiões são os mesmos. Aos poucos vão surgindo certos modelos e imitações. Como estes são variados, criam divergência entre os adeptos das religiões. Se deixarmos essas imitações de lado e buscarmos a realidade fundamental subjacente às nossas crenças, chegaremos a uma base de concórdia, pois ela é uma só e não múltipla.

Outro entre os princípios de Bahá'u'lláh é a harmonia entre ciência e religião. A religião deve resistir à análise da razão. Ela deve concordar com fatos e provas científicos a fim de que a ciência sancione a religião e a religião fortaleça a ciência. Ambas são indissoluvelmente ligadas e unidas na realidade. Se as declarações e os ensinamentos da religião forem contrários à ciência e à razão, são produtos de superstição e imaginação. Inúmeras doutrinas e crenças desse tipo surgiram no passado. Considerai as superstições e a mitologia dos romanos, gregos e egípcios; eram todas contrárias à religião e à ciência. Agora é evidente que as crenças dessas nações eram superstições, mas naquela época elas se agarravam a essas com a maior tenacidade. Por exemplo, um dos muitos ídolos egípcios era para aquele povo um autêntico milagre, ao passo que na realidade era apenas um pedaço de pedra. Como a ciência não poderia aceitar a natureza e a origem miraculosa de um pedaço de pedra, a crença nela deve ter sido superstição. Agora é evidente que era superstição. Por isso, devemos nos afastar de tais crenças e investigar a realidade. Aquilo que for considerado real e de acordo com a razão deve ser aceito, e qualquer coisa que a ciência e a razão não puderem sustentar deve ser rejeitado como imitação e não realidade. Assim diferenças de crença desaparecerão. Todos se tornarão como uma família, um povo, e as mesmas sensibilidades à graça divina e educação serão testemunhadas em meio ao gênero humano.

Ó Tu Senhor clemente! És o amparo de todos estes servos Teus. Conheces os segredos e mistérios de todas as coisas. Estamos desamparados, e Tu és o Poderoso, o Onipotente. Nós todos somos pecadores, e Tu és Quem absolve os pecados, o Misericordioso, o Compassivo. Ó Senhor! Não olhes nossas faltas. Trata-nos de acordo com Tua graça e generosidade. Nossas faltas são numerosas, mas o oceano de Teu perdão é ilimitado. Nossa fraqueza é grave, mas a evidência de Tua ajuda e assistência são claras. Confirma-nos, pois, e fortalece-nos. Capacita-nos a realizar aquilo que nos torne dignos de Teu sagrado Limiar. Ilumina nossos corações, dá discernimento a nossos olhos e torna atento nossos ouvidos. Ressuscita os mortos e cura os enfermos. Ao pobre, concede riqueza e ao que teme, confiança e paz. Aceita-nos em Teu Reino. Ilumina-nos com a luz da guia. Tu és o Poderoso, o Onipotente. És o Generoso. És o Clemente. És o Benévolo.

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9 DE JUNHO DE 1912
Palestra no Templo Batista

Esquina das Ruas Broad e Berks, Filadélfia, Pensilvânia

Registrada por Edna McKinney

Tenho grande prazer de estar presente esta noite. Esta é uma reunião verdadeiramente espiritual. Percebo as fragrâncias do Reino celestial entre vós - devoção a Deus, intenção sincera e amor espiritual. Boas-novas!

Desde o tempo da criação de Adão até hoje houve dois caminhos no mundo da humanidade: um é o instintivo ou materialista, o outro, religioso ou espiritual. O caminho dos instintos é o do reino animal. O animal age de acordo com os requisitos da natureza, segue seus próprios instintos e desejos. Quaisquer que sejam seus impulsos e inclinações, ele tem a liberdade de satisfazê-los; ainda assim, ele é cativo da natureza. Ele não pode se desviar, nem no mínimo grau, do caminho que a natureza estabeleceu. Ele carece completamente de sensibilidade espiritual, ignora a religião divina e desconhece o Reino de Deus. O animal não tem qualquer capacidade de formar idéias ou de inteligência consciente; é cativo dos sentidos e é privado de tudo além deles. Está sujeito àquilo que o olho vê, o ouvido ouve, as narinas sentem, a gustação detecta e o tato revela. Estes sentidos são aceitáveis e suficientes para o animal. Mas aquilo que está além do alcance dos sentidos, o domínio daqueles fenômenos através dos quais o caminho consciente ao Reino de Deus passa, o mundo das sensibilidades espirituais e da religião divina - desses o animal é absolutamente inconsciente, pois na sua mais elevada posição ele é cativo da natureza.

Uma das coisas mais estranhas é que os materialistas de hoje se orgulham de seus instintos e dependências naturais. Eles afirmam que nada é digno de crédito e aceitação exceto aquilo que é sensível e tangível. Pela sua própria afirmativa, eles são cativos da natureza, inconscientes do mundo espiritual, alheios ao Reino divino e insipientes das dádivas divinas. Se isto é uma virtude, o animal a atingiu em grau superlativo, pois o animal desconhece completamente o domínio do espírito e é privado de qualquer contato com o mundo interior da percepção consciente. O animal estaria de acordo com os materialistas em negar a existência daquilo que transcende os sentidos. Se admitirmos que limitar-se ao plano dos sentidos é uma virtude, o animal é de fato mais virtuoso que o homem, pois é inteiramente privado daquilo que se encontra além e absolutamente inconsciente do Reino de Deus e seus sinais, enquanto Deus entesourou na criatura humana uma ilimitada capacidade pela qual ele pode reger o mundo da natureza.

Considerai como todos os outros seres fenomênicos são cativos da natureza. O sol, aquele colossal centro do nosso sistema solar, as estrelas e planetas gigantes, as imensas montanhas, o próprio globo terrestre e seus reinos inferiores ao ser humano - são todos cativos da natureza, exceto o homem. Nenhum outro ser criado pode, nem que seja no mais ínfimo grau, desviar-se da submissão às leis da natureza. O sol, em sua glória e grandeza, milhões de milhas afastado, é cativo em sua órbita de revolução universal, sujeito ao controle natural do universo. O homem é o regente da natureza. De acordo com a restrição e lei natural ele deveria permanecer sobre a terra, mas vede como ele transgride essa lei e voa por sobre as montanhas em aviões. Ele navega a superfície do oceano e submerge nas profundezas em submarinos. O homem faz da natureza sua serva; ele subordina, por exemplo, a poderosa energia da eletricidade e a aprisiona numa pequena lâmpada para seu uso e conveniência. Ele fala do Oriente para o Ocidente através de um fio. Ele é capaz de armazenar e guardar sua voz num fonógrafo. Embora viva sobre a terra, ele penetra os mistérios dos mundos estelares inconcebivelmente distantes. Descobre realidades ocultas no interior da terra, descobre tesouros, desvenda segredos e mistérios do mundo fenomênico e traz à luz aquilo que de acordo com as cuidadosas leis da natureza deveria permanecer oculto, desconhecido e insondável. Por intermédio de uma perfeita capacidade interior o homem traz essas realidades do plano invisível para o visível. Isto é contrário à lei da natureza.

É evidente, portanto, que o homem exerce domínio sobre o campo da natureza. A natureza é inerte; o homem é progressista. A natureza não possui consciência; o homem é dotado dela. A natureza não possui vontade e age forçosamente, enquanto o homem possui uma poderosa vontade. A natureza é incapaz de descobrir mistérios e realidades, ao passo que o homem é especialmente capaz de fazer isso. A natureza não tem relação com o domínio de Deus; o homem se sintoniza com suas evidências. A natureza não tem conhecimento de Deus; o homem tem consciência dEle. O homem adquire virtudes; a natureza é privada delas. O homem pode voluntariamente eliminar vícios; a natureza não possui poder de modificar a influência de seus instintos. Em suma, é evidente que o homem é mais nobre e superior, e que nele existe uma capacidade perfeita que supera a natureza. Ele tem consciência, vontade, memória, inteligência, atributos divinos e virtudes de que a natureza carece totalmente; por isso, o homem é mais elevado e nobre devido à perfeita força celestial latente e manifesta nele.

Como parece estranho que o homem, apesar de ser dotado desse poder perfeito, possa descer a um nível que lhe é inferior e simplesmente se declarar claramente inferior à sua verdadeira posição. Deus criou nele um tal espírito consciente que ele é o mais maravilhoso de todos os seres contingentes. Ignorando essas virtudes ele desce ao plano material, considera a matéria o governante da existência e nega aquilo que está além dela. Será isso virtude? No sentido mais amplo, isso é animalesco, pois o animal nada mais percebe. Na verdade, desse ponto de vista o animal é o maior filósofo, pois ignora completamente o Reino de Deus, não tem qualquer sensibilidade espiritual e não possui conhecimento algum do mundo celestial. Em suma, esta é uma visão do caminho da natureza.

O segundo caminho é o da religião, o caminho do Reino divino. Ele implica a aquisição de atributos louváveis, iluminação celestial e atos justos no mundo humano. Este caminho conduz ao progresso e elevação do mundo. É fonte de iluminação humana, educação e melhoramento ético - o ímã que atrai o amor de Deus por causa do conhecimento de Deus que ele concede. Este é o caminho dos santos Manifestantes de Deus; pois na realidade Eles são a base da divina religião da unicidade. Não há mudança ou transformação nesse caminho. É a causa do aperfeiçoamento humano, a aquisição de virtudes e iluminação do gênero humano.

Infelizmente a humanidade está completamente submersa em imitações e falsidades, embora a verdade da religião divina tenha sempre permanecido a mesma. Superstições obscureceram a verdade fundamental, o mundo escureceu e a luz da religião está oculta. Esta escuridão leva a divergências e dissensões; há muitos e variados rituais e dogmas; por isso surgiu discórdia entre os sistemas religiosos, enquanto a religião é para a unificação da espécie humana. A verdadeira religião é fonte de amor e harmonia entre os homens, a causa de desenvolvimento de qualidades louváveis, mas os povos se apegam à falsificação e à imitação, negligenciam a realidade que unifica, privando-se assim da radiância da religião. Seguem superstições herdadas de seus pais e ancestrais. De tal modo isto prevaleceu que eles retiraram a luz celestial da verdade divina e permanecem na escuridão das imitações e imaginações. Aquilo que estava destinado a conduzir à vida tornou-se causa de morte; aquilo que era um fator de conhecimento, agora é prova de ignorância; aquilo que era um elemento de sublimidade da natureza humana mostrou-se como sua degradação. Por isso, o domínio dos religiosos restringiu-se e obscureceu-se gradativamente, ampliando-se e avançando o campo dos materialistas; pois os religiosos se prenderam à imitação e à falsidade, negligenciando e abandonando a santidade e a sagrada realidade da religião. Quando o sol se põe, é o tempo dos morcegos voarem. Eles avançam porque são criaturas da noite. Quando a luz da religião obscurece, os materialistas aparecem. Eles são os morcegos da noite. O declínio da religião é o tempo de sua atividade; eles procuram as sombras quando o mundo mergulha na escuridão e as nuvens se espalham sobre ele.

Bahá'u'lláh surgiu no horizonte oriental. Ele veio ao mundo como a glória do sol. Refletiu a realidade da religião divina, dispersou as trevas da imitação, colocou as bases de novos ensinamentos e ressuscitou o mundo.

O primeiro ensinamento de Bahá'u'lláh é a investigação da verdade. O homem deve procurar a verdade por si mesmo, afastando-se da imitação e de meras formas herdadas. Como as nações do mundo estão seguindo imitações em vez da verdade e as imitações são muitas e variadas, diferenças de crença têm resultado em conflito e guerra. Enquanto essas imitações permanecerem, a unicidade do mundo humano é impossível. Por isso, devemos investigar a verdade para que através de suas luzes as nuvens e a escuridão possam ser dispersas. A realidade é apenas uma; ela não admite multiplicidade ou divisão. Se as nações do mundo investigarem a verdade, elas se harmonizarão e se tornarão unidas. Muitas pessoas e seitas na Pérsia buscaram a verdade através da guia e dos ensinamentos de Bahá'u'lláh. Elas se tornaram unidas e agora vivem numa condição de harmonia e amor; não mais existe o menor traço de inimizade e conflito entre elas.

Os judeus estavam esperando o aparecimento do Messias, buscando-o de coração e alma, mas, por estarem submersos em imitações, não acreditaram em Jesus Cristo quando Ele apareceu. Finalmente levantaram-se contra Ele até o extremo de persegui-Lo e derramar Seu sangue. Se tivessem investigado a verdade, teriam aceito seu prometido Messias. Essas cegas imitações e preconceitos hereditários invariavelmente se tornaram a causa de amargura e ódio, e encheram o mundo com a treva e a violência da guerra. Por isso, devemos buscar a verdade fundamental para nos desembaraçarmos de tais condições e então, com faces iluminadas, encontrarmos o caminho para o Reino de Deus.

O segundo ensinamento de Bahá'u'lláh diz respeito à unidade do gênero humano. Todos são servos de Deus e membros da mesma família humana. Deus criou a todos e todos são Seus filhos. Ele educa, nutre, provê e é bondoso a todos. Por que nós deveríamos ser injustos e maldosos? Esta é a política de Deus, cuja luz brilhou no mundo todo. Seu sol concede seu esplendor indistintamente a todos; Suas nuvens vertem chuva sem distinção ou privilégio; Suas brisas refrescam a terra inteira. É evidente que o gênero humano, sem exceção, é abrigado à sombra de Sua mercê e proteção. Alguns são imperfeitos; eles devem ser aperfeiçoados. Os insipientes devem ser instruídos, os enfermos, restabelecidos, os adormecidos, despertados. A criança não deve ser oprimida ou censurada porque não é desenvolvida; ela deve ser pacientemente treinada. Os enfermos não devem ser negligenciados por estarem doentes; ao contrário, devemos ter compaixão e ajudar a curá-los. Em suma, as antigas condições de animosidade, fanatismo e ódio entre os sistemas religiosos devem ser abandonadas e as novas condições de amor, harmonia e fraternidade espiritual, estabelecidas entre eles.

O terceiro ensinamento de Bahá'u'lláh é que a religião deve ser fonte de companheirismo, causa de unidade e a proximidade de Deus ao homem. Se ela promover ódio e contenda, evidentemente a ausência da religião é preferível e um homem irreligioso, melhor do que aquele que a professa. De acordo com a intenção e a Vontade divina, a religião deve ser causa de amor e concórdia, um laço para unir toda a humanidade, pois ela é a mensagem de paz e benevolência de Deus ao homem.

O quarto princípio de Bahá'u'lláh é a harmonia entre a religião e a ciência. Deus dotou o homem de inteligência e razão, por meio das quais ele deve decidir a veracidade das questões e proposições. Se as crenças e opiniões religiosas forem consideradas contrárias ao padrão da ciência, elas são meras superstições e imaginações; pois a antítese do conhecimento é ignorância, e o filho da ignorância é superstição. Inquestionavelmente deve haver concordância entre a verdadeira religião e a ciência. Se uma questão for considerada contrária à razão é impossível ter fé e crer nela, e dela nada resulta senão indecisão e hesitação.

Bahá'u'lláh ensinou também que os preconceitos - sejam religiosos, raciais, patrióticos ou políticos - destroem as bases do desenvolvimento humano. Preconceitos de qualquer espécie são destruidores da felicidade e do bem-estar humanos. A menos que sejam banidos, o progresso do mundo humano é impossível; por enquanto há preconceitos raciais, religiosos e nacionais em toda parte. Durante milhares de anos o mundo humano foi agitado e perturbado por preconceitos. Enquanto eles perdurarem, guerra, animosidade e ódio hão de continuar. Por isso, se quisermos estabelecer a paz, devemos deixar de lado este obstáculo; pois de outro modo não haverá concórdia e compostura.

Sexto, Bahá'u'lláh deixou princípios de orientação e ensinamentos para o reajustamento da economia. Revelou regulamentos que asseguram o bem estar da comunidade. Assim como o rico desfruta sua vida cercado por facilidades e luxo, o pobre deve, igualmente, ter um lar e obter sua subsistência e conforto de acordo com suas necessidades. Este reajustamento da economia social é de suprema importância, uma vez que garante a estabilidade do mundo humano; e a menos que ele seja atingido, felicidade e prosperidade são impossíveis.

Sétimo, Bahá'u'lláh ensinou que um padrão eqüitativo de direitos humanos deve ser reconhecido e adotado. Perante Deus, todos os homens são iguais; no domínio de Sua justiça e eqüidade não há qualquer distinção ou preferência a qualquer alma.

Oitavo, educação é essencial e todos os padrões de treino e ensino em todo o mundo humano devem estar em conformidade e acordo; um currículo universal deve ser estabelecido e as bases para a ética devem ser as mesmas.

Nono, uma língua universal deve ser adotada e ensinada por todas as escolas e instituições do mundo. Um comitê designado por corpos nacionais de aprendizado deve selecionar um idioma adequado para ser usado como um meio de comunicação internacional. Todos devem aprendê-lo. Este é um dos grandes fatores para a unificação da humanidade.

Décimo, Bahá'u'lláh enfatizou e estabeleceu a igualdade do homem e da mulher. O sexo não é específico da humanidade; ele existe em todos o reinos animados, mas sem distinção ou preferência. No reino vegetal, há completa igualdade entre macho e fêmea de cada espécie. De igual modo, há igualdade no plano do animal; todos estão sob a proteção de Deus. Será apropriado ao homem, a mais nobre das criaturas, fazer tal distinção e insistir nela? A falha no progresso e proficiência das mulheres era devida à carência de educação e oportunidade iguais. Se lhe fosse permitida essa igualdade, não há dúvida de que ela seria equiparada ao homem em habilidade e capacidade. A felicidade da humanidade será atingida quando mulheres e homens, coordenados, avançarem igualmente, pois cada um é o complemento e assistente do outro.

O mundo humano não pode avançar meramente por intermédio de poderes físicos e realizações intelectuais; ao contrário, o Espírito Santo é essencial. O Pai divino deve auxiliar o mundo humano a atingir a maturidade. O corpo do homem está carente de energia física e mental, mas seu espírito requer a vida e a fortaleza do Espírito Santo. Sem sua proteção e vivificação, o mundo humano se extinguiria. Jesus Cristo declarou: "Deixa que os mortos enterrem os seus mortos." (Mateus 8:22) Disse também: "O que nasceu da carne é carne; o que nasceu do Espírito é espírito." (João 3:6) De acordo com Cristo, é evidente, portanto, que o espírito humano que não for fortificado pela presença do Espírito Santo está morto e precisa de ressurreição pelo poder divino; senão, embora materialmente avançado a graus elevados, o homem não pode atingir pleno e completo progresso.

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PALESTRAS PROFERIDAS
POR 'Abdu'l-Bahá EM
NOVA IORQUE E BROOKLYN
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11 DE JUNHO DE 1912
Palestra na Reunião do Comitê Aberto
Residência do Sr. e Sra. Edward B. Kinney
Avenida West End, 780, Nova Iorque
Registrada por Howard MacNutt

É minha esperança que as reuniões da Assembléia Bahá'í em Nova Iorque se tornem como as reuniões da Assembléia Suprema. Ao vos reunirdes, deveis refletir as luzes do Reino celestial. Que vossos corações sejam como espelhos nos quais a luz do Sol da Realidade é visível. Cada alma deve ser uma estação telegráfica - tendo uma extremidade do fio ligada à alma e a outra, à Assembléia Suprema - para que a inspiração possa descer do Reino de Abhá e os assuntos da realidade sejam discutidos. Então as opiniões coincidirão com a verdade; dia após dia haverá progresso e as reuniões tornar-se-ão mais radiantes e espirituais. Isto depende de unidade e harmonia. Quanto mais perfeitos forem o amor e a concórdia, mais as confirmações divinas e a assistência da Abençoada Perfeição descerão. Que esta seja uma reunião divina, e que ilimitadas dádivas sejam derramadas sobre vós. Esforçai-vos de todo coração e com a própria força da vida para que unidade e amor possam crescer continuamente. Nas discussões, olhai a realidade sem apego à vossa própria opinião. Que ninguém assevere nem insista em sua própria opinião; ao contrário, que cada um investigue a verdade com o máximo amor e companheirismo. Consultai sobre todos os assuntos, e quando alguém apresentar o ponto de vista da própria verdade, deve ser aceitável a todos. Somente assim a unidade espiritual crescerá entre vós, a iluminação individual será maior, a felicidade será mais abundante e vós estareis cada vez mais próximos do Reino de Deus.

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11 DE JUNHO DE 1912

Palestra na Rua Setenta e Oito, 309, Zona Oeste, Nova Iorque

Registrada por Howard MacNutt

Nós recém voltamos de uma visita a Filadélfia, passando duas noites lá e falando em duas grandes igrejas. O clima estava ruim e afetou minha saúde. O único propósito de ir de um lugar a outro é difundir a luz da verdade neste mundo tenebroso. Devido à minha idade, é difícil viajar. Algumas vezes as dificuldades são árduas, mas, por amor aos amigos de Deus e pelo desejo de me sacrificar no caminho de Deus, eu as suporto com alegria. O objetivo é o resultado conseguido - amor e unidade entre os homens, pois o mundo está obscurecido pela discórdia e egoísmo, os corações estão negligentes, as almas estão afastadas de Deus e de Suas dádivas celestiais. O homem está submerso nos afazeres deste mundo. Seus objetivos, metas e realizações são efêmeros, ao passo que Deus deseja para ele realizações imorredouras. Em seu coração não há lugar para pensamento em Deus. Ele sacrificou seu quinhão e direito inato à divina espiritualidade. Desejo e paixão, como dois cavalos incontroláveis, arrancaram dele as rédeas do controle e galopam desvairados na desolação. Esta é a causa da degradação do mundo humano. Esta é a causa de seu retrocesso aos apetites e paixões do reino animal. Em vez de evolução celestial, encontramos servidão à sensualidade e aviltamento das virtudes celestiais da alma. Pela devoção ao lado carnal, as sensibilidades mundanas do homem chegam às raias da animalidade.

Quais são as propensões do animal? Comer, beber, perambular e dormir. Os pensamentos e preocupações do animal são limitados a isso. Eles são cativos nos grilhões desses desejos. O homem se torna prisioneiro e escravo deles quando sua maior aspiração nada mais é do que seu bem-estar nesse mundo dos sentidos. Considerai como é difícil para o homem atingir prazer e felicidade neste mundo mortal. Como isto é fácil para o animal. Olhai os campos e as flores, as campinas, córregos, florestas e montanhas. Os animais do campo, os pássaros no céu, os peixes, não labutam nem passam por dificuldades; eles não semeiam, nem estão preocupados com colheita; não têm ansiedade alguma a respeito de negócios ou política - nem quaisquer dificuldades ou preocupações. Todos os campos e gramados, todos os frutos e grãos dos prados, todas as encostas das montanhas e córregos de água salubre lhes pertencem. Eles não trabalham para sua subsistência e felicidade porque tudo foi providenciado e facilitado para eles. Se a vida do homem se confinar a esta perspectiva física e material, a vida do animal é cem vezes melhor, mais fácil e cheia de conforto e contentamento. O animal é mais nobre, mais sereno e confiante porque cada hora é livre de ansiedade e preocupação; mas o homem, impaciente e insatisfeito, corre desde a manhã até a noite, navegando os mares, imergindo nas suas profundezas em submarinos, voando em aviões, penetrando nas mais profundas camadas da terra para obter seu sustento - tudo com a maior dificuldade, ansiedade e inquietação. Por isso, nesse sentido, o animal é mais nobre, mais sereno, equilibrado e confiante. Considerai os pássaros na floresta e na mata: como eles constroem seus ninhos, bem alto nos topos oscilantes das árvores, com o maior esmero e beleza - balançando com a brisa da manhã, bebendo a água doce e pura, desfrutando as mais encantadoras paisagens quando voam bem alto para cá e para lá, e cantando alegremente - tudo sem esforço, sem preocupação, precaução e pressentimento. Se a vida do homem se limitar ao mundo natural e físico de gozo, uma cotovia é mais nobre e mais admirável do que toda a humanidade, pois sua subsistência está provida, sua condição, completa e suas realizações, perfeitas e naturais.

Mas a vida do homem não é restrita assim; ela é divina, eterna, não mortal e sensual. No plano divino da criação, foram preparados e ordenados para ele existência e sustento espirituais. Sua vida está destinada a ser uma vida de gozo espiritual que o animal jamais pode atingir. Este gozo depende da aquisição de virtudes celestiais. A sublimidade do homem é alcançar o conhecimento de Deus. A alegria do homem é a aquisição de dádivas celestiais, que sobre ele descem provenientes da graça de Deus. A felicidade do homem está na fragrância do amor de Deus. Este é o mais alto pináculo a ser atingido no mundo humano. Como é preferível ao animal e seu indefeso reino!

Portanto, considerai quanta vileza se revela no homem que, apesar dos favores que lhe são concedidos por Deus, ele se degrada à esfera do animal, ocupa-se inteiramente com necessidades materiais, apega-se a este mundo mortal, imaginando que a suprema felicidade é adquirir riqueza neste mundo. Quanto despropósito! Quão vil é essa natureza! Deus criou o homem para que ele seja o pombo do Reino, uma vela celestial, um repositório de vida eterna. Deus criou o homem para que ele possa ser ressuscitado pelos sopros do Espírito Santo e se tornar a luz do mundo. Quão rebaixada a alma que encontra satisfação na escuridão, ocupa-se consigo mesma, cativa do ego e da paixão, e chafurda na lama do mundo material! Quão degradada é tal natureza! Que ignorância é essa! Que cegueira! Quão gloriosa é a posição do homem que participou do alimento celestial e construiu o templo de sua morada imortal no mundo celestial.

Os Manifestantes de Deus vieram ao mundo para libertar o homem desses grilhões e cadeias do mundo da natureza. Embora caminhassem sobre a terra, Eles viveram no céu. Não estavam preocupados com o sustento material e a prosperidade deste mundo. Seus corpos foram submetidos a inconcebível angústia, mas Seus espíritos sempre estavam elevados nos mais altos reinos do êxtase. O propósito de Sua vinda, Seus ensinamentos e sofrimentos era libertar o homem de si mesmo. Deveríamos, então, seguir Seus passos, escapar desta jaula do corpo ou deveríamos continuar sujeitos à sua tirania? Deveríamos procurar a ilusão da alegria mortal que não existe ou nos volver à árvore da vida e das alegrias de seus frutos eternos?

Eu vim a este país em idade avançada da minha vida, enfrentando problemas de saúde e de clima por causa do excessivo amor pelos amigos de Deus. Desejo que possam ser assistidos a se tornarem servos do Reino celestial, cativos no serviço da vontade de Deus. Este cativeiro é liberdade; este sacrifício é glorificação; este trabalho é recompensa; esta necessidade é dádiva. Pois serviço no amor à humanidade é união com Deus. Aquele que presta serviço já entrou no Reino e está sentado ao lado direito de seu Senhor.

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11 DE JUNHO DE 1912

Palestra na Rua Setenta e Oito, 309, Zona Oeste, Nova Iorque

Registrada por Emma C. Melick

O homem deve ser sublime em seus esforços. Deve procurar se tornar celestial e espiritual, encontrar o caminho ao limiar de Deus e se tornar aceitável perante Deus. Esta é a glória eterna - estar próximo de Deus. Esta é a soberania eterna - estar imbuído de virtudes do mundo humano. Esta é a bênção ilimitada - estar inteiramente santificado acima de toda mácula e impureza.

Considerai o mundo humano. Vede como nações surgiram e desapareceram. Elas tiveram todas as intenções e propósitos. Algumas eram meramente cativas do ego e do desejo, envolvidas nas paixões de natureza inferior. Elas obtiveram riqueza, os confortos da vida e fama. E qual foi o resultado final? Completa extinção e esquecimento. Refleti sobre isso. Vede isso com os olhos de advertência. Nenhum traço delas permanece, nenhum fruto, nenhum resultado, nenhum benefício; elas desapareceram completamente - extinguiram-se completamente.

No mundo apareceram almas puras e imaculadas, que dirigiram sua atenção a Deus, buscando o favor de Deus, atingindo a proximidade do limiar de Deus e sendo aceitáveis ao beneplácito de Deus. Elas foram luzes de guia e estrelas da Assembléia no Alto. Considerai essas almas, brilhando como estrelas no horizonte da santidade para sempre.

Isto não significa que se deve renunciar o trabalho e o sustento. Ao contrário, na Causa de Bahá'u'lláh, o monasticismo e ascetismo não são permitidos. Nesta grande Causa, a luz da orientação está radiante e esplendorosa. Bahá'u'lláh disse inclusive que ocupação e trabalho equivalem à devoção. Toda a humanidade deve obter o sustento com o suor de seu rosto e esforço físico, e ao mesmo tempo tentar aliviar a carga dos outros, esforçando-se em ser fonte de conforto para as almas e facilitando os meios de vida. Isto, por si só, é devoção a Deus. Com isso, Bahá'u'lláh encorajou a ação e estimulou o serviço. Mas as energias do coração não devem se apegar a essas coisas; a alma não deve estar completamente ocupada com elas. Embora a mente esteja ocupada, o coração deve estar atraído ao Reino de Deus para que as virtudes da humanidade possam ser obtidas de todas as direções e fontes.

Nós abandonamos o caminho de Deus; deixamos de dar atenção ao Reino divino; não afastamos o coração das atrações mundanas; deixamo-nos contaminar com qualidades que não são louváveis perante Deus; estamos tão completamente imersos nos assuntos e tendências materiais que não participamos das virtudes humanas.

É necessário um pouco de reflexão, um pouco de admoestação para percebermos o propósito de nossa criação. Que potencialidade celestial Deus depositou em nós! Que poder Deus deu aos nossos espíritos! Ele nos dotou de um poder para penetrar as realidades das coisas; mas devemos ser abnegados, devemos ter espíritos puros, intenções puras, e nos esforçar de coração e alma, enquanto no mundo humano, para atingirmos glória perene.

Vim com o propósito de vos admoestar e proclamar os ensinamentos de Bahá'u'lláh. Tenho a esperança de que Sua vontade e guia possam influenciar vossos espíritos, almas e corações, fazendo com que sejam puros, santos, santificados e iluminados, e com que vos torneis lâmpadas de iluminação celestial para o mundo. Este é o meu desejo; esta, a minha esperança através da assistência de Deus.

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12 DE JUNHO DE 1912

Palestra na Rua Setenta e Oito, 309, Zona Oeste, Nova Iorque

Registrada por Mary J. MacNutt

Vós sois muito bem-vindos. Imaginais quanto tendes que agradecer a Deus pelas Suas bênçãos? Se Lhe agradecerdes mil vezes a cada respiração, isso não seria suficiente porque Deus vos criou e educou. Ele vos protegeu de toda aflição e vos preparou todos os dotes e dádivas. Considerai que Pai bondoso é Ele. Ele vos concede Sua dádiva antes de a pedirdes. Nós não estávamos no mundo da existência, mas assim que nascemos, encontramos tudo preparado para as nossas necessidades e conforto, sem que tivéssemos pedido. Ele nos deu um pai bondoso e uma mãe compassiva, proveu-nos duas fontes de leite saudável, atmosfera pura, água refrescante, suaves brisas e o sol brilhando sobre nossas cabeças. Em suma, Ele proveu todas as necessidades da vida embora nós não tivéssemos pedido qualquer uma dessas dádivas. Com pura misericórdia e bondade, Ele preparou esta grande mesa. É uma misericórdia que antecede a solicitação. Há outro tipo de misericórdia, que é concedida mediante pedido e súplica. Ele nos concedeu ambas - sem pedir e com súplica. Ele nos criou neste século radiante, um século ansiado e esperado por todas as almas santas do passado. É um século abençoado; é um dia abençoado. Os filósofos da história concordam que este século é igual a cem séculos precedentes. Isto é verdadeiro sob todos os pontos de vista. Este é o século de ciência, invenções, descobertas e leis universais. Este é o século da revelação dos mistérios de Deus. Este é o século do esplendor dos raios do Sol da Verdade. Portanto, deveis render graças e glorificar a Deus porque nascestes nesta época. Além disso, ouvistes o chamado de Bahá'u'lláh. Vossas narinas estão perfumadas pelas brisas do paraíso de Abhá. Tivestes vislumbres da luz do horizonte do Oriente. Estivestes adormecidos; fostes despertados. Vossos ouvidos estão atentos; vossos corações, informados. Adquiristes o amor de Deus. Atingistes o conhecimento de Deus. Esta é a maior dádiva de Deus. É o sopro do Espírito Santo, e consiste em fé e confiança. Esta vida eterna é o segundo nascimento; é o batismo pelo Espírito Santo. Deus destinou esta posição a todos vós. Ele preparou isso para vós. Deveis apreciar o valor desta graça e despender vosso tempo em mencionar e agradecer ao Ser Verdadeiro. Deveis viver na mais completa alegria. Se qualquer problema ou vicissitude sobrevier a vossas vidas, se vosso coração estiver entristecido por causa de saúde, subsistência ou profissão, não deixeis que essas coisas vos afetem. Elas não devem causar tristeza, pois Bahá'u'lláh vos trouxe felicidade divina. Ele vos preparou alimento celestial; destinou-vos graça eterna; concedeu-vos glória imperecível. Por isso, essas boas-novas devem vos fazer voar na atmosfera de júbilo para sempre. Constantemente rendei louvores a Deus para que as confirmações de Deus possam circundar a todos vós.

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15 DE JUNHO DE 1912

Palestra na Rua Setenta e Oito, 309, Zona Oeste, Nova Iorque

Registrada por Howard MacNutt

Eu vos fiz esperar um pouco, mas como estava cansado eu adormeci. Enquanto dormia, eu estava conversando convosco com todo o volume de minha voz. Então, acordei com minha própria voz. Ao acordar, uma palavra estava nos meus lábios - a palavra era imtíyáz (distinção). Assim, esta manhã, eu vos falarei sobre este assunto.

Quando observamos o mundo da existência, percebemos que todas as coisas materiais têm uma coisa em comum; ainda assim, por outro lado, há certos pontos de distinção entre elas. Por exemplo, todos os objetos terrenos têm em comum laços corporais. Os minerais, vegetais e animais têm em comum, uns com os outros, corpos elementares. De igual modo, eles têm lugar na ordem da criação. Este é o laço comum ou ponto de contato entre eles. Todos eles passam pelo processo de composição e decomposição; esta é uma lei natural à qual todos estão sujeitos. Esta lei governa em toda a criação e constitui um traço de união entre as coisas criadas. Mas, ao mesmo tempo, há certas características distintivas entre esses objetos. Por exemplo, entre o mineral e o vegetal, entre o vegetal e o animal, entre o animal e o ser humano, há pontos de distinção que são inequívocos e significativos. Do mesmo modo, há distinções entre tipos e espécies de cada reino. Quando consideramos o reino mineral cuidadosamente, vemos não apenas pontos de similaridade entre os objetos, mas também pontos de distinção. Alguns são corpos irremovíveis, alguns são duros e sólidos; alguns têm a capacidade de expansão e contração; alguns são líquidos, alguns, gasosos; alguns têm peso; outros, como o fogo e a eletricidade, não têm. Portanto, há vários pontos de distinção entre esses tipos de elementos.

No reino vegetal também observamos distinção entre os vários tipos e espécies de organismos. Cada um tem sua própria forma, cor e fragrância. No reino animal governa a mesma lei, pois encontramos muitas distinções de forma, cor e função. O mesmo ocorre no reino humano. Quanto à cor, há pessoas brancas, negras, amarelas e vermelhas. Quanto à fisionomia, há ampla diferença e distinção entre as raças. Os asiáticos, africanos e americanos possuem fisionomias diferentes; os homens do norte e os do sul são de tipos e características muito diferentes. De um ponto de vista econômico, na lei da subsistência há grandes diferenças. Alguns são pobres, outros, ricos; alguns são sábios, outros, insipientes. Alguns são pacientes e serenos, alguns, impacientes e nervosos; alguns tendem à justiça, outros praticam injustiça e opressão; alguns são gentis; outros, arrogantes. Em suma, há muitos pontos de distinção em meio ao gênero humano.

Desejo distinção para vós. Os Bahá'ís devem ser distinguidos dos outros homens. Mas essa distinção não deve depender de riqueza - que devam se tornar mais ricos que outras pessoas. Não desejo distinção financeira para vós. Não é uma distinção comum que desejo; não é distinção científica, comercial e industrial. Para vós desejo distinção espiritual - isto é, deveis vos tornar eminentes e distinguidos em moral. No amor a Deus é que deveis vos distinguir de todo o resto. Deveis vos distinguir por amar a humanidade, por unidade e harmonia, por amor e justiça. Em suma, deveis vos distinguir em todas as virtudes do mundo humano - pela lealdade e sinceridade, pela justiça e fidelidade, pela firmeza e constância, pelas obras e serviços filantrópicos ao mundo humano, pelo amor a todo ser humano, pela unidade e concórdia com todas as pessoas, pela remoção dos preconceitos e a promoção da paz internacional. Finalmente, deveis vos distinguir pela iluminação celestial e a aquisição das dádivas de Deus. Desejo esta distinção para vós. Este deve ser o ponto de distinção entre vós.

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16 DE JUNHO DE 1912
Palestra na Quarta Igreja Unitária
Rodovia Beverly, Flatbush, Brooklyn, Nova Iorque
Registrada por Esther Foster

Esta é a igreja Unitária e, em árabe, este dia bem pode ser chamado Yawm-al' Ittihád (o Dia Unitário). Por isso, acho apropriado falar-vos a respeito de unidade.

O que é verdadeira unidade? Quando observamos o mundo humano, nele encontramos várias expressões coletivas de unidade. Por exemplo, o homem distingue-se do animal pelo seu grau ou reino. Esta distinção abrangente inclui toda a posteridade de Adão e constitui uma grande família, ou a família humana, que pode ser considerada a unidade fundamental ou física da espécie humana. Além disso, há uma distinção entre os vários grupos humanos de acordo com a linhagem, cada grupo formando uma unidade racial separada dos outros. Há também uma unidade lingüística entre aqueles que falam o mesmo idioma como meio de comunicação; a unidade nacional em que vários povos vivem sob uma forma de governo como o francês, o alemão, o inglês, etc.; e unidade política, que preserva os direitos civis dos partidos ou facções do mesmo governo. Todas essas unidades são imaginárias e sem base real, pois nada de real procede delas. O propósito da verdadeira unidade é produzir resultados reais e divinos. Dessas unidades restritas que mencionamos provêm apenas resultados restritos, enquanto unidade irrestrita produz resultados irrestritos. Da restrita unidade de raça ou nacionalidade, por exemplo, os resultados serão no máximo limitados. É como uma família que vive só e solitária; dela nada resulta que seja ilimitado e universal.

A unidade que produz resultados irrestritos é primeiramente uma unidade da humanidade que reconhece que todos estão abrigados sob a sombra protetora de glória do Todo-Glorioso, que todos são servos do mesmo Deus; pois todos respiram a mesma atmosfera, vivem sobre a mesma terra, caminham sob o mesmo céu, recebem o esplendor do mesmo sol e estão sob a proteção de um só Deus. Esta é a suprema unidade, e seus resultados são duradouros se a humanidade aderir a ela; mas até agora a humanidade violou-a, aderindo a unidades sectárias e outros tipos restritos de unidade como a racial, patriótica ou de interesses próprios; por isso, nenhum grande resultado surgiu disso. No entanto, certamente a radiância e os favores de Deus são abrangentes, as mentes se desenvolveram, as percepções se tornaram aguçadas, as ciências e as artes se difundiram e existe capacidade para a proclamação e promulgação da verdadeira e derradeira unidade da humanidade, a qual trará resultados maravilhosos. Ela reconciliará todas as religiões, tornará afetuosas as nações guerreiras, fará com que reis hostis se tornem amistosos e trará paz e felicidade ao mundo humano. Unirá Oriente e Ocidente, removerá para sempre os fundamentos da guerra e erguerá a insígnia da Suprema Paz. Essas unidades limitadas são, portanto, sinais da grande unidade que tornará uma toda a família humana, exercendo atração de consciência no gênero humano.

Outra unidade é a espiritual, a qual emana dos sopros do Espírito Santo. Esta é maior do que a unidade do gênero humano. A unidade humana ou a solidariedade pode ser comparada ao corpo, enquanto a unidade proveniente dos sopros do Espírito Santo é o espírito que anima o corpo. Esta é a unidade perfeita. Ela cria tal condição na humanidade que cada um fará sacrifícios pelo outro, e o maior desejo será dar a vida e tudo que lhe pertence em benefício do outro. Esta é a unidade que existia entre os discípulos de Jesus Cristo e que uniu os Profetas e Almas santas do passado. É a unidade que, através da influência do espírito divino, permeia os Bahá'ís de modo que cada um oferece sua vida pelo outro e se esforça com toda sinceridade para agradá-lo. Esta é a unidade que fez com que, em sua devoção e amor por ela, vinte mil pessoas dessem suas vidas na Pérsia. Ela tornou o Báb alvo de mil dardos e fez com que Bahá'u'lláh sofresse exílio e prisão por quarenta anos. Esta unidade é o próprio espírito do corpo do mundo. É impossível o corpo do mundo ser ressuscitado sem sua vivificação. Jesus Cristo - possa minha vida ser um sacrifício por Ele! - proclamou essa unidade entre o gênero humano. Toda alma que acreditou em Jesus Cristo foi revivificada e ressuscitada por esse espírito, atingiu o ápice da glória eterna, sentiu a vida imperecível, experimentou o segundo nascimento e elevou-se ao cume da felicidade.

No Verbo de Deus há ainda outra unidade - a unicidade dos Manifestantes de Deus, Abraão, Moisés, Jesus Cristo, Muhammad, o Báb e Bahá'u'lláh. Esta é uma unidade divina, celestial, radiante e misericordiosa - a mesma realidade que apareceu em sucessivos Manifestantes. Por exemplo, o sol é um só e o mesmo, mas os pontos em que ele alvorece são vários. Durante o verão ele surge no ponto setentrional da eclíptica; no inverno, surge no ponto de alvorecer meridional. A cada mês, ele surge numa certa posição zodiacal. Embora esses pontos de alvorecer sejam diferentes, o sol que aparece em todos eles é o mesmo. A importância disso é a realidade profética que é simbolizada pelo sol e os santos Manifestantes são os pontos de alvorecer ou posições zodiacais.

Há também a unidade ou entidade divina, a qual está santificada acima de toda concepção humana. Ela não pode ser compreendida nem concebida porque é uma realidade infinita e não pode se tornar finita. As mentes humanas são incapazes de abranger essa realidade porque todos os pensamentos e conceitos a seu respeito são finitos, criações intelectuais, e não a realidade do Ser Divino que é conhecida somente por Ele mesmo. Se, por exemplo, formarmos uma idéia a respeito da Divindade como um Ser vivente, todo-poderoso, subsistente por Si próprio e eterno, este será um conceito apreendido por uma realidade intelectual humana. A realidade da Divindade está santificada acima desse grau de conhecimento e percepção. Sempre esteve oculta e reclusa em sua própria santidade além da nossa compreensão. Embora ela transcenda nossa percepção, sua luz, dádivas, sinais e virtudes se tornaram manifestos nas realidades dos Profetas, assim como o sol resplandece em vários espelhos. Essas santas realidades são como refletores, e a realidade da Divindade é como o sol, o qual, embora se reflita nos espelhos, e suas virtudes e perfeições resplandeçam neles, não desce de sua própria posição de majestade e glória para se abrigar em espelhos; ele permanece no seu céu de santidade. Quando muito, sua luz se torna manifesta e evidente em seus espelhos ou manifestantes. Por isso, sua graça proveniente deles é a mesma graça, mas os receptáculos dessa graça são muitos. Esta é a unidade de Deus; isto é unicidade - unidade da Divindade, santificada além de toda descida e subida, encarnação, compreensão e concepção - unidade divina. Os Profetas são seus espelhos; sua luz se revela por intermédio dEles; suas virtudes resplandecem nEles; mas o Sol da Realidade jamais desce de sua altíssima posição. Isto é unidade, unicidade, santidade; esta é a glorificação pela qual nós louvamos e adoramos a Deus.

Ó meu Deus! Ó meu Deus! Verdadeiramente, estes são servos no limiar de Tua mercê, e servas à porta de Tua unicidade. Verdadeiramente, eles se uniram neste templo para se volverem à Tua face de glória, segurando-se à orla de Tuas vestes e à Tua unicidade, buscando Tua aprovação e desejando ascender ao Teu Reino. Recebem as fulgências do Sol da Realidade neste glorioso século, e anseiam pelo Teu beneplácito em todos os assuntos importantes. Ó Senhor! Ilumina sua vista com a visão de Teus sinais e Tuas riquezas, e aguça seus ouvidos para que ouçam Tua Palavra. Torna seus corações repletos de Teu amor e alegra seus espíritos com Tua reunião. Permite que lhes seja conferido bem-estar espiritual em Tua terra e em Teu céu, e faze-os sinais da unidade entre Teus servos, para que possa surgir a verdadeira unidade e todos se tornem um em Tua Causa e Teu Reino. Em Verdade, és o Generoso. Em Verdade, és o Poderoso, o Espiritual. És o Misericordioso, o Clemente.

(Às crianças na Escola Dominical)

Estou contente em ver estas crianças brilhantes e radiantes. Se Deus quiser, todas realizarão as esperanças e aspirações de seus pais.

Louvores a Deus! Vejo diante de mim essas belas crianças do Reino. Seus corações são puros, suas faces brilham. Logo elas se tornarão filhos e filhas do Reino. Agradeçamos a Deus! Elas buscam adquirir virtudes e serão a causa da realização de excelências humanas. Esta é a causa da unicidade no Reino de Deus. Louvores a Deus! Elas possuem professores gentis e respeitáveis que as treinam e educam bem, e buscam confirmação para que, se Deus quiser, elas, como plantas tenras no jardim de Deus, possam ser refrescadas pelas chuvas das nuvens da mercê, cresçam e se tornem verdejantes. E possam, finalmente, na máxima perfeição e delicadeza, produzir frutos.

Suplico a Deus que estas crianças possam ser educadas sob Sua proteção e sejam nutridas pelo Seu favor e graça, até que todas, como encantadoras flores no jardim das esperanças e aspirações humanas, floresçam e se tornem fragrantes e perfumadas.

Ó Deus! Educa estas crianças. Elas são as plantas de Teu pomar, as flores de Teu prado, as rosas de Teu jardim. Permite que sobre elas caia Tua chuva; que o Sol da Realidade brilhe sobre elas com Teu amor. Permite que Tua brisa as refresque, para que sejam treinadas, cresçam e se desenvolvam, e manifestem a maior beleza. Tu és o Doador. Tu és o Compassivo.

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16 DE JUNHO DE 1912

Palestra na Residência do Sr. e Sra. Howard MacNutt

Eastern Parkway, 935, Brooklyn, Nova Iorque
Registrada por Esther Foster

Esta é uma reunião esplêndida, uma reunião das servas do Misericordioso e dos amados de Deus. Sempre que tais reuniões se realizaram neste mundo, os resultados foram magníficos. Elas exerceram influência sobre o mundo dos corações e mentes. Sempre que se acende uma lâmpada na noite, naturalmente as pessoas são atraídas e se reúnem em torno dela. Quando se vê uma assembléia como esta, sabe-se que há uma luz iluminando a escuridão. Há lâmpadas cuja luz é limitada; há lâmpadas cuja luz é ilimitada. Há lâmpadas que iluminam pequenos lugares e lâmpadas que iluminam os horizontes. Em qualquer lugar que a lâmpada da orientação de Deus esteja acesa, irradia sua luz por todo o Oriente e o Ocidente. Louvado seja Deus! Ela foi acesa neste país; dia a dia sua luz se torna mais esplendorosa e sua fulgência, mais difundida. Isto ainda não é reconhecido, mas posteriormente seus traços se tornarão evidentes. Considerai a época de Cristo: como a luz da orientação reanimou doze corações. Quão limitada ela parecia, mas como depois se expandiu e iluminou o mundo! Vós não sois um grupo grande de pessoas, mas como a luz da orientação foi acesa em vossos corações, nos anos vindouros os efeitos serão maravilhosos. É claro e evidente que o mundo será iluminado por essa luz; por isso, deveis agradecer a Deus, pois - louvado seja Deus - a lâmpada da guia suprema foi acesa em vossos corações pela Sua graça e favor, e Ele vos convocou ao Seu Reino. Ele fez com que o chamado da Assembléia no Alto atingisse vossos ouvidos. As portas do céu foram abertas diante de vós. O Sol da Realidade brilha sobre vós, as nuvens da misericórdia estão vertendo sua chuva, e as brisas da providência sopram através de vossas almas. Embora a dádiva seja grandiosa e a graça, gloriosa, os requisitos são capacidade e prontidão. Sem capacidade e prontidão, a graça divina não se tornará manifesta e evidente. Não importa o quanto a chuva caia, o sol brilhe e as brisas soprem, o solo estéril nada produzirá. O solo puro e livre de espinhos e cardos recebe a chuva das nuvens da mercê e por seu intermédio produz frutos. Não importa quanto o sol brilhe, não surtirá efeito sobre a negra rocha, mas sua luz se torna resplandecente no espelho límpido e polido. Por isso, devemos desenvolver capacidade para que os sinais da mercê do Senhor possam se revelar em nós. Devemos nos esforçar para livrar os solos dos corações de ervas daninhas e santificá-los dos espinhos de pensamentos indignos para que a nuvem da misericórdia possa nos conceder seu poder. As portas de Deus estão abertas, mas nós devemos estar preparados e dignos para entrar. O oceano da providência divina encapela-se, mas nós devemos estar aptos a nadar. As dádivas do Todo-Poderoso estão descendo do céu da graça, mas é essencial ter capacidade de recebê-las. A fonte da generosidade divina está jorrando, mas devemos ter sede das águas vivas. Se não houver sede, não poderá ser saciada pela água salubre. Se a alma não estiver faminta, não poderá ser satisfeita pelos deliciosos alimentos da mesa celestial. A menos que os olhos da percepção estejam abertos, as luzes do sol não serão vistas. A não ser que as narinas sejam purificadas, as fragrâncias do divino jardim de rosas não serão inaladas. Se os corações não estiverem cheios de anseio, os favores do Senhor não estarão evidentes. A não ser que uma melodia perfeita seja entoada, os ouvidos não serão atraídos. Por isso, devemos nos esforçar dia e noite para purificar os corações de qualquer impureza, santificar as almas de toda restrição e libertar-nos da discórdia do mundo humano. Então as dádivas divinas se tornarão evidentes em sua plenitude e glória. Se não nos esforçarmos em nos santificar dos defeitos e das más qualidades da natureza humana, não participaremos das dádivas de Deus. É como se o sol estivesse brilhando em toda a sua glória, mas não houvesse reflexo algum proveniente dos corações que são como a rocha negra. Se um oceano de água salubre se agitasse e nós não tivéssemos sede, que benefício receberíamos? Se a vela estivesse acesa e nós não tivéssemos olhos, como poderíamos desfrutá-la? Se melodiosos hinos se erguessem aos céus e nós fôssemos surdos, que benefício poderíamos obter?

Por isso, devemos nos esforçar sempre, chorar, suplicar e invocar o Reino de Deus para nos conceder capacidade, de modo que as dádivas de Deus possam se revelar e se manifestar em nós. E, ao atingirmos essas graças celestiais, devemos render graças no limiar da unicidade. Então nos regozijaremos no Senhor, pois desfrutamos essas dádivas ao abrigo do Reino de Deus neste século maravilhoso e nesta idade gloriosa, e nos levantaremos em louvor e gratidão. Por isso, primeiro exorto a mim mesmo e então vos peço que aprecieis esta grande dádiva, reconheçais esta suprema guia e aceiteis essas graças do Senhor. Vós deveis vos esforçar dia e noite para vos tornardes dignos de uma porção generosa dessas dádivas e atingir toda a vossa capacidade. Louvado seja Deus! Vossos corações estão iluminados, vossas faces estão volvidas para o Reino de Deus. Tenho a esperança de que todos esses graus sejam atingidos e esses amigos alcancem uma posição que seja um exemplo e estímulo para todos os amigos do mundo. Que daqui o amor de Deus seja difundido a toda parte; que o conhecimento de Deus seja transmitido daqui; que as forças espirituais se tornem efetivas aqui; que as luzes do Reino brilhem; que as almas inteligentes sejam encontradas aqui para que, com pleno poder, elas se ocupem no serviço de Deus, difundindo a unicidade do mundo humano e a causa da Suprema Paz. Que essas almas sejam velas acesas e árvores frutíferas; que sejam pérolas das conchas da providência; que sejam estrelas do céu. Esta é a minha súplica a Deus. Este é o meu pedido à Beleza de Abhá: que Ele submerja todos vós no oceano de Sua graça.

(Depois, falando de números) Tais suposições a respeito de números de sorte ou sem sorte são puramente imaginárias. A superstição sobre o número treze tem origem no fato de que Jesus era cercado por doze apóstolos e que Judas Iscariotes era o décimo terceiro membro do grupo. Esta é a origem da superstição, mas é algo puramente imaginário. Embora Judas fosse exteriormente um discípulo, na verdade não o era. Doze é o número original de significação e completude. Jacó tinha doze filhos, dos quais descendem doze tribos. Os discípulos de Jesus eram doze; os Imames de Muhammad eram doze. Os signos do zodíaco são doze; os meses do ano são doze, etc.

Os mistérios dos Livros Sagrados foram explicados na manifestação de Bahá'u'lláh. Antes de Seu aparecimento, esses mistérios não eram compreendidos. Bahá'u'lláh abriu e desselou esses mistérios. Eu tinha o desejo de vir aqui hoje para ter esta reunião.

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16 DE JUNHO DE 1912
Palestra na Igreja Congregacional Central
Rua Hancock, Brooklyn, Nova Iorque
Registrada por Esther Foster

Esta é uma congregação e um templo agradável, pois - louvado seja Deus! - esta é uma casa de adoração em que opiniões conscienciosas têm livre expressão. Toda religião e toda aspiração religiosa pode ser livremente proclamada e expressa aqui. Tal como no mundo da política há necessidade de livre pensamento, no mundo da religião deve haver direito a crença individual irrestrita. Considerai que grande diferença existe entre a democracia moderna e as antigas formas de despotismo. Sob um governo autocrático, as pessoas não têm liberdade de opinião, e o desenvolvimento é reprimido, ao passo que na democracia se vê maior progresso porque pensamento e opinião não são restringidos. O mesmo acontece no mundo da religião. Quando há liberdade de consciência e de pensamento, prevalecendo o direito à expressão - ou seja, quando cada pessoa, de acordo com seu próprio pensamento, pode dar expressão às suas crenças - desenvolvimento e crescimento são inevitáveis. Por isso, esta é uma igreja abençoada porque seu púlpito é aberto a toda religião e suas idéias podem ser emitidas com liberdade e abertura. Por essa razão eu sou extremamente grato ao reverendo doutor; realmente o vejo como um servo da unicidade da humanidade.

Os santos Manifestantes que foram as Fontes ou Fundadores dos diversos sistemas religiosos eram unidos e concordavam em propósitos e ensinamentos. Abraão, Moisés, Zoroastro, Buda, Jesus, Muhammad, o Báb e Bahá'u'lláh são o mesmo espírito e a mesma realidade. Além disso, cada Profeta cumpriu a promessa dAquele que O precedeu e também anunciou Aquele que O seguiria. Considerai como Abraão predisse a vinda de Moisés, e Moisés corporificou a promessa de Abraão. Moisés profetizou o ciclo messiânico e Cristo cumpriu a lei de Moisés. É evidente, portanto, que os Santos Manifestantes que fundaram os sistemas religiosos são unidos e em harmonia; não há qualquer possibilidade de diferenciação em Suas missões e ensinamentos; todos refletem a realidade e todos proclamam a religião de Deus. A religião divina é a realidade, e a realidade não é múltipla; é apenas uma. Portanto, os fundamentos dos sistemas religiosos são os mesmos porque todos procedem da realidade invisível; mas os seguidores desses sistemas entraram em desacordo; houve discórdia, conflito e guerra entre eles, pois eles abandonaram os fundamentos e se apegaram àquilo que é mera imitação e aparência. Como as imitações variam, o resultado foi dissensão e inimizade. Jesus, por exemplo - que meu espírito seja um sacrifício a Ele! - colocou os fundamentos da realidade eterna, mas depois de Sua partida surgiram muitas seitas e divisões no Cristianismo. Qual foi a causa disso? Não há dúvida de que isso teve origem em imitações dogmáticas, pois os fundamentos de Cristo eram a própria realidade, na qual não há qualquer divergência. Quando as imitações surgiram, formaram-se seitas e denominações.

Se os cristãos de todas as denominações e divisões investigarem a realidade, os fundamentos de Cristo os unirão. A inimizade e o ódio não permanecerão, pois todos estarão sob a guia da própria realidade. Do mesmo modo, num campo mais amplo, se todos os sistemas religiosos existentes deixarem de lado as imitações ancestrais e investigarem a realidade, buscando o verdadeiro significado dos Livros Sagrados, eles se unirão e se harmonizarão sobre o mesmo fundamento, a própria realidade. Enquanto seguirem doutrinas falsas ou imitações em vez da realidade, animosidade e discórdia existirão e aumentarão. Permiti que eu ilustre isso. Moisés e os profetas de Israel anunciaram o advento do Messias, mas o expressaram em linguagem simbólica. Quando Cristo surgiu, os judeus O rejeitaram, embora esperassem Sua manifestação e chorassem e lamentassem em seus templos e sinagogas, dizendo: "Ó Deus, apressa a vinda do Messias!" Por que O negaram quando Ele Se declarou? Porque haviam seguido formas ancestrais e interpretações, e estavam cegos à realidade de Cristo. Não haviam percebido os significados interiores da Bíblia Sagrada. Vociferaram suas objeções, dizendo: "Nós estamos esperando Cristo, mas Sua vinda está condicionada a certos cumprimentos e anúncios proféticos. Entre os sinais de Seu aparecimento há um, segundo o qual Ele deve vir de um lugar desconhecido, ao passo que este pretenso Messias veio de Nazaré. Sabemos onde ele mora e conhecemos sua mãe."

"Segundo, um dos sinais ou condições messiânicas é que Seu cetro seria uma vara de ferro e esse Cristo nem sequer tem um bastão de madeira."

"Terceiro, Ele deveria Se sentar sobre o trono de Davi, enquanto esse rei messiânico se encontra no mais baixo estado de pobreza e não possui nem mesmo uma esteira."

"Quarto, Ele deveria conquistar o Oriente e o Ocidente. Esta pessoa não conquistou sequer um povoado. Como pode ele ser o Messias?"

"Quinto, Ele deveria promulgar as leis da Bíblia. Este não somente deixou de promulgar as leis da Bíblia, mas quebrou a lei do sábado."

"Sexto, o Messias deveria reunir todos os judeus espalhados pela Palestina e restaurar sua honra e prestígio, mas este aqui degradou os judeus em vez de exaltá-los."

"Sétimo, durante Seu reinado até mesmo os animais receberiam bênçãos e conforto, pois de acordo com o texto profético Ele estabeleceria a paz a uma amplitude tão universal que a águia e a codorniz viveriam juntas, o leão e a gazela se alimentariam no mesmo prado, o lobo e o cordeiro deitariam no mesmo pasto. No mundo humano a guerra cessaria completamente; as lanças seriam transformadas em podadeiras e as espadas, em relhas de arado. Mas nos dias desse suposto Messias vemos prevalecer tanta injustiça que ele próprio é sacrificado. Como ele pode ser o prometido Cristo?"

E assim eles pronunciaram palavras infames a Seu respeito.

Ora, visto que os judeus estavam submersos no mar das imitações ancestrais, não puderam compreender o significado dessas profecias. Todas as palavras dos profetas foram cumpridas, mas, por estarem tenazmente apegados a interpretações herdadas, os judeus não entenderam os sentidos interiores da Bíblia Sagrada; por isso negaram Jesus Cristo, o Messias. O propósito das palavras proféticas não era o sentido exterior ou literal, mas o significado interior simbólico. Por exemplo, havia sido anunciado que o Messias viria de um lugar desconhecido. Isto não se referia ao lugar de nascimento do corpo físico de Jesus. Referia-se à realidade do Cristo - isto é, a realidade de Cristo iria aparecer do reino invisível - pois a realidade divina de Cristo é santa e está santificada acima de lugar.

Sua espada seria de ferro. Isto se refere à Sua língua, que separaria a verdade da falsidade e pela qual Ele conquistaria os reinos dos corações. Ele não conquistou através da força física de uma vara de ferro; conquistou o Oriente e o Ocidente pela espada de Sua expressão.

Ele estava sentado no trono de Davi, mas Sua soberania não era nem a napoleônica, nem o efêmero domínio faraônico. O Reino de Cristo é imorredouro, eterno no céu da Vontade divina.

A promulgação das leis da Bíblia significava a realidade da lei de Moisés. A lei mosaica é a base da realidade da cristandade. Cristo promulgou-a e deu-lhe uma expressão espiritual mais elevada.

Ele conquistou e subjugou Oriente e Ocidente. Sua conquista foi realizada através dos sopros do Espírito Santo, que eliminou todas as barreiras e brilhou de todos os horizontes.

De acordo com a profecia, em Sua época, o lobo e o cordeiro beberiam da mesma fonte. Isto foi realizado por Cristo. A referida fonte era o Evangelho, do qual jorrava a água da vida. O lobo e o cordeiro são as raças divergentes e inimigas simbolizadas por esses animais. Encontro e associação entre elas eram impossíveis, mas aqueles que anteriormente haviam sido como lobos e cordeiros, ao se tornarem seguidores de Jesus Cristo, foram unidos pelas palavras do Evangelho.

Isto quer dizer que todos os sentidos das profecias foram cumpridos, mas por serem cativos de imitações ancestrais e por não perceberem a realidade do sentido dessas palavras, os judeus negaram Cristo; mais do que isso, eles O crucificaram. Vede como a imitação é prejudicial. Essas eram interpretações que eles haviam herdado dos pais e ancestrais, e por estarem fortemente apegados a elas, privaram-se.

É evidente, portanto, que devemos abandonar todas as imitações e crenças para não cometermos este equívoco. Devemos investigar a verdade, deixar de lado idéias egoístas e banir os rumores de nossas mentes. Os judeus consideram Cristo inimigo de Moisés, ao passo que Cristo, ao contrário, promoveu a Palavra de Moisés. Ele divulgou o nome de Moisés por todo o Oriente e Ocidente. Proclamou os ensinamentos de Moisés. Se não fosse Cristo, certamente não ouviríeis o nome de Moisés; e a menos que a manifestação do Messias aparecesse em Cristo, nós não teríamos recebido o Velho Testamento.

A verdade é que Cristo cumpriu a lei mosaica e de todas as maneiras apoiou Moisés; mas os judeus, cegados por imitações e preconceitos, consideraram-No inimigo de Moisés.

Entre os grandes sistemas religiosos do mundo há o Islã. Cerca de trezentos milhões de pessoas o reconhecem. Por mais de mil anos houve inimizade e conflito entre muçulmanos e cristãos devido a mal-entendidos e cegueira espiritual. Se preconceitos e imitações fossem abandonados, não haveria inimizade alguma entre eles, e essas centenas de milhões de seguidores antagônicos de religiões adornariam o mundo humano com sua unidade.

Agora desejo chamar vossa atenção para um ponto extremamente importante. Todo o Islã considera o Alcorão como a Palavra de Deus. Neste Livro sagrado, há textos explícitos não tradicionais, afirmando que Cristo era o Verbo de Deus, que Ele era o Espírito de Deus, que Jesus Cristo veio ao mundo através dos sopros vivificadores do Espírito Santo e que Maria, Sua mãe, era pura e santificada. No Alcorão, há um capítulo inteiro dedicado à história de Jesus. Relata que em Sua juventude Ele adorou a Deus no templo de Jerusalém, que maná desceu dos céus para Seu sustento e que Ele pronunciou palavras logo depois de Seu nascimento. Em suma, no Alcorão há elogios e louvores a Cristo que não se encontram no Evangelho. O Evangelho não registra que o menino Jesus falou ao nascer ou que Deus fez o sustento descer do céu para Ele, mas no Alcorão está dito repetidas vezes que dia após dia Deus fez descer o maná para alimentá-Lo. Além disso, é significativo e convincente que, quando Muhammad proclamou Sua obra e missão, Sua primeira objeção aos Seus próprios seguidores foi: "Por que não acreditastes em Jesus Cristo? Por que não aceitastes o Evangelho? Por que não acreditastes em Moisés? Por que não seguistes os preceitos do Velho Testamento? Por que não compreendestes os profetas de Israel? Por que não acreditastes nos discípulos de Cristo? O primeiro dever que vos incumbe, ó árabes, é aceitar e acreditar neles. Deveis considerar Moisés como Profeta. Deveis aceitar Jesus Cristo como o Verbo de Deus. Deveis conhecer o Velho e o Novo Testamentos como a Palavra de Deus. Deveis crer em Jesus Cristo como gerado pelo Espírito Santo." Seu povo respondeu: "Ó Muhammad! Nós nos tornaremos crentes embora nossos pais e ancestrais não o fossem, e nós nos orgulhamos deles. Dize-nos o que acontecerá a eles?" Muhammad respondeu: "Declaro-vos que eles ocupam a camada mais inferior do inferno porque não acreditaram em Moisés e Cristo e porque não aceitaram a Bíblia; e embora sejam meus próprios ancestrais, estão em desespero no inferno." Este é um texto explícito do Alcorão; não se trata de uma história ou tradição, mas é do próprio Alcorão que se encontra na mão do povo. Por isso, é evidente que a ignorância e o desentendimento é que causaram tanto conflito e contenda entre cristãos e muçulmanos. Se ambos investigassem a verdade subjacente de suas crenças religiosas, o resultado seria unidade e concórdia; conflito e amargura teriam terminado para sempre e o mundo da humanidade teria encontrado paz e tranqüilidade. Considerai que há duzentos e cinqüenta milhões de cristãos e trezentos milhões de muçulmanos. Quanto sangue foi derramado em suas guerras; quantas nações foram destruídas; quantas crianças ficaram órfãs; quantos pais e mães lamentaram a perda de seus filhos e entes queridos! Tudo isso por causa do preconceito, desentendimento e imitação das crenças ancestrais sem a investigação da verdade. Se os Livros Sagrados fossem corretamente entendidos, nenhuma dessas discórdias e aflições teriam existido, mas em vez disso teriam prevalecido amor e companheirismo. Isto é verdadeiro para todas as outras religiões também. As condições que mencionei valem igualmente para todas. O propósito essencial da religião de Deus é estabelecer unidade entre os homens. Os Manifestantes divinos foram Fundadores dos meios de companheirismo e amor. Eles não vieram para criar discórdia, conflito e ódio no mundo. A religião de Deus é causa de amor, mas se ela for transformada em fonte de inimizade e derramamento de sangue, certamente sua ausência é preferível à sua existência; pois assim ela se torna satânica, perniciosa e um obstáculo para o mundo humano.

No Oriente, os vários povos e nações se encontravam num estado de antagonismo e conflito, manifestando a máxima inimizade e ódio uns para com os outros. Escuridão envolvia o mundo humano. Numa época como essa surgiu Bahá'u'lláh. Ele removeu todas as imitações e preconceitos que haviam causado separação e desentendimento, e colocou os fundamentos da única religião de Deus. Quando isto foi realizado, muçulmanos, cristãos, judeus, zoroastrianos, budistas, todos foram unidos em verdadeiro companheirismo e amor. As almas de qualquer nação que seguiram Bahá'u'lláh tornaram-se como uma família vivendo em harmonia e concórdia, prontos para se sacrificarem uns pelos outros. O muçulmano dará sua vida pelo cristão, o cristão pelo judeu, e todos eles pelo zoroastriano. Eles vivem em conjunto com amor, companheirismo e unidade. Atingiram o estado de renascimento no Espírito de Deus. Foram vivificados e regenerados pelos sopros do Espírito Santo. Louvado seja Deus! Esta luz é proveniente do Oriente, e finalmente toda discórdia e inimizade no Oriente deixarão de existir. Através do poder de Bahá'u'lláh, todos serão unidos. Ele ergueu este estandarte da unicidade da humanidade na prisão. Quando banido por dois reis, refugiado de inimigos de todas as nações e durante os dias de Seu longo encarceramento, Ele escreveu aos reis e governantes do mundo com palavras de maravilhosa eloqüência, censurando-os severamente e convocando-os ao padrão divino de unidade e justiça. Exortou-os à paz e concórdia internacionais, incumbindo-os de estabelecerem um corpo de arbitramento internacional - que de todas as nações e governos do mundo deveriam ser selecionados delegados para um congresso de nações para constituir um tribunal universal de justiça para apaziguar disputas internacionais. Ele escreveu para a rainha Vitória da Grã-Bretanha, ao czar da Rússia, ao imperador da Alemanha, ao Napoleão III da França e outros, convidando-os à paz e unidade mundiais. Através de um poder celestial, Ele pôde proclamar esses ideais no Oriente. Reis não conseguiam se opor a Ele. Tentaram extinguir Sua luz, mas só serviram para Lhe aumentar a intensidade e a iluminação. Enquanto na prisão, Ele resistiu ao xá da Pérsia e o sultão da Turquia, proclamando Seus ensinamentos até estabelecer firmemente a bandeira da verdade e a unicidade da humanidade. Eu fui prisioneiro com Ele durante quarenta anos até que os jovens turcos do Comitê da União e Progresso derrubaram o despotismo de 'Abdu'l-Hamíd, destronaram-no e proclamaram a liberdade. Esse comitê libertou-me da tirania e da opressão; senão eu teria permanecido na prisão até os últimos dias da minha vida. O que desejo dizer é isso: Bahá'u'lláh, enquanto na prisão, pôde proclamar e estabelecer as bases da paz embora dois reis déspotas fossem Seus inimigos e opressores. Násiri'd-Dín Sháh, o rei da Pérsia, havia matado vinte mil Bahá'ís, mártires que com absoluto desprendimento e completa espontaneidade jubilosamente ofereceram suas vidas pela sua fé. Esses dois reis poderosos e tirânicos não puderam contrariar um prisioneiro; esse Prisioneiro ergueu o estandarte da humanidade e concedeu unidade e harmonia ao povo do Oriente. Hoje, no Oriente, somente aqueles que não seguiram a Bahá'u'lláh é que estão em oposição e inimizade. Os povos das nações que O aceitaram como o padrão de orientação divina desfrutam uma condição de verdadeiro companheirismo e amor. Tão completamente eles se confraternizaram e suas divergências religiosas foram demolidas que, se participásseis de uma reunião no Oriente, não poderíeis distinguir o cristão do muçulmano; não poderíeis saber quem era judeu, zoroastriano ou budista. Eles se associam com o máximo amor e fragrância espiritual, como se pertencessem à mesma família, como se fossem um só povo.

9
17 DE JUNHO DE 1912

Palestra à Rua Setenta e Oito, 309, Zona Oeste, Nova Iorque

Registrada por Emma C. Melick

Todos nós devemos visitar os doentes. Quando eles se encontram em aflição e sofrimento, é um verdadeiro alívio e favor terem um amigo ao lado. A alegria é um ótimo remédio para os que estão enfermos. No Oriente, é costume visitar o paciente com freqüência e encontrá-lo individualmente. No Oriente, as pessoas demonstram a máxima bondade e compaixão para com os doentes e os que sofrem. Isto tem maior efeito do que o próprio remédio. Deveis sempre ter este pensamento de amor e afeição quando visitais os enfermos e aflitos.

O mundo humano pode ser comparado ao próprio indivíduo; ele tem sua doença e enfermidades. O paciente deve ser diagnosticado por um médico hábil. Os Profetas de Deus são os verdadeiros Médicos. Em qualquer época que apareçam, Eles prescrevem para as condições humanas. Eles conhecem as enfermidades. Descobrem as origens ocultas da doença e indicam o remédio necessário. Quem quer que seja curado por esse remédio, encontra saúde eterna. Nos dias de Jesus Cristo, por exemplo, a humanidade era vitimada por diversas enfermidades. Jesus Cristo foi o verdadeiro Médico. Ele apareceu, reconheceu os sintomas e prescreveu o verdadeiro remédio. Qual era esse remédio? Eram Seus ensinamentos revelados especialmente apropriados para aquela época. Posteriormente apareceram muitas novas doenças e distúrbios na sociedade. O mundo ficou doente, outros grandes males surgiram, especialmente na península arábica. Deus manifestou Muhammad naquele lugar. Ele veio e prescreveu para aquelas condições a fim de que os árabes se tornassem saudáveis, fortes e viris naquela época.

Na época atual a humanidade é vítima de sérias enfermidades e graves distúrbios que a ameaçam de morte. Por isso surgiu Bahá'u'lláh. Ele é o verdadeiro Médico, que trouxe o remédio divino e o restabelecimento do mundo humano. Ele trouxe ensinamentos para todas as doenças - As Palavras Ocultas, Ishráqát, Tarázát, Tajallíyát, Palavras do Paraíso, As Boas Novas, etc. Estas Palavras Sagradas e ensinamentos são o remédio para a sociedade, a prescrição divina e a verdadeira cura para os distúrbios que afligem o mundo. Por isso, devemos aceitar e participar deste remédio para que o completo restabelecimento possa ser assegurado. Cada alma que vive de acordo com os ensinamentos de Bahá'u'lláh está livre das doenças e indisposições que prevalecem em todo o mundo humano; de outro modo, distúrbios egoísticos, males intelectuais, enfermidades espirituais, imperfeições e vícios a envolverão e ela não receberá as graças vivificadoras de Deus.

Bahá'u'lláh é o verdadeiro Médico. Ele diagnosticou as condições humanas e indicou o tratamento necessário. Os princípios essenciais de Seus remédios são o conhecimento e o amor de Deus, desprendimento de tudo salvo Deus, volvermos nossas faces com sinceridade ao Reino de Deus, fé implícita, firmeza e fidelidade, amorosa bondade para com todas as criaturas e a aquisição das virtudes divinas indicadas para o mundo humano. Estes são os princípios fundamentais de progresso, civilização, paz internacional e unidade da humanidade. Estes são os ensinamentos essenciais de Bahá'u'lláh, o segredo da saúde imperecível, o remédio e o restabelecimento do homem.

Minha esperança é que vós possais ajudar na cura do corpo enfermo do mundo através destes ensinamentos, de modo que o eterno resplendor possa iluminar todas as nações da humanidade.

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18 DE JUNHO DE 1912

Palestra à Rua Setenta e Oito, 309, Zona Oeste, Nova Iorque

Registrada por Emma C. Mellick

Não importa o quanto o mundo humano avance na civilização material, ele tem, apesar disso, a necessidade do desenvolvimento espiritual mencionado no Evangelho. As virtudes do mundo material são limitadas, ao passo que as virtudes divinas são ilimitadas. Uma vez que as virtudes materiais são limitadas, a necessidade que o homem tem das perfeições do mundo divino é ilimitada.

Em toda a história da humanidade, vemos que embora o próprio ápice das virtudes humanas tenha sido atingido em diversas épocas, ainda assim eram limitadas, ao passo que as realizações divinas sempre foram ilimitadas e infinitas. O limitado sempre precisa do ilimitado. O material deve estar correlacionado ao espiritual. O material pode ser comparado ao corpo, mas as virtudes divinas são os sopros do próprio Espírito Santo. O corpo sem espírito não é capaz de verdadeira realização. Embora possa estar na máxima condição de beleza e excelência, ele necessita do espírito. A manga do candeeiro, não importa quão polida e perfeita possa estar, necessita da luz. Sem a luz, o candeeiro ou a vela não iluminam. Sem o espírito, o corpo não é produtivo. O professor de princípios materiais é limitado. Os filósofos que clamavam ser os educadores da humanidade foram capazes de, no máximo, educar a si próprios. Se eles educaram outros, foi dentro de um círculo restrito; eles falharam em conferir educação e desenvolvimento geral. Isto sempre foi conferido à humanidade pelo poder do Espírito Santo.

Por exemplo, Cristo educou e desenvolveu universalmente a humanidade. Ele resgatou nações e povos do cativeiro da superstição e idolatria. Convocou todos eles ao conhecimento da unicidade de Deus. Eles estavam obscurecidos, tornaram-se iluminados; eram materiais, tornaram-se espirituais; eram mundanos, tornaram-se celestiais. Ele iluminou o mundo da moralidade. Este desenvolvimento geral, universal, não é possível através do poder da filosofia. Só pode ser realizado pela influência penetrante do Espírito Santo. Por isso, não importa quanto o mundo humano avance, não é capaz de atingir o mais elevado grau, a menos que seja vivificado pela educação e dádivas divinas do Espírito Santo. Isto é o que assegura o progresso e a prosperidade humana.

Portanto, eu vos exorto a serdes devotados ao vosso desenvolvimento espiritual. Assim como vos empenhastes nos planos materiais e atingistes os mais altos graus de progresso terreno, que vos torneis igualmente fortalecidos e proficientes no conhecimento de Deus. Que as suscetibilidades às influências divinas sejam ampliadas e despertadas; que vossa devoção ao Reino celestial se intensifique. Que vos torneis receptáculos os recipientes dos impulsos do Espírito Santo, sejais assistidos no mundo da moralidade e atinjais perfeita capacidade, de modo que a sublimidade do mundo humano se torne evidente em vós. E assim alcanceis a mais elevada felicidade, a vida eterna, a glória imperecível, o segundo nascimento, e vos torneis manifestações das dádivas de Deus.

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20 DE JUNHO DE 1912

Palestra à Rua Setenta e Oito, 309, Zona Oeste, Nova Iorque

Registrada por Howard MacNutt

Estou deixando a cidade para alguns dias de descanso em Montclair. Ao retornar, é meu desejo dar uma grande festa de unidade. Ainda não foi encontrado um local para ela. Ela deve ser ao ar livre, sob as árvores, em algum lugar longe do barulho da cidade - como um jardim persa. Será servida comida persa. Quando for encontrado o local, todos serão informados e teremos uma reunião para todos, na qual os corações serão unidos, os espíritos mesclados e será estabelecida uma nova base de unidade. Todos os amigos virão. Serão meus convidados. Serão como partes e membros de um só corpo. O espírito de vida manifesto naquele corpo será um só espírito. O alicerce daquele templo de unidade será um só alicerce. Cada um será uma pedra nesse alicerce, sólida e interdependente. Cada um será como uma folha, flor ou fruto de uma só árvore. Em nome de companheirismo e unidade, desejo esta festa e reunião espiritual.

Qualquer coisa que conduza à unidade é misericordiosa e é proveniente da própria graça divina. Todo acontecimento universal é divino. Tudo o que leva à separação e à desavença é satânico porque emana de motivos egoístas. Considerai quão claramente é demonstrado na criação que a causa da existência é unidade e coesão e a causa da inexistência é separação e dissensão. Por intermédio do poder divino de criação, os elementos agregam-se em afinidade, e o resultado é um ser composto. Alguns destes elementos se uniram e o homem veio à existência. Outras combinações deram origem a plantas e animais. Por isso, esta afinidade dos elementos inanimados é a causa de vida e existência. É através de sua união, portanto, que a afinidade, o amor e o companheirismo humanos se tornam possíveis. Se os elementos não se agregassem para produzir o corpo humano, as elevadas forças da inteligência não poderiam se manifestar naquele corpo. Porém, quando estes elementos se separam, quando sua afinidade e coesão são eliminadas, seguem-se inevitavelmente a morte e a dissolução do corpo que eles construíram. Portanto, afinidade e unidade, mesmo entre estes elementos materiais, significam vida no corpo humano, e sua discórdia e dissensão significam morte. Em toda a criação, em todos os reinos, esta lei está gravada: que amor e afinidade são a causa da vida, e a discórdia e a separação a causa da morte.

Considerai os corpos de todos os organismos naturais. Certos elementos são reunidos e se combinam em afinidade química. A árvore, o ser humano, o peixe, existem devido a esta atração e coesão que uniram os elementos. Daí resultou uma composição ou um ser complexo. O resultado de um certo agrupamento atômico, por exemplo, é um espelho, uma mesa ou um relógio, porque o poder de coesão magnetizou e uniu estes átomos. Quando esse poder de atração é retirado, seguem-se a dissolução e a desintegração; não permanece qualquer traço ou existência do espelho, da mesa ou do relógio. Por isso, o agrupamento de átomos traz à existência uma realidade, enquanto sua dispersão ou disseminação equivale à inexistência.

Examinai a lei da afinidade entre os animais domésticos. Eles manifestam companheirismo, e vivem em rebanhos e bandos; o amor pela associação é evidente entre eles. Entre os pássaros observamos evidências de companheirismo e amor instintivos. Mas os animais ferozes e aves de rapina são justamente o contrário dos domésticos. Ovelhas, vacas e cavalos pastam juntos em harmonia e concórdia, mas animais ferozes jamais são vistos associando-se com amor e companheirismo. Cada um vive solitário e desolado com uma companheira. Quando se avistam um ao outro, manifestam a máxima ferocidade. Chacais lançam-se contra chacais; lobos, tigres e leões se enfurecem, rosnam e lutam até a morte. Sua ferocidade é instintiva. Há uma razão criativa para isso. Aves de rapina, como águias e falcões, vivem solitárias e constroem seus ninhos separados, mas pombos voam em bandos e fazem ninhos nos mesmos galhos. Quando uma águia encontra outra, há uma furiosa batalha. O encontro de dois pombos é um encontro pacífico. Portanto, é evidente que estas características abençoadas, bem como as opostas, são encontradas entre as criaturas de um reino inferior.

A grande massa da humanidade não pratica o verdadeiro amor e companheirismo. Os eleitos entre a humanidade são aqueles que convivem em amor e unidade. São preferidos diante de Deus porque eles já manifestam os atributos divinos. Nos Manifestantes divinos testemunham-se amor e unidade supremos. Entre Eles a unidade é indissolúvel, imutável, eterna e imperecível. Cada um dEles é a expressão e a representação de todos. Se negarmos um dos Manifestantes de Deus, estaremos negando todos. A perseguição a um dEles é a perseguição aos outros. Em todos os níveis de existência, cada um dEles louva e santifica os demais. Cada um dEles mantém a solidariedade da humanidade e promove a unidade dos corações humanos. Depois dos Manifestantes vêm os crentes cujas características são harmonia, companheirismo e amor. Os amigos Bahá'ís na Pérsia atingiram tal grau de irmandade e amor que isto se tornou realmente um obstáculo à condução dos afazeres materiais. Em qualquer casa de amigos que cada um entrasse, considerava-se, por assim dizer, o dono da casa. Não havia qualquer dualidade, mas completa mutualidade de interesses e amor. O visitante não teria a menor hesitação em abrir a despensa e pegar comida suficiente para suas necessidades. Quando necessário, eles vestiam as roupas uns dos outros como se fossem suas. Caso um necessitasse de um chapéu ou manto, ele o tomava e usava. O dono da roupa agradecia porque a vestimenta fora levada. Ao retornar ao lar, talvez lhe dissessem: "Fulano esteve aqui e levou seu casaco." E ele responderia: "Louvado seja Deus! Sou grato a ele. Louvado seja Deus! Sou tão grato por ter tido esta oportunidade de mostrar meu amor por ele." Este amor e companheirismo expressava-se a um grau tão extremo que Bahá'u'lláh ordenou que ninguém deveria tomar posse dos pertences de outro, a menos que lhe fossem oferecidos. A intenção é mostrar a que grau prevaleciam a unidade e o amor entre os amigos Bahá'ís do Oriente.

Espero que esta mesma intensidade de amor possa se tornar manifesta e evidente aqui; que o espírito de Deus penetre vossos corações a tal ponto que cada um dos amados de Deus seja considerado como todos; que cada um possa se tornar causa de unidade e centro de concórdia, e toda a humanidade se una em verdadeiro companheirismo e amor.

XI
PALESTRAS PROFERIDAS
POR 'Abdu'l-Bahá EM
MONT CLAIR E WEST ENGLEWOOD,
NEW JERSEY
1
23 DE JUNHO DE 1912
Palestra em Montclair, New Jersey
Registrada por Frank E. Osborne
'Abdu'l-Bahá: Você está sempre sorrindo.

Sr. Osborne: Certamente nossas faces devem refletir alegria nesta audiência.

'Abdu'l-Bahá: Sim! Esta é a época de Bahá'u'lláh, é a era da Abençoada Perfeição, o ciclo do Nome Supremo. Se não sorrirdes agora, que época aguardareis e que maior felicidade podereis esperar? Esta é a primavera da manifestação. A chuva primaveril cai da nuvem da divina mercê; a brisa vivificadora do Espírito Santo está soprando os perfumes das flores. Como puro incenso, um fragrante sopro de gratidão ergue-se do campo e do prado, ascendendo ao trono de Deus. O mundo se tornou um novo mundo; as almas são vivificadas, os espíritos renovados e refrescados. É realmente tempo de felicidade.

(Dirigindo-se às pessoas que entravam)
Bem-vindos! Bem-vindos! Sois muito bem-vindos!
(Os sinos da igreja começam a badalar)

Eu não estava me sentindo muito bem esta manhã, senão teria ido à igreja. Em toda parte ouvimos o chamado do mundo espiritual; em tudo contemplamos as obras de Deus. Os sinos da igreja repicam em memória de Jesus Cristo, embora mais de dezenove séculos tenham passado desde que Ele viveu sobre a terra. Isto ocorre pelo poder do espírito. Nenhum poder material pode fazer isto. Ainda assim, há pessoas que em sua cegueira negam Cristo, querendo perpetuar seus nomes em obras terrenas. Todos desejam ser lembrados. Por intermédio de realizações terrenas e materiais, dificilmente alguém será lembrado por nove anos, enquanto a memória e a glória de Cristo continuam depois de transcorridos dezenove séculos, pois Seu nome é eterno e Sua glória imperecível. Por isso, o homem deve ouvir o chamado do mundo espiritual com ouvidos atentos, buscando primeiramente o Reino de Deus e suas perfeições. Esta é a vida eterna, esta é a lembrança imorredoura.

Que grande diferença há entre a glória de Cristo e a glória de um conquistador mundano! Os historiadores relatam que Napoleão Bonaparte I zarpou do Egito secretamente durante a noite. Seu destino era a França. Durante sua campanha na Palestina, havia rompido uma revolução e graves dificuldades haviam surgido no governo local. O culto cristão havia sido proibido pelos revolucionários. Os padres do Cristianismo haviam fugido aterrorizados. A França se tornara ateísta e prevalecia a anarquia. O navio partiu numa noite à luz de um brilhante luar. Napoleão caminhava de um lado a outro no convés. Seus oficiais, sentados em grupo, conversavam. Um deles falou da semelhança entre Bonaparte e Cristo. Napoleão parou e disse com severidade: "Você acha que eu estou voltando à França para estabelecer uma religião?"

Jesus Cristo estabeleceu a religião de Deus através do amor. Sua soberania é imperecível. Napoleão derrubou governos com guerra e derramamento de sangue. Seu domínio desapareceu; ele próprio foi destronado. Bonaparte destruiu vidas humanas; Cristo foi um Salvador. Bonaparte controlava os corpos físicos das pessoas; Cristo era um conquistador de corações humanos. Nenhum dos Profetas de Deus era homem famoso, mas Eles eram singulares em poder espiritual. O amor é a soberania eterna. O amor é o poder divino. Por seu intermédio todos os reis da terra são destronados e conquistados. Que maior evidencia disso poderia haver do que as realizações de Bahá'u'lláh? Ele surgiu no Oriente e foi exilado. Foi enviado à prisão de 'Akká na Palestina. Dois poderosos reis despóticos se levantaram contra Ele. Durante Seu exílio e encarceramento, Ele escreveu Epístolas de autoridade aos reis e governantes do mundo, anunciando Sua soberania espiritual, estabelecendo a religião de Deus, erguendo as bandeiras celestiais da Causa de Deus. Uma dessas Epístolas foi enviada a Napoleão III, imperador da França. Ele a recebeu com desprezo e atirou-a atrás de si. Bahá'u'lláh dirigiu-lhe uma segunda Epístola contendo as seguintes palavras: "Tivesses tu sido sincero em tuas palavras, não terias lançado atrás de ti o Livro de Deus quando te foi enviado... Nós te provamos por seu intermédio e te achamos em desacordo com aquilo que professas. Levanta-te e faze reparação daquilo que te escapou. Dentro em breve o mundo e tudo o que tu possuis perecerão e o reino permanecerá com Deus... Por causa daquilo que fizeste, prevalecerá confusão em teu reino, e teu império será tirado de tuas mãos, em punição pelos teus feitos. Então saberás claramente que erraste... tua pompa... muito breve há de passar, a menos que te segures firmemente a esta Corda forte. Vemos humilhação se aproximar de ti rapidamente..." Tudo isso aconteceu exatamente conforme anunciado por Bahá'u'lláh. Napoleão III foi destronado e exilado. Seu império extinguiu-se e desapareceu, enquanto o domínio e a soberania de Bahá'u'lláh, o Prisioneiro, tornaram-se eternos através da confirmação de Deus. Isto é tão evidente como a luz do sol ao meio-dia, exceto para aqueles que são espiritualmente cegos. Se estivermos resfriados, não poderemos inalar as delicadas fragrâncias que emanam do jardim de rosas do Reino divino.

Em suma, as nações do mundo estão se tornando unidas sob a soberania do Reino divino. Hoje, o Oriente e o Ocidente estão se abraçando aqui com amor e afeição. Esta não é uma união comercial ou política, mas união através do amor de Deus. Nós atravessamos o mar para difundir esse amor na América, para anunciar o chamado do Reino, para estabelecer as bases espirituais da paz internacional. Embora os homens possam se levantar contra o Reino, o domínio e a soberania de Deus serão estabelecidos. É um Reino eterno, uma soberania divina. Cristo, em Sua época, foi chamado de Satã, Belzebu, mas ouvi os sinos que agora soam por Ele! Ele era o Verbo de Deus e não Satã. Eles escarneceram dEle, conduziram-No pela cidade sobre um burro, coroaram-No com espinhos, esbofetearam Sua abençoada face e crucificaram-No, mas agora Ele está com Deus e em Deus porque Ele era o Verbo e não Satã. Cinqüenta anos atrás ninguém tocaria a Bíblia cristã na Pérsia. Bahá'u'lláh veio e perguntou: "Por que?" Eles disseram: "Não é a Palavra de Deus." Ele disse: "Deveis lê-la compreendendo seus significados, e não como aqueles que meramente recitam suas palavras." Hoje os Bahá'ís de todo o Oriente lêem a Bíblia e compreendem seu significado espiritual. Bahá'u'lláh difundiu a Causa de Cristo e abriu o livro dos cristãos e dos judeus. Ele removeu as barreiras dos nomes. Provou que todos os Profetas divinos ensinaram a mesma realidade e que negar um dEles equivale a negar os outros, pois todos estão em perfeita unicidade com Deus.

Em Londres, alguns cristãos disseram que nós éramos contestadores de Cristo. Nós dizemos que Cristo é o Verbo de Deus. Nós estamos aqui reunidos esta manhã para Sua menção. Os sinos nos convocaram para nos reunirmos em amor e unidade. Esta casa é o templo de Deus. Todos são bem-vindos! Muito bem-vindos!

Pergunta: Como determinamos a verdade ou erro de certas interpretações bíblicas, como por exemplo, o higher criticism * e outros ensinamentos atuais do cristianismo?

* O estudo crítico-literário da Bíblia que visa determinar fatores como autoria, data, lugar de origem, circunstâncias da composição, propósito do autor e a credibilidade histórica de cada um dos diversos escritos bíblicos, juntamente com o significado pretendido pelos seus autores - Dicionário Merriam-Webster. (n.t.)

'Abdu'l-Bahá: Sua pergunta é intricada e importante. Uma resposta completa requereria um longo tempo. Darei uma resposta breve. O único verdadeiro Explanador do Livro de Deus é o Espírito Santo, pois não há duas mentes iguais, não há duas pessoas que possam compreender do mesmo modo, não existem duas pessoas que possam falar de modo igual. Isto quer dizer que, de mero ponto de vista ou interpretação humanos, não poderia haver nem verdade, nem concórdia.

Pergunta: Vós concordais com o novo pensamento de que o princípio central é o controle da mente sobre a matéria?

'Abdu'l-Bahá: a Filosofia desenvolve a mente. Cristo e o Verbo de Deus são revelados através do Espírito. Platão diz: "As conclusões da mente são tal e tal." Cristo diz: "Deixai-vos guiar pelo Espírito."

Pergunta: Deve-se permitir que as crianças leiam higher criticism?

'Abdu'l-Bahá: Deve-se primeiro ensinar a elas a realidade da religião como um fundamento. Na Igreja Católica, por exemplo, ensina-se à criança que através de algum ato do padre o pão e o vinho do sacramento se tornam a carne e o sangue de Jesus Cristo. A mente não pode aceitar isto. Deve-se ensinar à criança que esta transformação é um símbolo da verdade de que Cristo é o alimento celestial, e que alimentar-se dele produz vida eterna. Os judeus haviam memorizado a Bíblia, mas falharam em compreender seus significados. Se eles tivessem compreendido os significados espirituais das escrituras, teriam sido os primeiros a crer em Cristo. Vós sois dos primeiros crentes neste país. Sois os filhos do Reino. Bahá'u'lláh vos ensinou a realidade da religião. Há muitos amigos Bahá'ís na Pérsia que nós não conhecemos, mas conhecemos a vós aqui na América. Volvei vossas faces para o Sol da Realidade. Esse Sol sempre se ergueu no Oriente. Encontrai a resposta a vossas perguntas em vossos corações. Sede como as crianças pequeninas. Antes de ser preparado, o solo não pode receber o benefício do plantio.

2
29 DE JUNHO DE 1912
Palestra na Festa de Unidade, ao Ar Livre
West Englewood, New Jersey
Registrada por Esther Foster

Esta é uma reunião encantadora; viestes aqui com intenções sinceras, e o propósito de todos os presentes é adquirir as virtudes de Deus. O motivo é a atração ao Reino divino. Uma vez que o desejo de todos é unidade e harmonia, certamente esta reunião produzirá grandes resultados. Será a causa de atração de uma nova graça, pois estamos nos volvendo para o Reino de Abhá, buscando as infinitas dádivas do Senhor. Este é um novo Dia, e esta é uma nova Hora, em que nos reunimos. Com certeza o Sol da Realidade nos iluminará com seu pleno esplendor, e a escuridão da discórdia desaparecerá. Resultarão os máximos amor e unidade; os favores de Deus nos envolverão; o caminho do Reino tornar-se-á fácil. Como velas, estas almas serão acesas e radiantes através das luzes da guia suprema. Não há reuniões iguais ou semelhantes a esta no mundo humano, onde as pessoas se reúnem por motivos físicos ou por interesses materiais, pois esta reunião é o protótipo daquela associação espiritual interior e completa no eterno mundo do ser.

As verdadeiras reuniões Bahá'ís são os espelhos do Reino nos quais são refletidas as imagens do Concurso Supremo. Nelas se vê as luzes da suprema guia. Elas anunciam a convocação do Reino celestial e fazem ressoar o chamado das hostes angelicais a todo ouvido atento. A eficácia de reuniões como estas permanece por todas as épocas. Esta assembléia tem um nome e uma importância que durarão para sempre. Centenas de milhares de reuniões serão realizadas para comemorar esta ocasião, e nelas as próprias palavras que vos estou pronunciando hoje serão repetidas em épocas futuras.

Por isso, regozijai-vos, pois vós estais abrigados sob a providência de Deus.

Sede felizes e jubilosos, pois as dádivas de Deus estão destinadas a vós e a vida do Espírito Santo está soprando sobre vós.

Regozijai, pois a mesa celestial está preparada para vós.

Regozijai, pois os anjos do céu são vossos assistentes e auxiliadores.

Regozijai, pois o esplendor da Abençoada Beleza, Bahá'u'lláh, está direcionado a vós.

Regozijai, pois Bahá'u'lláh é vosso Protetor.

Regozijai, pois glória imperecível vos é destinada.

Regozijai, pois a vida eterna espera por vós.

Quantas almas abençoadas ansiaram por este século radiante, suas esperanças e desejos supremos convergiam para a felicidade e a alegria de um dia como este. Passaram muitas noites insones, lamentando até o amanhecer, antecipando ardorosamente esta época, aspirando alcançar mesmo que fosse uma única hora deste tempo. Deus vos favoreceu neste século e vos preparou especialmente para a concretização de suas bênçãos. Portanto deveis louvar e agradecer a Deus de coração e alma, em apreço a esta grande oportunidade e à obtenção desta infinita graça - por estas portas terem sido abertas diante de vossas faces, por chover abundantemente das nuvens da misericórdia e por estas refrescantes brisas do paraíso de Abhá vos ressuscitarem. Deveis vos tornar um só coração, um só espírito e uma só suscetibilidade. Que vos torneis como as ondas de um só mar, as estrelas do mesmo céu, frutos adornando a mesma árvore, rosas de um só jardim, para que por vosso intermédio a unidade da humanidade possa estabelecer seu templo no mundo humano, pois vós sois chamados a erguer a causa da unidade entre as nações da terra.

Primeiro, vós próprios deveis estar unidos e em harmonia. Deveis ser extremamente bondosos e amorosos um para com o outro, dispostos a dar a vida no caminho da felicidade do outro. Deveis estar prontos a sacrificar vossas posses em favor do outro. Os ricos dentre vós devem mostrar compaixão em relação ao pobre, e os prósperos devem cuidar dos aflitos. Na Pérsia, os amigos oferecem suas vidas uns pelos outros, esforçando-se por ajudar e promover os interesses e o bem-estar de todo o resto. Vivem em perfeito estado de unidade e harmonia. Assim como os amigos persas, deveis estar em perfeito acordo e unidade a ponto de sacrificar a vida. Vosso maior desejo deve ser o de conferir alegria um ao outro. Cada um deve ser o servo dos outros, zelando pelo seu conforto e bem-estar. No caminho de Deus cada um deve esquecer-se inteiramente de si próprio. Não deve considerar seu próprio prazer, mas buscar o prazer dos outros. Não deve desejar glória, nem dádivas da graça para si próprio, mas buscar estas dádivas e bênçãos para seus irmãos e irmãs. Tenho a esperança de que possais vos tornar assim, que possais atingir a suprema dádiva e sejais imbuídos de tais qualidades espirituais que esqueçais completamente de vós próprios e, de coração e alma, possais vos oferecer como sacrifício à Abençoada Perfeição. Não deveis ter vontade nem desejo para vós mesmos, mas buscar tudo para os amados de Deus e conviver em pleno amor e companheirismo. Que os favores de Bahá'u'lláh vos circundem de todas as direções. Esta é a maior dádiva e a suprema graça. Estes são os infinitos favores de Deus.

XII
PALESTRAS PROFERIDAS
POR 'Abdu'l-Bahá EM
NOVA IORQUE
1
1º DE JULHO DE 1912

Palestra à Rua Setenta e Oito, 309, Zona Oeste, Nova Iorque

Registrada por Howard MacNutt

O que poderia ser melhor perante Deus do que a consideração aos pobres? Pois os pobres são amados pelo nosso Pai celestial. Quando Cristo veio à terra, aqueles que nEle acreditaram e O seguiram foram os pobres e humildes, mostrando que os pobres estavam próximos a Deus. Quando um rico acredita e segue o Manifestante de Deus, isto é uma prova de que sua riqueza não é um obstáculo e não o impede de alcançar o caminho da salvação. Depois de ter sido testado e provado, ver-se-á se as suas posses são um obstáculo em sua vida religiosa. Mas os pobres são especialmente amados por Deus. Suas vidas são repletas de dificuldades, suas provações contínuas, suas esperanças são depositadas em Deus somente. Por isso, deveis ajudar os pobres tanto quanto possível, até mesmo através de vosso próprio sacrifício. Nenhum ato do homem é mais grandioso diante de Deus do que o auxílio aos pobres. As condições espirituais não dependem da posse de tesouros terrenos ou de sua ausência. Quando alguém é fisicamente desprovido, os pensamentos espirituais são mais prováveis. A pobreza é um estímulo em direção a Deus. Cada um de vós deve ter grande consideração para com o pobre e lhe prestar assistência. Organizai-vos num esforço para auxiliá-los e impedir o aumento da pobreza. O maior meio para a prevenção é aquele pelo qual as leis da comunidade sejam estruturadas e decretadas de modo que não haja a possibilidade de uns poucos serem milionários e muitos desprovidos. Um dos ensinamentos de Bahá'u'lláh é o ajuste dos meios de subsistência na sociedade humana. Sob este ajuste não pode haver extremos nas condições humanas relativas à riqueza e à subsistência. Pois a comunidade necessita de financistas, agricultores, comerciantes e operários, assim como um exército deve ser composto de comandante, oficiais e soldados. Todos não podem ser comandantes; todos não podem ser oficiais ou soldados. Cada um deve ser competente na sua posição dentro da estrutura social - cada um em sua função, de acordo com sua habilidade, mas com justiça de oportunidade para todos.

Licurgo, rei de Esparta, que viveu bem antes da época de Cristo, concebeu a idéia de igualdade absoluta no governo. Ele proclamou leis pelas quais todo o povo de Esparta foi classificado em certas categorias. Cada categoria tinha seus próprios direitos e funções. Primeiro, fazendeiros e lavradores. Segundo, artesãos e comerciantes. Terceiro, líderes ou nobres. Sob as leis de Licurgo, estes últimos não precisavam se ocupar com qualquer trabalho ou profissão, mas tinham a incumbência de defender o território em caso de guerra e invasão. Em seguida, ele dividiu Esparta em nove mil partes iguais ou províncias, designando nove mil líderes ou nobres para protegê-las. Deste modo, os fazendeiros de cada província tinham proteção assegurada, mas cada um deles era obrigado a pagar um imposto para manter o nobre daquela província. Os agricultores e comerciantes não eram obrigados a defender o território. Em vez de trabalho, os nobres recebiam os impostos. A fim de estabelecer isto como uma lei para sempre, Licurgo reuniu os nove mil nobres, disse-lhes que estava partindo para uma longa viagem e desejava que esta forma de governo permanecesse efetiva até seu retorno. Eles fizeram um juramento para proteger e preservar sua lei. Então, ele deixou seu reino, partiu para um exílio voluntário e nunca mais retornou. Nenhum homem jamais fez tal sacrifício para garantir a igualdade entre seus semelhantes. Passaram-se alguns anos e todo o sistema de governo que ele havia fundado entrou em colapso, embora tivesse sido estabelecido em bases tão justas e sábias.

A diferença de capacidade entre os indivíduos humanos é fundamental. É impossível a todos serem similares, todos serem iguais, todos serem sábios. Bahá'u'lláh revelou princípios e leis que realizarão o ajustamento das diversificadas capacidades humanas. Ele disse que tudo o que for possível realizar no governo humano será feito através destes princípios. Quando forem cumpridas as leis por Ele instituídas, na sociedade não haverá possibilidade de existirem milionários nem tampouco os extremamente pobres. Isto será realizado e regulado pelo ajustamento dos diferentes graus de capacidade humana. A base fundamental da sociedade é a agricultura, o cultivo da terra. Todos devem produzir. Cada pessoa na comunidade, cujas necessidades forem iguais à sua capacidade produtiva individual, deve ser isenta de taxação. Mas se a sua renda for maior do que suas necessidades deve pagar tributo até que um ajustamento seja estabelecido. Ou seja, a capacidade produtiva de uma pessoa e suas necessidades serão niveladas e reconciliadas através de tributação. Se sua produção exceder, ele pagará imposto; se suas necessidades excederem sua produção, ele receberá uma quantia suficiente para equilíbrio ou ajustamento. Portanto, a tributação será proporcional à capacidade e à produção, e não haverá pobres na sociedade.

Do mesmo modo, Bahá'u'lláh ordenou aos ricos que doassem livremente aos pobres. No Kitáb-i-Aqdas Ele escreveu ainda que aqueles que têm uma certa renda devem dar a quinta parte a Deus, o Criador do céu e da terra.

2
1º DE JULHO DE 1912

Palestra à Rua Setenta e Oito, 309, Zona Oeste, Nova Iorque

De Notas Estenográficas

Eu desejo tornar manifesto entre os amigos da América uma nova luz, de modo que possam se tornar um novo povo, que um novo alicerce possa ser estabelecido e completa harmonia seja realizada, pois o alicerce de Bahá'u'lláh é o amor. Quando fordes a Green Acre, devereis ter infinito amor uns pelos outros, cada um preferindo o outro a si mesmo. O povo deve ser tão atraído a vós a ponto de exclamar: "Que felicidade existe entre vós!" e verão em vossas faces as luzes do Reino; e então, maravilhados, volver-se-ão a vós e buscarão a causa de vossa felicidade. Deveis dar a mensagem através de ações e obras, não somente por palavras. Palavras devem ser conjugadas com atos. Deveis amar vossos amigos mais do que a si próprios; sim, estai prontos a vos sacrificar. A Causa de Bahá'u'lláh ainda não se tornou visível neste país. Desejo que estejais prontos a sacrificar tudo uns pelos outros, até mesmo a própria vida; então saberei que a Causa de Bahá'u'lláh foi estabelecida. Rezarei por vós para que vos torneis a causa da elevação das luzes de Deus. Que todos vos apontem, perguntando: "Por que estas pessoas são tão felizes?" Quero que sejais felizes em Green Acre, para sorrirdes e regozijardes a fim de que outros possam se tornar felizes por vosso intermédio. Rezarei por vós.

3
5 DE JULHO DE 1912

Palestra à Rua Setenta e Oito, 309, Zona Oeste, Nova Iorque

Registrada por Howard MacNutt

Pergunta: Vós afirmastes que estamos vivendo num ciclo universal, cujo primeiro Manifestante foi Adão e cujo Manifestante universal é Bahá'u'lláh. Isto significa que houve outros ciclos universais anteriores a este e que todo traço deles desapareceu - ciclos cujo propósito fundamental foi a divina espiritualização do homem, tal como é a intenção criativa neste?

A soberania divina é uma soberania antiga, não uma soberania acidental.

Se imaginarmos que este mundo da existência teve um começo, poderemos dizer que a soberania divina é contingente - ou seja, que houve um tempo em que ela não existia. Um rei sem reino é impossível. Ele não pode ficar sem um território, sem súditos, sem um exército, sem domínio, ou será destituído de realeza. Todas estas exigências ou requisitos de soberania devem existir para um rei. Se existirem, nós poderemos lhe aplicar a palavra soberania, de outro modo, sua soberania será imperfeita, incompleta. Se nenhuma destas condições existirem, não haverá soberania.

Se admitirmos que houve um início para este mundo da criação, estaremos admitindo que a soberania de Deus é contingente - isto é, que houve um tempo em que a Realidade divina não possuía domínio. Os nomes e atributos da Divindade são requisitos deste mundo. Os nomes o Poderoso, o Vivente, o Provedor, o Criador requerem e necessitam da existência de criaturas. Sem criaturas, não haveria sentido para Criador. Se não houvesse alguém para prover, não poderíamos imaginar um Provedor. Se não existisse vida, o Vivente estaria além do poder de concepção. Por isso, todos os nomes e atributos de Deus pressupõem a existência de objetos ou criaturas aos quais esses atributos foram concedidos e nos quais se tornaram manifestos. Se houvesse um tempo em que não existisse uma criação, em que não houvesse a quem prover, isto significaria um tempo sem um Ser existente, sem um Educador, e os atributos e qualidades de Deus não teriam sentido nem significado. Portanto, os requisitos dos atributos de Deus não admitem interrupção ou cessação, pois os nomes de Deus existem agora e sempre, e não potencialmente. Como eles concedem vida, são chamados Vivificador; como eles provêem, são chamados Generoso, Provedor; como eles criam, são chamados Criador; por educarem e governarem, recebem o nome de Senhor Deus. Isto quer dizer que os nomes divinos emanam dos eternos atributos da Divindade. Assim, está provado que os nomes divinos pressupõem a existência de objetos ou seres.

Como se pode, então, conceber um tempo em que esta soberania não existisse? Não se pode avaliar esta soberania divina por seis mil anos. Este interminável e ilimitado universo não é o resultado desse período limitado. A produção desse estupendo laboratório e oficina não se restringe a seis mil translações da terra em torno do sol. Com a mais tênue reflexão, o homem pode se assegurar de que este cálculo e esta declaração são infantis, principalmente em vista de que está cientificamente comprovado que o globo terrestre é habitado pelo homem há muito mais tempo do que esta limitada estimativa.

Quanto ao registro bíblico a respeito da entrada de Adão no paraíso, do fato dEle comer do fruto da árvore e de Sua expulsão por causa da tentação de Satã, são todos símbolos que ocultam significados maravilhosos e divinos que não podem ser calculados em anos, datas e medidas de tempo. Do mesmo modo, a afirmativa de que Deus criou o céu e a terra em seis dias é simbólica. Não vamos explicar além disto hoje. Os textos dos Livros Sagrados são todos simbólicos, e precisam de interpretação autorizada.

Quando o homem lança um olhar de reflexão, mesmo superficial, sobre a questão do universo, descobre que ele é muito antigo. Um filósofo persa estava olhando para o céu, maravilhado. Ele disse: "Eu escrevi um livro contendo setenta provas do surgimento acidental do universo, mas continuo achando-o muito antigo."

Bahá'u'lláh diz: "O universo não tem começo nem fim." Ele deixou de lado as elaboradas teorias e exaustivas opiniões dos cientistas e filósofos materialistas pela simples afirmação: "Não há começo nem fim." Os teólogos e religiosos apresentam provas plausíveis de que a criação do universo data de seis mil anos; os cientistas mostram fatos indiscutíveis, dizendo: "Não! Estas evidências indicam dez, vinte, cinqüenta mil anos atrás," etc. Há intermináveis discussões pró e contra. Bahá'u'lláh deixa de lado estas discussões por uma única palavra e afirmação. Ele diz: "A soberania divina não tem começo nem fim." Através desta proclamação e sua demonstração, Ele estabeleceu um padrão de concórdia entre aqueles que refletem sobre esta questão da soberania divina; Ele concedeu reconciliação e paz a essa guerra de opiniões e discussões.

Em suma, houve muitos ciclos universais que precederam este no qual nós vivemos. Eles foram consumados, completados e seus traços obliterados. Neles, o propósito divino e criativo era a evolução do homem espiritual, tal como o é neste ciclo. O círculo da existência é o mesmo; ele retorna. A árvore da vida sempre produziu os mesmos frutos celestiais.

4
5 DE JULHO DE 1912

Palestra à Rua Setenta e Oito, 309, Zona Oeste, Nova Iorque

Registrada por Emma C. Melick e Howard MacNutt

Sois muito bem-vindos, muito bem-vindos, todos vós! Nos Livros Sagrados de Deus há profecias inequívocas dando as boas-novas de um certo Dia em que o Prometido de todos os Livros apareceria, uma dispensação radiante se estabeleceria, o estandarte da Suprema Paz e conciliação se ergueria e a unicidade do mundo humano seria proclamada. Entre as várias nações e povos do mundo não restaria qualquer inimizade ou ódio. Todos os corações seriam conectados uns com os outros. Estas coisas estão registradas na Torá, no Evangelho, no Alcorão, no Zend-Avesta, nos livros de Buda e no de Confúcio. Em suma, todos os Livros Sagrados contêm estas boas-novas. Eles anunciam que depois de o mundo estar envolto por trevas, aparecerá o esplendor. Pois assim como a noite, que ao se tornar extremamente escura antecede o alvorecer de um novo dia, do mesmo modo, quando a escuridão da apatia e da incúria religiosas dominarem o mundo, quando as almas humanas se tornarem negligentes para com Deus, quando as idéias materialistas obscurecerem a espiritualidade, quando as nações estiverem submersas no mundo da matéria e se esquecerem de Deus - num tempo como este, o Sol divino há de brilhar e o radiante amanhecer surgirá.

Considerai até que ponto a espiritualidade das pessoas foi superada pelo materialismo, as suscetibilidades espirituais parecem ter desvanecido, a civilização divina se tornou decadente e a guia e o conhecimento de Deus não mais perduram. Todos estão submersos no mar de materialismo. Embora alguns freqüentem igrejas e templos de adoração e devoção, fazem-no de acordo com as tradições e imitações de seus antepassados e não pela investigação da verdade. Pois está evidente que elas não encontraram a verdade e não estão comprometidos com sua adoração. Elas estão presas a certas imitações que chegaram a elas através de seus pais e ancestrais. Acostumaram-se a passar um certo tempo em adoração no templo e a conformar-se com imitações e ritos. A prova disto é que o filho de todo pai judeu se torna judeu e não cristão; o filho de todo muçulmano se torna seguidor do Islã; o filho de todo cristão vem a ser cristão; o filho de todo zoroastriano é zoroastriano, etc. Portanto, fé e crença religiosas são meramente indícios de cegas imitações que chegaram por intermédio dos pais e antepassados. Como o pai deste homem era judeu, ele se considera um judeu. Não é que ele tenha investigado a verdade e provado satisfatoriamente a si próprio que o judaísmo é correto - ao contrário, ele está consciente de que seus antepassados seguiram este mesmo caminho; por isso ele também se apegou a isso.

O propósito disto é explicar que a escuridão das imitações envolve o mundo. Cada nação se apega às suas formas religiosas tradicionais. A luz da verdade é obscurecida. Se todas estas nações investigassem a verdade, não há dúvida de que a alcançariam. Como a verdade é uma só, todas as nações se tornariam uma só nação. Enquanto elas se apegarem a várias imitações e se privarem da realidade, a contenda e a guerra continuarão e prevalecerão o rancor e a sedição. Se investigarem a verdade, não restarão nem inimizade nem rancor, e elas chegarão à máxima concórdia.

Durante os anos em que a escuridão da negligência estava muito intensa no Oriente e o povo estava tão imerso em imitações que as nações estavam sedentas do sangue umas das outras, considerando-se mutuamente contaminadas e recusando-se a se associarem - num tempo como este é que surgiu Bahá'u'lláh. Ele levantou-Se no Oriente, desarraigando os próprios fundamentos das imitações, e trouxe o alvorecer da luz da verdade. Por Seu intermédio várias nações se tornaram unidas porque todas desejavam a verdade. Uma vez que investigaram a verdade na religião, perceberam que todos os homens são servos de Deus, a posteridade de Adão, filhos de um único lar e que os fundamentos de todos os profetas são um só. Pois visto que os ensinamentos dos Profetas são a verdade, Seus fundamentos são um só. A inimizade e o conflito das nações são, portanto, devidos às imitações religiosas e não à realidade subjacente aos ensinamentos dos Profetas. Por intermédio de Bahá'u'lláh, as nações e povos vieram a perceber e compreender isto. Por isso os corações se tornaram unidos e as vidas foram interligadas. Depois de séculos de ódio e amargura, cristãos judeus, zoroastrianos, muçulmanos e budistas reuniram-se em companheirismo, todos eles no máximo amor e unidade. Eles foram unidos e consolidados porque perceberam a verdade.

Os Profetas divinos estão unidos em perfeito estado de amor. Cada um dEles trouxe as boas-novas da vinda de Seu sucessor e cada sucessor confirmou Aquele que O precedeu. Eles estiveram em completa unidade, mas Seus seguidores encontram-se em conflito. Por exemplo, Moisés deu a mensagem de boas-novas de Cristo, e Cristo confirmou a posição de Profeta de Moisés. Portanto, entre Moisés e Jesus não há divergência ou conflito. Eles estão em perfeita unidade, mas entre judeus e cristãos há conflito. Ora, se cristãos e judeus, portanto, investigarem a verdade subjacente aos ensinamentos de seus Profetas, tornar-se-ão gentis nas suas atitudes uns para com os outros e se associarão em máximo amor, pois a verdade é uma e não dual ou múltipla. Se esta investigação da verdade se tornar universal, as nações divergentes ratificarão todos os Profetas divinos e confirmarão todos os Livros Sagrados. Não permanecerá qualquer contenda ou rancor, e o mundo se tornará unido. Então nos uniremos na realidade do amor. Tornar-nos-emos como pais e filhos, como irmãos e irmãs convivendo em completa unidade, amor e felicidade; pois este é o século de luz. Não é como os séculos passados. Os séculos passados foram épocas de opressão. Agora, os intelectos humanos se desenvolveram e a inteligência humana ampliou-se. Cada alma está investigando a verdade. Esta não é uma época de promovermos guerra e de sermos hostis uns com os outros. Vivemos numa época em que devemos desfrutar o verdadeiro companheirismo.

Cinqüenta anos atrás, Bahá'u'lláh enviou Epístolas a todos os reis e nações do mundo, numa época em que não havia qualquer menção de paz internacional. Uma destas Epístolas foi enviada por Ele ao presidente da democracia americana. Nestes comunicados, Ele convocou todos à paz internacional e à unidade do mundo humano. Convocou toda a humanidade para os ensinamentos fundamentais de todos os Profetas. Alguns reis europeus foram arrogantes. Entre eles estava Napoleão III. Bahá'u'lláh escreveu-lhe uma segunda Epístola, a qual foi publicada há trinta anos. Seu contexto é este: " Ó Napoleão! Tu te tornaste realmente arrogante. Tu te tornaste orgulhoso. Esqueceste de Deus. Imaginas que esta majestade é permanente para ti, que este domínio é duradouro para ti. Nós te enviamos uma carta para que a acolhesses com teu mais grandioso amor; mas, em vez disso, tu mostraste arrogância. Por isso, Deus extirpará o edifício de tua soberania e teu povo fugirá de ti. Tu encontrarás a humilhação apressando-se a ti, pois não te levantaste por aquilo que te foi ordenado, visto que aquilo que te foi incumbido era a causa de vivificação para o mundo. A punição de Deus em breve se abaterá sobre ti."

Esta epístola foi revelada em 1869 e, um ano depois, as fundações da soberania napoleônica foram completamente desarraigadas.

Entre estas Epístolas, havia uma muito longa ao xá da Pérsia. Ela foi publicada e amplamente difundida em todos os países. Esta Epístola foi revelada em 1870. Nela, Bahá'u'lláh admoestou o xá da Pérsia a ser bondoso com todos os seus súditos, convocando-o a administrar justiça, aconselhando-o a não fazer qualquer distinção entre as religiões, incumbindo-o de tratar igualmente judeus, cristãos, muçulmanos e zoroastrianos, e de eliminar a opressão que prevalecia em seu país.

Naquela época os judeus eram extremamente oprimidos na Pérsia. Bahá'u'lláh recomendou especialmente justiça para eles, dizendo que todos os povos são servos de Deus e que perante o governo eles deveriam ser igualmente considerados. "Se a justiça não for estabelecida, se esta opressão não for eliminada e tu não obedeceres a Deus, os alicerces de teu governo serão arrasados, e tu te extinguirás, serás como nada. Reúne todos os eruditos e então convoca-Me. Lá estarei presente. Então apresentarei provas e evidências de Minha autenticidade. Manifestarei Minha prova e qualquer coisa que Me possais perguntar. Estou pronto. Mas se nenhuma atenção for dispensada a este livro, tu, tal como os reis que deixaram de existir, também te tornarás inexistente." O xá não respondeu a esta Epístola da Abençoada Perfeição. Então, Deus destruiu os fundamentos de sua soberania.

Entre aqueles a quem Bahá'u'lláh escreveu, estava o sultão da Turquia. Nessa Epístola, Ele o denuncia, dizendo: "Verdadeiramente, tu Me encarceraste e Me fizeste prisioneiro. Imaginas que a prisão seja um dano a Mim, que a prisão seja humilhação para Mim? Este encarceramento é glória para Mim, pois é no caminho de Deus. Eu não cometi crime algum. É por Deus que recebi esta provação. Por isso Eu estou muito feliz; estou extremamente jubiloso. Mas tu deves esperar; Deus te enviará um castigo; tu receberás uma retribuição. Em breve, verás como provações descerão sobre ti como chuva, e tu te extinguirás." E assim aconteceu.

Do mesmo modo, Ele enviou mensagens a outros reis e cabeças coroadas da terra, convocando todos eles ao amor, eqüidade, paz internacional e unidade do gênero humano, de modo que a humanidade possa se unificar e se harmonizar; que o conflito, a contenda e a sedição sejam obliteradas; que a crueldade e a inimizade cessem e todos se levantem a serviço do Deus uno.

Em resumo, dois reis se levantaram contra Bahá'u'lláh: o xá da Pérsia e o sultão da Turquia. Eles O aprisionaram na fortaleza de 'Akká para extinguir Sua luz e exterminar Sua causa. Mas Bahá'u'lláh, enquanto na prisão, escreveu severas cartas de censura a eles. Ele declarou que aprisionamento não era obstáculo para Ele. "Este encarceramento se mostrará como meio de promoção da Minha Causa. Este aprisionamento será um incentivo à difusão de Meus ensinamentos. Nenhum mal poderá Me atingir pois Eu sacrifiquei Minha vida, sacrifiquei Meu sangue, sacrifiquei Minhas possessões, sacrifiquei tudo e para Mim este aprisionamento não é uma derrota." E, assim mesmo como Ele declarou, veio a acontecer. Na prisão Ele ergueu Sua bandeira, e Sua Causa se espalhou por todo o mundo. Chegou até a América. Agora a Causa de Bahá'u'lláh está se estendendo a todas as nações do mundo. Podeis ir à Ásia, e em qualquer lugar que viajardes encontrareis Bahá'ís. Podeis ir à África, Europa; lá encontrareis a Causa de Bahá'u'lláh. Na América está apenas começando a crescer e se espalhar.

Estes dois reis nada puderam fazer contra Bahá'u'lláh, mas Deus, através dEle, pôde destruir a ambos. Eu também estive na prisão. Deus removeu as correntes do meu pescoço e colocou-as no pescoço de 'Abdu'l-Hamíd. Isto foi feito repentinamente - não num longo período, num momento por assim dizer. Na mesma hora em que os Jovens Turcos declararam liberdade, o Comitê de União e Progresso me libertou. Eles retiraram as correntes de meu pescoço e as colocaram no pescoço de 'Abdu'l-Hamíd. O que ele fez a mim foi imposto a ele. Agora a posição é exatamente a oposta. Ele passa seus dias na prisão tal como eu os passei na prisão de 'Akká, com a diferença de que eu estava feliz na prisão. Eu me encontrava no máximo júbilo, pois não era um criminoso. Eles me aprisionaram no caminho de Deus. Cada vez que pensava sobre isto, que eu era um prisioneiro no caminho de Deus, extremo júbilo me sobrevinha. 'Abdu'l-Hamíd sofre agora a punição pelos seus atos. Por causa dos pecados que ele cometeu, agora está na prisão. Esta é a retribuição pelos seus atos. A cada hora ele é novamente mortificado e sua ignomínia revive. Ele se encontra no mais completo pesar e desapontamento, enquanto eu estou em perfeita felicidade. Eu estava feliz que - louvado seja Deus! - eu era um prisioneiro na Causa de Deus, que minha vida não estava sendo desperdiçada, que foi despendida no serviço divino. Ninguém que me visse imaginaria que eu estava na prisão. Eles me viam na mais plena alegria, completa gratidão e saúde, sem dar qualquer atenção à prisão.

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6 DE JULHO DE 1912

Palestra à Rua Setenta e Oito, 309, Zona Oeste, Nova Iorque

Registrada por Emma C. Melick

No mundo da existência, o homem atravessou sucessivos graus até atingir o reino humano. Em cada estágio de sua evolução, ele desenvolveu capacidade para avançar à seguinte posição e condição. Enquanto no reino mineral, ele estava adquirindo a capacidade para galgar a posição do vegetal. No reino vegetal, ele se preparou para o mundo do animal, e daí chegou à posição ou reino humano. Durante toda esta jornada de evolução, ele sempre e invariavelmente foi potencialmente humano.

No início de sua vida humana, o homem estava em estado embrionário no mundo do ventre. Nessa condição, ele recebeu capacidade e dom para a realidade da existência humana. Nesse estado limitado, as forças e capacidades necessárias para este mundo lhe foram concedidas. Neste mundo ele precisava de olhos; ele os recebeu potencialmente no outro. Ele precisava de ouvidos; lá ele os obteve em preparação à sua nova existência. As capacidades necessárias neste mundo lhe foram conferidas no mundo do ventre, de modo que ao chegar a este reino de verdadeira existência ele não só possuía todas as funções e capacidades necessárias mas também encontrou provisões para sua subsistência material esperando por ele.

Por isso, neste mundo ele deve se preparar para a vida do além. Aquilo que ele necessita no mundo do Reino deve ser obtido aqui. Assim como ele se preparou no mundo do ventre, adquirindo as forças necessárias para esta esfera da existência, as forças indispensáveis à existência divina devem ser potencialmente obtidas neste mundo.

Que coisas ele precisa no Reino que transcende a vida e as limitações desta esfera mortal? O mundo do além é um mundo de santidade e de esplendor; por isso, é necessário que neste mundo ele adquira estes atributos divinos. Naquele mundo há necessidade de espiritualidade, fé, certeza, conhecimento e amor a Deus. Estas coisas ele deve adquirir neste mundo para que após sua ascensão do reino terreno para o Reino celestial ele possa encontrar preparado tudo o que lhe é necessário na vida eterna.

Aquele mundo divino é claramente um mundo de luzes; por isso, o homem precisa de iluminação aqui. Aquele é um mundo de amor; o amor a Deus é essencial. É um mundo de perfeições; virtudes ou perfeições devem ser adquiridas. Aquele mundo é vivificado pelos sopros do Espírito Santo; neste mundo devemos buscá-los. Aquele é o Reino de vida imperecível; deve ser alcançado durante esta existência efêmera.

Por que meios o homem pode adquirir estas coisas? Como ele obtém estas dádivas e poderes misericordiosos? Primeiro, através do conhecimento de Deus. Segundo, através do amor a Deus. Terceiro, através da fé. Quarto, através de atos filantrópicos. Quinto, através de auto-sacrifício. Sexto, através do desprendimento deste mundo. Sétimo, através da pureza e da santidade. A menos que adquira estas capacidades e atinja estes requisitos, ele certamente será privado da vida eterna. Mas se possuir o conhecimento de Deus, inflamar-se com o fogo do amor de Deus, testemunhar os grandes e poderosos sinais do Reino, tornar-se a causa de amor entre a humanidade e viver no máximo grau de pureza e santidade, ele certamente nascerá pela segunda vez, será batizado pelo Espírito Santo e desfrutará a existência imperecível.

Não é espantoso que embora o homem tenha sido criado para conhecer e amar a Deus, para as virtudes do mundo humano, para a espiritualidade, iluminação celestial e vida eterna, continue ignorante e negligente a tudo isto? Vede como ele busca conhecimento de tudo exceto de Deus. Por exemplo, seu maior desejo é penetrar os mistérios da camada mais profunda da terra. Dia a dia se esforça por saber o que pode ser encontrado dez metros abaixo da superfície, o que ele pode descobrir no interior da pedra, o que pode aprender pela pesquisa arqueológica no pó. Ele se dedica a um árduo trabalho para sondar os mistérios terrestres, mas não tem a mínima preocupação em conhecer os mistérios do Reino, atravessar as ilimitadas regiões do mundo eterno, informar-se das realidades divinas, descobrir os segredos de Deus, atingir o conhecimento de Deus, testemunhar os esplendores do Sol da Verdade e perceber as glórias da vida imperecível. Ele está desatento e negligente em relação a estas coisas. Como ele é atraído pelos mistérios da matéria e quão completamente inconsciente está dos mistérios da Divindade! Mais ainda, ele está totalmente negligente e esquecido dos segredos da Divindade. Como é grande a sua ignorância! Como isto o leva à degeneração! É como se um bondoso e amoroso pai tivesse providenciado uma biblioteca de maravilhosos livros para seu filho para que ele pudesse se informar dos mistérios da criação, cercando-o, ao mesmo tempo, com todos os meios de conforto e recreação, mas o filho se divertisse com seixos e brinquedos, negligenciando todos os presentes e provisões de seu pai. Como o homem é ignorante e desatento! O Pai desejou eterna glória para ele, e ele se contenta com cegueira e privação. O Pai construiu para ele um palácio real, mas ele brinca com o pó; preparou-lhe um traje de seda, mas ele prefere permanecer nu; proveu-lhe deliciosos alimentos e frutas, mas ele procura seu alimento na grama dos campos.

Louvado seja Deus! Vós ouvistes o chamado do Reino. Vossos olhos estão abertos; volvestes vossas faces a Deus. Vosso propósito é o beneplácito de Deus, a compreensão dos mistérios do coração e a investigação das realidades. Dia e noite deveis vos esforçar para atingir os significados do Reino celestial, perceber os sinais da Divindade, adquirir a certeza de compreender e perceber que este mundo tem um Criador, um Vivificador, um Provedor, um Arquiteto - sabendo disto através de provas e evidências e não por meio de suscetibilidades, mais ainda, através de argumentos conclusivos e verdadeira visão - ou seja, visualizando isto tão claramente como os olhos exteriores vêem o sol. Que possais deste modo contemplar a presença de Deus e atingir o conhecimento dos santos Manifestantes.

Deveis adquirir o conhecimento dos Manifestantes divinos e Seus ensinamentos através de provas e evidências. Deveis desselar os mistérios do Reino supremo e vos tornar capazes de descobrir as realidades interiores das coisas. Então sereis as manifestações da misericórdia de Deus e verdadeiros crentes, firmes e constantes na Causa de Deus.

Louvado seja Deus! A porta do conhecimento divino foi aberta por Bahá'u'lláh, pois Ele estabeleceu os fundamentos pelos quais o homem pode se informar das realidades do céu e da terra, e concedeu completa confirmação neste dia. Ele é nosso Mestre e Conselheiro; Ele é nosso Profeta, Aquele que é clemente para conosco. Ele preparou Suas dádivas e concedeu Suas graças, revelou toda admoestação e mandamento, preparou-nos os meios de glória eterna, insuflou em nós os sopros vivificadores do Espírito Santo, abriu diante de nossas faces as portas do paraíso de Abhá e fez com que as luzes do Sol da Verdade resplandecessem sobre nós. As nuvens da mercê derramaram sua preciosa chuva. O mar da generosidade se encapela e se agita em nossa direção.

A primavera espiritual já chegou. Infinita generosidade e graça se manifestaram. Que dádiva é maior do que esta? Devemos ter em grande apreço a generosidade divina e agir de acordo com os ensinamentos de Bahá'u'lláh a fim de que todo bem possa ser preservado para nós, e em ambos os mundos possamos nos tornar preciosos e aceitáveis a Deus, atingir bênçãos imperecíveis, saborear a delicadeza do amor de Deus, encontrar a doçura do conhecimento de Deus, perceber as bênçãos celestiais e testemunhar o poder do Espírito Santo.

Este é o meu conselho, e esta a minha admoestação.

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14 DE JULHO DE 1912
Palestra na Igreja Unitária de Todas as Almas

Esquina da Quarta Avenida com Rua Vinte, Nova Iorque

Registrada por John G. Grundy e Howard MacNutt

Hoje desejo vos falar a respeito da unicidade da humanidade, pois neste grande século a mais importante das realizações é a unidade do gênero humano. Embora em séculos e épocas anteriores este assunto recebesse alguma consideração e alusão, agora ele se tornou a questão de importância suprema nas condições religiosas e políticas do mundo. A história mostra que no passado sempre houve conflito e contenda constantes entre as várias nações, povos e seitas; mas agora - louvado seja Deus! - neste século de iluminação, os corações estão inclinados à concórdia e companheirismo, e as mentes estão atentas à questão da unificação da humanidade. Hoje há uma emanação da consciência universal que claramente indica o alvorecer de uma grande unidade.

Na investigação de um assunto, o método correto de abordagem é examinar cuidadosamente suas premissas. Por isso, devemos retornar aos fundamentos sobre os quais se apóia a solidariedade humana - a saber, que todos são a progênie de Adão, e criaturas e servos de um Deus; que Deus é o Protetor e o Provedor; que todos estão imersos no mar da misericórdia e graça divinas e que Deus é amoroso para com todos.

A humanidade tem em comum as faculdades intelectuais e espirituais. Todos são igualmente sujeitos às várias exigências da vida humana e se ocupam igualmente na aquisição de meios de subsistência terrena. Do ponto de vista da criação, os seres humanos se encontram na mesma condição em todos os sentidos, sujeitos às mesmas necessidades e buscando o prazer e o conforto das coisas terrenas. Por isso, as coisas que a humanidade tem em comum são numerosas e evidentes. Esta igual participação nos problemas físicos, intelectuais e espirituais da existência humana é uma base válida para a unificação da humanidade.

Considerai como a discórdia e a dissensão têm prevalecido nesta grande família humana durante milhares de anos. Seus membros sempre estiveram envolvidos em guerra e derramamento de sangue. Até o atual período da história, a humanidade não atingiu nem desfrutou paz alguma devido às incessantes condições de hostilidade e conflito. A história é um contínuo e incessante registro de conflito devido a causas religiosas, sectárias, raciais, políticas e patrióticas. O mundo humano jamais encontrou tranqüilidade. O gênero humano sempre esteve em conflito, ocupado em destruir as bases, pilhando as propriedades e apossando-se das nações e terras uns dos outros, especialmente nos períodos mais antigos de selvageria e barbarismo em que raças e povos inteiros eram levados cativos pelos seus conquistadores. Quem pode medir ou estimar a tremenda destruição de vidas humanas resultante desta hostilidade e contenda? Quantos poderes e forças humanas foram utilizadas na continuidade da guerra e aplicadas em objetivos desumanos de batalha e derramamento de sangue? Neste mais radiante século, tornou-se necessário desviar estas energias e utilizá-las em outros sentidos, buscar o novo caminho de companheirismo e unidade, esquecer a ciência da guerra e dedicar as supremas capacidades humanas para as abençoadas artes da paz. Depois de longo sofrimento e experiência estamos convencidos das conseqüências prejudiciais e satânicas da dissensão; agora devemos procurar meios para desfrutar os benefícios do entendimento e da concórdia. Quando esses meios forem encontrados, devemos lhes dar uma chance.

Considerai os efeitos perniciosos da dissensão e discórdia na família; em seguida refleti sobre os favores e bênçãos que descem sobre essa família quando há unidade entre seus diversos membros. Que incalculáveis benefícios e bênçãos poderiam descer sobre a grande família humana se fossem estabelecidas a unidade e a fraternidade! Neste século, quando os benéficos resultados da unidade e as maléficas conseqüências da discórdia estão tão claramente evidentes, os meios de se alcançar e realizar a fraternidade humana apareceram no mundo. Bahá'u'lláh proclamou e providenciou o caminho pelo qual a hostilidade e a dissensão podem ser removidas do mundo humano. Ele não deixou qualquer base ou possibilidade para a dissensão e a discórdia.

Primeiro Ele proclamou a unicidade da humanidade e ensinamentos religiosos especiais para as condições humanas existentes. A primeira forma de dissensão surge de divergências religiosas. Bahá'u'lláh concedeu ao mundo ensinamentos completos, conducentes ao companheirismo e à unidade na religião. No decorrer dos séculos passados, cada sistema de crença se vangloriava de sua própria superioridade e excelência, menosprezando e escarnecendo da validade de todos os outros. Cada um proclamava sua própria crença como luz e todas as outras como trevas. Os religiosos sempre consideraram o mundo humano como duas árvores: uma divina e misericordiosa, a outra satânica; eles próprios como os ramos, as folhas e os frutos da árvore divina e todos os outros diferentes deles como o produto da árvore satânica. Por isso, sedição e conflito, carnificina e contenda têm sido contínuos entre eles. A maior causa da alienação humana tem sido religiosa porque cada parte considerou a crença do outro como anátema e privada da misericórdia de Deus.

Há ensinamentos específicos de Bahá'u'lláh dirigidos à humanidade. Ele diz: "Vós todos sois as folhas da mesma árvore." Ele não diz: "Sois as folhas de duas árvores, uma divina e a outra satânica." Ele declarou que cada membro da família humana é uma folha ou ramo da árvore adâmica; que todos estão abrigados sob a misericórdia e providência protetora de Deus; que todos são filhos de Deus, frutos da única árvore de Seu amor. Deus é igualmente compassivo e bondoso com todas as folhas, ramos e frutos desta árvore. Portanto, não há qualquer árvore satânica - sendo o Satã um produto das mentes humanas e das tendências instintivas dos homens ao erro. Somente Deus é Criador e todos são criaturas de Seu poder. Por isso, devemos amar o gênero humano como Suas criaturas, sabendo que todos se desenvolvem na árvore de Sua misericórdia, servos de Sua vontade onipotente e manifestações de Seu beneplácito.

Ainda que encontremos um ramo ou folha defeituosa nesta árvore da humanidade, ou uma flor imperfeita, no entanto ela pertence a esta mesma árvore e não a outra. Por isso, é nosso dever proteger e cultivar esta árvore até que ela atinja a perfeição. Se examinarmos seus frutos e neles acharmos imperfeições, devemos nos esforçar para aperfeiçoá-los. No mundo humano há almas insipientes; devemos torná-las conhecedoras. Alguns dos que crescem na árvore são fracos e doentes; devemos auxiliá-los no caminho à saúde e ao restabelecimento. Se são como crianças, em desenvolvimento, devemos auxiliá-los até que atinjam a maturidade. Jamais devemos detestá-los e evitá-los como censuráveis e indignos. Devemos tratá-los com honra, respeito e bondade; pois foi Deus que os criou e não Satã. Eles não são manifestações da ira de Deus, mas evidências de Seu divino favor. Deus, o Criador, dotou-os de qualidades físicas, mentais e espirituais para que possam procurar conhecer e cumprir Sua vontade; por isso, eles não são objetos de Sua ira e condenação. Em suma, toda a humanidade deve ser vista com amor, bondade e respeito; pois nada vemos neles senão os sinais e traços do próprio Deus. Todos são evidências de Deus; como podemos, portanto, justificar-nos em menosprezar e depreciá-los, pronunciando anátema e impedindo-os de se aproximarem de Sua mercê? Isto é ignorância e injustiça, e desagrada a Deus; pois aos Seus olhos, todos são Seus servos.

Outra causa de dissensão e desentendimento é o fato de se considerar a religião em desacordo com a ciência. Sempre houve controvérsia e conflito entre cientistas e seguidores da religião porque os últimos sempre proclamaram a religião como autoridade superior à ciência e consideraram os enunciados científicos como opostos aos ensinamentos da religião. Bahá'u'lláh declarou que a religião está em completa harmonia com a ciência e a razão. Se a crença e a doutrina religiosa estiverem em desacordo com a razão, elas procedem da mente limitada do homem e não de Deus; portanto, não são dignas de crédito e não merecem atenção; nelas, o coração não encontra tranqüilidade, e a verdadeira fé é impossível. Como pode o homem crer naquilo que sabe ser oposto à razão? Será isto possível? Pode o coração aceitar aquilo que a razão nega? A razão é a primeira faculdade do homem, e a religião de Deus está em harmonia com ela. Bahá'u'lláh removeu esta forma de dissensão e discórdia do seio da humanidade e reconciliou a ciência e a religião, revelando os puros ensinamentos da realidade divina. Esta é uma realização peculiar a Ele neste Dia.

Ainda outra causa de desentendimento e dissensão tem sido a formação de seitas e denominações religiosas. Bahá'u'lláh disse que Deus enviou a religião com o propósito de estabelecer companheirismo entre a humanidade, e não para criar conflito e discórdia, pois toda religião é fundamentada no amor à humanidade. Abraão proclamou este princípio, Moisés convocou todos ao seu reconhecimento, Cristo o estabeleceu e Muhammad conduziu a humanidade ao seu padrão. Esta é a realidade da religião. Se abandonarmos os boatos e investigarmos a verdade e o significado interior dos ensinamentos celestiais, encontraremos o mesmo fundamento divino de amor à humanidade. Isto significa que o objetivo da religião é ser a causa de unidade, amor e companheirismo, e não de discórdia, inimizade e desavença. O homem se afastou dos fundamentos da religião divina e aderiu a cega imitação. Cada nação se apegou às suas próprias imitações e, como estas divergem entre si, o resultado é conflito, carnificina e destruição dos fundamentos da humanidade. A verdadeira religião se baseia no amor e harmonia. Bahá'u'lláh disse: "Se a religião e a fé forem causas de inimizade e sedição, é bem melhor ser irreligioso, e a ausência da religião seria preferível; pois desejamos que a religião seja a causa de amizade e companheirismo. Se existirem inimizade e ódio, a irreligião é preferível." Portanto, a remoção desta dissensão foi peculiar a Bahá'u'lláh, pois a religião é o remédio divino para o antagonismo e a discórdia entre os homens. Mas, se fizermos do remédio a causa da doença, é melhor ficarmos sem o remédio.

Outras fontes de dissensão humana são preconceitos políticos, patrióticos e raciais. Estes foram removidos por Bahá'u'lláh. Ele disse, e preservou Sua afirmação com provas racionais dos Livros Sagrados, que o mundo humano é uma só raça, a superfície da terra uma só morada e que estas barreiras raciais e fronteiras políticas imaginárias são ilegítimas e sem fundamento. O homem se degrada ao se tornar cativo de suas próprias ilusões e suposições. A terra é uma só terra, e é envolvida pela mesma atmosfera. Deus não fez distinção alguma nem estabeleceu qualquer preferência entre seus habitantes humanos; mas o homem estabeleceu as bases do preconceito, ódio e discórdia em relação aos seus semelhantes, forjando distinção de importância entre as nacionalidades e diferença de direitos e privilégios entre as raças.

A diversidade de idiomas tem sido causa de abundante discórdia. A função do idioma é o intercâmbio de pensamentos e objetivos. Por isso, não importa qual a língua que o homem fala ou utiliza. Sessenta anos atrás Bahá'u'lláh defendeu a unidade de língua como o maior meio de união e a base para deliberação internacional. Ele escreveu aos reis e governantes de diversas nações, recomendando que todos os governos sancionassem e adotassem uma só língua. De acordo com isto, cada nação deveria adotar a língua universal além de sua língua nativa. Então, o mundo estaria em íntima comunicação, a consulta se tornaria generalizada e as dissensões causadas pela diversidade de idiomas seriam eliminadas.

Outro ensinamento de Bahá'u'lláh trata da paz universal: que toda a humanidade deve ser despertada e conscientizada do prejuízo da guerra, deve ser levada a perceber os benefícios da paz e saber que a paz provém de Deus, enquanto a guerra é satânica. O homem deve emular o Deus misericordioso e se afastar das sugestões satânicas, a fim de que a tendência universal seja em direção à paz, amor e unidade, e a discórdia da guerra desapareça.

A falta de igualdade entre o homem e a mulher é, similarmente, uma causa de dissensão humana. Bahá'u'lláh designou isto como um importante fator de desentendimento e separação, pois enquanto a humanidade permanecer em desigualdade de direitos e de importância entre homens e mulheres, nenhuma unidade pode ser estabelecida. Num corpo humano perfeito não pode haver um órgão completo e outro defeituoso. No grande corpo da sociedade humana é impossível estabelecer unidade e coordenação se uma parte for considerada perfeita e a outra imperfeita. Quando ambas estiverem em perfeita operação de suas funções, há de prevalecer harmonia. Deus criou homem e mulher iguais em faculdades. Não fez distinção alguma entre eles. Nas realizações humanas, a mulher não alcançou o mesmo nível do homem por falta de oportunidade e de instrução. Se houvesse igualdade de oportunidades educacionais, as duas partes, o homem e a mulher atingiriam igualdade nas suas realizações. Deus não pretendia qualquer diferença entre eles que pudesse levar à discórdia. Ele dotou todos de faculdades humanas, e todos são manifestações de Sua mercê. Se dissermos que por criação o homem e a mulher possuem dons diferentes, isto seria contrário à justiça e à intenção divinas. Ambos são humanos. Se Deus criou um perfeito e o outro imperfeito, então Ele é injusto. Mas Deus é justo; todos são perfeitos em Sua intenção e nos dons de criação. Admitir imperfeição na criatura seria pressupor imperfeição no Criador Todo-Poderoso. A alma que atingir maior excelência em Seus atributos e graças será mais aceitável perante Deus.

Estamos considerando o plano divino para a reconciliação dos sistemas religiosos do mundo. Bahá'u'lláh disse que se for escolhido um membro inteligente de cada um dos diversos sistemas religiosos, e estes representantes se reunissem para investigar a verdade religiosa, eles estabeleceriam um corpo inter-religioso ao qual todas as disputas e diferenças de crença pudessem ser apresentadas para consideração e decisão. Tais questões poderiam ser então ponderadas e examinadas sob o ponto de vista da realidade, e todas as imitações seriam abandonadas. Através deste método e procedimento, todas as seitas, denominações e sistemas se tornariam um único.

Não questioneis a praticabilidade disto, nem vos surpreendais. Isto já foi realizado e efetivado na Pérsia. Naquele país, os seguidores de várias religiões se reuniram para investigar a verdade e estão unidos em amor e companheirismo completos. Não resta entre eles qualquer traço de discórdia e divergência; em vez disso, agora demonstram afeição e unidade. Eles convivem em harmonia e concórdia como uma única família. Antagonismo e contenda foram abandonados; amor e entendimento substituíram o ódio e a animosidade. Além disso, aquelas almas que seguiram Bahá'u'lláh e atingiram esta condição de cordialidade e associação são muçulmanos, judeus, cristãos, zoroastrianos, budistas, nestorianos, sunitas, xiitas e outros. Não há discórdia alguma entre eles. Esta é uma prova prática da possibilidade de unificação entre os seguidores das religiões do mundo. Imitações e preconceitos que separavam os homens foram deixados de lado, e a realidade da religião os envolve em perfeita harmonia. Quando a realidade envolve a alma do homem, o amor se torna possível. O objetivo divino da religião é puro amor e entendimento. Os Profetas de Deus manifestaram completo amor a todos. Cada um dEles anunciou as boas-novas da vinda de Seu sucessor, e cada um dEles subseqüentemente confirmou os ensinamentos e profecias do Manifestante que O precedeu. Não houve qualquer discórdia ou divergência entre as realidades de Seus ensinamentos e missões. A discórdia surgiu entre Seus seguidores que perderam de vista a realidade e se apegaram tenazmente a imitações. Se as imitações forem abandonadas e a radiante e luminosa realidade alvorecer nas almas dos homens, o amor e a unidade haverão de prevalecer. Deste modo, a humanidade será resgatada do conflito e das guerras que têm predominado por milhares de anos; as dissensões desaparecerão e a luz da unidade alvorecerá. Considerai como todos os Profetas de Deus foram perseguidos e a que sofrimentos Eles Se submeteram. Jesus Cristo suportou aflições e aceitou o martírio na cruz para convocar o gênero humano à unidade e ao amor. Que sacrifício poderia ser maior? Ele trouxe a religião do amor e camaradagem ao mundo. Será que podemos utilizá-la para criar discórdia e ódio entre a humanidade?

Moisés foi perseguido e expulso para o deserto, Abraão foi banido, Muhammad refugiou-Se em cavernas, o Báb foi executado e Bahá'u'lláh foi exilado e preso por quarenta anos. Mas todos Eles desejaram irmandade e amor entre os homens. Eles suportaram sofrimentos, foram perseguidos e mortos por nossa causa, para que nós aprendêssemos a amar uns aos outros e a ser unidos e irmanados em vez de oponentes e divergentes. Basta destes longos séculos que trouxeram tais vicissitudes e sofrimentos ao mundo através de contenda e ódio. Que neste século radiante nos esforcemos em cumprir a vontade de Deus, que sejamos resgatados destas trevas e sigamos avante em direção à ilimitada luz celestial, afastando-nos da divisão e dando as boas-vindas à divina unicidade da humanidade. Queira Deus que este mundo material se torne como um espelho celestial no qual possamos contemplar os traços da Divindade, e as qualidades fundamentais de uma nova criação possam se refletir da realidade do amor que resplandece nos corações humanos. Da luz e da imagem de Deus em nós se possa de fato provar e testemunhar que Deus criou o homem à Sua imagem e semelhança.

Ó meu Deus! Ó meu Deus! Verdadeiramente, invoco-Te, e ante Teu limiar imploro, pedindo que todas as Tuas graças desçam sobre estas almas. Elege-as para Teu favor e Tua verdade. Ó Senhor! Une e enlaça firmemente os corações; harmoniza todas as almas e extasia os espíritos com os sinais de Tua santidade e Tua unicidade. Ó Senhor! Torna estas faces radiantes com a luz da Tua unidade. Fortalece Teus servos em dedicação a Teu Reino.

Ó Senhor! Tu que possues infinita mercê! Ó Senhor de clemência e misericórdia! Perdoa-nos os pecados, sê indulgente com nossas faltas e faze-nos volvermos para o reino da Tua benevolência, invocarmos o domínio da grandeza e do poder, sermos humildes ante Teu santuário e submissos diante da glória dos Teus sinais.Ó Senhor, Deus! Sejamos como ondas do mar, ou flores de um jardim, unidos, em harmonia, através das graças do Teu amor. Ó Deus! Enleva os corações diante das evidências da Tua unicidade e faze com que toda a humanidade se assemelhe a estrelas brilhando da mesma altura de glória e a frutos perfeitos crescendo em Tua árvore da vida.

Em verdade, és o Onipotente, O que subsiste por Si próprio, o Generoso, o Misericordioso, o Supremo Perdão, o Onisciente, o Criador Único!

7
15 DE JULHO DE 1912
Palestra na Residência do Dr. e Sra. Florian Krug
Park Avenue, 830, Nova Iorque
Registrada por Howard MacNutt

Estou imensamente satisfeito em vos ver. Vossos corações estão iluminados pela luz de Bahá. Esta reunião é, em verdade, uma assembléia divina e celestial, sob a proteção de Deus, pois não temos outro propósito senão louvar e satisfazer a Deus. A prece que acabastes de oferecer é uma prece de gratidão.

Há vários tipos de gratidão. Há uma gratidão verbal, que se limita a um mero pronunciamento de gratidão. Esta não tem nenhuma importância porque a língua talvez possa agradecer enquanto o coração está alheio a isso. Muitos dos que agradecem a Deus são deste tipo, seus espíritos e corações estão inconscientes do agradecimento. Isto é meramente um hábito, tal como quando nos encontramos, recebemos um presente e dizemos obrigado, pronunciando as palavras sem maior significado. Pode-se agradecer mil vezes e o coração continuar ingrato, não agradecido. Por isso, a mera gratidão verbal não tem efeito. A verdadeira gratidão, porém, é um agradecimento cordial, vindo do coração. Quando o homem, em resposta aos favores de Deus, manifesta suscetibilidades de consciência, seu coração se alegra e seu espírito se enleva. Estas suscetibilidades espirituais são a gratidão ideal.

Há, ainda, um agradecimento cordial que se expressa nos atos e obras do homem quando seu coração está repleto de gratidão. Por exemplo, Deus conferiu ao homem o dom da orientação, e em sua gratidão por este grande dom certas ações devem emanar dele. Para expressar sua gratidão pelos favores de Deus, o homem deve mostrar ações louváveis. Em resposta a estas dádivas, ele deve fazer boas ações e auto-sacrifício, amar os servos de Deus, dar até mesmo a vida por eles, mostrar bondade para com todas as criaturas. Ele deve se desprender do mundo, ser atraído ao Reino de Abhá, com a face radiante, a língua eloqüente, o ouvido atento, dia e noite se esforçando por atingir o beneplácito de Deus. Qualquer coisa que deseje fazer deve estar em harmonia com o beneplácito de Deus. Ele deve observar e ver qual é a vontade de Deus e agir de acordo com ela. Não pode haver dúvida que tais atos louváveis são em agradecimento aos favores de Deus.

Considerai quão agradecido alguém se torna ao se recuperar de uma doença, quando gentilmente tratado por outro ou quando alguém lhe presta algum serviço, por mais insignificante que seja. Se esquecemos tais favores, evidencia-se nossa ingratidão. Então, dir-se-á que foi feito um ato amável, mas que nós somos ingratos e não apreciamos esta amabilidade e favor. Física e espiritualmente estamos submersos no mar da graça de Deus. Ele nos proveu alimento, bebida e outras necessidades; Seus favores nos envolvem de todos os lados. O sustento proporcionado ao homem é uma bênção. A visão, a audição e todas as suas faculdades são dádivas maravilhosas. Estas bênçãos são inúmeras; não importa quantas sejam mencionadas, elas continuam intermináveis. As bênçãos espirituais são igualmente infindáveis - o espírito, a consciência, o pensamento, a memória, a percepção, a concepção e outras dádivas. Por seu intermédio Ele nos conduz e nós entramos em Seu Reino. Ele abriu as portas de todo o bem diante de nós. Concedeu-nos glória eterna. Convocou-nos ao Reino dos céus. Enriqueceu-nos com as bênçãos de Deus. A cada dia Ele proclama boas-novas. A cada hora, faz descer novas graças.

Considerai como todos os povos estão adormecidos e vós estais despertos. Eles estão mortos e vós vivos com os sopros do Espírito Santo. Eles são cegos, enquanto vós sois dotados de visão discernente. Eles estão privados do amor de Deus, mas ele está em vossos corações e está incandescente. Considerai estas dádivas e favores.

Por isso, em agradecimento por elas deveis agir de acordo com os ensinamentos de Bahá'u'lláh. Deveis ler as Epístolas - as Palavras Ocultas, Ishráqát, Boas Novas - todas as palavras sagradas, e agir de acordo com elas. Este é o verdadeiro agradecimento, viver de acordo com estas palavras. Esta é a verdadeira gratidão e a dádiva divina. Esta é a verdadeira ação de graças e glorificação de Deus.

Espero que vós todos possais alcançar isso, prestai atenção a estes favores de Deus e sede atentos. Minha esperança é poder partir de Nova Iorque com o coração feliz, e meu coração fica feliz quando os amigos de Deus se amam uns aos outros e mostram a misericórdia de Deus a todas as pessoas. Se eu vir isto, irei embora feliz.

Saudações!
XIII
PALESTRAS PROFERIDAS
POR 'Abdu'l-Bahá EM
BOSTON
1
23 DE JULHO DE 1912
Palestra no Hotel Victoria
Boston, Massachusetts
Registrada por Edna McKinney

Os Bahá'ís não devem se comprometer com movimentos políticos que levam à sedição. Eles devem se interessar por movimentos que conduzem à lei e à ordem. Hoje, na Pérsia, os Bahá'ís não tomam parte em levantes revolucionários que terminam em desordem e rebelião. No entanto, o Bahá'í pode manter um escritório político e participar do tipo correto de política. Ministros, oficiais de estado e governadores-gerais na Pérsia são Bahá'ís, e há muitos outros Bahá'ís em posições governamentais; mas em nenhum lugar do mundo os seguidores de Bahá'u'lláh devem se envolver em movimentos sediciosos. Se, por exemplo, houver uma revolta aqui na América, com o propósito de estabelecer um governo despótico, os Bahá'ís não devem se ligar a ele.

A Causa Bahá'í abriga todas as questões econômicas e sociais sob as cláusulas e disposições de suas leis. A essência do espírito Bahá'í é que para estabelecer uma melhor ordem social e condição econômica deve haver obediência às leis e princípios do governo. Sob as leis que deverão governar o mundo, os socialistas podem legitimamente exigir direitos humanos, mas sem recorrer à força e à violência. Os governos haverão de fazer valer estas leis, estabelecendo uma legislação e uma economia justas, a fim de que toda a humanidade possa desfrutar uma medida plena de bem-estar e privilégio; mas isto será sempre de acordo com a proteção e o procedimento legais. Sem administração legislativa, os direitos e as reivindicações fracassam, e o bem-estar da sociedade não pode ser realizado. Hoje, o método de reivindicar é a greve e o uso de força, os quais são evidentemente errados e destroem as bases humanas. Reivindicações e privilégios legítimos devem ser promovidos por leis e regulamentos.

Enquanto milhares de pessoas consideram estas questões, nós temos propósitos mais essenciais. Os fundamentos de toda a condição econômica são de natureza divina e estão associados ao mundo do coração e do espírito. Isto está perfeitamente explicado nos ensinamentos Bahá'ís, e sem conhecimento de seus princípios não se pode realizar qualquer melhoria na condição econômica. Os Bahá'ís irão realizar esta melhoria e aperfeiçoamento, mas não através de sedição e apelo à força física - não através de guerra, mas de prosperidade. Os corações devem estar tão unidos, o amor deve se tornar tão predominante a ponto de os ricos espontaneamente oferecerem auxílio aos pobres e tomarem a iniciativa de estabelecer estes ajustes econômicos permanentemente. Se isto for realizado desta maneira, será extremamente louvável, pois será em nome de Deus e no caminho de Seu serviço. Por exemplo, será como se os ricos de uma cidade dissessem: "Não é justo nem legítimo que nós possuamos grande riqueza enquanto há abjeta pobreza nesta comunidade", e então, de boa vontade dessem sua riqueza aos pobres, mantendo apenas o tanto que lhes possibilitasse viver em conforto.

Esforçai-vos, portanto, para criar amor nos corações, a fim de que eles possam se tornar ardorosos e radiantes. Quando esse amor brilhar, ele permeará outros corações do mesmo modo que esta luz elétrica ilumina o seu ambiente. Quando o amor de Deus for estabelecido, tudo mais será realizado. Esta é a verdadeira base de toda a economia. Refleti sobre isto. Esforçai-vos para que vos torneis a causa de atração das almas em vez de compelir as mentes. Manifestai a verdadeira economia às pessoas. Mostrai o que é amor, o que é bondade, o que é o verdadeiro desprendimento e generosidade. Esta é a coisa importante que deveis fazer. Agi de acordo com os ensinamentos de Bahá'u'lláh. Todos os Seus Livros serão traduzidos. Agora é tempo de viverdes de acordo com Suas palavras. Que vossos atos sejam a verdadeira tradução de seus significados. Questões econômicas não atrairão corações. Apenas o amor de Deus os atrairá. As questões econômicas são muito interessantes; mas o poder que move, controla e atrai os corações dos homens é o amor de Deus.

2
24 DE JULHO DE 1912
Palestra à Sociedade Teosófica: The Kensington
Esquina da Rua Exeter com Rua Boylston,
Boston, Massachusetts
Registrada por Edna McKinney

No mundo da existência não há nada tão importante quanto o espírito, nada tão essencial como o espírito do homem. O espírito do homem é o mais nobre dos fenômenos. O espírito do homem é o encontro entre o homem e Deus. O espírito do homem é o ânimo da vida humana e o centro coletivo de todas as virtudes humanas. O espírito do homem é a causa da iluminação deste mundo. O mundo pode ser comparado ao corpo; o homem é o espírito do corpo, pois a luz do mundo é o espírito humano. O homem é a vida do mundo, e a vida do homem é o espírito. A felicidade do mundo depende do homem, e a felicidade do homem depende do espírito. O mundo pode ser comparado à manga do candeeiro, enquanto o homem é a luz. O próprio homem pode ser comparado à lâmpada; seu espírito é a luz dentro da lâmpada. Por isso, falaremos deste espírito.

Os filósofos do mundo se dividem em duas classes: os materialistas, que negam o espírito e sua imortalidade, e os filósofos divinos, os sábios de Deus, os verdadeiros iluminados que crêem no espírito e na sua continuidade na vida futura. Os antigos filósofos ensinaram que o homem consiste simplesmente de elementos materiais que compõem sua estrutura celular, e que quando esta composição se desintegra a vida do homem se extingue. Eles argumentavam que o homem é apenas corpo, que os órgãos e suas funções, os sentidos, os poderes e atributos que caracterizam o homem se originaram desta composição de elementos, e que estes desaparecem completamente com o corpo físico. Isto é praticamente o que afirmam todos os materialistas.

Os filósofos divinos proclamam que o espírito do homem é permanente e eterno, e por causa das objeções dos materialistas, estes sábios de Deus desenvolveram provas racionais para sustentar a validade de suas afirmações. Uma vez que os filósofos materialistas negam os Livros de Deus, para eles a demonstração baseada nas escrituras não é evidência e são necessárias provas materiais. Em resposta a eles, os homens de conhecimento divino disseram que todos os fenômenos existentes podem ser divididos em graus ou reinos, e classificados progressivamente em minerais, vegetais, animais e humanos, cada um dos quais possui seu próprio grau em função e inteligência. Quando consideramos o mineral, vemos que ele existe e possui o poder de afinidade ou combinação. O vegetal possui as qualidades do mineral, além da virtude do crescimento. É evidente, portanto, que o reino vegetal é superior ao mineral. O reino animal, por sua vez, possui as qualidades do mineral e do vegetal, mais os cinco sentidos da percepção, dos quais os reinos inferiores a ele são privados. Do mesmo modo, o poder de memória inerente ao animal não existe nos reinos inferiores.

Assim como o animal é mais nobre do que o vegetal e o mineral, o homem é superior ao animal. O animal é privado da faculdade de conceber - ou seja, ele é cativo do mundo da natureza e não tem contato com aquilo que se encontra dentro e além da natureza; não possui suscetibilidades espirituais, é privado das atrações da consciência, é inconsciente do mundo de Deus e incapaz de se desviar da lei da natureza. O homem é diferente. O homem possui as emanações da consciência; tem a faculdade da percepção, da concepção e é capaz de descobrir os mistérios do universo. Todas as indústrias, invenções e facilidades que nos cercam no dia-a-dia eram anteriormente segredos ocultos da natureza, mas a realidade do homem penetrou-os e os sujeitou aos seus objetivos. De acordo com a lei da natureza, eles deveriam permanecer latentes e ocultos; mas o homem, transcendendo essas leis, descobriu estes mistérios e os trouxe do plano do invisível ao reino do conhecido e visível. Como é maravilhoso o espírito humano! Um dos mistérios dos fenômenos da natureza é a eletricidade. O homem descobriu este poder ilimitado e o tornou cativo para seu uso. Quantos segredos da natureza foram penetrados e desvendados! Colombo, enquanto na Espanha, descobriu a América. O homem determinou apuradamente que o sol é estacionário, enquanto a terra gira em torno dele. O animal não pode fazer isso. O homem percebe que a miragem é uma ilusão. Isto está além da capacidade do animal. O animal só pode saber através da impressão dos sentidos e não pode compreender realidades intelectuais. O animal não pode conceber o poder do pensamento. Esta é uma questão intelectual abstrata e não limitada aos sentidos. O animal é incapaz de saber que a terra é redonda. Em suma, fenômenos intelectuais abstratos são capacidades humanas. Toda a criação abaixo do reino humano é cativa da natureza; não pode se desviar das leis da natureza nem no mais tênue grau. Porém, o homem arranca a espada do domínio da mão da natureza e a usa na cabeça da própria natureza. Por exemplo, é uma exigência da natureza que o homem habite sobre a terra, mas o poder do espírito humano transcende esta limitação e ele voa alto em aviões. Isto é contrário à lei e exigência da natureza. Ele navega em alta velocidade sobre o oceano e mergulha abaixo de sua superfície nos submarinos. Ele aprisiona a voz humana em um fonógrafo e num piscar de olhos se comunica do Oriente para o Ocidente. Sabemos que estas são coisas contrárias às limitações da lei natural. O homem transcende a natureza, enquanto o mineral, o vegetal e o animal são irremediavelmente sujeitos a ela. Isto só pode ser feito pelo poder do espírito, pois o espírito é a realidade.

Nas capacidades e sentidos físicos, entretanto, o homem e o animal são parceiros. Na verdade, o animal é freqüentemente superior ao homem na percepção dos sentidos. Por exemplo, a visão de alguns animais é excessivamente perspicaz e a audição de outros muito aguçada. Considerai o instinto de um cão: como é superior ao do homem. Mas, embora o animal compartilhe com o homem todas as virtudes físicas e os sentidos, ao homem foi conferido um poder espiritual do qual o animal é privado. Esta é uma prova de que há algo no homem que transcende o dom do animal - uma faculdade e uma virtude peculiares ao reino humano que não existem nos reinos inferiores da existência. É o espírito do homem. Todas estas maravilhosas realizações humanas são devidas à eficácia e ao penetrante poder do espírito humano. Se o homem fosse privado deste espírito, nenhuma dessas realizações teria sido possível. Isto é tão evidente quanto o sol do meio-dia.

Todos os organismos da criação material são limitados a uma imagem ou forma. Isto quer dizer que cada criatura material possui uma forma; não pode possuir duas formas ao mesmo tempo. Por exemplo, um corpo pode ser esférico, triangular ou quadrado; mas é impossível que ele assuma duas destas formas simultaneamente. Ele pode ser triangular, mas para se tornar quadrado é necessário que primeiro deixe de ser triangular. É absolutamente impossível ele assumir ambas as formas ao mesmo tempo. É evidente, portanto, que na realidade dos organismos materiais não pode haver formas diferentes simultaneamente assumidas. Na realidade espiritual do homem, entretanto, todas as figuras geométricas podem ser simultaneamente concebidas, enquanto nas realidades físicas uma imagem tem que ser descartada para que outra seja possível. Esta é a lei de mudança e transformação, e mudança e transformação são precursores da mortalidade. Se não fosse por esta mudança de forma, os fenômenos seriam imortais; porém, como a existência fenomênica está sujeita a transformação, ela é mortal. A realidade do homem, no entanto, possui todas as virtudes; ele não precisa renunciar uma imagem por outra, como ocorre com os corpos meramente físicos. Por isso, naquela realidade não há mudança ou transformação; ela é imortal e eterna. O corpo do homem pode estar na América enquanto seu espírito trabalha e labuta no Extremo Oriente, descobrindo, organizando e planejando. Enquanto ocupado em governar, fazer leis e erguer uma construção na Rússia, seu corpo permanece aqui na América. Que poder é este que, embora esteja incorporado na América, opera ao mesmo tempo no Oriente, organizando, destruindo, construindo? É o espírito do homem. Isto é irrefutável.

Quando se deseja considerar um assunto ou refletir sobre ele, consulta-se algo que está em seu interior. Diz-se: devo fazer isso ou não devo? É melhor fazer esta viagem ou não? A quem se consulta? Quem é que se encontra em seu interior decidindo esta questão? Certamente há um poder distinto, um eu inteligente. Se não fosse distinto de seu próprio ego, não se estaria consultando-o. É maior do que a faculdade do pensamento. É o seu espírito que lhe ensina, aconselha e decide os assuntos. Quem é que pergunta? Quem é que responde? Não há dúvida que é o espírito e que não há qualquer mudança ou transformação nele, pois ele não é uma composição de elementos, e tudo que não é composto de elementos é eterno. Mudança e transformação são peculiaridades da composição. Não há mudança e transformação no espírito. Como prova disto, os membros do corpo podem enfraquecer. O próprio corpo pode ser mutilado, ou um de seus membros se tornar incapacitado. O corpo todo pode se paralisar; e ainda assim a mente, o espírito, permanecer o mesmo. A mente decide; o pensamento está perfeito; no entanto a mão está definhada, os pés estão inúteis, a coluna espinhal está paralisada e não há qualquer movimento muscular, mas o espírito está na mesma condição. Pode-se mutilar uma pessoa saudável; o espírito não é mutilado. Seus pés podem ser amputados; seu espírito continua lá. A pessoa pode ficar aleijada; o espírito não é afetado. O espírito é sempre o mesmo; não se pode perceber qualquer mudança ou transformação, e por não haver mudança ou transformação, ele é imperecível e permanente.

Considerai o homem no estado de sono; é evidente que todos os seus órgãos e membros estão em repouso, sem funcionar. Seus olhos não vêem, seus ouvidos não ouvem, seus pés e mãos estão sem movimento; no entanto, ele enxerga no mundo dos sonhos, ele ouve, fala, caminha e pode até mesmo voar num avião. Torna-se evidente, portanto, que embora o corpo esteja morto, o espírito é vivo e permanente. Mais ainda, as percepções podem estar mais aguçadas quando o corpo do homem está adormecido; o vôo pode ser mais alto, o ouvido mais atento; todas as funções estão lá, mas o corpo ainda está numa condição de repouso. Daí se prova que existe um espírito no homem, e neste espírito não há diferença se o corpo está adormecido ou absolutamente morto e dependente. O espírito não é incapacitado por estas condições; ele não se priva de sua existência; não se priva de suas perfeições. Há muitas provas, inúmeras provas disso.

Todas estas provas são racionais. Ninguém pode refutá-las. Como demonstramos que há um espírito e que este espírito é permanente e imperecível, devemos nos esforçar para aprender a seu respeito. Que vos informeis de seus poderes, e vos apresseis em torná-lo divino, que o purifiqueis e santifiqueis, e façais dele a própria luz do mundo a iluminar o Oriente e o Ocidente.

3
25 DE JULHO DE 1912
Palestra no Hotel Victoria
Boston, Massachusetts
Registrada por Edna McKinney

Estou muito feliz em vos saudar aqui hoje. Esta é a segunda vez que a brisa de Deus sopra sobre Boston. Espero resultados desta visita e que minha vinda não seja infrutífera. Os resultados que espero são os seguintes: que a alma do indivíduo possa se libertar do ego e do desejo e se livrar da escravidão das sugestões satânicas. Que os espelhos dos corações sejam purificados do pó, a fim de que o Sol da Verdade possa se refletir neles.

O homem possui dois tipos de suscetibilidades: as emoções naturais, que são como poeira sobre o espelho, e as suscetibilidades espirituais, que constituem as características compassivas e celestiais.

Há um poder que purifica o espelho do pó e transforma seu reflexo em intenso brilho e esplendor, de modo que as suscetibilidades espirituais purifiquem os corações e as dádivas celestiais os santifiquem. O que é o pó que obscurece o espelho? É o apego ao mundo, a avareza, a inveja, o amor ao luxo e conforto, o orgulho e o egoísmo; este é o pó que impede o reflexo dos raios do Sol da Realidade no espelho. As emoções naturais são censuráveis e são como a ferrugem, que priva o coração das graças de Deus. Mas sinceridade, justiça, humildade, desprendimento e amor aos crentes em Deus purificarão o espelho e torná-lo-ão radiante com a reflexão dos raios do Sol da Verdade.

Tenho a esperança de que considereis este assunto, que examineis vossas próprias imperfeições e não penseis nas imperfeições de qualquer outro. Esforçai-vos com toda a vossa capacidade para vos libertar das imperfeições. Almas negligentes estão sempre procurando faltas nos outros. O que pode o hipócrita saber das faltas dos outros quando está cego às suas próprias? É este o significado das palavras em Os Sete Vales. É uma guia para a conduta humana. Enquanto a pessoa não perceber suas próprias faltas, jamais poderá se aperfeiçoar. Nada é mais proveitoso ao homem do que o conhecimento de suas próprias falhas. A Abençoada Perfeição diz: "Eu fico admirado com o homem que não percebe suas próprias imperfeições."

XIV
PALESTRAS PROFERIDAS
POR 'Abdu'l-Bahá EM
DUBLIN
1
5 DE AGOSTO DE 1912
Palestra na Hospedaria Dublin
Dublin, New Hampshire
Registrada por Howard MacNutt

O povo da Cristandade apegou-se à interpretação literal da afirmação do Evangelho, de que Cristo veio do céu. Os judeus, da mesma forma, na época de Sua manifestação, apegaram-se à expectativa exterior e visível do cumprimento das profecias. Eles diziam: "O Messias deve vir do céu. Este homem veio de Nazaré; nós conhecemos sua casa; conhecemos seus pais e sua gente. Há apenas o rumor de que ele desceu do céu; isto não pode ser provado."

O texto do Evangelho afirma que Ele veio do céu, embora fisicamente nascido da mãe. Isto que dizer que a realidade divina de Cristo procedia do céu, mas o corpo nasceu de Maria. Portanto, Ele veio de acordo com as profecias do Livro Sagrado e, igualmente, de acordo com a lei natural - Sua realidade do céu, Seu corpo da terra. Ele deve vir desta vez, do mesmo modo que veio anteriormente. Mas alguns se levantam com objeções, dizendo: "Precisamos de prova literal disto através dos sentidos."

A realidade de Cristo sempre esteve no céu e sempre estará. Esta é a intenção do texto do Evangelho, pois enquanto Jesus Cristo andava sobre a terra, Ele dizia: "O Filho do Homem está no céu." Por isso, apegar-se à interpretação literal e ao cumprimento aparente do texto dos Livros Sagrados é mera imitação de padrões e crenças ancestrais; pois quando entendemos a realidade de Cristo, estes textos e afirmações se tornam claros e perfeitamente harmoniosos uns com os outros. A menos que entendamos a realidade, não podemos compreender os significados dos Livros Sagrados, pois estes significados são simbólicos e espirituais - como, por exemplo, a ressurreição de Lázaro que tem uma interpretação espiritual. Primeiro devemos estabelecer o fato de que o poder de Deus é infinito, ilimitado, e que é inerente àquele poder realizar qualquer coisa.

Segundo, devemos entender a interpretação das palavras de Cristo a respeito da morte. Um certo discípulo veio a Cristo e solicitou permissão para ir e enterrar seu pai. Ele respondeu: "Deixa que os mortos enterrem os seus mortos." (Mateus 8:22) Portanto, Cristo chamou de morto alguém que ainda estava vivo - ou seja, deixa que os mortos vivos, os espiritualmente mortos, sepultem teu pai. Eles estavam mortos porque não eram crentes em Cristo. Embora fisicamente vivos, eles se achavam espiritualmente mortos. Este é o significado das palavras de Cristo: "O que nasceu da carne é carne, o que nasceu do Espírito é espírito." (João 3:6) Ele quis dizer que aqueles que simplesmente nasceram de corpo humano estavam espiritualmente mortos, ao passo que os vivificados pelos sopros do Espírito Santo estavam vivos e possuíam vida eterna. Estas são as interpretações do próprio Cristo. Refleti sobre elas, e os significados dos Livros Sagrados tornar-se-ão claros como o sol do meio-dia.

Os Livros Sagrados possuem suas terminologias específicas, que devem ser conhecidas e compreendidas. Médicos têm seus próprios termos peculiares; arquitetos e filósofos possuem suas expressões características; poetas têm palavreado próprio e cientistas sua nomenclatura. Na escritura lemos que Sião está dançando. É evidente que isto tem outra interpretação que não a literal. Isto significa que o povo de Sião haverá de se regozijar. Os judeus disseram que Cristo não era o Messias, mas o anticristo, porque um dos sinais da vinda do Messias era a dança do Monte Sião, a qual ainda não ocorreu. Na verdade, quando Cristo apareceu, não somente o Monte Sião mas toda a Palestina dançou e regozijou-se. Ainda nas escrituras lemos: "As árvores do campo baterão palmas." (Isaías 55:12) Isto é simbólico. Existem termos e expressões usadas em todas as línguas que não podem ser tomadas literalmente. Por exemplo, nos países orientais costuma-se dizer: "Quando meu amigo entrou em casa, as portas e as paredes começaram a cantar e dançar." Na Pérsia, dizem: "Pôr na cabeça", querendo dizer dedicar-se ao assunto, de acordo com suas próprias condições e costumes. Tudo isto tem significados diferentes e interiores.

Perguntastes a respeito da aprovação do tratamento e cura da Ciência Cristã. O espírito tem influência; a oração tem efeito espiritual. Por isso oramos: "Ó Deus! Cura este enfermo!" Possivelmente Deus responderá. Será que importa quem ora? Deus responderá à prece de qualquer servo, se aquela prece for urgente. Sua misericórdia é imensa e ilimitada. Ele responde às preces de todos os Seus servos. Ele responde à prece desta planta. A planta reza potencialmente: "Ó Deus! Manda-me chuva!" Deus responde à prece, e a planta cresce. Deus responde a qualquer um. Ele responde às preces potencialmente. Antes de virmos a este mundo não orávamos: "Ó Deus! Dá-me uma mãe; dá-me duas fontes de leite resplandecente; purifica o ar para minha respiração; concede-me descanso e conforto; prepara alimento para meu sustento e vida!" Não oramos potencialmente por estas bênçãos necessárias antes de sermos criados? Quando chegamos a este mundo não tivemos as nossas preces respondidas? Não encontramos mãe, pai, alimento, luz, lar e todas as outras necessidades e bênçãos, embora na verdade não as tenhamos pedido? Portanto, naturalmente Deus nos dará quando Lhe pedirmos. Sua misericórdia é toda-abrangente.

Mas nós pedimos coisas que a sabedoria divina não deseja para nós, e não há resposta para nossa prece. Sua sabedoria não aprova o que nós desejamos. Nós oramos: "Ó Deus! Faze-me rico!" Se esta prece fosse universalmente atendida, os afazeres humanos estariam paralisados. Não haveria ninguém que trabalhasse nas ruas, ninguém para cultivar o solo, ninguém para construir, ninguém para operar os trens. Portanto, é evidente que não seria bom para nós se todas as preces fossem respondidas. Isto interferiria nos afazeres do mundo, enfraqueceria as energias e impediria o progresso. Mas qualquer coisa que pedirmos que esteja de acordo com a sabedoria divina, Deus certamente nos atenderá!

Por exemplo, um paciente enfraquecido pode pedir ao médico que lhe dê um alimento que certamente seria perigoso à sua vida e seu estado. Ele pode implorar por carne assada. O médico é bondoso e sábio. Ele sabe que seria perigoso para seu paciente, e assim recusa-se a permiti-lo. O médico é compassivo; o paciente, ignorante. Devido à bondade do médico, o paciente se recupera; sua vida é salva. No entanto, o paciente pode se lamentar de que o médico é malvado e cruel porque se recusa a atender seu pedido.

Deus é misericordioso. Em Sua misericórdia Ele responde às preces de todos os Seus servos, quando de acordo com Sua suprema sabedoria é necessário.

2
6 DE AGOSTO DE 1912

Palestra na Residência do Sr. e Sra. Arthur J. Parsons

Dublin, New Hampshire
Registrada por Howard MacNutt

Hoje estamos desfrutando um clima moderado. Como há muitas pessoas desconhecidas, iremos responder a perguntas.

Pergunta: Não serão Bahá'ís todos os cristãos? Há alguma diferença?

Resposta: Quando os cristãos agem de acordo com os ensinamentos de Cristo, são chamados Bahá'ís. Pois os fundamentos do cristianismo e da religião de Bahá'u'lláh são os mesmos. Os fundamentos de todos os Profetas e Livros Sagrados são apenas um. A diferença entre eles é apenas de terminologia. Cada primavera é idêntica à primavera anterior. A distinção entre elas é apenas de calendário - 1911, 1912 e assim por diante. A diferença entre cristãos e Bahá'ís, portanto, é a seguinte: houve uma primavera anterior, e há uma primavera agora. Não há nenhuma outra diferença, pois os fundamentos são os mesmos. Todo aquele que age de acordo com os ensinamentos de Cristo é um bahá'í. O objetivo é o significado essencial do cristão, não a mera palavra. O propósito é o próprio sol, e não os pontos em que alvorece; pois embora o sol seja apenas um, são muitos os seus pontos de alvorecer. Não devemos reverenciar os pontos em que ele alvorece, mas sim adorar o sol. Devemos adorar a realidade da religião e não nos apegar cegamente à denominação cristianismo. O Sol da Realidade deve ser adorado e seguido. Devemos buscar a fragrância da rosa, qualquer que seja a roseira em que ela cresça - oriental ou ocidental. Sede buscadores da luz, não importa em que luminária ela brilhe. Não sejais amantes da luminária. Numa época, a luz brilhou de uma lâmpada no Oriente, e agora no Ocidente. Venha ela do Norte, ou do Sul, segui a luz, seja qual for a direção da qual ela proceda. Deixai que eu esclareça mais. Certa pessoa deu uma moeda a cinco mendigos. Eles resolveram gastá-la em comida. O inglês disse: "Vamos comprar grapes". O turco queria uzum; o árabe, 'anab; o grego, stafi'li, o persa, angur. Como um não entendia a língua do outro, eles entraram em disputa e brigaram. Então chegou um desconhecido. Ele estava familiarizado com as cinco línguas. Ele disse: "Dêem-me a moeda; eu comprarei o que vós desejais." Quando ele lhes trouxe as uvas, todos ficaram satisfeitos. Eles queriam a mesma coisa, mas divergiam na palavra apenas. Em suma, quando a realidade alvorecer em meio às religiões, todos se unirão e se reconciliarão.

Pergunta: 'Abdu'l-Bahá acha que o cristianismo não é vivenciado e cumprido na América?

Resposta: O que quero dizer é que deveria ser completamente vivenciado e cumprido. O homem precisa de olhos, ouvidos, braços, cabeça, pés e vários outros membros. Quando ele possui todos e todos trabalham juntos, existe nele harmonia e perfeição. Assim, Cristo disse: "Portanto, deveis ser perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito", (Mateus 5:48) querendo dizer que a perfeição é o requisito da Cristandade. Sede a imagem e semelhança de Deus. Isto não é fácil. Requer a concentração de todas as virtudes celestiais. Requer que sejamos receptáculos de todas as perfeições de Deus. Assim nos tornamos Sua imagem e semelhança, pois na Bíblia está escrito: "Façamos o homem à nossa imagem, como nossa semelhança." (Gênesis 1:26) Atingir esta condição é muito difícil.

Quando Cristo surgiu com aqueles maravilhosos sopros do Espírito Santo, os filhos de Israel disseram: "Nós somos completamente independentes dele; podemos agir sem ele e seguir Moisés; temos um livro e nele se encontram os ensinamentos de Deus; que necessidade temos então deste homem?" Cristo lhes disse: "O livro não vos é suficiente." Um homem pode pegar um livro de medicina e dizer: " Não tenho qualquer necessidade de um médico; agirei de acordo com o livro; nele, cada doença é mencionada, todos os sintomas estão explicados, o diagnóstico de cada enfermidade está completamente descrito e a prescrição para cada doença é fornecida; portanto, que necessidade tenho de um médico?" Isto é pura ignorância. É necessário um médico para fazer a prescrição. Através de sua experiência, os princípios do livro são correta e efetivamente aplicados até que a saúde do paciente seja restabelecida. Cristo foi um Médico celestial. Ele trouxe saúde espiritual e restabeleceu a saúde do mundo. Bahá'u'lláh é, igualmente, um Médico divino. Ele revelou prescrições para remover o mal da sociedade e melhorou as condições humanas através do poder espiritual.

Por isso, mero conhecimento não é suficiente para a completa realização humana. Os ensinamentos dos Livros Sagrados precisam de poder celestial e força divina para serem cumpridos. Uma casa não se constrói pelo mero conhecimento das plantas. É preciso que haja dinheiro; é necessário vontade para construí-la; um carpinteiro deve ser contratado para erguê-la. Não basta dizer: "A planta e o objetivo desta casa estão ótimos; eu morarei nela." Não há paredes para proteção, nem teto para abrigo nesta mera afirmação; a casa deve ser efetivamente construída antes de podermos morar nela.

Em resumo, os ensinamentos dos Livros Sagrados precisam de um poder divino para serem realizados integralmente nos corações dos homens. Na Pérsia, Bahá'u'lláh educou e ensinou almas, estabeleceu um laço de associação entre vários povos e uniu crenças religiosas divergentes a tal ponto que vinte mil devotos sacrificaram suas vidas pela Causa de Deus na gloriosa unidade do martírio. Não restaram quaisquer divergências entre estas abençoadas almas - cristãos, judeus, muçulmanos, zoroastrianos, todos reunidos, unificados e em harmonia pela potência de Seu poder celestial, não por meras palavras como: "Unidade é bom e amor é louvável."

Bahá'u'lláh não somente proclamou esta unidade e amor; Ele os estabeleceu. Como Médico celestial, Ele não apenas deu prescrições para estes males de discórdia e ódio, mas realmente efetivou a cura. Nós podemos ler num livro de medicina que uma certa enfermidade requer tal e tal remédio. Embora isto possa ser absolutamente verdadeiro, o remédio é inútil a menos que haja volição e força ativa para administrá-lo. Todo homem no exército do rei pode dar uma ordem, mas quando o rei fala, ela é executada. Este ou aquele podem dizer: "Ide conquistar um país"; mas quando o rei diz, "Ide!", o exército avança. Portanto, é evidente que há necessidade da confirmação do Espírito Santo e da influência impulsora de um poder celestial para cumprir o propósito divino nos corações e nas características dos homens. Jesus Cristo, sozinho, solitário e sem ajuda, realizou aquilo que todos os reis da terra não poderiam fazer. Se todos os reinos e nações do mundo tivessem combinado para executá-lo, teriam falhado.

Portanto, é evidente e comprovado que se deve envidar um esforço para completar o objetivo e o plano dos ensinamentos de Deus, para que neste grande Dia dos dias o mundo possa ser reformado, as almas ressuscitadas, um novo espírito de vida encontrado, os corações sejam iluminados, o gênero humano resgatado do cativeiro da natureza, salvo da vileza do materialismo, e atinja espiritualidade e radiância na atração ao Reino divino. Isto é necessário; isto é indispensável. A mera leitura dos Livros e textos Sagrados não será suficiente.

Muitos anos atrás, em Bagdá, eu vi um certo oficial sentado no chão. À sua frente, havia um grande papel, sobre o qual ele estava espetando alfinetes com pequenas bandeiras vermelhas e brancas nas extremidades. Primeiro, ele os espetava no papel, depois, pensativamente, arrancava-os e mudava suas posições. Por longo tempo fiquei observando-o com interesse aguçado e depois perguntei: "O que está fazendo?" Ele respondeu: "Tenho em mente algo que historicamente se relata de Napoleão I durante sua guerra contra a Áustria. Conta-se que um dia seu secretário o encontrou sentado no chão, tal como eu estou fazendo agora, espetando alfinetes num papel diante dele. Seu secretário perguntou o que significava aquilo. Napoleão respondeu: 'Estou no campo de batalha, planejando minha próxima vitória. Como você vê, a Itália e a Áustria estão derrotadas, e a França triunfante.' Na grande campanha seguinte tudo ocorreu tal como ele disse. Seu exército levou seus planos a completo êxito. Agora eu estou fazendo o mesmo que Napoleão, planejando uma grande campanha de conquista militar." Eu disse: "Onde está seu exército? Napoleão tinha um exército já preparado quando estava planejando sua vitória. Você não tem exército. Suas forças só existem no papel. Não tem poder para conquistar países. Primeiro, prepare seu exército, depois sente no chão com seus alfinetes." Precisamos de um exército para alcançar vitória no mundo espiritual; meros planos não são suficientes; idéias e princípios são inúteis se não houver um poder divino para colocá-los em ação.

Deixando tudo isto de lado, há necessidade do estímulo da alegria e de boas-novas nos corações humanos. É necessário certa atração espiritual para que os corações desejosamente dêem o primeiro passo em direção à Causa divina. Devemos ser atraídos a Deus. Os sopros do Espírito Santo devem entrar em ação. A menos que isto aconteça, é impossível que os ensinamentos de Deus se realizem em nós. É necessário um poder ideal. O povo da América tem percepção, inteligência e compreensão notavelmente rápidas. Seus pensamentos são livres e não subjugados pela tirania do governo. Ele deve investigar a verdade e não se ocupar com as formas e imitações ancestrais. Considerai o que Cristo realizou. Ele fez as almas atingirem uma posição tal que com completa boa vontade e júbilo deram suas vidas. Que poder! Devido às suas suscetibilidades espirituais, com o máximo júbilo, milhares de almas humanas estavam tão atraídas a Deus que se encontravam despojadas de volição e destituídas de vontade em Seu caminho. Se simplesmente lhes fosse dito que sacrifício no caminho de Deus é bom e louvável, isto jamais teria acontecido. Elas não teriam agido. Cristo as atraiu, arrancou-lhes as rédeas do controle e, em êxtase, elas seguiram adiante para o próprio sacrifício.

Qurratu'l-'Ayn era uma mulher persa sem fama e importância - anônima como todas as outras mulheres persas. Quando ela viu Bahá'u'lláh, ela mudou por completo, visivelmente, e contemplou o interior de um outro mundo. As rédeas da volição lhe foram arrebatadas das mãos pela atração celestial. Ela foi tão dominada que as suscetibilidades físicas cessaram. Seu marido, seus filhos e sua família se levantaram com a máxima hostilidade contra Bahá'u'lláh. Ela se tornou tão atraída ao limiar divino que renunciou tudo e foi à planície de Badasht, sem temor no coração, destemida, intrépida, proclamando abertamente a mensagem de luz que encontrara. O governo da Pérsia levantou-se contra ela. Fizeram todo esforço para silenciá-la, aprisionaram-na na casa do governador, mas ela continuou a falar. Então ela foi levada e morta. Até seu último alento ela falou com fervorosa eloqüência, e então tornou-se famosa por sua completa atração no caminho de Deus. Se ela não tivesse encontrado Bahá'u'lláh, não teria ocorrido tamanha impressão. Durante toda a sua vida ela havia lido e ouvido os ensinamentos das escrituras, mas não havia sido inflamada. Na Pérsia, todas as mulheres são envolvidas por véus em público. Elas ficam tão completamente cobertas que nem mesmo as mãos podem ser vistas. Esta rígida veladura é indizível. Qurratu'l-'Ayn arrancou seu véu e partiu impávida. Era como uma leoa. Seu ato causou um grande tumulto por toda a Pérsia. Tão rígida e compulsória é a exigência de colocar véu no Oriente que as pessoas no Ocidente não têm qualquer idéia da indignação e da comoção causadas pelo aparecimento de uma mulher sem véu. Qurratu'l-'Ayn perdeu todo pensamento a respeito de si mesma e estava inconsciente de medo em sua atração a Deus.

Pergunta: As mulheres Bahá'ís andam sem véu no Oriente?

Resposta: Por enquanto não lhes é possível fazer isso universalmente, mas as condições não estão tão restritas como eram anteriormente. Os homens e mulheres Bahá'ís se reúnem. Isto é o início da emancipação da mulher da servidão de séculos. Qurratu'l-'Ayn foi realmente a libertadora de todas as mulheres persas.

XV
PALESTRAS PROFERIDAS
POR 'Abdu'l-Bahá EM
GREEN ACRE
1
16 DE AGOSTO DE 1912
Palestra em Green Acre
Eliot, Maine
Registrada por Edna McKinney

Qualquer assunto apresentado a uma audiência ponderada deve ser apoiado por provas racionais e argumentos lógicos. Há quatro tipos de provas: primeiro, através da percepção dos sentidos; segundo, através da faculdade do raciocínio; terceiro, da autoridade da tradição ou da escritura; quarto, por meio de inspiração. Quer dizer, há quatro critérios ou padrões de julgamento pelos quais a mente humana chega às suas conclusões. Primeiro consideraremos o critério dos sentidos. Este é um padrão ainda sustentado pelos filósofos materialistas do mundo. Eles crêem que qualquer coisa perceptível aos sentidos é verdadeira e existe com certeza absoluta. Eles dizem, por exemplo: "Aqui está uma lâmpada que se vê, e por ser perceptível ao sentido da visão, não se pode duvidar de sua existência. Lá está uma árvore; o sentido da visão assegura a sua realidade, a qual é inquestionável. Eis um homem; vê-se que é um homem; portanto ele existe." Numa palavra, tudo o que for confirmado pelos sentidos é considerado indubitável e inquestionável como o produto de cinco multiplicado por cinco; não pode ser vinte e seis, nem menos do que vinte e cinco. Conseqüentemente, os filósofos materialistas consideram o critério dos sentidos como o primeiro e o mais importante.

Mas, na avaliação dos filósofos divinos, esta prova e convicção não são confiáveis; mais ainda, eles consideram falso o critério dos sentidos por ser ele imperfeito. A visão, por exemplo, é um dos sentidos mais importantes, ainda que sujeito a muitas aberrações e imprecisões. O olho vê a miragem como uma massa de água; considera imagens no espelho como realidades, quando elas são apenas reflexos. Um homem, navegando um rio, imagina que as coisas à sua margem é que se movem, ao passo que ele está em movimento e elas paradas. Para o olho, a terra parece fixa enquanto o sol e as estrelas se movem em torno dela. O fato é que os corpos celestes são estacionários e a terra é que gira em torno de seu eixo. Os colossais sóis, planetas e constelações que brilham no firmamento parecem pequenos, ou melhor, infinitesimais ao olho humano, ao passo que na realidade eles são imensamente maiores do que a terra tanto em dimensão como em volume. Uma faísca rodopiando parece uma bola de fogo para o olho. Há inúmeros exemplos deste tipo que mostram o erro e a imprecisão dos sentidos. Por isso, os filósofos divinos consideraram este critério de julgamento imperfeito e não confiável.

O segundo critério é o do intelecto. Os antigos filósofos, em especial, consideravam o intelecto como o mais importante agente de julgamento. Entre os sábios da Grécia, Roma, Pérsia e Egito o critério da verdadeira prova era a razão. Eles mantinham que qualquer assunto submetido à faculdade do raciocínio poderia ser comprovado como verdadeiro ou falso, e deveria ser correspondentemente aceito ou rejeitado. Mas para as pessoas de percepção este critério é igualmente imperfeito e não confiável, pois estes mesmos filósofos que se apegavam à razão ou intelecto como critério de julgamento divergiam amplamente entre si a respeito de qualquer assunto de investigação. As afirmativas dos filósofos gregos são contraditórias às conclusões dos sábios persas. Até mesmo entre os próprios filósofos gregos há constante divergência e falta de concordância a respeito de qualquer assunto. Grande diferença de pensamento também prevalecia entre os sábios da Grécia e de Roma. Portanto, se o critério da razão e do intelecto constituísse um padrão correto e infalível de julgamento, os que o testaram e aplicaram deveriam ter chegado às mesmas conclusões. Como eles divergem e são contraditórios em suas conclusões, isto é uma evidência de que o método e o padrão de teste devem ter sido falhos e insuficientes.

O terceiro critério ou padrão de prova é o da tradição ou da escritura - ou seja, que toda afirmativa ou conclusão deveria ser apoiada por tradições registradas em certos livros religiosos. Quando consideramos até mesmo os Livros Sagrados - os Livros de Deus - somos levados a perguntar "Quem entende estes livros? Através de que autoridade de explanação estes Livros podem ser compreendidos?" Deve ser pela autoridade da razão humana, e se a razão ou intelecto é incapaz de explicar certas questões, ou se os possuidores de intelecto se contradizem uns aos outros na interpretação das tradições, como se pode confiar em tal critério para conclusões precisas?

O quarto critério é o da inspiração. Em séculos passados, muitos filósofos reivindicaram iluminação ou revelação, anunciando suas afirmações pela proclamação de que "este assunto foi revelado por meu intermédio" ou "assim eu falo por inspiração." A esta categoria de filósofos pertenciam os Illuminati *. Inspirações são sugestões ou suscetibilidades do coração humano. As sugestões do coração algumas vezes são satânicas. Como podemos distigui-las? Como podemos dizer se certa afirmativa é uma inspiração e sugestão do coração proveniente da assistência misericordiosa ou da intervenção satânica?

* Segundo o dicionário Webster, sociedade secreta alemã do século 18 cujos membros professavam princípios deísticos e republicanos. (n.t.)

Conseqüentemente, tornou-se evidente que os quatro critérios ou padrões de julgamento através dos quais a mente humana chega às suas conclusões são deficientes e imprecisos. Todos eles estão sujeitos ao equívoco e ao erro nas suas conclusões. Mas uma afirmação apresentada à mente, acompanhada por provas que os sentidos podem perceber como corretas, que a faculdade da razão pode aceitar, que está de acordo com a autoridade tradicional e é aprovada pelas sugestões do coração, pode ser julgada e considerada como perfeitamente correta, pois foi provada e testada por todos os padrões de julgamento e considerada completa. Quando aplicamos apenas um teste, há possibilidades de erro. Isto é evidente e manifesto por si mesmo.

Consideraremos agora a questão do amor que foi sugerida, submetendo-o aos quatro padrões de julgamento e daí chegar às nossas conclusões.

Declaramos que o amor é a causa da existência de todos os fenômenos e a ausência de amor é causa de desintegração ou inexistência. O amor é a dádiva deliberada de Deus, o laço de união em todos os fenômenos. Primeiro consideraremos a prova disto através da percepção dos sentidos. Ao olharmos para o universo, observamos que todos os seres complexos ou fenômenos existentes são feitos primariamente de elementos simples unidos por uma força de atração. Através desta força de atração, a coesão se tornou manifesta entre os átomos destes elementos componentes. O ser resultante é um fenômeno do tipo contingente inferior. O poder de coesão expresso no reino mineral é, na realidade, amor ou afinidade manifesta em baixo grau, de acordo com as exigências do mundo mineral. Damos um passo maior em direção ao reino vegetal, no qual descobrimos que um mais elevado poder de atração se tornou manifesto entre os elementos componentes que formam os fenômenos. Através deste grau de atração é produzida uma combinação celular entre estes elementos que formam o corpo de uma planta. Por isso, no nível do reino vegetal existe o amor. Entramos no reino animal e encontramos o poder de atração unindo elementos simples, tal como no mineral, mais uma combinação celular, tal como no vegetal, mais o fenômeno de sensações ou sensibilidades. Observamos que os animais são suscetíveis a certos tipos de união e companheirismo, e que eles exercem a seleção natural. Esta atração elementar, esta combinação e afinidade seletiva é o amor manifesto no grau do reino animal.

Finalmente chegamos ao reino humano. Por ser este o reino superior, a luz do amor é mais resplendente. No homem encontramos o poder de atração entre os elementos que compõem seu corpo material, mais a atração que produz a combinação celular ou o poder de crescimento, mais a atração que caracteriza os sentidos do reino animal, mas acima e além de todos estes poderes inferiores descobrimos no ser humano a atração do coração, as suscetibilidades e afinidades que unem os homens, capacitando-os a viverem e se associarem em amizade e solidariedade. É evidente, portanto, que no mundo humano o mais excelente rei e soberano é o amor. Se o amor se extinguisse, o poder de atração se dissipasse e a afinidade dos corações humanos fosse destruída, o fenômeno da vida humana desapareceria.

Esta é uma prova perceptível aos sentidos, aceitável pela razão, em harmonia com as tradições e ensinamentos dos Livros Sagrados e comprovada pelas sugestões dos próprios corações humanos. É uma prova na qual podemos confiar plenamente e declarar completa. Estes são, entretanto, apenas graus de amor existentes no mundo natural ou físico. Sua manifestação sempre se dá de acordo com os requisitos das condições e padrões naturais.

O verdadeiro amor é o que existe entre Deus e Seus servos, o amor que congrega as almas santas. Este é o amor do mundo espiritual, não o amor dos corpos e organismos físicos. Por exemplo, considerai e observai como as dádivas de Deus descem sucessivamente sobre a humanidade, como as fulgências divinas continuamente brilham sobre o mundo humano. Não pode haver dúvida de que estas dádivas, estas graças, estes esplendores emanam do amor. Se o amor não fosse o motivo divino, seria impossível ao coração humano atingi-los ou recebê-los. Se o amor não existisse, as bênçãos divinas não poderiam descer sobre qualquer objeto ou coisa. Se não fosse o amor, o recipiente do esplendor divino não poderia irradiar e refletir esse esplendor sobre outros objetos. Se formos dos que percebem, compreenderemos que as graças de Deus se manifestam continuamente, tal como os raios do sol emanam incessantemente do centro solar. O mundo fenomênico é radiante e resplendente devido à esplendorosa fulgência do sol. Do mesmo modo, o domínio dos corações e espíritos é iluminado e ressuscitado pelos brilhantes raios do Sol da Realidade e pelas graças do amor de Deus. Por meio disso, o mundo da existência e o reino dos corações e espíritos são eternamente vivificados. Não fosse o amor de Deus, os corações seriam inanimados, os espíritos definhariam e a realidade do homem seria privada dos favores perenes.

Considerai até que ponto o amor de Deus se manifesta. Entre os sinais de Seu amor que aparecem no mundo estão os pontos do alvorecer de Seus Manifestantes. Que infinito grau de amor é refletido sobre a humanidade pelos Manifestantes divinos! Para guiar o povo, Eles desejosamente ofereceram Suas vidas para ressuscitar os corações humanos. Eles aceitaram a cruz. A fim de capacitar as almas humanas a atingir o supremo grau de progresso, durante Seus limitados anos Eles sofreram imensas provações e dificuldades. Se Jesus Cristo não tivesse amor ao mundo humano certamente não teria acolhido a cruz. Ele foi crucificado pelo amor à humanidade. Considerai o infinito grau desse amor. Sem amor à humanidade João, o Batista, não teria oferecido sua vida. O mesmo ocorreu com todos os Profetas e Almas Santas. Se o Báb não tivesse manifestado amor à humanidade, certamente não teria oferecido Seu peito a mil projéteis. Se Bahá'u'lláh não estivesse inflamado pelo amor à humanidade, não teria de boa vontade aceitado quarenta anos de aprisionamento.

Observai quão raramente as almas humanas sacrificam seu prazer ou conforto em prol de outros, como é improvável que uma pessoa ofereça seu olho ou se permita mutilar em benefício de outrem. No entanto, todos os Manifestantes divinos sofreram, ofereceram Suas vidas e Seu sangue, sacrificaram Sua existência, conforto e tudo que possuíam pelo amor à humanidade. Considerai, pois, o quanto eles amam. Não fosse por Seu amor à humanidade, o amor espiritual seria mera terminologia. Não fosse por Sua iluminação, as almas humanas não seriam radiantes. Quão efetivo é Seu amor! Este é um sinal do amor de Deus, um raio do Sol da Realidade.

Por isso, devemos dar louvores a Deus, pois é a luz de Sua generosidade que se irradiou sobre nós através de Seu amor que é sempiterno. Seus Manifestantes divinos ofereceram Suas vidas pelo amor a nós. Considerai, portanto, o que o amor de Deus significa. Se não fosse o amor de Deus todos os espíritos seriam inanimados. O significado disto não é morte física; muito mais que isso, é aquela condição a respeito da qual Cristo declarou: "Deixa que os mortos enterrem os seus mortos", (Mateus 8:22), pois "O que nasceu da carne é carne, o que nasceu do Espírito é espírito." (João 3:6) Se não fosse o amor de Deus, os corações não seriam iluminados. Se não fosse o amor de Deus, a senda do Reino não estaria aberta. Se não fosse o amor de Deus, os Livros Sagrados não teriam sido revelados. Se não fosse o amor de Deus, os Profetas divinos não teriam sido enviados ao mundo. O fundamento de todas estas dádivas é o amor de Deus. Por isso, no mundo humano não há poder maior do que o amor de Deus. É o amor de Deus que nos reuniu aqui esta noite. É o amor de Deus que interliga o Oriente e o Ocidente. É o amor de Deus que ressuscitou o mundo. Ora, devemos agradecer a Deus, pois uma tão grande dádiva e resplendor nos foram revelados.

Agora chegamos a outro aspecto do nosso assunto: Será que a operação e os efeitos do amor se confinam a este mundo ou se estendem mais e mais, a uma outra existência? Sua influência afetará somente nossa existência aqui ou se estenderá à vida eterna? Ao observarmos o reino humano, imediatamente percebemos que é superior a todos os outros. Quanto à diferenciação da vida no mundo da existência, há quatro graus ou reinos: o mineral, o vegetal, o animal e o humano. O reino mineral possui certa virtude que denominamos coesão. O reino vegetal possui propriedades coesivas mais o poder de crescimento ou poder aumentativo. O reino animal é possuidor das virtudes do mineral e do vegetal, além da capacidade dos sentidos. Mas o animal, embora dotado dos sentidos, é completamente privado de consciência, absolutamente desligado do mundo da consciência e do espírito. O animal não possui qualquer capacidade pela qual possa fazer descobertas que estejam além do domínio dos sentidos. Ele não tem qualquer capacidade de origem intelectual. Por exemplo, um animal que se encontre na Europa não é capaz de descobrir o continente americano. Ele só compreende fenômenos que se encerram dentro dos limites de seus sentidos e instintos. Ele é incapaz de qualquer raciocínio abstrato. O animal não consegue conceber o fato de que a terra é esférica ou que gira em torno de seu eixo. Ele não é capaz de entender que as pequenas estrelas nos céus sejam mundos extraordinários, imensamente maiores do que a terra. O animal não pode ter uma concepção abstrata pelo intelecto. Ele é privado destas capacidades. Portanto, estas capacidades são peculiares ao homem, e é evidente que no reino humano há uma realidade da qual o animal é destituído. Que realidade é essa? É o espírito do homem. Por seu intermédio, o homem se distingue acima de todos os demais reinos fenomênicos. Embora ele possua todas as virtudes dos reinos inferiores, ele é adicionalmente dotado da faculdade espiritual, o dom celestial da consciência.

Todos os fenômenos materiais estão sujeitos à natureza. Todos os organismos materiais são cativos da natureza. Nenhum deles pode sofrer o mínimo desvio das leis da natureza. Esta terra, estas grandes montanhas, os animais com suas maravilhosas capacidades e instintos não podem ir além das limitações naturais. Todas as coisas são cativas da natureza, exceto o homem. O homem é o soberano da natureza; ele rompe as leis da natureza. Embora seja um animal adaptado pela natureza para viver sobre a superfície da terra, ele voa pelo ar como um pássaro, navega sobre o oceano e mergulha profundamente sob suas ondas em submarinos. O homem é dotado de um poder através do qual penetra e descobre as leis da natureza, trazendo-as do mundo invisível para o plano do visível. Houve tempo em que a eletricidade era uma força latente da natureza. De acordo com as leis da natureza, ela deveria permanecer um segredo oculto, mas o espírito do homem a descobriu, extraiu-a de seu repositório secreto e tornou visíveis os seus fenômenos. É evidente e manifesto que o homem é capaz de romper as leis da natureza. Como ele realiza isso? Por intermédio de um espírito que Deus o dotou na criação. Esta é uma prova de que o espírito do homem o diferencia e distingue acima de todos os reinos inferiores. É este espírito a que o versículo do Velho Testamento se refere quando afirma: "Deus disse: façamos o homem à nossa imagem como nossa semelhança." Somente o espírito do homem penetra as realidades de Deus e participa das graças divinas.

Este grande poder deve, evidentemente, ser diferenciado do corpo ou templo físico no qual se manifesta. Observai e entendei como este corpo humano se transforma; no entanto o espírito humano permanece sempre na mesma condição. Por exemplo, o corpo algumas vezes se debilita, torna-se forte e robusto, algumas vezes encolhe ou pode ser mutilado, mas não há qualquer efeito sobre o espírito. O olho pode se tornar cego, o pé pode ser amputado, mas nenhuma imperfeição aflige o espírito. Isto prova que o espírito do homem é distinto de seu corpo. Defeitos no corpo ou em seus membros não implicam em defeitos no espírito. Isto leva à acurada conclusão de que se o corpo todo for sujeitado a uma mudança radical, o espírito sobreviverá a essa mudança; que mesmo se o corpo humano for destruído e deixar de existir, o espírito humano não será afetado. Pois o espírito do homem é eterno. Algumas vezes o corpo dorme, os olhos não vêem, os ouvidos não ouvem, os membros deixam de agir, cada função permanece inativa como na morte; no entanto o espírito vê, ouve e voa alto. Pois ele possui estas faculdades que funcionam sem a interferência do corpo. No mundo do pensamento ele vê sem olhos, ouve sem ouvidos e viaja sem o movimento dos pés. Sem força física, ele executa cada função. Isto torna evidente que durante o sono o espírito está vivo, embora o corpo esteja como morto. No mundo dos sonhos o corpo se torna absolutamente passivo, mas o espírito continua a funcionar ativamente e possui todas as suscetibilidades. Isto leva à conclusão de que a vida do espírito não é condicionada nem depende da vida do corpo. No máximo pode-se dizer que o corpo é meramente uma vestimenta utilizada pelo espírito. Se esta vestimenta for destruída, o usuário não é afetado, mas, na verdade, é protegido.

Além disso, todos os fenômenos estão sujeitos a mudanças de uma condição a outra, e a mudança radical causada por esta transformação produz uma forma de inexistência. Por exemplo, quando um homem é metamorfoseado do reino humano para o mineral, dizemos que ele está morto, pois abandonou a forma física de homem e assumiu a condição de substâncias minerais. Esta transformação ou transmutação é denominada morte. Por isso, segue-se que nenhum organismo fenomênico pode possuir duas formas ao mesmo tempo. Se um objeto ou fenômeno apresenta uma forma triangular, ele não pode simultaneamente possuir a forma de um quadrado. Se for esférico, não pode ao mesmo tempo ser pentagonal ou hexagonal. Para assumir uma determinada figura ou forma ele tem de deixar sua forma ou dimensão anterior. Assim, a forma triangular deve ser abandonada para assumir a quadrada; o quadrado deve se transformar para se tornar um pentágono. Estas transformações ou mudanças de uma condição para outra são equivalentes à morte. Mas a realidade do homem, o espírito humano, possui simultaneamente todas as formas e figuras sem se privar de qualquer uma delas. Não requer a transformação de um conceito em outro. Se fosse privado de uma ou de todas as figuras, então diríamos que foi transferido a outra, e isto seria equivalente à morte. Mas, como o espírito humano possui todas as figuras simultaneamente, ele não se transforma nem morre.

Ainda, de acordo com a filosofia natural, há um fato indubitável de que elementos simples são indestrutíveis. Como a natureza é indestrutível, todo elemento simples da natureza é duradouro e permanente. Morte e aniquilamento afetam somente combinações e composições. Isto equivale a dizer que composições são destrutíveis. Quando há decomposição, ocorre a morte. Por exemplo, certos elementos simples se combinaram para formar esta flor. Quando esta combinação se desintegra e esta composição se decompõe, a flor morre como um organismo do reino vegetal. Mas os elementos simples dos quais esta flor é composta não sofrem morte, pois todos os elementos simples são permanentes, perpétuos e não sujeitos a destruição. Eles são indestrutíveis porque são simples e não compostos. Assim, eles não podem se desintegrar nem se dividir em seus átomos componentes, pois são singulares, simples e, portanto, permanentes.

Se uma substância elementar é dotada de imortalidade, como pode o espírito ou realidade humana, que está completamente acima de combinação e composição, ser destruído? Ao contrário, esse espírito, que é um todo, é uma unidade e não um composto. Sua destruição, portanto, é impossível. O espírito humano transcende as qualidades e atributos de qualquer elemento natural. Em atributos, ele é superior ao ouro, prata ou ferro que são elementos simples e indestrutíveis. Se eles são livres de destruição e se caracterizam pelo atributo de permanência, quanto mais livre e imortal é o espírito humano. Como poderia ele ser destruído? Este é um assunto de grande importância. Há inúmeras provas que o apóiam. Espero que possamos continuar em outra ocasião.

Antes de partirmos, desejo oferecer uma prece em favor da srta. Farmer; pois, verdadeiramente, foi ela que fundou esta organização, e foi a origem desta amorosa cordialidade e desta reunião.

Ó Tu Deus bondoso! Circunda estes servos com o olhar de Tua providência. Inflama os corações desta assembléia com o fogo de Teu amor. Ilumina estas faces com a luz celestial. Ilumina estes corações com a luz da mais grandiosa guia.

Ó Deus! As nuvens das superstições encobriram os horizontes dos corações. Ó Senhor! Dispersa estas nuvens para que as luzes do Sol da Realidade possam brilhar. Ó Senhor! Ilumina nossos olhos a fim de que possamos contemplar Tua luz. Ó Senhor! Harmoniza nossos ouvidos para que possamos ouvir o chamado da Assembléia Suprema. Ó Senhor! Torna nossas línguas eloqüentes para que possamos nos dedicar à Tua comemoração. Ó Senhor! Santifica e purifica os corações de modo que o esplendor de Teu amor neles possa brilhar.

Ó Tu Senhor bondoso! Através de Teu poder e bondade, concede pronta recuperação à fundadora desta associação. Ó Senhor! Esta mulher Te serviu e volveu sua face para Teu Reino e estabeleceu estas conferências para que a realidade possa ser investigada e a luz da realidade brilhe.

Ó Senhor! Sê Tu sempre seu sustentáculo. Ó Senhor! Sê Tu sempre seu confortador. Ó Senhor! Concede-lhe pronto restabelecimento. Em verdade, Tu és o Clemente. Em verdade, Tu és o Misericordioso. Em verdade, Tu és o Generoso.

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17 DE AGOSTO DE 1912
Palestra em Green Acre
Eliot, Maine
Registrada por Edna McKinney

A beleza física deste lugar é muito maravilhosa. Esperamos que o encanto espiritual o possa envolver e aureolar; então, sua beleza será perfeita. Há aqui uma atmosfera espiritual, manifesta especialmente ao pôr-do-sol.

Em cidades como Nova Iorque as pessoas estão submersas no mar do materialismo. Suas sensibilidades estão em sintonia com as forças materiais, suas percepções puramente materiais. Em suas atividades predominam as energias animais; todos os seus pensamentos são direcionados às coisas materiais; dia e noite estão dedicadas às atrações deste mundo, sem aspiração para além da vida, que é efêmera e mortal. Nas escolas e templos do saber, o conhecimento que se adquire das ciências baseia-se somente em observações materiais; não há qualquer percepção da Divindade em seus métodos e conclusões - tudo se refere ao mundo da matéria. Não estão interessados em conhecer os mistérios de Deus ou compreender os segredos do Reino celestial; tudo o que adquirem se baseia em evidências visíveis e tangíveis. Eles não têm qualquer sensibilidade para além dessas evidências; não têm idéia alguma do mundo dos significados interiores e estão completamente sem contato com Deus, considerando isto uma indicação de atitude razoável e de julgamento filosófico, que os faz auto-suficientes e orgulhosos.

Na verdade, os animais é que possuem esta suposta excelência em grau superlativo. Os animais não têm conhecimento de Deus; eles negam, por assim dizer, a Divindade e nada compreendem do Reino e seus mistérios celestiais. Como contestadores do Reino, eles ignoram completamente as coisas espirituais e estão desinformados do mundo supranatural. Portanto, se a falta de conhecimento de Deus e de Seu Reino for perfeição e virtude, os animais terão atingido o mais alto grau de excelência e competência. Assim, o asno é o maior dos cientistas e a vaca uma consumada naturalista, pois eles obtiveram o que sabem sem freqüentar escolas e anos de laborioso estudo em universidades, confiando implicitamente nas evidências dos sentidos, e crendo somente nas virtudes intuitivas. A vaca, por exemplo, é uma amante do visível e uma crente no tangível, contente e feliz quando o pasto está abundante, perfeitamente serena, uma bem-aventurada expoente da escola transcendental de filosofia. Tal é a condição dos filósofos materialistas que se glorificam em participar das condições da vaca, imaginando-se numa posição sublime. Refleti sobre sua ignorância e cegueira.

Não, a virtude do homem consiste no fato de ele poder investigar os ideais do Reino e adquirir o conhecimento de que o animal, em suas limitações, é privado. A posição do homem é esta: que ele tem a capacidade de atingir esses ideais e assim se diferenciar e conscientemente se distinguir infinitamente acima dos reinos de existência que lhe são inferiores.

A posição do homem é grande, muito grande. Deus criou o homem à Sua própria imagem e semelhança. Ele o dotou de um imenso poder que é capaz de descobrir os mistérios dos fenômenos. Por seu intermédio, o homem é capaz de chegar a conclusões perfeitas em vez de se restringir ao mero plano das impressões dos sentidos. Por ser dotado de sentidos como os animais, é evidente que o homem se distingue acima desses por causa de seu poder consciente de penetrar realidades abstratas. Ele adquire sabedoria divina; investiga os mistérios da criação; testemunha o esplendor da onipotência; atinge o segundo nascimento - isto é, ele nasce do mundo material do mesmo modo que nasce da mãe; alcança a vida imperecível; aproxima-se de Deus; seu coração fica pleno de amor a Deus. Este é o fundamento do mundo humano; esta é a imagem e semelhança de Deus; esta é a realidade do homem; de outro modo, ele é um animal. Na verdade, Deus criou o animal à imagem e semelhança do homem, pois embora exteriormente o homem seja humano, por natureza ele possui tendências animais.

Deveis vos esforçar por entender os mistérios de Deus, atingir o conhecimento perfeito e alcançar visão, beneficiando-se diretamente do Sol da Realidade e recebendo a porção que lhe é destinada das antigas dádivas de Deus.

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17 DE AGOSTO DE 1912
Palestra em Green Acre
Eliot, Maine
Registrada por Edna McKinney

Embora o corpo estivesse fraco e incapaz de superar as vicissitudes de cruzar o Atlântico, o amor nos auxiliou e nós viemos para cá. Algumas vezes o espírito deve ajudar o corpo. Não podemos realizar coisas realmente grandes somente através da força física; o espírito deve fortalecer nossa força física. Por exemplo, o corpo do homem pode ser capaz de suportar a provação da prisão por dez ou quinze anos, em condições climáticas temperadas e de rotina física tranqüila. Durante nosso aprisionamento em 'Akká, não havia conforto, estávamos cercados de dificuldades e perseguições de todos os tipos, e ainda assim, apesar dessas condições angustiantes, conseguimos suportar essas provações por quarenta anos. O clima era muito ruim, necessidades e conveniências para a vida nos eram negadas, mas nós suportamos esta restrita prisão durante quarenta anos. Qual foi a razão? O espírito constantemente fortalecia e vivificava o corpo. Passamos por todo este longo e difícil período no mais completo amor e servitude celestial. O espírito deve auxiliar o corpo em certas condições que nos cercam, pois o corpo por si só não pode suportar a extrema tensão de tais sofrimentos.

O corpo humano é na realidade muito fraco; não há corpo físico mais delicadamente constituído. Um mosquito o angustia; a menor quantidade de veneno o destrói; se a respiração cessar por um momento, ele morrerá. Que aparelho poderia ser mais fraco e delicado? Uma folha de grama cortada pela raiz pode viver uma hora, ao passo que o corpo humano privado de suas forças morre num minuto. Mas, na mesma proporção que o corpo humano é fraco, o espírito do homem é forte. Ele pode controlar fenômenos naturais; é um poder supranatural que transcende todos os seres contingentes. Possui vida imortal que nada pode destruir ou deteriorar. Se todos os reinos da existência se levantarem contra o espírito imortal e tentarem sua destruição, este espírito imortal, completamente só, poderá resistir a seus ataques com destemida firmeza e resolução, pois ele é indestrutível e dotado de supremas virtudes naturais. Por esta razão, dizemos que o espírito do homem pode penetrar e descobrir a realidade de todas as coisas pode esclarecer os segredos e mistérios de todas as coisas criadas. Enquanto vive sobre a terra, ele descobre as estrelas e seus satélites; viaja pelo subsolo, encontra metais em suas profundezas ocultas e decifra os segredos das idades geológicas. Ele pode cruzar o infinito espaço interestelar e descobrir o movimento de sóis inconcebivelmente distantes. Como é maravilhoso! Ele pode alcançar o Reino de Deus. Pode penetrar os mistérios do Reino divino e alcançar a vida eterna. É iluminado pela luz de Deus e a reflete para todo o universo. Como é maravilhoso! Quão poderoso é o espírito humano, enquanto seu corpo é tão fraco! Se as suscetibilidades do espírito o dominam, não há criatura mais heróica e mais destemida do que o homem; mas se as forças físicas o dominam, não se pode encontrar nada mais covarde e temeroso, por ser o corpo tão fraco e incapaz. Portanto, a intenção divina é que as suscetibilidades espirituais do homem obtenham precedência e domínio sobre suas forças físicas. Deste modo, ele se prepara para dominar o mundo humano pela sua nobreza, livre e destemido, dotado de atributos da vida eterna.

4
17 DE AGOSTO DE 1912
Palestra em Green Acre
Eliot, Maine
Registrada por Edna McKinney

Estais todos bem e felizes? Este é um lugar encantador; a paisagem é linda e a atmosfera de espiritualidade adorna todas as coisas. Se Deus quiser, no futuro Green Acre se tornará um grande centro, será causa de unidade do mundo humano, de união dos corações e de ligação entre o Oriente e o Ocidente. Esta é a minha esperança.

Esta noite desejo falar sobre a unidade do mundo humano. Este é um dos assuntos importantes da época atual. Se a unidade do mundo humano fosse estabelecida, todas as diferenças que separam a humanidade seriam erradicadas. O conflito e a hostilidade cessariam, e o mundo humano encontraria repouso. A paz universal seria promovida, e o Oriente e o Ocidente se reuniriam num forte laço. Todos os homens se abrigariam sob um tabernáculo. As pátrias se tornariam apenas uma; as raças e religiões se uniriam. Os povos do mundo conviveriam em harmonia e seu bem-estar seria assegurado.

Desde o início da história humana até a presente data, as várias religiões do mundo mutuamente se anatematizaram e se acusaram de falsidade. Cada religião tem considerado as outras afastadas da face de Deus, privadas de Sua mercê e alvos da ira divina. Por isso elas rigorosamente têm evitado umas às outras, exercendo mútua animosidade e rancor. Considerai os registros das guerras religiosas, as batalhas entre nações, o derramamento de sangue e a destruição em nome da religião. Uma das maiores guerras religiosas, as Cruzadas, estenderam-se por um período de mais de duzentos anos. Nesta sucessão de grandes campanhas, os cruzados ocidentais estavam constantemente invadindo o Oriente, determinados a recuperar a Cidade Sagrada das mãos do povo islâmico. Exércitos e mais exércitos levantavam-se na Europa e despejavam suas legiões fanáticas sobre o Oriente. Estas Cruzadas eram pessoalmente encabeçadas pelos reis das nações européias que matavam e derramavam o sangue dos orientais. Durante esse período de duzentos anos, o Oriente e o Ocidente se encontravam num estado de violência e tumulto. Algumas vezes os cruzados conseguiam matar, pilhar e levar cativos os muçulmanos; outras vezes os muçulmanos eram vitoriosos, impondo carnificina, morte e ruína aos invasores. Assim eles continuaram por dois séculos, alternadamente lutando com ferocidade e descansando devido à fraqueza, até que os religiosos da Europa se retiraram do Oriente, deixando atrás de si cinzas de desolação e encontrando suas próprias nações em condições de turbulência e revolta. Centenas de milhares de seres humanos foram mortos e indizível riqueza foi desperdiçada nesta infrutífera guerra religiosa. Quantos pais prantearam a perda de seus filhos! Quantas mães e esposas lamentaram a ausência de seus entes queridos! Ainda assim, esta foi apenas uma das guerras "santas". Considerai e refleti.

Foram muitas as guerras religiosas. Novecentos mil mártires para a causa protestante foi o registro do conflito e da divergência entre essa seita do Cristianismo e os católicos. Consultai a história para confirmar isto. Quantos languesceram nas prisões! Quão impiedoso o tratamento dos cativos! Tudo em nome da religião! Considerai e avaliai o resultado de outras guerras entre povos e seitas de crenças religiosas.

Desde o início da história humana até esta época, o mundo da humanidade não desfrutou um dia de absoluto repouso e trégua de conflito e contenda. A maioria das guerras foi causada pelo preconceito religioso, fanatismo e ódio sectário. Religiosos amaldiçoaram religiosos, cada um considerando o outro privado da misericórdia de Deus, permanecendo em completa escuridão e como filhos do Satã. Por exemplo, os cristãos e os muçulmanos consideravam os judeus como satânicos e inimigos de Deus. Por isso eles os amaldiçoavam e perseguiam. Grande número de judeus foi morto, suas casas queimadas e pilhadas, seus filhos levados cativos. Os judeus, por sua vez, consideravam os cristãos como infiéis e os muçulmanos como inimigos e destruidores da lei de Moisés. Por isso clamam por vingança contra eles e os amaldiçoam até hoje.

Considerai que injúrias, provações e calamidades foram infligidas à humanidade desde o início da história. Toda cidade, território, nação e povo foi sujeitado à destruição e devastação da guerra. Cada uma das divinas religiões se considera como pertencente a uma árvore boa e abençoada, a árvore do Misericordioso, e todos os outros sistemas religiosos como pertencentes a uma árvore do mal, a árvore de Satã. Por este motivo amontoam execração e insultos uns sobre os outros. Isto é claro e evidente nos livros de história e prevaleceu até a época do aparecimento de Bahá'u'lláh.

Quando a luz de Bahá'u'lláh alvoreceu no Oriente, Ele proclamou a promessa da unicidade da humanidade. Ele Se dirigiu a toda a humanidade, dizendo: "Todos vós sois os frutos de uma só árvore. Não existem duas árvores, uma da divina mercê e outra de Satã." Ele disse, ainda: "Todos vós sois os frutos de uma só árvore, as folhas do mesmo ramo." Este foi Seu anúncio, esta foi Sua promessa da unicidade do mundo humano. Maldição e execração foram terminantemente ab-rogadas. Ele disse: "Não é digno do homem amaldiçoar o outro; não convém que o homem atribua trevas a outro; não é apropriado que um ser humano considere o outro como mau; não, ao contrário, todos os homens são os servos de um único Deus; Deus é o Pai de todos; não há uma única exceção a essa lei. Não existe povo de Satã; todos pertencem ao Misericordioso. Não existe escuridão; tudo é luz. Todos são servos de Deus, e o homem deve amar a humanidade de coração. Deve, realmente, ver a humanidade como submersa na divina mercê."

Bahá'u'lláh não fez exceção a esta regra. Ele disse que entre a humanidade pode haver aqueles que são insipientes; eles devem ser treinados. Alguns são doentes; devem ser tratados. Alguns são imaturos, devem ser ajudados a atingir a maturidade. Em outros aspectos, a humanidade está submersa no oceano da misericórdia divina. Deus é o Pai de todos. Ele educa, provê e ama a todos; pois todos são Seus servos e Suas criaturas. Certamente o Criador ama Suas criaturas. Seria impossível encontrar um artista que não amasse sua própria obra. Já vistes algum homem que não amasse suas próprias ações? Ele as ama, mesmo que sejam más ações. Quão estúpida, então, é a idéia de que Deus que criou o homem educou-o e nutriu-o, envolveu-o com todas as bênçãos, fez o sol e todos os fenômenos da existência para seu benefício, conferiu-lhe ternura e bondade, não o ame. Isto é ignorância evidente, pois não importa a que religião um homem pertença, mesmo que ele seja ateu ou materialista, ainda assim Deus o nutre, concede-lhe Sua bondade e sobre ele irradia Sua luz. Como se pode crer, então, que Deus seja irado e desafeiçoado? Como se pode sequer imaginar tal coisa, quando de fato somos testemunhas da ternura e misericórdia de Deus por todos os lados? Em tudo ao nosso redor vemos as manifestações do amor de Deus. Portanto, se Deus é amoroso, o que é que nós devemos fazer? Não temos nada a fazer senão seguir Seu exemplo. Tal como Deus ama a todos e é amoroso para com todos, nós também devemos realmente amar e ser bondosos para com todos. Ninguém deve ser considerado mau, ninguém digno de ser detestado, ninguém como inimigo. Devemos amar a todos; mais ainda, devemos considerar todos como associados a nós, pois todos são servos de um só Deus. Todos são instruídos por um único Educador. Devemos nos esforçar dia e noite para que o amor e a amizade cresçam, que este laço de unidade possa ser fortalecido, que alegria e felicidade possam prevalecer cada vez mais, que toda a humanidade possa se reunir à sombra de Deus em unidade e solidariedade, que o povo possa se dirigir a Deus para seu sustento, nEle encontrando vida imperecível. Que assim possa ser confirmada no Reino de Deus e viva para sempre através de Sua graça e bondade.

Bahá'u'lláh disse claramente em Suas Epístolas que se possuirdes um inimigo, não o considereis como inimigo. Não sejais simplesmente tolerantes; mais do que isso amai-o. Tratai-o como convém àqueles que amam. Nem sequer digais que ele é vosso inimigo. Não vejais qualquer inimigo. Ainda que seja vosso assassino, não vejais ninguém como inimigo. Vede-o com os olhos da amizade. Cuidai para não o considerardes como inimigo, tolerando-o simplesmente, pois isto seria subterfúgio e hipocrisia. É hipocrisia considerar alguém como inimigo e amá-lo. Isto não é próprio de nenhuma alma. Deveis vê-lo como amigo. Deveis tratá-lo bem. Isto é o correto.

Voltemos ao assunto. Quando observamos os fenômenos do universo, percebemos que o eixo em torno do qual a vida gira é o amor, enquanto o eixo em torno do qual a morte e a destruição giram é animosidade e ódio. Vejamos o reino mineral. Aqui percebemos que se não existisse atração entre os átomos, a substância material composta não seria possível. Cada fenômeno existente é composto por elementos e partículas celulares. Isto é cientificamente verdadeiro e correto. Se não existisse atração entre os elementos e entre as partículas celulares, a composição daquele fenômeno jamais teria sido possível. A pedra, por exemplo, é um fenômeno existente, uma composição de elementos. Um elo de atração uniu-os e, através da coesão desses componentes formou-se este objeto pétreo. Esta pedra constitui o mais baixo nível dos fenômenos; no entanto, nele se encontra manifesto um poder de atração sem o qual a pedra não poderia existir. Este poder de atração no mundo mineral é amor, a única expressão de amor que a pedra pode manifestar.

Agora, consideremos o próximo estágio mais elevado de vida, o reino vegetal. Nele vemos que a planta é o resultado da coesão entre vários elementos, tal como é o mineral em seu reino; mas, além disso, a planta tem o poder de absorção da terra. Este é um grau de atração mais elevado que diferencia a planta do mineral. Esta é uma expressão de amor no reino vegetal, a mais elevada capacidade de expressão que o vegetal possui. Através deste poder de atração, ou de crescimento, a planta cresce dia após dia. Por isso, neste reino também o amor é causa de vida. Se existisse repulsão entre os elementos em vez de atração, o resultado seria desintegração, destruição e inexistência. A planta surge porque há coesão entre os elementos e manifesta-se a atração celular. Quando esta atração se dispersa e os componentes se separam, a planta deixa de existir.

Então chegamos ao mundo animal, que está num grau ainda mais elevado que o reino vegetal. Nele, o poder do amor se manifesta mais ainda. A luz do amor é mais resplendente no reino animal porque o poder de atração pelo qual os elementos se associam e os átomos das células se unem, revela-se agora em certas emoções e sensibilidades que produzem companheirismo e associação instintivos. Os animais são imbuídos de bondade e afinidade que se manifestam entre os da mesma espécie.

Finalmente, chegamos ao reino humano. Nele constatamos que todos os graus das expressões de amor do mineral, do vegetal e do animal estão presentes, acrescidas das inconfundíveis atrações da consciência. Ou seja, o homem possui um grau de atração que é consciente e espiritual. Aqui há um avanço imensurável. No reino humano, as suscetibilidades espirituais se sobressaem, o amor é exercido em grau superlativo e isto é a causa da vida humana.

Há clara prova de que em todos os graus e reinos, a unidade e a harmonia, o amor e o companheirismo são a causa de vida, ao passo que a dissensão, a animosidade e a separação sempre conduzem à morte. Portanto, devemos nos esforçar de corpo e alma para que, dia a dia, a unidade e a harmonia possam crescer em meio à humanidade e que o amor e a afinidade possam se tornar mais esplendorosamente gloriosos e manifestos. No reino animal, observareis que as espécies domésticas convivem no maior companheirismo. Vede como as ovelhas se reúnem em amizade e companheirismo num rebanho. Vede os pombos e outras aves domésticas. Não há sectarismo algum entre eles, nenhuma separação devida a nação ou patriotismo. Eles convivem no mais completo amor e unidade, voando, alimentando-se e convivendo. Os animais selvagens - feras de rapina como o lobo, o urso, o tigre e a hiena - nunca são amistosos e não se associam uns com os outros. Eles se atacam mutuamente. Sempre que se encontram, eles lutam. Três lobos jamais são vistos juntos em alegria. Se os encontrardes juntos é por alguma intenção feroz. Eles são como homens egoístas, brutais e hostis que maldizem e matam uns aos outros. Convém que o homem se assemelhe a animais domésticos em vez de feras de rapina, pois aos olhos de Deus o amor é aceitável, enquanto ódio e animosidade são rejeitados. Por que deveríamos agir contra o beneplácito de Deus? Por que deveríamos ser como animais ferozes, constantemente derramando sangue, pilhando e destruindo? Se pertencemos a uma raça ou família humana, por que devemos considerar todos os outros maus e inferiores, merecedores de morte, pilhagem e invasão - povo das trevas, dignos de serem odiados e repudiados por Deus? Por que os homens demonstram tais atitudes e ações aos seus semelhantes? Vemos que Deus é bondoso para com todos. Assim como Ele nos ama, Ele ama a todos os outros; assim como Ele provê a nós, provê aos demais. Ele nutre e educa a todos com a mesma solicitude.

Deus é grande! Deus é bondoso! Ele não vê as faltas humanas; Ele não considera as fraquezas humanas. O homem é uma criatura de Sua misericórdia, e Ele convoca todos à Sua misericórdia. Por que então devemos desprezar ou odiar Suas criaturas por ser este um judeu, o outro um budista ou zoroastriano, e assim por diante? Isto é ignorância, pois a unicidade da humanidade como servos de Deus é um fato consumado e certo.

Bahá'u'lláh proclamou a promessa da unicidade da humanidade. Por isso devemos ter o máximo amor uns pelos outros. Devemos ser amáveis a todos os povos do mundo. Não devemos considerar qualquer povo como o povo de Satã, mas devemos saber e reconhecer que todos são servos do Deus uno. Quando muito, ocorre o seguinte: alguns não sabem, devem ser orientados e treinados. Devem ser ensinados a amar seus semelhantes e serem encorajados a adquirir virtudes. Alguns são ignorantes; devem ser informados. Alguns são como crianças, ainda não desenvolvidas; devem ser ajudados a atingir a maturidade. Alguns são enfermos, sua condição moral é doentia; devem ser tratados até que sua moralidade seja purificada. Mas o doente não deve ser odiado por causa de sua doença, a criança não deve ser evitada por ser criança, o insipiente não deve ser desprezado por sua falta de conhecimento. Eles todos devem ser tratados, educados, treinados e ajudados com amor. Tudo deve ser feito para que a humanidade possa viver à sombra de Deus na máxima segurança, desfrutando o mais elevado grau de felicidade.

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17 DE AGOSTO DE 1912
Palestra em Green Acre
Eliot, Maine
Registrada por Edna McKinney

Os mundos de Deus estão em perfeita harmonia e correspondência mútua. Cada mundo deste ilimitado universo é como um espelho refletindo a história e a natureza de todos os outros. Do mesmo modo, o universo físico está em perfeita correspondência com o reino espiritual ou divino. O mundo da matéria é uma expressão exterior ou fac-símile do reino interior do espírito. O mundo das mentes corresponde ao mundo dos corações.

Se olharmos refletidamente para o mundo material, perceberemos que todos os fenômenos exteriores dependem do sol. Sem o sol, o mundo fenomênico estaria na mais profunda escuridão e destituída de vida. Toda a criação terrena - seja mineral, vegetal, animal ou humana - depende do calor, da luz e do esplendor do grande corpo solar central para ser cultivada e se desenvolver. Não fosse pelo calor e luz do sol, nenhum mineral teria sido formado, nenhum organismo vegetal, animal e humano teria ou poderia vir à existência. É claramente evidente, portanto, que o sol é a fonte de vida para todos os fenômenos terrenos e exteriores.

No mundo interior, o mundo do Reino, o Sol da Realidade é o Instrutor e Educador das mentes, almas e espíritos. Não fosse pelos raios fulgentes do Sol da Realidade, eles seriam privados de crescimento e desenvolvimento; mais ainda, eles não existiriam. Pois assim como o sol físico é o instrutor de todas as formas externas e fenomênicas de ser, por intermédio da irradiação de sua luz e calor, a irradiação da luz e do calor do Sol da Realidade concede crescimento, educação e evolução às mentes, almas e espíritos rumo à perfeição.

Cristo foi o Sol da Realidade que resplandeceu do horizonte celestial da Cristandade, treinando, protegendo e confirmando as mentes, almas e espíritos até que se harmonizassem com o Reino divino e atingissem a capacidade de receber as infinitas graças de Deus. Se não fosse pelo aparecimento de Seu esplendor, eles teriam permanecido na escuridão da imperfeição e afastamento de Deus. Mas, como aquele Sol da Realidade resplandeceu e irradiou sua luz sobre o mundo das mentes, almas e espíritos, eles se tornaram radiantes. Ele lhes conferiu uma vida nova e eterna.

Quando o sol fenomênico surge do ponto de alvorecer primaveril no zodíaco, dá-se uma maravilhosa e vibrante comoção no corpo do mundo terreno. As árvores secas são revivificadas, o solo escuro se torna verdejante com nova vida, flores novas e fragrantes começam a brotar, o mundo de pó é refrescado, renovadas forças de vida se agitam através das veias de todo ser animado, e uma nova primavera reveste as campinas, planícies, montanhas e vales com admiráveis formas de vida. O que estava morto e desolado, é revivificado e ressuscitado; o que estava seco, esmorecido e abatido, é transformado pelo espírito de uma nova criação. Do mesmo modo, quando o Sol da Realidade ilumina o horizonte do mundo interior, ele anima, vivifica e estimula com um poder divino e maravilhoso. As árvores das mentes humanas se vestem em novas e verdejantes roupagens, dando folhas e flores, e produzindo frutos espirituais das boas novas celestiais. Então, do solo das almas humanas, surgem perfumadas flores de significados interiores, e o homem, em todo o seu ser, desperta para uma nova e divina atividade. Este é o crescimento e desenvolvimento do mundo interior através da fulgente luz da guia divina e do calor do fogo do amor de Deus.

O sol físico se levante e se põe. O sol do mundo terreno tem seu dia e sua noite. Depois de cada pôr-do-sol há um nascer do sol e proximidade de uma nova alvorada. O Sol da Realidade, igualmente, tem seu alvorecer e seu ocaso. Há um dia e uma noite no mundo da espiritualidade. Depois de cada partida há um retorno e a luz do alvorecer de um novo dia.

Além disso, a realidade da Divindade se caracteriza por certos nomes e atributos. Entre estes nomes estão o Criador, o Ressuscitador, o Provedor, o Onipresente, o Todo-Poderoso, o Onisciente, e o Dispensador de Dádivas. Estes nomes e atributos da Divindade são eternos e não contingentes. Este é um ponto muito sutil que requer cuidadosa atenção. Sua existência é comprovada por e é condição necessária ao aparecimento dos fenômenos. Por exemplo, Criador pressupõe criação, Ressuscitador implica ressurreição, Provedor requer providência; de outro modo, estes seriam nomes vazios e impossíveis. Misericordioso evidencia algo a que é concedido misericórdia. Se a misericórdia não estivesse manifesta, este atributo de Deus não seria percebido. O nome Senhor prova a existência de seres sobre os quais é exercido soberania. O nome Onisciente demanda os objetos de todo conhecimento. A menos que estes objetos existam, onisciência não tem significado e função. O nome o Sábio necessita objetos para o exercício da sabedoria; e, a menos que a sabedoria os compreenda, este nome será inconcebível. Por isso, os nomes e atributos divinos pressupõem a existência de fenômenos implicados por esses nomes e atributos, e vice-versa - a soberania de Deus é provada e estabelecida pela sua veracidade e existência.

Portanto, refleti cuidadosamente, pois a soberania de Deus não é acidental, mas imperecível e eterna, e necessita da existência de seres fenomênicos. Soberania necessita de um reino, um exército, um tesouro, súditos, corte e ministros. Como pode haver um rei sem súditos, domínio e riqueza? De outro modo qualquer um poderia reivindicar ser um rei. "Onde está vosso exército?" "Não preciso de um." "Onde está vosso país?" "Não há necessidade. Sou um rei sem reino, sem exército, súditos ou soberania." É possível tal coisa?

Portanto, a soberania divina necessita de uma criação sobre a qual seu domínio seja exercido. Deve haver evidências de soberania. Se tentássemos conceber um tempo em que a criação não existisse, em que não houvesse súditos ou criaturas sob o domínio e o controle divinos, a própria Divindade desapareceria; haveria uma interrupção da graça de Deus, da mesma forma que a realeza e o benefício de um monarca terreno desapareceriam se o seu reino não existisse. A soberania de Deus é eterna. Não houve começo; não haverá fim. Isto é tão evidente como o sol do meio-dia, mesmo a alguém dotado de razão limitada.

Quando consideramos o sol fenomênico, vemos que seu calor e sua luz são contínuos. Não há interrupção das dádivas do sol. Se em qualquer tempo o sol não tivesse luz ou calor, ele não seria o sol. Como reconhecemos o sol? Através de seu calor e esplendor. Se ele for privado de seus raios e seu calor, deixará de ser o sol; será meramente um globo ou esfera no firmamento. As graças do sol devem ser perpétuas para que ele possa ser qualificado como um centro de energia, iluminação e atração.

Do mesmo modo, as divinas graças do Sol da Realidade são perpétuas. Sua luz brilha sempre. Seu amor se irradia sempre. Sua graça nunca cessa. Não se pode dizer que o poder e esplendor de Deus sejam, por um momento sequer, sujeitos a interrupção. Não se pode proclamar que a divindade do Todo-Poderoso tenha chegado a um fim, pois a divindade de Deus é eterna. Portanto, as graças divinas - sejam fenomênicas e contingentes, ou espirituais e perfeitas - são perpétuas. Porém, há dois tipos de pessoas religiosas: algumas adoram o sol, e outras adoram os pontos em que o sol alvorece. Por exemplo, os judeus adoram o ponto do alvorecer de Moisés, os zoroastrianos o de Zoroastro. O povo de Abraão volveu-se ao ponto do alvorecer de Abraão. Quando o Sol da Realidade transferiu sua luz do ponto do alvorecer de Abraão para o de Moisés, o povo de Abraão negou seu aparecimento porque estava voltado para o ponto e não para o próprio Sol da Realidade. Quando aquele Sol da Realidade, com sua dádiva divina, seu brilho e esplendor, transferiu-se para o ponto do alvorecer messiânico, os judeus negaram seu aparecimento em Jesus, pois eles não adoravam o próprio Sol, mas sim seu alvorecer em Moisés. Tivessem sido adoradores do Sol da Realidade, eles teriam se voltado a Cristo em vez de O negarem como o Messias.

Qual foi o motivo dessa privação? Foi simplesmente porque estavam imitando os pais e ancestrais nas formas de adorar, em vez de se voltarem para o Sol da Divindade. Por esta razão eles se privaram da graça que despontou no alvorecer messiânico. Apegando-se com tenacidade ao ponto do alvorecer anterior, eles continuam nesta posição de privação. Considerai os povos e nações do mundo hoje e vede esta mesma tenaz devoção à crença ancestral. Aquele cujo pai foi zoroastriano, é um zoroastriano. O que teve o pai budista, permanece budista. O filho de um muçulmano continua muçulmano, e assim por diante. Por que isto? Porque eles são escravos e cativos de mera imitação. Eles não investigaram a verdade da religião para chegar aos seus fundamentos e conclusões. O judeu, por exemplo, não provou a autenticidade de Moisés pela investigação da verdade. Ele é judeu porque seu pai era judeu. Ele imita as formas e crenças de seus pais e ancestrais. Não há qualquer cogitação ou menção da verdade. O mesmo acontece com outros povos da religião. É por isso que afirmamos que eles adoram o ponto do alvorecer em vez do próprio Sol da Realidade.

Se no tempo de Cristo os judeus tivessem abandonado a imitação e investigado a verdade, certamente O teriam aceitado e acreditado nEle, pois o esplendor messiânico era muito maior do que o mosaico. O Sol da Realidade, ao surgir no ponto do alvorecer de Cristo, era brilhante e belo como o sol de verão.

Ora, por isso devemos estar prevenidos e perceber que a mera imitação dos pais e ancestrais é infrutífera. Ainda mais, devemos nos esforçar ao máximo para investigar e nos volver para o Sol da Realidade, não importa em que ponto de alvorecer ele possa aparecer. O sol fenomênico é um só. Se amanhã ele se levantar no Ocidente, é o mesmo sol. Não podemos dizer: "Este não é o sol porque ele apareceu no Ocidente." Pois Oriente e Ocidente são apenas direções terrestres e imaginárias. Para o sol não existe nem Oriente nem Ocidente. Ele está sempre brilhando de sua posição nos céus. Do ponto de vista da órbita solar não há alvorecer nem ocaso. Portanto, alvorecer e pôr-do-sol estão relacionados à observação da terra e não ao luminar em si mesmo. Ao contrário, no orbe solar a noite é inconcebível. Naquele centro de esplendor, luz e iluminação prevalecem constantemente. Seu alvorecer e ocaso são, portanto, somente aparentes e não reais. Eles têm relação ao nosso ponto de vista terreno. Não poderíamos considerá-lo sol se sua luz, calor e esplendor fossem interrompidos. Isto seria equivalente a chamar a pedra preta de diamante. Não teria sentido. Se um homem for avarento e o chamardes de generoso, isto não exercerá nenhuma mudança sobre ele.

Isto quer dizer que Deus é todo-poderoso, mas Sua grandeza não pode ser confinada dentro da limitação humana. Não podemos restringir Deus. O homem é limitado, mas o mundo da Divindade é ilimitado. Fixar limites para Deus é ignorância humana. Deus é o Ancião, o Todo-Poderoso; Seus atributos são infinitos. Ele é Deus porque Sua luz e Sua soberania são infinitas. Se pudesse ser limitado a idéias humanas, Ele não seria Deus. É estranho que, embora estas verdades sejam evidentes por si mesmas, o homem continue a construir muros e cercas de limitação em torno de Deus, em torno de tão gloriosa, ilimitável e infinita Divindade. Considerai os intermináveis fenômenos de Sua criação. São infinitos; o universo é infinito. Como pode uma soberania todo-poderosa, uma Divindade tão maravilhosa, ser colocada dentro dos limites das imperfeitas mentes humanas, mesmo para expressões e definições? Poderíamos, então, dizer que Deus realizou determinada coisa e que jamais será capaz de realizá-la de novo? Que houve tempo em que o Sol de Seu esplendor brilhou sobre o mundo, mas que agora se pôs para sempre? Que outrora Sua misericórdia, Sua graça e Sua bondade desciam, mas que agora cessaram? É possível isso? Não! Jamais podemos dizer nem acreditar realmente que Sua Manifestação, a adorada verdade, o Sol da Realidade, deixará de brilhar sobre o mundo.

Ó Deus! Tu que és benévolo. Verdadeiramente, estas almas reuniram-se nesta assembléia, volvendo a Ti seus corações e espíritos. Buscam a graça imperecível e necessitam de Tua infinita mercê.

Ó Senhor! Remove os véus de seus olhos e dispersa as trevas da ignorância. Confere-lhes a luz do conhecimento e da sabedoria. Ilumina estes corações contritos com o esplendor do Sol da Realidade. Faze estes olhos perceptivos através da visão das luzes de Tua soberania. Permite que estes espíritos se regozijem pelas grandes boas-novas, e recebe estas almas em Teu supremo Reino.

Ó Senhor! Verdadeiramente somos fracos; fortalece-nos. Somos pobres; ajuda-nos do tesouro de Tua munificência. Somos mortos; ressuscita-nos pelo sopro do Espírito Santo. Carecemos de paciência nos testes e na longanimidade; permite-nos atingir as luzes da unicidade.

Ó Senhor! Faze esta assembléia erguer o estandarte da unicidade do mundo humano e confirma estas almas para que possam se tornar promotoras da paz internacional.

Ó Senhor! Verdadeiramente, os povos estão encobertos por um estado de contenda mútua, derramando o sangue e destruindo as posses uns dos outros. Por todo o mundo há guerra e conflito. Há discórdia, derramamento de sangue e ferocidade em todos os lados.

Ó Senhor! Guia as almas humanas para que possam se afastar da hostilidade e da guerra, que possam se tornar amorosos e gentis uns com os outros, que se associem e trabalhem pela unicidade e solidariedade da humanidade.

Ó Senhor! Os horizontes do mundo estão obscurecidos por esta dissensão. Ó Deus! Ilumina-os e, através das luzes de Teu amor, torna os corações radiantes. Através da bênção de Tua dádiva ressuscita os espíritos, até que cada alma compreenda e aja de acordo com Teus ensinamentos. Tu és o Todo-Poderoso. Tu és o Onisciente. Tu és o Previdente. Ó Senhor, sê compassivo para com todos.

XVI
PALESTRAS PROFERIDAS
POR 'Abdu'l-Bahá EM
BOSTON E MALDEN
1
25 DE AGOSTO DE 1912
Palestra no Clube Metafísico do
Fórum do Pensamento Novo
Boston, Massachusetts
Registrada por Edna McKinney

Ó Tu Deus benévolo! Na máxima humildade e submissão, nós imploramos e suplicamos em Teu limiar, buscando Tuas infinitas confirmações e ilimitada assistência. Ó Tu Senhor! Regenera estas almas e confere-lhes uma nova vida. Anima os espíritos, informa os corações, abre os olhos e torna os ouvidos atentos. De Teu tesouro antigo concede uma nova existência e disposição e, de Tua morada preexistente, ajuda-os a atingir novas confirmações.

Ó Deus! Em verdade, o mundo precisa de reforma. Concede-lhe uma nova existência. Dá-lhe frescor de pensamentos e revela-lhe ciências celestiais. Insufla nele um novo espírito e confere-lhe um propósito mais santo e mais sublime.

Ó Deus! Verdadeiramente, Tu fizeste este século radiante e nele manifestaste Teu esplendor misericordioso. Tu eliminaste a escuridão da superstição e fizeste brilhar a luz da certeza. Ó Deus! Permite que estes servos possam se tornar aceitáveis em Teu limiar. Revela um novo céu e estende uma nova terra para habitação. Permite que uma nova Jerusalém desça do alto. Concede novos pensamentos e nova vida ao gênero humano. Dota as almas de nova percepção e confere-lhes novas virtudes. Tu, em verdade, és o Onipotente, o Poderoso. Tu és o Doador, o Generoso.

É fácil controlar os corpos dos homens. Um rei pode submeter à sua ordem e autoridade os corpos de seus súditos por todo o território. Em séculos passados, reis e governantes tinham poder absoluto sobre milhões de pessoas, sendo assim capazes de fazer tudo que desejavam. Se quisessem conceder felicidade e paz, eles assim podiam fazer; e se decidissem infligir sofrimento e intranqüilidade, eram igualmente capazes. Se desejassem mandar homens ao campo de batalha, ninguém podia se opor à sua autoridade; e se decretassem que seus reinos deveriam desfrutar a alegria e a serenidade da ausência de guerra, isto prevalecia. Em suma, reis e governantes eram capazes de controlar milhões de seres humanos e exerciam esse domínio com o maior despotismo e tirania.

O ponto é este: manter controle sobre os corpos físicos é uma questão extremamente fácil, mas conduzir os espíritos para dentro dos limites da serenidade é um empreendimento mais árduo. Não é trabalho para todo mundo. É necessária uma potência divina e santa, a potência da inspiração, o poder do Espírito Santo. Cristo, por exemplo, foi capaz de conduzir os espíritos à morada da serenidade. Ele foi capaz de guiar os corações àquele porto de tranqüilidade. Desde o dia de Sua manifestação até a presente data, Ele ressuscitou os corações e vivificou os espíritos. Ele exerceu aquela influência vivificadora no reino dos corações e dos espíritos; por isso Sua ressurreição é eterna.

Neste século dos tempos modernos, Bahá'u'lláh apareceu e de tal maneira ressuscitou os espíritos que eles manifestaram poderes sobre-humanos. Milhares de Seus seguidores deram suas vidas; e, derramando o próprio sangue sob a espada, eles proclamaram "Yá Bahá'u'l-Abha!" Tal ressurreição é impossível a não ser através de uma potência celestial, um poder supranatural, o poder divino do Espírito Santo. Isto é impossível através de um simples poder humano e natural. Por isso, surge a questão: Como pode esta ressurreição ser realizada?

Há certos meios para sua realização através dos quais o gênero humano é regenerado e revivificado com um novo nascimento. Este é o segundo nascimento mencionado nos Livros celestiais. Sua realização ocorre através do batismo do Espírito Santo. A ressurreição ou renascimento do espírito humano ocorre através do conhecimento do amor de Deus. É através da eficácia da água da vida. Esta vida e ressurreição é a regeneração do mundo fenomênico. Após a chegada da primavera espiritual, as chuvas vernais, o esplendor do Sol da Realidade, as brisas da perfeição, todos os fenômenos se tornam imbuídos da vida de uma nova criação e são renovados no processo de uma nova gênese. Refleti a respeito da primavera material. Com a chegada do inverno, as árvores ficam sem folhas, os campos e os prados secam, as flores se transformam num monte de entulho; nas pradarias, montanhas e jardins não há mais frescor, não se vê mais beleza nem verdor. Tudo está coberto com o manto da morte. Em todo lado se encontra a expressão de morte e decadência. Mas, quando surge a primavera, caem as chuvas, o sol enche os prados e as planícies de luz; a criação se cobre de um novo manto de expressão. As chuvas deixam as campinas verdejantes. As cálidas brisas vestem as árvores de folhas. Elas florescem e em breve produzirão frutos novos, frescos e deliciosos. Tudo parece dotado de uma nova vida; em todos os lugares se vê um novo ânimo e espírito. A primavera ressuscita todos os fenômenos e adorna a terra com a beleza que deseja.

O mesmo ocorre quando surge a primavera espiritual. Quando os santos, os divinos Manifestantes ou Profetas aparecem no mundo, um ciclo de esplendor, uma era de misericórdia alvorece. Tudo é renovado. As mentes, os corações e todas as forças humanas são reformadas, as perfeições são reavivadas, ciências, descobertas e pesquisas são novamente estimuladas, e tudo que diz respeito às virtudes do mundo humano é revitalizado. Considerai este século atual de esplendor e comparai-o aos séculos passados. Que enorme diferença há entre eles! Como as mentes se desenvolveram! Como as percepções se aprofundaram! Como as descobertas cresceram! Que grandes projetos foram realizados! Quantas realidades se tornaram manifestas! Quantos mistérios da criação foram investigados e desvendados! Qual a causa disto? É através da eficácia da primavera espiritual em que estamos vivendo. Dia após dia o mundo alcança uma nova graça. Neste século radiante, nem os antigos costumes e nem as velhas ciências, profissões, leis e regulamentos permaneceram. Os antigos princípios políticos sofrem modificações e uma nova sociedade está em processo de formação. No entanto, alguns cujos pensamentos estão congelados e cujas almas estão privadas da luz do Sol da Realidade procuram deter este desenvolvimento no mundo das mentes humanas. É possível isto?

Na renovação inequívoca e universal que estamos testemunhando, quando as condições exteriores da humanidade estão recebendo tamanho ímpeto, quando a vida humana está assumindo um novo aspecto, quando as ciências recebem novo estímulo, as invenções e as descobertas crescem, as leis civis sofrem mudanças e a moralidade evidencia elevação e melhora, é possível que os impulsos e influências espirituais não sejam renovados e reformados? Naturalmente, novos pensamentos e tendências espirituais devem se tornar manifestos. Que frutos serão obtidos da reforma meramente física se a espiritualidade não for renovada? Por exemplo, o corpo do homem pode ser melhorado, a qualidade dos ossos e dos nervos pode evoluir, a mão pode se desenvolver, outros órgãos e membros podem ser aprimorados, mas de que serve todo o resto se o espírito não se desenvolver? O fator importante no aperfeiçoamento do homem é o espírito. No mundo do espírito há necessidade de desenvolvimento e aperfeiçoamento. É necessário reforma no reino do espírito humano; de outro modo, de nada adiantará o aperfeiçoamento da estrutura meramente física.

Neste novo ano, novos frutos devem aparecer, pois esta é a previdência e a intenção da reforma espiritual. A renovação da folha é inútil. Da renovação da casca e do ramo da árvore não surgirão frutos. A renovação do verdor nada produz. Se não houver renovação dos frutos da árvore, de que vale a renovação da casca, da flor, do ramo e do tronco? Pois uma árvore infrutífera não tem qualquer serventia. De modo semelhante, qual é o proveito das reformas das condições físicas a menos que sejam concomitantes com as reformas espirituais? Pois a realidade essencial é o espírito, o fundamento é o espírito, a vida do homem é devida ao espírito; a felicidade, a disposição, o esplendor e a glória do homem - tudo é devido ao espírito; e se não ocorrer renovação no espírito, de nada valerá a existência humana.

Portanto, devemos nos esforçar de corpo e alma para que o mundo material e físico possa ser reformado, a percepção humana torne-se mais aguçada, a fulgência misericordiosa se manifeste e a luz da realidade brilhe. Então, a estrela do amor aparecerá e o mundo humano será iluminado. O propósito é que o progresso do mundo da existência depende de renovação; senão será como se estivesse morto. Considerai: se uma nova primavera deixasse de aparecer, qual seria o efeito sobre este globo terrestre? Sem dúvida ele se tornaria desolado, e a vida se extinguiria. A cada ano a terra precisa da chegada da primavera. É necessário que uma nova graça se aproxime. Se não vier a vida será eliminada. Do mesmo modo, o mundo do espírito precisa de nova vida, o mundo da mente precisa de novo ânimo e desenvolvimento, o mundo das almas, de uma nova graça, o mundo da moralidade, de uma reforma, o mundo do esplendor divino, sempre de novas dádivas. Não fosse por este reabastecimento, a vida do mundo seria eliminada e extinta. Se esta sala não for ventilada e o ar renovado, após algum tempo a respiração será impossível. Se a chuva deixar de cair, todos os organismos vivos perecerão. Se não houver nova luz, a escuridão da morte envolverá a terra. Se não chegar uma nova primavera, a vida sobre este globo deixará de existir.

Por isso os pensamentos devem ser sublimes e os ideais elevados, a fim de que o mundo humano possa ser auxiliado nas novas condições de reforma. Quando esta reforma afetar todos os níveis, então chegará o próprio Dia do Senhor, mencionado por todos os Profetas. Este é o Dia em que o mundo todo será regenerado. Considerai: as leis de eras passadas são aplicáveis às atuais condições humanas? Evidentemente não. Por exemplo, as leis dos séculos anteriores sancionavam formas despóticas de governo. São as leis de controle despótico adequadas às condições dos dias atuais? Como poderiam ser aplicadas para resolver as questões que envolvem as nações modernas? Do mesmo modo, perguntamos: Seriam úteis hoje para nós a condição do pensamento antigo, a rudeza das artes e ofícios e a insuficiência das realizações científicas? Os métodos de agricultura dos antigos seriam suficientes no século vinte? Em épocas passadas, o transporte era realizado apenas por animais. Como poderia prover as necessidades do homem hoje? Se os meios de transporte não tivessem sido renovados, as miríades de milhões que agora vivem sobre a terra morreriam de fome. Sem as estradas de ferro e os velozes navios a vapor, o mundo de hoje seria como morto. Como poderiam as grandes cidades como Nova Iorque e Londres sobreviver se dependessem dos antigos meios de transporte? Isto é igualmente verdadeiro para outras coisas que foram renovadas na medida das necessidades da época atual. Se não tivessem sido renovadas, o homem não poderia subsistir.

Se estas tendências materiais têm tal necessidade de reforma, quanto maior é a necessidade no mundo do espírito humano, o mundo do pensamento, da percepção, das virtudes e graças humanas! É possível que essa necessidade tenha permanecido estacionária enquanto o mundo avançava em todas as outras condições e direções? É impossível.

Por isso, devemos invocar e suplicar a Deus e nos esforçar com o máximo empenho para que o mundo da existência humana, em todos os seus níveis, possa receber um poderoso impulso, completa felicidade humana seja atingida e a ressurreição de todos os espíritos e emanações seja realizada através dos ilimitados favores da misericórdia de Deus.

2
26 DE AGOSTO DE 1912
Palestra no Franklin Square House
Boston, Massachusetts
Registrada por Edna McKinney

Entre os ensinamentos de Bahá'u'lláh, temos o princípio da igualdade entre o homem e a mulher. Bahá'u'lláh disse que ambos pertencem ao gênero humano e que são iguais perante Deus, pois no plano divino da criação cada um é o complemento do outro. A única distinção entre eles aos olhos de Deus é a pureza e a retidão de suas obras e atos, pois é preferido por Deus aquele que é mais próximo à imagem e semelhança espiritual do Criador. Em todos os reinos dos organismos vivos existe a diferença de função sexual, mas não há qualquer preferência ou distinção, seja a favor do macho ou da fêmea. No reino animal existem os diferentes sexos, mas os direitos são iguais e sem discriminação. Do mesmo modo, no plano ou reino vegetal existe o sexo, mas a igualdade de funções e direitos é evidente. Já que não se observa distinção e preferência de sexo nestes reinos de inteligência inferior, convém à posição superior do homem que ele faça tal diferenciação e consideração, quando na realidade não há indicação de qualquer diferença na lei da criação?

Nas idades antigas e eras medievais, a mulher era completamente subordinada ao homem. A causa desta consideração de sua inferioridade era sua falta de instrução. A vida e o intelecto da mulher limitavam-se ao lar. Vislumbres disto podem ser encontrados até mesmo nas Epístolas de São Paulo. Nos séculos posteriores, o âmbito e as oportunidades da vida da mulher ampliaram-se e cresceram. Sua mente desdobrou-se e desenvolveu-se; suas percepções despertaram e se aprofundaram. A questão que lhe dizia respeito era: Por que deixar uma mulher sem desenvolvimento mental? A ciência é meritória - seja ela investigada pelo intelecto do homem ou da mulher. Assim, pouco a pouco, a mulher progrediu, evidenciando cada vez mais a igualdade de competência com o homem - seja na pesquisa científica, capacidade política, ou qualquer outro campo de atividade humana. A conclusão de que a mulher foi deixada para trás devido à falta de instrução e recursos intelectuais. Se lhe tivessem sido dadas as mesmas oportunidades educacionais ou trajetórias de estudo, ela teria desenvolvido as mesmas capacidades e habilidades.

Há os que afirmam que por natureza a mulher não é dotada ou imbuída das mesmas aptidões do homem; que ela é intelectualmente inferior ao homem, possui vontade mais fraca e carece de sua coragem. Esta teoria é completamente desmentida pelos fatos e registros históricos. No mundo surgiram certas mulheres de capacidade e determinação superlativa, igualando-se aos homens em intelecto e coragem. Zenóbia era a esposa do governador-geral de Atenas. Seu esposo morreu e, assim como Catarina, a rainha da Rússia, ela manifestou a máxima competência na administração das questões públicas. O governo romano indicou-a para suceder seu marido. Posteriormente ela conquistou a Síria, conduziu uma bem sucedida campanha no Egito e estabeleceu uma soberania memorável. Roma enviou um exército contra ela, sob o comando de distintos oficiais. Quando as duas forças se enfrentaram em batalha, Zenóbia adornou-se com uma suntuosa vestimenta, colocou a coroa de seu reino na própria cabeça, e cavalgou à frente de seu exército, derrotando as legiões romanas tão completamente que elas não foram capazes de se reorganizar. O próprio imperador de Roma comandou o exército seguinte de cem mil soldados e marchou até a Síria. Naquela época Roma estava no auge de seu esplendor e era a mais poderosa força militar do mundo. Zenóbia recuou com suas forças até Palmira e fortificou-a para resistir a uma invasão. Após dois anos, o Império Romano cortou seus suprimentos e ela foi forçada a se render.

Num cortejo pleno de triunfo e suntuosidade, os romanos retornaram ao seu próprio país. Entraram em Roma com grande pompa e esplendor, tendo à frente elefantes africanos. Depois dos elefantes entraram os leões, depois tigres, ursos e macacos, e depois dos macacos, Zenóbia - caminhando com os pés descalços, com uma corrente de ouro em volta de seu pescoço e uma coroa em sua mão, com grande dignidade, majestosa, régia e corajosa, apesar de sua queda e derrota.

Entra as mulheres notáveis da história houve outras como Cleópatra, a rainha do Egito, que manteve seu reino contra os exércitos de Roma por longo tempo. Catarina, esposa de Pedro, o Grande, demonstrou coragem e estratégia militar do mais alto nível durante a guerra entre a Rússia e Muhammad Páshá. Quando a causa da Rússia parecia perdida, ela apanhou suas jóias e apresentou-se diante do conquistador turco, presenteou-as a ele e defendeu a justiça da causa de seu país com tamanha habilidade e diplomacia que a paz foi declarada.

Vitória, a rainha da Inglaterra, era realmente superior a todos os reis da Europa em habilidade, justiça e eqüidade administrativa. Durante seu longo e brilhante reinado, o Império Britânico se ampliou e enriqueceu imensamente devido à sua sagacidade, habilidade e visão política.

A história da religião fornece, igualmente, eloqüentes exemplos da competência das mulheres em condições de grande dificuldade e carência. A conquista da Terra Santa pelos israelitas, após quarenta anos errantes pelo deserto e desolação da Judéia, foi consumada através da estratégia e astúcia de uma mulher.

Após o martírio de Cristo, glorificado seja Ele, os discípulos ficaram imensamente perturbados e desalentados. Até mesmo Pedro negou Cristo e tentou evitá-Lo. Foi uma mulher, Maria Madalena, que confirmou os hesitantes discípulos em sua fé, dizendo: "Foi o corpo de Cristo ou a realidade de Cristo que vistes crucificado? Certamente foi Seu corpo. Sua realidade é imperecível e eterna; não teve começo nem terá fim. Portanto, por que estais perplexos e desanimados? Cristo sempre falou a respeito de Sua crucificação." Maria Madalena era uma simples aldeã, uma camponesa; ainda assim, ela se tornou o motivo de consolo e confirmação aos discípulos de Cristo.

Na Causa de Bahá'u'lláh houve mulheres que foram superiores aos homens em esplendor, intelecto, virtudes divinas e devoção a Deus. Entre elas havia Qurratu'l-'Ayn. Quando ela falava, era ouvida com reverência pela maioria dos homens mais sábios. Eles mantinham o maior respeito em sua presença, e ninguém ousava contradizê-la. Entre as mulheres Bahá'ís na Pérsia temos hoje Rúhu'lláh e outras dotadas de conhecimento, firmeza inabalável, coragem, virtude e força de vontade. Elas são superiores aos homens e bem conhecidas por toda a Pérsia.

Em suma, a história fornece a evidência de que durante os séculos passados houve grandes mulheres, assim como grandes homens; mas, de um modo geral, devido à falta do privilégio de instrução, as mulheres eram restringidas e privadas da oportunidade de se tornarem plenamente qualificadas e representativas da humanidade. Quando lhes é concedida a oportunidade de adquirir instrução, elas mostram a mesma capacidade dos homens. Alguns filósofos e escritores consideraram a mulher, por natureza e por criação, inferior ao homem, alegando como prova que o cérebro do homem é maior e mais pesado que o da mulher. Esta é uma evidência frágil e errônea, pois muitas vezes cérebros pequenos se encontram par a par com intelectos superiores, e cérebros grandes pertencem a ignorantes, e até mesmo tolos. A verdade é que Deus dotou todo o gênero humano de inteligência e percepção, e confirmou todos como Seus servos e filhos; portanto, no plano e na apreciação de Deus não há distinção entre homem e mulher. A alma que manifesta ações puras e graças espirituais é mais preciosa a Seus olhos e mais próxima dEle em suas realizações.

As realidades das coisas têm sido reveladas neste século radiante, e aquilo que é verdade deve vir à tona. Entre estas realidades está o princípio da igualdade entre homem e mulher - direitos e prerrogativas iguais em todas as coisas concernentes à humanidade. Bahá'u'lláh declarou esta verdade há mais de cinqüenta anos. Mas, ao mesmo tempo que este princípio da igualdade é verdadeiro, é igualmente verdade que a mulher deve provar sua capacidade e aptidão, deve mostrar as evidências da igualdade. Ela deve se tornar competente nas artes e ciências, e através das suas realizações provar que suas habilidades e capacidades simplesmente estiveram latentes. As demonstrações de força, como as que atualmente estão acontecendo na Inglaterra, não são convenientes nem efetivas para a causa da mulher e da igualdade. A mulher deve dedicar especialmente suas energias e habilidades às ciências da indústria e da agricultura, procurando auxiliar a humanidade naquilo que há de mais importante. Deste modo ela demonstrará competência e assegurará o reconhecimento da igualdade na equação econômica e social. Sem dúvida, Deus a confirmará em seus esforços e empenho, pois neste século de esplendor Bahá'u'lláh proclamou a realidade da unicidade do mundo humano e anunciou que todas as nações, povos e raças são apenas um. Ele demonstrou que embora indivíduos possam diferir em desenvolvimento e capacidade, como seres humanos eles são essencial e intrinsecamente iguais, assim como as ondas do mar são inumeráveis e diferentes, mas a realidade do mar é uma só. A pluralidade da humanidade pode ser comparada às ondas, mas a realidade da humanidade é como o próprio mar. Todas as ondas são da mesma água; todas são as ondas do mesmo oceano.

Por isso, esforçai-vos para mostrar ao mundo humano que as mulheres são muito capazes e eficientes, que seus corações são mais ternos e sensíveis que os dos homens, que elas são mais filantrópicas e suscetíveis diante dos necessitados e sofridos, que são inflexivelmente contra a guerra e são amantes da paz. Esforçai-vos para que o ideal da paz internacional possa ser realizado através do empenho das mulheres, pois o homem é mais inclinado à guerra do que a mulher, e uma evidência real da superioridade da mulher será seu serviço e eficiência no estabelecimento da paz universal.

3
27 DE AGOSTO DE 1912
Palestra no Clube Metafísico
Boston, Massachusetts
Registrada por Edna McKinney

Vejo nas faces dos presentes a expressão de reflexão e sabedoria; por isso, falarei sobre um assunto que envolve uma das questões divinas, uma questão de importância religiosa e metafísica - a saber, o progressivo e perpétuo movimento dos átomos elementares através dos vários graus de fenômenos e reinos da existência. Será demonstrado e tornar-se-á evidente que a origem e a conseqüência dos fenômenos são idênticas e que há uma unicidade essencial em todas as coisas existentes. Este é um princípio sutil pertencente à divina filosofia e requer cuidadosa atenção e análise.

Os átomos elementares, que constituem toda a existência e vida fenomênica neste ilimitável universo, estão em perpétuo movimento, passando por sucessivos graus de desenvolvimento. Vamos imaginar, por exemplo, um átomo no reino mineral evoluindo para o mundo vegetal ao entrar na composição e nas fibras de uma árvore ou planta. Daí ele é assimilado e transferido para o reino animal e, finalmente, através da lei e processo de composição, torna-se parte do corpo de um homem. Isto quer dizer que ele atravessou graus e posições intermediários da existência fenomênica, entrando na composição de vários organismos na sua jornada. Este movimento ou transferência é progressivo e perpétuo, pois após a desintegração do corpo humano no qual entrou, ele retorna ao reino mineral do qual viera e continua a atravessar os reinos dos fenômenos como anteriormente. Esta é uma ilustração que se propõe a mostrar que os átomos elementares que constituem os fenômenos passam por uma transferência e movimento progressivos através de todos os reinos materiais.

Em seu incessante desenvolvimento e jornada, o átomo se torna imbuído de virtudes e capacidades de cada grau ou reino pelo qual passa. Na posição do mineral, ele possui coesão mineral; no reino do vegetal, ele manifesta a virtude ou poder de crescimento; no organismo animal, ele reflete a inteligência daquele grau; e no reino humano ele adquire a qualidade dos atributos e virtudes humanas.

Além disso, são miríades e inumeráveis as formas e organismos da vida e da existência fenomênica em cada um dos reinos do universo. O plano ou reino vegetal, por exemplo, possui sua infinita variedade de tipos e estruturas materiais de vida vegetal - cada um singular e distinto em si mesmo, não há dois exatamente iguais em composição e detalhes - pois não há repetição na natureza, e a virtude do crescimento não pode ser confinada a qualquer imagem ou forma. Cada folha possui sua própria identidade particular - por assim dizer, sua própria individualidade como folha. Por isso, cada um dos inumeráveis átomos elementares, durante seu incessante movimento através dos reinos da existência como um elemento constituinte da composição orgânica, não somente se torna imbuído das capacidades e virtudes dos reinos que atravessa, mas também reflete os atributos e qualidades das formas e organismos daqueles reinos. Como cada uma destas formas possui suas virtudes particulares e próprias, cada átomo elementar do universo tem a oportunidade de expressar uma infinita variedade dessas virtudes individuais. Nenhum átomo é impedido ou privado desta oportunidade ou direito de expressão. Nem se pode dizer que a qualquer átomo sejam negadas oportunidades iguais às dos outros átomos; ao contrário, todos têm o privilégio de possuir as virtudes existentes nestes reinos e de refletir os atributos de seus organismos. Nas várias transformações ou passagens de um reino a outro, as virtudes expressas pelos átomos em cada grau são peculiares a esse grau. Por exemplo, no mundo do mineral, o átomo não exprime a forma e o organismo vegetal, e quando, através do processo de transmutação, ele assume as virtudes do grau de vegetal, ele não reflete os atributos do organismo animal, e assim por diante.

É evidente, então, que cada átomo elementar do universo possui a capacidade de expressar todas as virtudes do universo. Isto é uma percepção sutil e abstrata. Meditai sobre isso, pois nela se encontra a verdadeira explicação do panteísmo. Deste ponto de vista e percepção, o panteísmo é uma verdade, pois cada átomo no universo possui ou reflete todas as virtudes da vida, cuja manifestação ocorre através de mudança e transformação. Portanto, a origem e a conseqüência dos fenômenos é, realmente o Deus onipresente; pois a realidade de toda a existência fenomênica se realiza através dEle. Não existe realidade nem a manifestação da realidade senão através de Deus. A existência se realiza e é possível através da graça de Deus, assim como o raio ou o brilho que emana desta lâmpada é concebido através da graça da lâmpada, da qual se origina. Ainda assim, todos os fenômenos são concebidos através da graça divina, e a explanação da verdadeira asserção e princípio panteísta é que os fenômenos do universo realizam-se por intermédio do único poder que anima e domina todas as coisas, e todas as coisas são apenas manifestações de sua energia e graça. A virtude da vida e da existência só existe através desse meio. Por isso, nas palavras de Bahá'u'lláh, o primeiro ensinamento é a unicidade do mundo humano.

Quando o homem é espiritualmente sagaz e dotado de visão considera o mundo humano, ele observa que as luzes da graça divina estão inundando toda a humanidade, assim como as luzes do sol irradiam seu esplendor sobre todas as coisas existentes. Todos os fenômenos da existência material são revelados pelo raio que emana do sol. Sem luz nada seria visível. Do mesmo modo, todos os fenômenos do mundo interior da realidade recebem as graças de Deus da fonte de dádiva divina. Este plano, ou reino humano, é uma criação, e todas as almas são os sinais e traços da graça divina. Neste plano não há exceções; a todos foram concedidas as dádivas da graça celestial. Podeis encontrar uma alma privada da proximidade de Deus? Podeis encontrar alguém que Deus tenha privado de seu sustento diário? Isto é impossível. Deus é bondoso e amoroso para com todos, e todos são manifestações da graça divina. Esta é a unicidade do mundo humano.

Mas algumas almas são fracas; devemos nos esforçar em fortalecê-las. Algumas são insipientes, desinformadas das graças de Deus; devemos nos esforçar por torná-las conhecedoras. Algumas são enfermas; devemos procurar restaurar sua saúde. Algumas são imaturas como crianças; devem ser treinadas e ajudadas a atingir a maturidade. Cuidamos dos doentes com ternura e afável espírito de amor; não os desprezamos por estarem doentes. Por isso, devemos ter extrema paciência, compaixão e amor a toda a humanidade, sem rejeitar qualquer alma. Se olharmos uma alma com desprezo teremos desobedecido os ensinamentos de Deus. Deus é amoroso com todos. Devemos ser injustos ou indelicados com alguém? Deus provê a todos. Convém a nós que impeçamos a emanação de Suas providências misericordiosas sobre a humanidade? Deus criou todos à Sua imagem e semelhança. Manifestaremos ódio a Suas criaturas e servos? Isto seria contrário à vontade de Deus e de acordo com a vontade do Satã, ou seja, as inclinações naturais da natureza inferior. Esta natureza inferior no homem é simbolizada por Satã - o ego perverso que existe em nós, não uma personalidade perversa exterior.

Bahá'u'lláh ensina que os fundamentos da religião divina são uma só realidade que não admite multiplicidade ou divisão. Por isso, os mandamentos e ensinamentos de Deus são apenas um. As diferenças e divisões religiosas que existem no mundo são devidas às cegas imitações de formas, sem conhecimento ou investigação da realidade divina fundamental subjacente a todas as religiões. Visto que estas imitações de formas ancestrais são variadas, surgiram dissensões entre o povo da religião. Por isso, é necessário libertar a humanidade desta submissão à crença cega, mostrando o caminho da orientação à própria realidade, que é a única base da unidade.

Bahá'u'lláh diz que a religião deve conduzir ao amor e à unidade. Se ela se mostrar fonte de ódio e inimizade, sua ausência é preferível; pois a vontade e a lei de Deus são o amor, e amor é o laço entre os corações humanos. A religião é a luz do mundo. Se através do desentendimento e ignorância humanos ela for transformada em causa de escuridão, sua ausência será melhor.

A religião deve estar em conformidade com a ciência e a razão; senão ela é superstição. Deus criou o homem a fim de que ele perceba a verdade da existência e dotou-o de mente e razão para que descubra a verdade. Por isso, o conhecimento científico e a crença religiosa devem se harmonizar com a análise desta faculdade divina existente no homem.

Preconceitos de todos os tipos - seja religioso, racial, patriótico ou político - são destrutivos dos fundamentos divinos no homem. Todas as guerras e derramamentos de sangue na história humana resultaram do preconceito. Esta terra é um só lar e uma só terra natal. Deus criou a humanidade com o mesmo dom e direito de viver sobre a terra. Assim como uma cidade é o lar de todos os seus habitantes, embora cada um tenha sua própria residência estabelecida nela, a superfície da terra é uma ampla terra natal ou lar para todas as raças da humanidade. O preconceito racial ou a divisão em nações como a francesa, a alemã, a americana, e assim por diante não é natural e provém da motivação e da ignorância humanas. Todos são filhos e servos de Deus. Por que deveríamos ser separados por fronteiras artificiais e imaginárias? No reino animal os pombos voam juntos em harmonia e concórdia. Eles não têm preconceitos. Nós somos humanos e superiores em inteligência. É condizente que as criaturas inferiores manifestem virtudes que não encontram expressão no homem?

Bahá'u'lláh proclamou e promulgou os fundamentos da paz internacional. Durante milhares de anos homens e nações foram ao campo de batalha para ajustarem suas diferenças. A causa disto tem sido a ignorância e a degeneração. Louvado seja Deus! Neste século radiante as mentes se desenvolveram, as percepções se tornaram aguçadas, os olhos estão iluminados e os ouvidos atentos. Por isso, será impossível que a guerra continue. Considerai a ignorância e a inconsistência do homem. Um homem que mata outro é punido com a execução, mas um gênio militar que mata cem mil de seus semelhantes é imortalizado como herói. Um homem rouba uma pequena soma em dinheiro e é preso como ladrão. Um outro pilha uma nação inteira e é honrado como patriota e conquistador. Uma única fraude acarreta repreensão e censura, mas os ardis de políticos e diplomatas despertam a admiração e o elogio de uma nação. Considerai a ignorância e a inconsistência da humanidade. Quão sombrios e selvagens são os instintos da humanidade!

Bahá'u'lláh anunciou que não importa quanto o mundo humano avance na civilização material, ela apesar disso terá necessidade de virtudes espirituais e das graças de Deus. O espírito do homem não é iluminado e vivificado por fontes materiais. Não é ressuscitado pela investigação dos fenômenos do mundo da matéria. O espírito do homem precisa da proteção do Espírito Santo. Assim como ele avança, através de estágios progressivos, do mundo do ser meramente físico para o domínio intelectual, ele deve se desenvolver em atributos morais e graças espirituais. No processo desta realização, ele sempre precisa das dádivas do Espírito Santo. O desenvolvimento material pode ser comparado ao vidro da lâmpada, enquanto as virtudes divinas e as suscetibilidades espirituais são como a luz que nela brilha. Sem luz, a manga do candeeiro não tem valor; do mesmo modo, o homem, na sua condição material, precisa do esplendor e da vivificação das graças divinas e dos atributos misericordiosos. Sem a presença do Espírito Santo, ele é sem vida. Embora física e mentalmente vivo, ele é espiritualmente morto. Cristo declarou: "O que nasceu da carne é carne, o que nasceu do Espírito é espírito", querendo dizer que o homem deve nascer de novo. Assim como o bebê nasce para a luz deste mundo físico, o homem físico e intelectual deve nascer para a luz do mundo da Divindade. No ventre da mãe, a criança ainda por nascer estava privada e inconsciente do mundo da existência material, mas depois de nascer ela contempla as maravilhas e belezas de um novo reino de existência e vida. No mundo do ventre ela estava completamente inconsciente e incapaz de conceber estas condições, mas após sua transformação descobre o radiante sol, as árvores, as flores e uma infinidade de bênçãos e graças à sua espera. No reino humano, o homem é cativo da natureza e ignora o mundo divino até nascer das condições físicas de limitação e privação através dos sopros do Espírito Santo. Então ele contempla a realidade do Reino espiritual, percebe as estreitas restrições do mundo da existência meramente humana e se torna consciente das ilimitadas e infinitas glórias do mundo de Deus. Por isso, não importa quanto possa avançar nos planos físico e intelectual, ele sempre carece das ilimitadas virtudes da Divindade, da proteção do Espírito Santo e da face de Deus.

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29 DE AGOSTO DE 1912
Palestra na Residência de Madame Morey
Avenida Hillside, 34, Malden, Massachusetts
Registrada por Edna McKinney

Nos Livros dos Profetas estão registradas certas boas-novas absolutamente verdadeiras e acima de qualquer dúvida. O Oriente sempre foi o ponto do alvorecer do Sol da Realidade. Todos os Profetas de Deus apareceram lá. As religiões de Deus foram proclamadas, os ensinamentos de Deus foram divulgados e a lei de Deus foi fundada no Oriente. O Oriente sempre foi o centro das luzes. O Ocidente adquiriu iluminação do Oriente, mas em alguns aspectos o reflexo da luz foi mais intenso no Ocidente. Isto é especialmente verdadeiro no Cristianismo. Cristo surgiu na Palestina e Seus ensinamentos foram fundados lá. Embora as portas do Reino tenham sido abertas naquela terra e as dádivas da Divindade amplamente difundidas desde seu centro, os povos do Ocidente abraçaram e proclamaram o cristianismo mais plenamente do que os do Oriente. O Sol da Realidade brilhou do horizonte oriental, mas seu calor e sua luz são mais resplandecentes no Ocidente, onde o radiante estandarte de Cristo foi erguido. Tenho grandes esperanças de que as luzes do surgimento de Bahá'u'lláh possam também encontrar a mais plena manifestação e reflexão nestas regiões ocidentais, pois os ensinamentos de Bahá'u'lláh são especialmente aplicáveis às condições dos povos daqui. As nações ocidentais são dotadas da capacidade de entender as palavras racionais e incomparáveis de Bahá'u'lláh e de perceber que a essência dos ensinamentos de todos os Profetas anteriores pode ser encontrada em Sua elocução.

Os ensinamentos de Cristo foram proclamados por Bahá'u'lláh, que também revelou novos ensinamentos aplicáveis às condições atuais do mundo humano. Ele treinou os povos do Oriente através do poder e da proteção do Espírito Santo, consolidou as almas da humanidade e estabeleceu os fundamentos da unidade internacional.

Através do poder de Suas palavras, os corações dos povos de todas as regiões se harmonizaram. Por exemplo, entre os Bahá'ís da Pérsia existem cristãos, muçulmanos, zoroastrianos, judeus e muitas outras das diversas denominações e crenças que foram reconciliadas em unidade e amor na Causa de Bahá'u'lláh. Embora estas almas anteriormente fossem hostis e antagônicas, cheias de ódio e inimizade umas para com as outras, sanguinárias e invasoras, que consideravam a animosidade e a agressão meios de agradar a Deus, agora elas se tornaram amorosas e plenas do radiante fervor de companheirismo e fraternidade, sendo que o propósito de todas elas é o serviço ao mundo da humanidade, a promoção da paz internacional, a unificação das religiões divinas e atos de filantropia universal. Por intermédio de suas palavras e ações estão provando a veracidade de Bahá'u'lláh.

Considerai a animosidade e o ódio hoje existentes entre as várias nações do mundo. Que discórdia e hostilidades surgem, que guerras e contendas, quanto derramamento de sangue, quanta injustiça e tirania! Neste exato momento há guerra na Turquia oriental e também entre a Turquia e a Itália. As nações se dedicam à conquista e derramamento de sangue, cheias de sentimento de ódio religioso, buscando o beneplácito de Deus através da matança e destruição daqueles que, em sua cegueira, consideram inimigos. Quão ignorantes são eles! Aquilo que é proibido por Deus eles consideram aceitáveis por Ele. Deus é amor; Deus quer companheirismo, pureza, santidade e paciência; são estes os atributos da Divindade. Por isso, estas nações hostis e ferozes, levantaram-se contra a Divindade pensando estar servindo a Deus. Que ignorância grosseira! Que injustiça, que cegueira e falta de percepção! Em suma, devemos nos esforçar de coração e alma a fim de que esta escuridão do mundo contingente possa se dispersar, que as luzes do Reino brilhem sobre todos os horizontes, o mundo da humanidade se ilumine, a imagem de Deus se torne aparente nos espelhos humanos, a lei de Deus seja bem estabelecida e todas as regiões do mundo desfrutem a paz, conforto e tranqüilidade sob a proteção eqüitativa de Deus. Eis minha advertência e exortação a vós: Sede bondosos para com todas as pessoas, amai a humanidade, considerai toda a humanidade como vossos parentes e servos do Deus altíssimo. Esforçai-vos dia e noite para que a animosidade e a contenda sejam abandonadas pelos corações humanos, que todas as religiões se reconciliem e as nações amem umas às outras, de modo que nenhum preconceito racial, religioso ou político permaneça e o mundo humano contemple a Deus como o princípio e o fim de toda a existência. Deus criou todos e todos retornam a Deus. Portanto, amai a humanidade de todo coração e alma. Se encontrardes um homem pobre, auxiliai-o; se virdes alguém doente, curai-o; restitui confiança ao temeroso, fazei do covarde um nobre e corajoso, educai o ignorante, associai-vos ao estranho. Emulai Deus. Considerai quão bondosamente, quão amavelmente Ele trata a todos e segui Seu exemplo. Deveis tratar as pessoas de acordo com os preceitos divinos - em outras palavras, tratai-as tão gentilmente como Deus as trata, pois esta é a maior realização possível para o mundo humano.

Além disso, sabei que Deus criou no homem o poder da razão, através do qual ele é capaz de investigar a realidade. Deus não tencionou que o homem imitasse cegamente seus pais e ancestrais. Ele o dotou de mente, ou faculdade do raciocínio, através da qual ele deve investigar e descobrir a verdade, e aceitar aquilo que julgar real e verdadeiro. Não deve ser um cego imitador ou seguidor de qualquer alma. Não deve confiar irrestritamente na opinião de qualquer homem sem investigar; ao contrário, cada alma deve investigar com inteligência e independência, e chegar a uma conclusão real e se restringir somente àquela realidade. A maior causa da privação e do desalento no mundo humano é a ignorância baseada na imitação cega. É devido a isto que guerras e conflitos prevalecem; é por isso que ódio e animosidade surgem continuamente em meio à humanidade. Por causa da falha em investigar a verdade, os judeus rejeitaram Jesus Cristo. Eles esperavam Sua vinda, dia e noite pranteavam e lamentavam, dizendo: "Ó Deus! Apressai o dia do advento de Cristo", expressando o mais intenso anseio pelo Messias; mas quando Cristo apareceu, eles O negaram e rejeitaram, trataram-No com arrogante desprezo, condenaram-No à morte e finalmente O crucificaram. Por que isto aconteceu? Porque eles estavam seguindo cegamente imitações, acreditando naquilo que lhes havia chegado como herança de seus pais e ancestrais, apegando-se tenazmente a isso e recusando-se a investigar a realidade de Cristo. Por isso, eles se privaram das graças de Cristo, ao passo que se tivessem evitado imitações e investigado a realidade do Messias, certamente teriam sido orientados a crer nEle. Em vez disso, eles disseram: "Ouvimos de nossos pais e lemos no Velho Testamento que Cristo deve vir de um lugar desconhecido; mas sabemos que Este veio de Nazaré." Imersos na interpretação literal e imitando as crenças dos pais e ancestrais, eles deixaram de entender o fato de que embora o corpo de Jesus tivesse vindo de Nazaré, a realidade de Cristo veio do lugar desconhecido do Reino divino. Disseram também que o cetro de Cristo seria de ferro - ou seja, Ele deveria empunhar uma espada. Quando Cristo apareceu, Ele possuía uma espada; mas era a espada de Sua língua com a qual Ele separou o falso do verdadeiro. Mas os judeus estavam cegos ao significado e simbolismo espirituais das palavras proféticas. Esperavam também que o Messias sentasse sobre o trono de Davi, mas Cristo não possuía trono nem aparência de soberania; ao contrário, Ele era um homem pobre, aparentemente desprezível e derrotado; por isso, como poderia Ele ser o verdadeiro Cristo? Esta era uma de suas mais insistentes objeções baseadas nas interpretações e ensinamentos ancestrais. Na realidade, Cristo foi glorificado com uma soberania eterna e domínio imperecível - espirituais e não temporais. Seu trono e Reino estavam estabelecidos nos corações dos homens, sobre os quais Ele reina com poder e autoridade infindável. Apesar do cumprimento de todos os sinais proféticos em Cristo, os judeus O negaram e entraram no período de privação por causa de sua devoção a imitações e paradigmas ancestrais.

Dentre outras objeções, eles diziam: "Da língua dos Profetas recebemos a promessa de que, na época de Sua vinda, Cristo proclamaria a lei da Torá, ao passo que vemos este Homem ab-rogar os mandamentos do Pentateuco, interrompendo nosso abençoado sábado e abolindo a lei do divórcio. Ele não deixou nada da antiga lei de Moisés; portanto, Ele é inimigo de Moisés." Na realidade, Cristo proclamou e completou a lei de Moisés. Ele foi o verdadeiro auxiliador e assistente de Moisés. Difundiu o Livro de Moisés por todo o mundo e restabeleceu os fundamentos da lei revelada por Ele. Aboliu certas leis e formas sem importância, que não eram mais compatíveis com as necessidades da época, tais como o divórcio e a pluralidade de esposas. Os judeus não compreenderam isto, e a causa de sua ignorância era o apego cego e tenaz às imitações das antigas formas e ensinamentos; por isso, eles finalmente condenaram Cristo à morte.

Disseram, ainda: "Pela língua dos Profetas foi anunciado que durante o tempo do aparecimento de Cristo a justiça de Deus prevaleceria por todo o mundo, a tirania e a opressão seriam desconhecidas, a justiça se estenderia até mesmo ao reino animal, bestas ferozes se associariam em bondade e paz, o lobo e o cordeiro beberiam da mesma fonte, o leão e a gazela conviveriam no mesmo prado, a águia e a codorniz habitariam o mesmo ninho; mas, ao invés disso, vemos que na época deste suposto Cristo, os romanos conquistaram a Palestina e a governam com extrema tirania, em nenhum lugar há justiça e os sinais de paz no reino animal estão claramente ausentes." Estas afirmativas e atitudes dos judeus foram herdadas de seus antepassados - submissão cega a expectativas literais que não ocorreram no tempo de Jesus Cristo. O verdadeiro sentido destas asserções proféticas era que vários povos, simbolizados pelo lobo e pelo cordeiro, entre os quais o amor e o companheirismo eram impossíveis, associar-se-iam durante o reinado do Messias, beberiam da mesma fonte de vida nos Seus ensinamentos e se tornariam Seus devotados seguidores. Isto foi realizado quando pessoas de todas as religiões, nacionalidades e tendências se tornaram unidas em suas crenças e seguiram Cristo com humildade, associando-se em amor e irmandade à sombra de Sua divina proteção. Os judeus, cegos a isto e apegados às suas fanáticas imitações, foram insolentes e arrogantes para com Cristo e O crucificaram. Tivessem investigado a realidade de Cristo, eles teriam percebido Sua beleza e verdade.

Deus deu ao homem olhos investigadores através dos quais ele pudesse ver e reconhecer a verdade. Ele dotou o homem de ouvidos para que pudesse ouvir a mensagem da realidade e conferiu-lhe o dom do raciocínio com o qual ele pudesse descobrir as coisas por si mesmo. Estes são seus dons e seu instrumento para investigar a verdade. O homem não foi destinado a ver com os olhos alheios, ouvir através dos ouvidos de outros ou entender com a mente dos outros. No plano da criação de Deus, cada criatura humana tem seu dom, capacidade e responsabilidade individuais. Portanto, dependei de vossa própria razão e julgamento, e aderi ao resultado de vossa própria investigação; caso contrário, estareis completamente submersos no mar da ignorância e privados de todas as graças de Deus. Volvei-vos a Deus, suplicai humildemente em Seu limiar, buscando ajuda e confirmação, para que Deus possa romper os véus que obscurecem vossa visão. Então vossos olhos serão plenamente iluminados, contemplareis a realidade de Deus, face a face, e vossos corações se tornarão completamente purificados da escória da ignorância, refletindo as glórias e as graças do Reino.

Almas santas são como o solo que foi arado e cultivado com dedicação, retirados os espinhos e cardos e arrancadas as ervas daninhas. Um solo assim é extremamente fértil, e sua colheita será abundante e copiosa. Do mesmo modo, o homem deve se livrar das ervas daninhas da ignorância, dos espinhos da superstição e dos cardos da imitação para poder descobrir a realidade nas colheitas do verdadeiro conhecimento. Caso contrário, a descoberta da realidade é impossível, contenda e divergência de crença religiosa sempre hão de permanecer e os seres humanos, como lobos violentos, enfurecer-se-ão e atacarão uns aos outros com ódio e hostilidade. Suplicamos a Deus que destrua os véus que limitam nossa visão e que estas nuvens que obscurecem a manifestação das luzes brilhantes possam ser dispersas a fim de que o fulgente Sol da Realidade possa resplandecer. Imploramos e invocamos a Deus, buscando Seu auxílio e confirmação. O homem é um filho de Deus, o mais nobre, sublime e amado por Deus, seu Criador. Portanto, ele deve sempre se esforçar para que as graças e virtudes divinas a ele conferidas possam prevalecer e controlá-lo. Por ora, o solo dos corações humanos é como a terra escura, mas no âmago da substância deste solo escuro jazem latentes milhares de fragrantes flores. Devemos nos empenhar em cultivar e despertar estas potencialidades, descobrir o tesouro secreto nesta mina e repositório de Deus, revelar estes poderes resplandecentes há muito ocultos nos corações humanos. Então, as glórias de ambos os mundos serão mescladas e incrementadas e a quintessência da existência humana tornar-se-á manifesta.

Não devemos nos contentar em simplesmente seguir um certo caminho porque nossos pais o seguiram. É dever de cada um investigar a realidade, e a investigação da realidade realizada por outros não nos servirá. Se todos no mundo fossem ricos e apenas um homem pobre, de que serviriam essas riquezas àquele homem? Se o mundo todo fosse virtuoso e uma pessoa mergulhada em vício, que bons resultados adviriam dele? Se todo o mundo fosse resplandecente e um homem cego, quais seriam seus benefícios? Se o mundo inteiro tivesse abundância e um homem faminto, que sustento ele obteria? Por isso, todo homem deve ser um investigador por si mesmo. Idéias e crenças herdadas de seus pais e ancestrais não serão suficientes, pois aderir a estas nada mais é senão imitação, e imitação sempre foi causa de decepção e desencaminhamento. Sede investigadores da realidade para que possais atingir a essência da verdade e da vida.

Perguntastes por que é necessário à alma proveniente de Deus empreender esta jornada de volta a Deus. Gostaríeis de entender a realidade desta questão tal como eu a ensino, ou quereis conhecê-la como o mundo a ensina? Porque se eu a respondesse de acordo com este último modo, isto seria apenas imitação e não esclareceria o assunto.

A realidade subjacente a esta questão é que o espírito mau, o Satã ou o que quer que seja interpretado como mal, refere-se à natureza inferior no homem. Esta natureza inferior é simbolizada de várias maneiras. No homem existem duas expressões. Uma é a expressão da natureza; a outra, a expressão do reino espiritual. O mundo da natureza é imperfeito. Olhai-o com clareza, deixando de lado todas as superstições e imaginações. Se abandonardes um homem deseducado e bárbaro na selva africana, há alguma dúvida de que ele permanecerá ignorante? Deus nunca criou um espírito mau; todas estas idéias e nomenclaturas são símbolos que expressam a natureza meramente humana ou terrena do homem. É uma condição essencial do solo que dele germinem espinhos, cardos e árvores infrutíferas. Relativamente falando, isto é mau; é simplesmente o mais baixo estado e o mais desprezível produto da natureza.

É evidente, portanto, que o homem tem necessidade de educação e inspiração divinas, que o espírito e as graças de Deus são essenciais ao seu desenvolvimento. Ou seja, os ensinamentos de Cristo e dos Profetas são necessários à sua educação e orientação. Por que? Porque Eles são os Jardineiros divinos que cultivam o solo dos corações e mentes humanos. Eles educam o homem, extirpam as ervas daninhas, queimam os espinhos e transformam os lugares ermos em jardins e pomares em que crescem árvores frutíferas. A sabedoria e o propósito de Sua instrução é que o homem deve se desenvolver progressivamente, de grau em grau, até atingir a perfeição. Por exemplo, se um homem viver sua vida inteira numa cidade, não poderá conhecer o mundo todo. Para ser perfeitamente informado ele deve visitar outras cidades, observar as montanhas e os vales, cruzar os rios e atravessar as planícies. Em outras palavras, sem educação progressiva e universal a perfeição não será alcançada.

O homem deve caminhar por muitos caminhos e se sujeitar a vários processos em sua evolução. Fisicamente, ele não nasce com desenvolvimento pleno, mas passa pelos estágios consecutivos de feto, bebê, infância, juventude, maturidade e velhice. Suponhamos que ele tivesse a capacidade de permanecer jovem por toda a sua vida. Então ele não entenderia o significado de velhice e não poderia crer em sua existência. Não podendo perceber a condição da velhice, não saberia que é jovem. Não saberia a diferença entre o jovem e o velho sem experimentar a velhice. A menos que se tenha passado pela infância, como se poderia saber que esta é uma criança ao seu lado? Se não houvesse erro, como se poderia reconhecer o certo? Se não fosse pelo pecado, como se poderia apreciar a virtude? Se más ações fossem desconhecidas, como se poderia louvar as boas ações? Se não existisse a doença, como se perceberia a saúde? O mal não tem existência; ele é a ausência do bem. Doença é a perda da saúde; pobreza é a falta de riqueza. Quando a riqueza desaparece, temos a pobreza; procura-se dentro do cofre, mas não se encontra nada. Sem conhecimento há ignorância; portanto, ignorância é simplesmente falta de conhecimento. A morte é a ausência de vida. Por isso, de um lado temos a existência; do outro, a inexistência, a negação ou a falta de existência.

Em resumo, a jornada da alma é necessária. O caminho da vida é aquele que conduz ao conhecimento e à presença divina. Sem instrução e orientação, a alma jamais poderia progredir para além das condições de sua natureza inferior, que é insipiente e imperfeita.

XVII
PALESTRAS PROFERIDAS
POR 'Abdu'l-Bahá EM
MONTREAL
1
1º DE SETEMBRO DE 1912
Palestra na Igreja do Messias
Montreal, Canadá
De Notas Estenográficas

Deus, o Todo-Poderoso, criou toda a espécie humana do pó da terra. Ele moldou todos os homens com os mesmos elementos; eles descendem da mesma raça e vivem sobre o mesmo globo. Ele criou todos para viverem sob o mesmo céu. Como membros da família humana e Seus filhos, Ele os dotou das mesmas suscetibilidades. Ele mantém, protege e é bondoso para com todos. Não fez distinção alguma em conceder mercê e graças aos Seus filhos. Com amor e sabedoria imparciais Ele enviou Seus Profetas e ensinamentos divinos. Seus ensinamentos são os meios de estabelecer união e companheirismo entre a humanidade e de despertar amor e bondade nos corações humanos. Ele proclama a unicidade do reino humano. Censura aquelas coisas que criam divergência e destroem a harmonia; louva e preza todo meio que conduz à solidariedade da raça humana. Encoraja o homem em qualquer passo em direção à união final. Os Profetas de Deus foram inspirados com a mensagem de amor e unidade. Os Livros de Deus foram revelados para a realização do companheirismo e da união. Os Profetas de Deus foram os servos da verdade; Seus ensinamentos constituem a ciência da verdade. A verdade é única; ela não admite pluralidade. Concluímos, portanto, que o alicerce da religião de Deus é um só alicerce. Apesar disso, houve persistente adesão a certas formas de imitação, as quais nada têm a ver com o alicerce dos ensinamentos dos Profetas de Deus. Como essas imitações são variadas e divergentes, a contenda e a discórdia prevalecem entre os povos das crenças religiosas, e os fundamentos da religião de Deus se tornaram obscurecidos. Como animais de rapina, os homens estão em guerra e matam uns aos outros, destruindo cidades e lares, devastando nações e reinos.

Deus criou Seus servos para que pudessem amar e se associar uns aos outros. Ele revelou o glorioso esplendor de Seu sol de amor no mundo humano. A causa da criação do mundo fenomênico é o amor. Todos os Profetas promulgaram a lei do amor. O homem se opôs à vontade de Deus e agiu de modo contrário ao Seu plano. Por isso, desde o início da história até o presente, o mundo humano não tem tido sossego; hostilidade e conflito prevaleceram continuamente e os corações manifestam ódio uns em relação aos outros. No passado, a causa de carnificina e luta, de contenda e ódio, sempre foi o preconceito religioso, racial, patriótico ou político. Por isso, o mundo humano sempre esteve atormentado. Estes preconceitos são mais pronunciados no Oriente, onde a liberdade é restrita. No século dezenove, as nações do Oriente estavam agitadas e em estado de comoção interior. As trevas das imitações e das formas envolveram a crença religiosa. Os povos das religiões estavam em constante luta, cheios de inimizade, ódio e crueldade. Em meio a essas condições, apareceu Bahá'u'lláh. Ele proclamou a unicidade do mundo humano e anunciou que todos são servos de Deus. Ensinou que todas as religiões se encontram à sombra protetora do Todo-Poderoso, que Deus é compassivo e amoroso a todos, que as revelações de todos os Profetas do passado sempre estiveram em perfeita unidade e acordo, que os Livros celestiais confirmaram uns aos outros; portanto, por que deve existir contenda e discórdia entre o povo?

Como toda a humanidade foi criada por um só Deus, nós somos ovelhas sob o cuidado e a proteção de um só Pastor. Portanto, como Suas ovelhas, devemos nos associar em harmonia e concórdia. Se uma só ovelha se desgarrar do rebanho, os pensamentos e esforços de todas as outras devem ser para trazê-la de volta. Conseqüentemente, Bahá'u'lláh proclamou que, visto que Deus é um só Pastor celestial e todos os seres humanos são ovelhas de Seu rebanho, a religião ou orientação de Deus deve ser o meio de amor e companheirismo no mundo. Se a religião se mostrar fonte de ódio, inimizade e contenda, se ela se tornar causa de guerra e conflito e fizer com que os homens matem uns aos outros, sua ausência será preferível. Pois aquilo que produz ódio entre o povo é rejeitado por Deus e aquilo que estabelece companheirismo é amado e aprovado por Ele. A religião e os ensinamentos divinos são como um remédio. Um remédio deve criar uma condição de saúde. Se ele ocasionar enfermidade, será melhor e mais sábio não usar qualquer remédio. Este é o significado da afirmativa de que se a religião se tornar causa de disputa e derramamento de sangue, a irreligião e a ausência de religião são preferíveis para a humanidade.

Bahá'u'lláh declarou que a religião deve estar de acordo com a ciência e a razão. Se não corresponder aos princípios científicos e aos processos da razão, ela é superstição. Porque Deus nos dotou de faculdades através das quais podemos compreender a realidade das coisas e perceber a própria realidade. Se a religião se opõe à razão e à ciência, a fé é impossível; e quando a fé e confiança na religião divina não se manifestam no coração, não pode haver qualquer realização espiritual.

De acordo com os ensinamentos de Bahá'u'lláh, todos os preconceitos religiosos, raciais, patrióticos e políticos devem ser abandonados, pois eles são destruidores do verdadeiro alicerce da humanidade. Ele anunciou que a religião de Deus é uma só, pois todas as suas revelações são baseadas na verdade. Abraão convocou o povo à verdade; Moisés proclamou a verdade; Cristo estabeleceu a verdade. Do mesmo modo, todos os Profetas foram os servos e proclamadores da verdade. A verdade é uma só e indivisível. Por isso, os preconceitos e fanatismos que hoje existem entre as religiões não são justificáveis, uma vez que se opõem à verdade. Todos os preconceitos são contra a vontade e o plano de Deus. Considerai, por exemplo, a discriminação e a inimizade raciais. Todos os membros da humanidade são os filhos de Deus; pertencem à mesma família, à mesma raça primordial. Não pode haver multiplicidade de raças, uma vez que todos são descendentes de Adão. Isto quer dizer que orgulho e discriminação raciais nada mais são do que superstição. Perante Deus não existe inglês, francês, alemão, turco ou persa. Em sua presença todos são iguais; são de uma só raça e uma só criação; não foi Deus que fez essas divisões. Essas diferenças se originaram no próprio homem. Assim, por serem contrárias ao plano e propósito da verdade, elas são falsas e imaginárias. Somos de uma única raça física, da mesma maneira que somos de um único corpo físico do plano material - cada um dotado de dois olhos, dois ouvidos, uma cabeça, dois pés. Entre os animais, não existe preconceito racial. Considerai os pombos; não há distinção alguma quanto ao fato deles serem orientais ou ocidentais. As ovelhas são todas de uma raça; não há pretensão de distinção entre uma ovelha oriental e uma ocidental. Quando elas se encontram, associam-se em perfeito companheirismo. Se um pombo do Ocidente for ao Oriente, associar-se-á sem hesitação aos pombos orientais. Não haverá qualquer atitude de má vontade, como se dissesse: "Você pertence ao Oriente; eu sou do Ocidente." Será razoável ou admissível que um preconceito racial, que não existe no reino animal, seja mantido pelo homem?

Considerai o preconceito patriótico. Este é um único globo, uma só terra, um só país. Deus não o dividiu com fronteiras nacionais. Ele criou todos os continentes sem divisões nacionais. Por que deveríamos fazer tais divisões por nossa conta? Estas são apenas linhas e fronteiras imaginárias. A Europa é um continente; não é naturalmente dividido; o homem é que traçou as linhas e estabeleceu os limites de reinos e impérios. O homem faz de um rio uma linha divisória entre dois países, chamando um lado de francês e o outro lado de alemão, ao passo que o rio foi criado para ambos e é uma via fluvial para todos. Não é a imaginação e a ignorância que impelem o homem a violar a intenção divina e transformar as próprias graças divinas em causas de guerra, derramamento de sangue e destruição? Por isso, todos os preconceitos entre os homens são fraudes e violações da vontade de Deus. Deus deseja unidade e amor; Ele ordena harmonia e cordialidade. A inimizade é desobediência humana; Deus em Si próprio é amor.

Bahá'u'lláh anunciou que como a ignorância e a falta de educação são barreiras que dividem a humanidade, todos devem receber educação e instrução. Por intermédio desta providência, a falta de compreensão mútua será remediada e a unidade da espécie humana será promovida e incrementada. A educação universal é uma lei universal. Portanto, cabe a todo pai educar e instruir seus filhos de acordo com suas possibilidades. Se for incapaz de educá-los, a comunidade e os representantes do povo devem prover os meios para sua educação.

No Oriente, as mulheres foram rebaixadas e consideradas subordinadas ao homem. Bahá'u'lláh proclamou a igualdade dos sexos - que tanto o homem como a mulher são servos de Deus, e perante Ele não se diferenciam. Quem quer que tenha um coração puro e ofereça bons atos, está mais próximo de Deus e é o objeto de Seu favor - seja homem ou mulher. A distinção de sexo existente no mundo humano é devida à falta de educação para a mulher, a quem foi negada a igualdade de oportunidades de desenvolvimento e progresso. Nesta era, a igualdade dos sexos será estabelecida proporcionalmente às crescentes oportunidades oferecidas à mulher, pois Deus, o Criador, dotou o homem e a mulher de iguais capacidades e dons. Deus, em Seu desígnio perfeito, não ordenou distinção entre eles.

Bahá'u'lláh proclamou a adoção de uma língua universal. Um idioma deve ser escolhido através do qual a unidade será estabelecida no mundo. Cada pessoa deverá ser instruída em dois idiomas: sua língua nativa e a forma de conversação universal auxiliar. Isto facilitará a intercomunicação e dissipará os mal-entendidos ocasionados pelas barreiras de língua no mundo. Todas as pessoas adoram o mesmo Deus e são igualmente Seus servos. Quando forem capazes de se comunicar livremente, elas se associarão com amizade e concórdia, cultivarão o maior amor e companheirismo uns pelos outros e, em verdade, Oriente e Ocidente se abraçarão em unidade e harmonia.

O mundo tem a maior necessidade de paz internacional. Até que ela seja estabelecida a humanidade não atingirá compostura e tranqüilidade. É necessário que as nações e governos organizem um tribunal internacional ao qual sejam referidas todas as suas disputas e divergências. A decisão desse tribunal será final. Controvérsias individuais serão julgadas por um tribunal local. Questões internacionais serão submetidas ao tribunal universal, e assim a causa da guerra será removida.

Cinqüenta anos atrás, Bahá'u'lláh escreveu Epístolas aos reis e governantes do mundo, as quais incorporavam os ensinamentos e princípios por Ele anunciados e revelados. Essas Epístolas foram impressas na Índia há quarenta anos e amplamente divulgadas.

Em suma, pela proclamação desses princípios, Bahá'u'lláh fez com que os preconceitos que afligiam os povos do Oriente desaparecessem. As comunidades que aceitaram Seus ensinamentos convivem atualmente no máximo amor e harmonia. Ao entrardes numa reunião dessas pessoas, encontrareis cristãos, judeus, muçulmanos, zoroastrianos, budistas, todos reunidos em perfeito companheirismo e harmonia. Em suas discussões, um espírito de máxima tolerância e amizade suplantou as antigas hostilidades e ódios que reinavam entre eles.

Eu tenho visitado a América e em todo lugar encontro as evidências de um governo justo e eqüitativo. Por isso, suplico a Deus que esses povos ocidentais possam se tornar o meio do estabelecimento da paz internacional e da promoção da unicidade do mundo humano. Que vos torneis causa de unidade e concórdia entre as nações. Que aqui se acenda uma lâmpada que ilumine todo o universo com a unicidade do mundo humano, com o amor entre os corações dos filhos dos homens e a unidade de toda a humanidade. Tenho a esperança de que sereis assistidos nesta suprema realização, que possais erguer a bandeira da paz internacional e da reconciliação neste continente, que este governo e este povo possam ser os instrumentos da difusão destes ideais sublimes, de modo que o mundo humano possa encontrar repouso, de modo que o beneplácito do Deus Altíssimo seja atingido e Seus favores envolvam o Oriente e o Ocidente.

Ó Tu Compassivo, o Todo-Poderoso! Esta assembléia de almas volveu a face em súplica a Ti. Com a máxima humildade e submissão dirige-se a Teu Reino e implora Teu perdão e indulgência. Ó Deus! Torna esta assembléia estimada por Ti. Santifica estas almas e lança sobre elas a luz de Tua orientação. Ilumina seus corações e alegra seus espíritos com Tuas boas-novas. Recebe-as todas em Teu santo Reino; confere-lhes Tua inesgotável generosidade; faze-as felizes neste mundo e no vindouro. Ó Deus! Somos fracos; dá-nos força. Somos pobres; concede-nos de Teus ilimitados tesouros. Somos enfermos; confere-nos Tua divina cura. Somos impotentes; dá-nos Teu poder celestial. Ó Senhor! Torna-nos benéficos neste mundo; livra-nos da limitação do ego e do desejo. Ó Senhor! Irmana-nos em Teu amor, e faze-nos amorosos a todos os Teus filhos. Confirma-nos no serviço ao mundo humano, de modo que possamos nos tornar os servos de Teus servos, que possamos amar todas as Tuas criaturas e sejamos compassivos a todo o Teu povo. Ó Senhor, Tu és o Todo-Poderoso, o Misericordioso, o Perdoador, o Onipotente.

2
1º DE SETEMBRO DE 1912

Palestra na Residência do Sr. e Sra. William Sutherland Maxwell

Avenida Pine, 716, Zona Oeste, Montreal, Canadá
De Notas Estenográficas

Estou imensamente feliz em vos ver. Louvado seja Deus! Vejo diante de mim almas que têm capacidade incomum e o poder de progresso espiritual. Na realidade, o povo deste continente possui grande capacidade; ele é a causa de grande alegria para mim e eu sempre rezo para que Deus possa confirmá-lo e auxiliá-lo em todos os graus da existência. Tal como progrediu nos aspectos materiais, possa ele se desenvolver nos níveis ideais, pois sem progresso espiritual o avanço material é infrutífero e não produz resultados duradouros. Por exemplo, não importa quanto o corpo físico do homem seja treinado e desenvolvido, não haverá verdadeiro progresso na posição humana a não ser que a mente progrida igualmente. Não importa quanta virtude material o homem adquira, ele não será capaz de realizar e expressar as mais altas possibilidades da vida sem as graças espirituais. Deus criou todas as coisas terrenas sob a lei do progresso nos graus materiais, mas Ele criou o homem e o dotou com a capacidade de avançar em direção aos reinos espirituais e transcendentais. Ele não criou os fenômenos materiais à Sua própria imagem e semelhança, mas criou o homem a essa imagem e com capacidade potencial para atingir essa semelhança. Ele distinguiu o homem acima de todas as outras coisas criadas. Todas as coisas criadas, exceto o homem, são cativas da natureza e do mundo dos sentidos, mas no homem foi criado um poder ideal através do qual ele pode perceber as realidades intelectuais e espirituais. Ele criou todas as coisas necessárias à vida neste mundo, mas o homem foi criado com o propósito de refletir virtudes divinas. Considerai o animal, que é o mais elevado tipo de criação abaixo do homem, e é superior a todos os graus de vida exceto o homem. Evidentemente, o animal foi criado para a vida neste mundo. Sua mais elevada virtude é a de expressar excelência no plano material da existência. O animal é perfeito quando seu corpo é saudável e seus sentidos físicos íntegros. Quando ele se caracteriza pelos atributos de saúde física, quando suas forças físicas estão em perfeito funcionamento, quando o alimento e as condições ambientais atendem às suas necessidades, ele atinge a máxima perfeição de seu reino. Mas as virtudes do homem não dependem dessas coisas. Não importa quão perfeitos estejam sua saúde e capacidade física, se permanecer nisso ele não será mais que um perfeito animal. Além e acima disto, Deus abriu as portas das virtudes e realizações ideais diante do homem. Ele criou em seu ser os mistérios do Reino divino. Ele lhe concedeu o poder do intelecto, de modo que através do atributo da razão, fortalecido pelo Espírito Santo, ele possa penetrar e desvendar as realidades ideais e se informar dos mistérios do mundo dos significados. Como este poder de penetrar os conhecimentos ideais é supra-humano, e supra-natural, o homem se torna o centro coletivo tanto das forças espirituais como das materiais, permitindo que o espírito divino se manifeste em seu ser, os esplendores do Reino brilhem no santuário de seu coração, os sinais dos atributos e perfeições de Deus se revelem numa inovação da vida, a glória imperecível e a existência eterna sejam alcançadas, o conhecimento de Deus ilumine e os mistérios do domínio do poder sejam desselados.

O homem é como esta lâmpada, mas os esplendores do Reino são como os raios da lâmpada. O homem é como o globo de vidro, mas os esplendores espirituais são como a luz que brilha em seu interior. Não importa quão translúcido seja o globo, enquanto não houver luz em seu interior ele permanecerá escuro. Igualmente, o homem, não importa o quanto avance em realizações materiais, permanecerá sem luz como o globo se for privado das virtudes espirituais. As virtudes materiais são como um corpo perfeito, mas este corpo carece de espírito. Não importa quão belo e perfeito seja o corpo, se for privado do espírito e de seu ânimo, ele estará morto. Mas se aquele mesmo corpo for associado ao espírito, expressando vida, as perfeições e virtudes se realizam nele. Privado do Espírito Santo e suas graças, o homem é espiritualmente morto.

As crianças, por exemplo, não importa quão boas e puras, não importa quão saudáveis sejam seus corpos, são, no entanto, consideradas imperfeitas porque o poder do intelecto não está plenamente manifestado nelas. Quando o poder do intelecto mostra plenamente sua influência e elas atingem a maturidade, então são consideradas perfeitas. Do mesmo modo o homem, não importa o quanto avance nos afazeres mundanos e progrida na civilização material, ele é imperfeito, a menos que seja vivificado pelas graças do Espírito Santo; pois é evidente que, a menos que receba aquele impulso divino, ele é ignorante e destituído. Por isso Jesus Cristo disse: "Quem não nascer da água e do Espírito não pode entrar no Reino de Deus." (João, 3:5) Com isto Cristo quis dizer que, a não ser que o homem se liberte do mundo material e do cativeiro do materialismo, e receba uma porção das graças do mundo espiritual, ele será privado das dádivas e favores do Reino de Deus, e o máximo que se pode dizer a seu respeito é que ele é um perfeito animal. Ninguém pode corretamente chamá-lo de homem. Em outro lugar Ele disse: "O que nasceu da carne é carne, o que nasceu do Espírito é espírito." (João 3:6) Isto quer dizer que se o homem for cativo da natureza, ele será igual ao animal, pois nada mais é que apenas um corpo físico - ou seja, ele pertence ao mundo da matéria e permanece sujeito à lei e ao controle da natureza. Mas se ele for batizado com o Espírito Santo, se for libertado do cativeiro da natureza e resgatado das tendências animalescas e avançar no reino humano, estará preparado para entrar no Reino divino. O mundo do Reino é o domínio das dádivas divinas e das graças de Deus. É a aquisição das mais elevadas virtudes humanas; é a proximidade de Deus; é a capacidade de receber as graças do Senhor antigo. Quando o homem atinge esta posição, ele chega ao segundo nascimento. Antes de seu primeiro nascimento, ou nascimento físico, o homem se encontra no mundo do ventre. Ele não possui qualquer conhecimento deste mundo; seus olhos não podem ver; seus ouvidos não podem ouvir. Depois de nascer do mundo do ventre, ele contempla um outro mundo. O sol resplandecendo com todo o seu esplendor, a lua radiante no céu, as estrelas cintilando no imenso firmamento, o mar se agitando, as árvores frescas e verdejantes, todas as espécies de criaturas desfrutando a vida aqui, infinitas graças preparadas para ele. No mundo do ventre nada disso existia. Naquele mundo ele não tinha qualquer conhecimento desta vasta variedade de existência; ao contrário, ele teria negado a realidade deste mundo. Mas depois de seu nascimento, ele começou a abrir seus olhos e contemplar as maravilhas deste universo ilimitado. De modo semelhante, enquanto o homem estiver no ventre do mundo humano, enquanto estiver cativo do mundo da natureza, ele estará distante e sem conhecimento do universo do Reino. Se ele renascer enquanto no mundo da natureza, será informado a respeito do mundo divino. Observará que existe um outro mundo mais elevado. Bênçãos maravilhosas descem; vida eterna o espera; glória eterna o envolve. Todos os sinais da realidade e da grandeza estão lá. Ele verá as luzes de Deus. Todas estas experiências serão suas quando ele nascer do mundo da natureza para o mundo divino. Por isso, para o homem perfeito há dois tipos de nascimento: o primeiro, o nascimento físico, é do ventre da mãe; o segundo, ou o nascimento espiritual, é do mundo da natureza. Em ambos os casos, ele desconhece o novo mundo de existência em que está entrando. Portanto, renascimento significa sua libertação do cativeiro da natureza e do apego a esta vida mortal e material. Este é o segundo nascimento, ou o nascimento espiritual, do qual Jesus Cristo falou nos Evangelhos.

A maioria das pessoas estão cativas no ventre da natureza, submersas no mar da materialidade. Devemos orar para que elas possam renascer, que possam atingir a visão interior e a audição espiritual, que possam receber a dádiva de outro coração, um novo poder transcendente, e no mundo eterno as infindáveis dádivas das graças divinas.

Hoje o mundo humano se encontra na escuridão porque não está em contato com o mundo de Deus. É por isso que não vemos os sinais de Deus nos corações dos homens. O poder do Espírito Santo não tem influência. Quando uma iluminação espiritual divina se manifesta no mundo humano, quando as instruções e a guia divina aparecem, o resultado é iluminação, um novo espírito se realiza interiormente, um novo poder procede, uma nova vida é concedida. É como o nascimento do reino animal para o reino humano. Quando o homem adquirir estas virtudes, a unicidade do mundo humano será revelada, a bandeira da paz internacional será erguida, a igualdade de toda a humanidade será estabelecida, o Oriente e o Ocidente se tornarão apenas um. Então, a justiça de Deus se tornará manifesta, toda a humanidade se tornará como membros da mesma família, e cada membro dessa família se consagrará à cooperação e assistência mútuas. As luzes do amor de Deus resplandecerão; felicidade eterna será desvelada; alegria imperecível e deleite espiritual serão alcançados.

Eu orarei, e vós igualmente deveis orar para que esta graça celestial possa ser realizada; que luta e inimizade sejam banidas, que guerra e derramamento de sangue sejam afastados; que os corações possam atingir comunhão ideal e que todos os povos possam sorver da mesma fonte. Que recebam seu conhecimento da mesma fonte divina. Que todos os corações sejam iluminados com os raios do Sol da Realidade; que todos possam entrar na universidade de Deus, adquiram virtudes espirituais e busquem para si as graças celestiais. Então, este mundo material fenomênico se tornará o espelho do mundo de Deus, e dentro desse espelho puro se refletirão as virtudes divinas do reino de poder.

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1º DE SETEMBRO DE 1912

Palestra na Residência do Sr. e Sra. William Sutherland Maxwell

Avenida Pine 716, Zona Oeste, Montreal, Canadá
De Notas Estenográficas
Foi sugerido o assunto da imortalidade.

A vida é a expressão de composição, e a morte é a expressão de decomposição. No mundo ou no reino dos minerais, existem certos materiais ou substâncias elementares. Quando, através da lei da criação, elas entram em composição, vem à existência um ser ou organismo. Por exemplo, certos átomos são reunidos e resultam num ser humano. Quando esta composição é destruída e desintegrada, ocorre a decomposição; isto é mortalidade, ou morte. Quando certos elementos se compõem, um animal vem à existência. Quando estes elementos se dispersam ou se decompõem, a isto se chama morte do animal. Novamente, certos átomos se combinam por afinidade química e aparece uma composição chamada flor. Quando estes átomos se dispersam e a composição por eles formada se desintegra, a flor chega ao seu fim, ela morre. Por isso, é evidente que a vida é a expressão de composição e a mortalidade, ou morte, é equivalente à decomposição. Como o espírito do homem não é composto de elementos materiais, não está sujeito à decomposição e, por isso, não morre. É evidente, por si mesmo, que o espírito humano é simples, uno e não composto, portanto imortal, assim como é um axioma filosófico que o átomo indivisível é indestrutível. O máximo que pode ocorrer é ele passar por um processo de construção e reconstrução. Por exemplo, estes átomos se reúnem em uma composição e, através dessa composição, um certo organismo - um homem ou uma planta - é criado. Quando essa composição se decompõe, esse organismo criado chega ao seu fim, mas os átomos componentes não se extinguem; eles continuam a existir porque são unos e elementares e não compostos. Portanto, pode-se dizer que esses átomos são eternos. Do mesmo modo, o espírito humano, uma vez que não é composto de elementos ou átomos - pois está santificado acima desses elementos - é eterno. Esta é uma prova, evidente por si mesma, de sua imortalidade.

Segundo, considerai o mundo dos sonhos, no qual o corpo humano está imóvel, parecendo morto, não sujeito aos sentidos; os olhos não vêem, os ouvidos não ouvem nem a língua fala. Mas o espírito do homem não está adormecido; ele vê, ouve, move-se, percebe e descobre realidades. Por isso, é evidente que o espírito do homem não é afetado pela mudança ou a condição do corpo. Ainda que o corpo físico morra, o espírito continua eternamente vivo, assim como existe e funciona no corpo inerte no mundo dos sonhos. Isto significa que o espírito é imortal e continuará sua existência após a destruição do corpo.

Terceiro, o corpo humano tem uma forma. Em sua composição, ele passa de uma forma a outra, mas nunca assume duas formas ao mesmo tempo. Por exemplo, ele existiu nas substâncias elementares do reino mineral. Do reino mineral, ele atravessou o reino vegetal e suas substâncias constituintes; do reino vegetal, através da evolução, ele ascendeu ao reino animal e daí alcançou o reino humano. Após sua desintegração e decomposição retornará novamente ao reino mineral, deixando sua forma humana e tomando uma nova forma. Durante estas progressões, uma forma se sucede à outra, mas em nenhum momento o corpo possui mais do que uma forma.

O espírito do homem pode se manifestar em todas as formas ao mesmo tempo. Por exemplo, dizemos que um corpo material é quadrado ou esférico, triangular ou hexagonal. Enquanto for triangular, não pode ser quadrado; enquanto for quadrado, não pode ser triangular. Do mesmo modo, não pode ser esférico e hexagonal ao mesmo tempo. Esta diversidade de formas ou configurações não pode se manifestar no mesmo instante num objeto material. Assim, a forma do corpo físico do ser humano tem que ser destruída e abandonada antes que ele possa assumir ou tomar outra forma. Mortalidade, portanto, significa mudança de uma forma a outra - ou seja, transferência do reino humano para o reino mineral. Quando o corpo físico do homem morre, ele retorna ao pó; e esta transferência equivale à inexistência. Mas o espírito humano contém em si todas essas formas, configurações e aparências. Não é possível quebrar ou destruir uma forma para que possa mudar para outra. Uma evidência disso é que no mesmo momento o espírito humano pode conter a forma de um quadrado e a figura de um triângulo. Simultaneamente, pode-se conceber uma forma hexagonal. Todas essas coisas podem ser concebidas ao mesmo tempo no espírito humano, e nenhuma delas precisa ser destruída ou quebrada para que o espírito humano possa passar à outra. Não há aniquilamento nem destruição; portanto, o espírito humano é imortal, pois não é transferido de um corpo a outro.

Considerai uma outra prova: toda causa é seguida por um efeito e vice-versa; não pode haver um efeito sem uma causa que a preceda. A visão é um efeito; não há dúvida de que por trás desse efeito há uma causa. Quando ouvimos um discurso, há um palestrante. Não podemos ouvir palavras a menos que procedam da língua de um palestrante. O movimento é inconcebível sem uma causa ou força motriz. Jesus Cristo viveu há dois mil anos. Hoje nós contemplamos Seus sinais manifestos. Sua luz está brilhando; Sua soberania está estabelecida; Seus sinais são claros; Suas graças resplandecem. Podemos dizer que Cristo não existiu? Podemos sem dúvida concluir que Cristo existiu e que esses sinais procederam dEle.

Ainda outra prova: o corpo humano se torna magro ou gordo; ele é afligido por enfermidades, sofre mutilação; os olhos podem se tornar cegos, os ouvidos surdos; mas nenhuma dessas imperfeições e falhas aflige ou afeta o espírito. O espírito humano permanece na mesma condição, não sofre mudança. Um homem fica cego, mas seu espírito continua o mesmo. Ele perde sua audição, sua mão é cortada, seu pé amputado; mas seu espírito permanece igual. Ele se torna letárgico, é afetado por apoplexia; mas não há qualquer diferença, mudança ou alteração em seu espírito. Esta é a prova de que a morte é apenas destruição do corpo, enquanto o espírito permanece imortal e eterno.

Novamente, todos os fenômenos do mundo material estão sujeitos à mortalidade, mas o espírito imortal não pertence ao mundo fenomênico; ele está consagrado e santificado acima da existência material. Se o espírito do homem pertencesse à existência elementar, o olho poderia vê-lo, o ouvido escutá-lo e a mão tocá-lo. Como estes cinco sentidos não podem percebê-lo, é inquestionável a evidência de que ele não pertence ao mundo dos elementos e, portanto, está além da morte e da mortalidade, que são inseparáveis do reino da existência material. Se o ser não estiver sujeito às limitações da vida material, não estará sujeito à mortalidade.

Há muitas outras provas da imortalidade do espírito humano. Estas são apenas algumas. Saudações!

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2 DE SETEMBRO DE 1912

Palestra na Residência do Sr. e Sra. William Sutherland Maxwell

Avenida Pine, 716, Zona Oeste, Montreal, Canadá
De Notas Estenográficas

A natureza é o mundo material. Quando a observamos, vemos que é sombria e imperfeita. Se, por exemplo, abandonarmos um terreno à sua condição natural, ele ficará coberto de cardos e espinhos; inúteis ervas daninhas e vegetação agreste o invadirão e ele se tornará igual a uma floresta. As árvores serão infrutíferas, sem beleza e harmonia; animais silvestres, insetos nocivos e répteis encherão seus escuros recônditos. Esta é a incompletude e a imperfeição do mundo da natureza. Para mudar estas condições, devemos limpar o terreno e cultivá-lo de modo que possam nascer flores em vez de espinhos e ervas daninhas - ou seja, devemos iluminar o sombrio mundo da natureza. Em seu estado natural primitivo, as florestas são escuras, sombrias, impenetráveis. O homem abre-as para a luz, limpa a vegetação rasteira e emaranhada, e planta árvores frutíferas. Logo, as matas e florestas selvagens são transformadas em pomares produtivos e belos jardins; a ordem substitui o caos; o obscuro domínio da natureza é iluminado e avivado pelo cultivo.

Se o homem for deixado em seu estado natural, tornar-se-á inferior ao animal e continuará a crescer mais ignorante e imperfeito. As selvagens tribos da África central são evidências disso. Abandonadas à sua condição natural, elas mergulharam nos mais baixos graus de barbarismo, tateando vagamente num mundo de obscuridade mental e moral. Se desejarmos iluminar esse obscuro plano da existência humana, devemos retirar o homem do desesperançado cativeiro da natureza, educá-lo e lhe mostrar o caminho da luz e do conhecimento até que, elevado de sua condição de ignorância, ele se torne sábio e instruído; não mais selvagem e vingativo, ele torne-se civilizado e amável; outrora malévolo e cruel, agora ele é dotado de atributos celestiais. Mas deixado em sua condição natural, sem educação e instrução, certamente ele se tornará mais perverso e cruel que o animal, chegando ao grau extremo testemunhado entre as tribos africanas que praticam o canibalismo. É evidente, portanto, que o mundo da natureza é incompleto e imperfeito até que seja despertado e iluminado pela luz e o estímulo da educação.

Atualmente há novas escolas de filosofia que cegamente clamam que o mundo da natureza é perfeito. Se isto é verdade, por que as crianças são treinadas e educadas em escolas, e qual a necessidade de extensivos cursos de ciências, artes e letras em colégios e universidades? O que será da humanidade se for abandonada à sua condição natural, sem educação e instrução? Todas as descobertas e realizações científicas são o resultado do conhecimento e da educação. O telégrafo, o fonógrafo, o telefone estavam latentes e potenciais no mundo da natureza, mas jamais seriam trazidos ao reino do visível sem que o homem, através da educação, tivesse penetrado e descoberto as leis que os controlam. Todos os maravilhosos desenvolvimentos e milagres daquilo que chamamos civilização teriam permanecido ocultos, desconhecidos e, por assim dizer, inexistentes se o homem tivesse permanecido em sua condição natural, privado das graças, bênçãos e benefícios da educação e do cultivo da mente. A diferença intrínseca entre o homem ignorante e o astuto filósofo é que o primeiro não saiu de sua condição natural, enquanto o último passou por instrução e educação sistemáticas em escolas e universidades, até que sua mente fosse despertada e despontada para domínios mais elevados de pensamento e percepção; de outro modo, ambos são humanos e naturais.

Deus enviou os Profetas com o propósito de estimular a alma do homem a percepções mais elevadas e divinas. Ele revelou os Livros celestiais para este grande objetivo. Para isso, os sopros do Espírito Santo sopraram nos jardins dos corações humanos, as portas do Reino divino foram abertas ao gênero humano e as inspirações invisíveis enviadas do alto. Este poder ideal e divino foi concedido ao homem a fim de que ele pudesse se purificar das imperfeições da natureza e elevar sua alma aos domínios da grandeza e poder. Deus determinou que a escuridão do mundo da natureza fosse dispersada e os atributos imperfeitos do eu natural fossem eliminados pelo fulgente reflexo do Sol da Verdade. A missão dos Profetas de Deus tem sido educar as almas da humanidade e libertá-las da escravidão dos instintos naturais e das tendências físicas. Eles são como Jardineiros, e o mundo da humanidade é o campo de Seu cultivo, a selva e a floresta desordenadas em que Eles laboram. Eles fazem com que os ramos tortos sejam endireitados, as árvores infrutíferas se tornem fecundas, e pouco a pouco transformam este grande deserto, este campo selvagem e bruto, num belo pomar, dando maravilhosa e farta produção.

Se o mundo da natureza fosse perfeito e completo em si, não haveria necessidade de tal treino e cultivo no mundo humano - não precisaria de professores, escolas, universidades, artes e ofícios. As revelações dos Profetas de Deus não seriam necessárias, e os Livros celestiais seriam supérfluos. Se o mundo da natureza fosse perfeito e suficiente para a humanidade, não teríamos qualquer necessidade de Deus e de nossa crença nEle. Assim, a dádiva de toda essa assistência e complementos para atingir a vida divina é porque o mundo da natureza é incompleto e imperfeito. Considerai esta nação canadense no início da história de Montreal, quando a terra estava na sua condição natural, selvagem e bruta. O solo era improdutivo, rochoso e quase inabitável - imensas florestas se estendiam em todas as direções. Que poder invisível fez esta grande metrópole surgir em meio a tão selvagem e inóspita condição? Foi a mente do homem. Por isso, a natureza e o efeito da lei da natureza eram imperfeitos. A mente do homem remediou e eliminou esta condição imperfeita, de modo que agora nós podemos contemplar esta grande cidade em vez da mata selvagem e desordenada. Antes da vinda de Colombo toda a América era uma extensa mata primitiva, selvagem e incultivada, com montanhas e rios - o próprio mundo da natureza. Agora se tornou o mundo do homem. Era sombria, inóspita e selvagem; agora se tornou iluminada com uma grande civilização e prosperidade. Em vez de florestas, vemos fazendas produtivas, belos jardins e férteis pomares. Em vez de espinhos e vegetação inútil encontramos flores, animais domésticos e campos à espera de colheita. Se o mundo da natureza fosse perfeito, as condições deste grande país teriam permanecido inalteradas.

Se uma criança for deixada em seu estado natural e privada de educação, não há dúvida de que crescerá na ignorância e falta de instrução, suas faculdades mentais embotadas e ofuscadas; na verdade ela será como um animal. Isto é evidente entre os selvagens da África central, que não são nada melhores do que outras raças em desenvolvimento mental.

A conclusão inquestionável é que os esplendores do Sol da Verdade, a Palavra de Deus, foram a fonte e a causa da elevação e da civilização humanas. O mundo da natureza é o reino do animal. Na sua condição natural e no plano de limitações o animal é perfeito. As ferozes bestas de rapina estão completamente sujeitas às leis da natureza em seu desenvolvimento. Elas não têm educação ou treino; são destituídas da capacidade de raciocínio abstrato e de ideais intelectuais; não têm qualquer contato com o mundo espiritual e são destituídos da concepção de Deus ou do Espírito Santo. O animal não pode reconhecer nem perceber o poder espiritual do homem e não faz distinção alguma entre o homem e ele mesmo, pois suas suscetibilidades se limitam ao plano dos sentidos. Vive cativo da natureza e de suas leis. Todos os animais são materialistas. Eles não reconhecem Deus e não têm percepção do poder transcendente que existe no universo. Não possuem qualquer conhecimento dos Profetas divinos e dos Livros Sagrados - meros cativos da natureza e do mundo dos sentidos. Na realidade, são como os grandes filósofos desta época que não estão em contato com Deus e o Espírito Santo - negam os Profetas, ignoram as suscetibilidades espirituais, privados das graças celestiais e sem crença no poder supranatural. O animal vive este tipo de vida feliz e sem preocupação, enquanto os filósofos materialistas trabalham e estudam durante dez ou vinte anos em escolas e universidades, negando Deus, o Espírito Santo e as inspirações divinas. O animal é um filósofo ainda maior, pois tem a habilidade de fazer isso sem trabalho ou estudo. A vaca, por exemplo, nega Deus e o Espírito Santo, nada sabe das inspirações divinas, graças celestiais ou emoções espirituais e é estranha ao mundo do coração. Tal como os filósofos, a vaca é cativa da natureza e nada sabe além do limite dos sentidos. Os filósofos, entretanto, se orgulham disso, dizendo: "Nós não somos cativos das superstições; temos fé implícita na impressão dos sentidos e nada sabemos além do reino da natureza que contém e abrange tudo." Mas a vaca, sem estudo ou proficiência nas ciências, modesta e calmamente vê a vida do mesmo ponto de vista, vivendo em harmonia com as leis da natureza na maior dignidade e nobreza.

Isto não é a glória do homem. A glória do homem é o conhecimento de Deus, as suscetibilidades espirituais, atingir os transcendentes poderes e as graças do Espírito Santo. A glória do homem reside em conhecer os ensinamentos de Deus. Esta é a glória da humanidade. A ignorância não é glória, mas escuridão. Podem estas almas que encontram-se imersas nos mais baixos níveis de ignorância ser informadas dos mistérios de Deus e das realidades da existência, enquanto Jesus Cristo não tivesse conhecimento deles? Pode o intelecto destas pessoas ser maior do que o intelecto de Cristo? Cristo era celestial, divino e pertencia ao mundo do Reino. Ele era a personificação do conhecimento espiritual. Seu intelecto era superior ao destes filósofos, Sua compreensão mais profunda, Sua percepção mais aguçada, Seu conhecimento mais perfeito. Como é que Ele negligenciou e negou para Si próprio todas as coisas deste mundo? Ele atribuiu pouca importância a esta vida material, renunciando Seu próprio descanso e tranqüilidade, aceitando provações e voluntariamente sofrendo vicissitudes por ser dotado de suscetibilidades espirituais e do poder do Espírito Santo. Ele contemplou os esplendores do Reino divino, incorporou as graças de Deus e possuía poderes perfeitos. Ele foi iluminado com amor e misericórdia e assim foram todos os Profetas de Deus.

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5 DE SETEMBRO DE 1912
Palestra na Igreja Metodista St. James
Montreal, Canadá
De Notas Estenográficas

Louvado seja Deus! É com profundo sentimento de alegria que estou presente aqui esta noite, pois estou vendo as faces daqueles que são determinados na sua busca da realidade e que sinceramente anseiam atingir o conhecimento da verdade. Deus criou o homem e o dotou do poder da razão, através do qual ele pode chegar a conclusões válidas. Por isso, o homem deve se esforçar em todas as coisas para investigar a verdade fundamental. Se ele não investigar de modo independente, terá falhado em utilizar o talento que Deus lhe concedeu. Estou contente com o povo da América porque, via de regra, seus membros são investigadores independentes da verdade; suas mentes são ativamente utilizadas em vez de permanecerem indolentes e improdutivas. Isto é o mais louvável.

Algumas almas imaginam que há uma interrupção nas graças de Deus, como se num tempo houvesse uma torrente de dádivas divinas, e em outro elas fossem retidas e cessassem. Se refletirmos cuidadosamente sobre este assunto, veremos que tal afirmativa é, na realidade, a negação da Divindade, pois a realidade da Divindade é evidenciada pela virtude de suas efusões ou dádivas. A interrupção das dádivas de Deus em qualquer momento seria equivalente à interrupção da soberania de Deus. O sol é o sol por causa de seus raios e seu calor; é o sol por causa de sua dádiva; mas se em qualquer momento sua fulgência, esplendor e radiância cessassem de emanar, ele não seria mais o sol. Conseqüentemente, é inconcebível que as graças da Divindade possam cessar, pois os atributos da Divindade são sempiternos. Deus sempre foi divino; Ele sempre exerceu Sua soberania e continua a possuir divindade e soberania imperecíveis. Ele é como o sol, que sempre teve seu esplendor, calor e radiância, e continuará a possuir estas graças e atributos. Se em qualquer tempo seu esplendor e calor cessassem, não mais poderia ser denominado sol. Portanto, a investigação da mente racional conclui que as graças do Espírito Santo são contínuas e as almas santas são sempre recipientes destas emanações divinas. A potência do Espírito Santo é perpétua, não temporária, pois a santidade do Espírito Santo é o seu poder e a eficácia manifesta nos espíritos que ele vivifica. Oramos para que todos nós possamos nos tornar recipientes de suas dádivas, que posamos ser iluminados pela luz celestial, edificados pelos ensinamentos de Deus e imbuídos com as virtudes de caráter divino, como espelhos refletindo a luz do sol. A menos que o espelho reflita a luz do sol, ele é meramente sombria matéria inanimada. De modo semelhante, os corações e espíritos da humanidade, quando privados e sem sua porção das graças do Espírito Santo, permanecem no abismo da obscuridade e ignorância.

Desde tempos imemoriais, os ensinamentos divinos foram sucessivamente revelados e as graças do Espírito Santo sempre estiveram emanando. Todos os ensinamentos são uma só realidade, pois a realidade é única e não admite multiplicidade. Por isso, os Profetas divinos são um, visto que Eles revelam a realidade única, o Verbo de Deus. Abraão anunciou ensinamentos baseados na realidade, Moisés proclamou a realidade, Cristo estabeleceu a realidade e Bahá'u'lláh foi o Mensageiro e o Arauto da realidade. Mas a humanidade, tendo abandonado a única realidade essencial e fundamental subjacente à religião de Deus, e apegando-se cegamente a imitações de formas e interpretações de crenças ancestrais, está separada e dividida pela luta, contenda e fanatismo de várias seitas e facções religiosas. Se todos fossem fiéis à realidade original do Profeta e Seus ensinamentos, os povos e nações do mundo se tornariam unificados, e estas diferenças que causam separação deixariam de existir. Para efetivamente realizar esta grande e necessária unidade, Bahá'u'lláh surgiu no Oriente e renovou os fundamentos dos ensinamentos divinos. Sua revelação do Verbo abrange completamente os ensinamentos de todos os Profetas, expressos em princípios e preceitos aplicáveis às necessidades e condições do mundo moderno, ampliados e adaptados às questões e aos críticos problemas humanos da atualidade. Isto quer dizer que as palavras de Bahá'u'lláh são a essência das palavras dos Profetas do passado. São o próprio espírito da época e a causa da unidade e da iluminação do Oriente e do Ocidente. Os seguidores de Seus ensinamentos estão em conformidade com os preceitos e mandamentos de todos os Mensageiros celestiais do passado. Divergências e dissensões que destroem os fundamentos do mundo humano e são contrárias à vontade e beneplácito de Deus, desaparecem completamente à luz da revelação de Bahá'u'lláh; problemas difíceis são resolvidos, unidade e amor são estabelecidos. Pois o que agrada a Deus é o esplendor do amor e o estabelecimento da unidade e companheirismo no mundo humano, ao passo que discórdia, contenda, hostilidade e luta são coisas satânicas e contrárias à vontade do Misericordioso. A fim de que as almas, os espíritos e as mentes humanas possam atingir progresso, tranqüilidade e visão em horizontes mais amplos de unidade e conhecimento, Bahá'u'lláh proclamou certos princípios ou ensinamentos, alguns dos quais mencionarei.

Primeiro, o homem deve investigar independentemente a realidade, pois as discórdias e dissensões que afligem e afetam a humanidade procedem primariamente das imitações das crenças ancestrais e adesão a formas herdadas de adoração. Estas imitações são incidentais e não são sancionadas nos Livros Sagrados. São o resultado de interpretações humanas e de ensinamentos que surgiram, obscurecendo aos poucos a verdadeira luz de significação divina e fazendo os homens divergir e discordar. A realidade proclamada nos Livros celestiais e nos ensinamentos divinos sempre conduz ao amor, unidade e companheirismo.

Segundo, a unicidade do mundo humano deve ser realizada, aceita e estabelecida. Quando refletirmos sobre este abençoado princípio, tornar-se-á evidente e manifesto que é o remédio para todas as condições humanas. Todos os membros do gênero humano são servos do Deus glorioso, nosso Criador. Ele criou todos. Certamente deve ter amado a todos igualmente; caso contrário, Ele não os teria criado. Ele protege todos. Indubitavelmente Ele ama Suas criaturas; de outro modo não as protegeria. Ele provê a todos, mostrando Seu amor por todos, sem distinção ou preferência. Ele manifesta Sua perfeita benevolência e amorosa bondade em relação a todos. Ele não nos pune pelos nossos pecados e faltas, e estamos todos imersos no oceano de Sua infinita mercê. Já que Deus é clemente e amoroso aos Seus filhos, indulgente e misericordioso com nossas faltas, por que nós deveríamos ser rudes e inclementes uns para com os outros? Como Ele ama a humanidade sem distinção ou preferência, por que nós não deveríamos amar a todos? Poderíamos conceber um plano ou diretriz superior ao propósito divino? Evidentemente não podemos. Por isso, devemos nos esforçar para cumprir a vontade do glorioso Senhor e emular Sua diretriz de amar toda a humanidade. A sabedoria e a política de Deus são a realidade e a verdade, ao passo que a política humana é incidental e restrita à nossa limitada compreensão. A política de Deus é infinita. Devemos emular Seu exemplo. Se uma alma estiver aflita e hesitante, devemos produzir remédios; se for ignorante, devemos prover educação; se imperfeita, devemos treinar e aperfeiçoar aquilo de que carece; se imatura e pouco desenvolvida, devemos suprir os meios para que atinja a maturidade. Nenhuma alma deve ser odiada, nenhuma deve ser negligenciada; ao contrário, suas próprias imperfeições deveriam requerer maior bondade e terna compaixão. Portanto, se seguirmos o exemplo do Senhor da divindade, amaremos toda a humanidade de todo o coração e os meios da unidade do mundo humano tornar-se-ão tão evidentes e manifestas como a luz do sol. E do nosso exemplo a luz do amor de Deus se acenderá entre os homens. Pois Deus é amor, e todos os fenômenos se originam e emanam da divina corrente da criação. O amor de Deus abrange todas as coisas criadas. Se não fosse pelo amor de Deus, nenhum ser animado existiria. Isto é claro, manifesto e verdadeiro, a menos que o homem esteja velado pela superstição e cativo das imaginações, fazendo distinção entre a humanidade de acordo com sua própria avaliação, amando alguns e odiando outros. Tal atitude é a mais indigna e ignóbil.

Terceiro, a religião deve ser a origem e a fonte de amor no mundo, pois a religião é a revelação da vontade de Deus, cujo fundamento divino é o amor. Portanto, se a religião for causa de inimizade e ódio em vez de amor, sua ausência é preferível à sua existência.

Quarto, a religião deve se reconciliar e estar em harmonia com a ciência e a razão. Se as crenças religiosas da humanidade forem contrárias à ciência e em desacordo com a razão, elas nada mais são que superstição e destituídas de autoridade divina, pois o Senhor Deus dotou o homem com a faculdade da razão para que, através de seu exercício, ele possa chegar às verdades da existência. A razão é o descobridor das realidades das coisas, e aquilo que estiver em conflito com suas conclusões é o produto da fantasia e imaginação humanas.

Quinto, o preconceito - seja religioso, racial, patriótico ou político em sua origem - é o destruidor dos fundamentos humanos e se opõe aos mandamentos de Deus. Deus enviou Seus Profetas com o propósito único de criar amor e unidade no mundo dos corações humanos. Todos os Livros celestiais são a palavra inscrita do amor. Se eles se tornarem a causa de preconceito e desavença humana, terão sido infrutíferos. Portanto, o preconceito religioso é especialmente contrário à vontade e ao mandamento de Deus. Preconceitos raciais e nacionais que dividem a humanidade em facções e ramificações, igualmente possuem uma base falsa e injustificada, pois todos os homens são filhos de Adão e essencialmente uma só família. Não deveria haver alienação racial nem divisão nacional entre os seres humanos. Tais distinções como francês, alemão, persa, anglo-saxão, são humanas e artificiais; não são nem importantes e nem reconhecidas por Deus. Aos Seus olhos, todos são um, filhos de uma só família; e Deus é igualmente bondoso a todos eles. A terra possui uma só superfície. Deus não dividiu esta superfície por fronteiras e barreiras, separando raças e povos. O homem fundou e estabeleceu estas linhas imaginárias, dando a cada área restrita um nome e a limitação de um território ou nacionalidade. Através desta divisão e separação da humanidade em facções e ramificações, nasce o preconceito que se torna uma prolífica fonte de guerra e contenda. Impelidos por este preconceito, raças e nações declaram guerra umas às outras; o sangue de inocentes é derramado e a terra é dilacerada pela violência. Por isso, neste dia foi decretado por Deus que estes preconceitos e divergências sejam abandonados. Todos são ordenados a buscar o beneplácito do Senhor da unidade, seguir Seus mandamentos e obedecer Sua vontade; deste modo, o mundo humano tornar-se-á iluminado com a realidade do amor e da reconciliação.

Sexto, o mundo humano necessita das confirmações do Espírito Santo. A verdadeira excelência entre o gênero humano realiza-se através das dádivas divinas e do recebimento das apercepções do Espírito Santo. Se o homem não se tornar recipiente das dádivas celestiais e das graças espirituais, permanecerá no plano e no reino do animal. Pois a distinção entre o animal e o homem é que este é por natureza dotado de potencialidades da divindade, ao passo que o animal é inteiramente privado desse dom e talento. Por isso, se um homem é destituído dos sopros intuitivos do Espírito Santo, privado das dádivas divinas, sem contato com o mundo celestial e negligente das verdades eternas, embora seja humano em imagem e semelhança, na realidade é um animal; tal como Cristo declarou: "O que nasceu da carne é carne, o que nasceu do Espírito é espírito." (João 3:6) Isto quer dizer que se o homem for cativo das suscetibilidades físicas e carente das vivificadoras emoções espirituais, ele é meramente um animal. Mas toda alma que possui suscetibilidades espirituais e atingiu uma grande porção das dádivas do Espírito Santo, é animado com a vida divina do mais elevado Reino. A alma, destituída e privada, é como morta. Por isso, Ele disse: "Deixa que os mortos enterrem os seus mortos." (Mateus 8:22) Assim como o corpo físico do homem necessita de sua força vital, a alma humana necessita do ânimo e da vivificação divina que emanam do Espírito Santo. Sem esta vivificação e sustento, o homem seria um animal, ou mais propriamente, um morto.

Sétimo, a necessidade de educação para toda a humanidade é evidente. Especialmente as crianças devem ser treinadas e ensinadas. Se os pais não tiverem possibilidade de assim proceder devido à falta de recursos, a sociedade deve tomar a providência necessária para seu cumprimento. Através do amplo espírito da educação, o analfabetismo há de desaparecer e desentendimentos resultantes da ignorância serão eliminados.

Oitavo, a paz universal será estabelecida entre as nações do mundo através de entendimento internacional. A maior catástrofe do mundo humano, hoje, é a guerra. A Europa é um paiol de explosivos à espera de uma faísca. Todas as nações da Europa estão agitadas, e uma simples chama incendiará todo esse continente. Instrumentos de guerra e morte se multiplicam e chegam a um grau inconcebível, e o peso dos gastos militares está sobrecarregando os vários países além do suportável. Exércitos e forças navais devoram a riqueza e as propriedades do povo; os trabalhadores pobres, os inocentes e os desamparados são forçados pelos impostos a prover munições e armamentos para os governos aplicarem na conquista de territórios e na defesa contra poderosas nações rivais. Não há provação maior ou mais deplorável no mundo humano atualmente do que a guerra iminente. Por isso, a paz internacional é uma necessidade crucial. Uma corte de justiça arbitral deve ser estabelecida, por intermédio da qual as disputas internacionais sejam apaziguadas. Através destes meios, toda possibilidade de discórdia e guerra entre as nações será obliterada.

Nono, deve haver uma igualdade de direitos entre o homem e a mulher. A mulher deve ter o mesmo privilégio da educação. Isto os fará capazes de se qualificarem e progredirem em todos os níveis de ocupação e realização. Pois o mundo humano possui duas asas: o homem e a mulher. Se uma asa permanecer incapaz e imperfeita, ela restringirá a capacidade da outra e o vôo perfeito será impossível. Por isso, a completude e a perfeição do mundo humano dependem do desenvolvimento eqüitativo destas duas asas.

Décimo, deve haver uma igualdade de direitos e prerrogativas para toda a humanidade.

Undécimo, deve ser selecionada uma língua como um meio internacional de fala e comunicação. Através deste meio, os desentendimentos serão reduzidos, o companheirismo será estabelecido e a unidade assegurada.

Estes são alguns dos princípios proclamados por Bahá'u'lláh. Ele providenciou o remédio para as enfermidades que atualmente afligem o mundo humano, resolveu os difíceis problemas do bem estar individual, social, nacional e universal, e estabeleceu os fundamentos da realidade divina sobre os quais a civilização material e espiritual deverá ser baseada nos séculos vindouros.

Louvado seja Deus! Vejo estas duas grandes nações americanas altamente capazes e avançadas em todos os aspectos de progresso e civilização. Estes governos são justos e eqüitativos. Os motivos e os desígnios destes povos são sublimes e inspiradores. Por isso, tenho a esperança de que estas respeitosas nações possam se tornar fatores proeminentes no estabelecimento da paz internacional e da unicidade do mundo humano; que possam colocar as fundações da igualdade e da fraternidade espirituais entre a humanidade; que possam manifestar as mais elevadas virtudes do mundo humano, venerar as luzes divinas dos Profetas de Deus e estabelecer a verdadeira unidade, atualmente tão necessária nos afazeres das nações. Oro para que as nações do Oriente e do Ocidente se tornem um só rebanho sob o cuidado e a guia do Pastor divino. Em verdade, esta é a dádiva de Deus e a maior honra para o homem. Esta é a glória da humanidade. Este é o beneplácito de Deus. Peço isto a Deus com o coração contrito.

Ó meu Senhor! Tu que sempre perdoas! Verdadeiramente, esta assembléia volveu a face para Teu Reino. Verdadeiramente, todos são o Teu rebanho e Tu és o Pastor de todos. Ó Tu verdadeiro Pastor! Educa e treina Tuas ovelhas em Tuas pastagens frescas e verdejantes. Permite que estes Teus pássaros construam seus ninhos em Teu jardim de rosas. Adorna Teu pomar com estas plantas e flores frescas. Revigora estas árvores humanas com a chuva de Tua benevolência e favor. Ó Deus! Verdadeiramente, somos todos Teus servos - todos Teus - e Tu és o Senhor Uno. Nós todos Te adoramos, e Tu és o benévolo Mestre. Ó Senhor! Torna os olhos perceptivos para que possam testemunhar as luzes de Teu Reino. Faze os ouvidos atentos para que possam ouvir os chamados divinos. Ressuscita os espíritos para que possam se alegrar através do sopro do Espírito Santo. Ó Senhor! Verdadeiramente, nós somos fracos, mas Tu és onipotente. Nós somos pobres, mas Tu és rico. Tem misericórdia de nós. Destina-nos uma boa porção de Tuas realidades e conduze-nos à arena de Tuas realizações. Tu és o Poderoso. Tu és o Hábil. Tu és o bondoso Senhor.

XVIII
PALESTRA PROFERIDA
POR 'Abdu'l-Bahá EM
CHICAGO
1
16 DE SETEMBRO DE 1912
Palestra na Residência da Sra. Corinne True
Avenida Kenmore, 5338, Chicago, Illinois
Registrada por Gertrude Buikema

Alláh'u'Abha! Louvado seja Deus! Já passei uma porção de dias entre vós, reunindo-me convosco com amor e fragrância. Louvado seja Deus! Vossos corações são puros, vossas faces radiantes, vossos espíritos alegres com as boas-novas de Deus. Eu oro por vós, buscando confirmações celestiais para que cada um de vós possa se tornar uma vela radiante, irradiando luz sobre o mundo humano. Que possais vos tornar a quintessência do amor. Que possais vir a ser o esplendor de Deus, plenos da influência do Espírito Santo e a causa da unidade e companheirismo no mundo humano, pois hoje a humanidade tem a maior necessidade de amor e harmonia. Se o mundo permanecer como é hoje, enfrentará grande perigo. Mas se houver reconciliação e unidade, se forem estabelecidas segurança e confiança, se nos esforçarmos de coração e alma para que os ensinamentos de Bahá'u'lláh penetrem efetivamente nas realidades da espécie humana, trazendo companheirismo e concórdia, ligando os corações das várias religiões e unindo povos divergentes, o mundo humano encontrará paz e tranqüilidade, a vontade de Deus se tornará a vontade do homem e a terra, a verdadeira morada de anjos. As almas devem ser educadas, os maus hábitos eliminados, que prevaleçam as virtudes do mundo humano, o materialismo desapareça, a religião seja fortalecida e venha a se tornar o laço que una os corações dos homens.

No mundo da existência, há diversos laços que unem os corações dos homens, mas nenhum destes laços é perfeitamente efetivo. O primeiro e o mais importante é o laço do relacionamento familiar, que não consiste numa unidade eficiente, pois muitas vezes desacordo e divergência rompem este relacionamento íntimo. O laço do patriotismo pode ser um meio de companheirismo e harmonia, mas a unidade patriótica não une completamente os corações humanos; pois se recapitularmos a história, veremos que povos da mesma raça e pátria freqüentemente travaram guerra uns contra outros. Muitas vezes, em lutas civis, eles derramaram o sangue da própria raça e destruíram as propriedades de seus compatriotas. Por isso, este laço não é suficiente. Outro meio de unidade aparente é o laço da associação política, em que governos e governantes se unem por motivos de comunicação e proteção mútuas, mas esse entendimento e união estão sujeitos a mudança e violento ódio, chegando ao ponto extremo de guerra e derramamento de sangue. É evidente que a unidade política não é permanentemente efetiva.

A fonte de perfeita unidade e amor no mundo da existência é o laço e a unicidade da realidade. Quando a realidade fundamental e divina entra nos corações e vidas humanas, ela preserva e protege todos os estados e condições da humanidade, estabelecendo aquela unicidade intrínseca do mundo humano, o qual só pode vir a existir através da eficácia do Espírito Santo. Pois o Espírito Santo é como a vida no corpo humano, que interliga todas as diferentes partes e membros em unidade e acordo. Considerai quão numerosos são estes órgãos e membros, mas a unicidade que anima o espírito de vida une-os todos em perfeita harmonia. Ele estabelece tal unidade no organismo físico que se qualquer parte sofrer algum dano ou enfermidade, todas as outras partes e funções respondem solidariamente e sofrem devido à sua perfeita unicidade. Tal como o espírito de vida do homem é a causa de coordenação entre as várias partes do organismo humano, o Espírito Santo é a causa que controla a unidade e a coordenação da humanidade. Ou seja, o laço ou a unicidade da humanidade não pode ser efetivamente estabelecido salvo através do poder do Espírito Santo, pois o mundo humano é um corpo composto e o Espírito Santo o princípio animador de sua vida.

Por isso, devemos nos esforçar para que o poder do Espírito Santo possa se tornar efetivo por todo o mundo humano, possa conferir um novo ânimo à vida da comunidade das nações e povos e que todos possam ser guiados à sombra protetora do Verbo de Deus. Então, este mundo humano se tornará angelical, a escuridão terrena desaparecerá e a iluminação celestial inundará os horizontes, as deficiências humanas serão eliminadas e as virtudes divinas resplandecerão. Isto é possível e real, mas somente através do poder do Espírito Santo. Hoje, a necessidade mais premente do mundo é a presença vivificadora e unificadora do Espírito Santo. A menos que ele se torne efetivo, penetrando e interpenetrando corações e espíritos, e até que uma fé perfeita e razoável seja implantada nas mentes dos homens, será impossível à sociedade sentir segurança e confiança. Ao contrário, inimizade e contenda crescerão dia a dia, e as diferenças e divergências das nações aumentarão dolorosamente. Haverá contínuo crescimento de exércitos e forças navais do mundo, e o medo e a certeza da grande guerra universal - uma guerra sem precedentes na história - serão intensificados; pois armamentos, anteriormente limitados, estão agora crescendo em escala colossal. As condições estão se tornando agudas, chegando ao ponto de os homens guerrearem nos mares, nas planícies e na própria atmosfera com uma violência inédita nos séculos passados. Com o incremento dos armamentos e preparativos, os perigos estão cada vez maiores.

Devemos envidar nossos máximos esforços para que o Espírito Santo possa influenciar corações e mentes em direção à paz, as graças de Deus sejam abrangentes, os esplendores divinos se tornem contínuos, as almas humanas avancem, as mentes alcancem uma visão mais ampla, as almas se tornem mais santas e o mundo humano seja libertado de sua grande ameaça. Pela melhora do mundo Bahá'u'lláh suportou todas as aflições, provações e vicissitudes da vida, sacrificando Sua própria existência e conforto, renunciando Suas propriedades, posses e honra - tudo o que pertence à existência humana - não por apenas um ano, mas por quase cinqüenta anos. Durante este longo período, Ele foi submetido a perseguição e brutalidade, foi lançado na prisão, foi banido de Sua terra natal, suportou agruras e humilhação, e foi exilado quatro vezes. Ele foi primeiramente exilado da Pérsia para Bagdá, de lá para Constantinopla, depois para Romélia e finalmente para a grande fortaleza-prisão de 'Akká, na Síria, onde Ele passou o resto de Sua vida. A cada dia uma nova opressão e brutalidade O afligiam, até Ele alçar Seu vôo da masmorra para o mundo supremo e retornou ao Seu Senhor. Ele suportou estas provações e dificuldades para que este mundo terreno dos homens pudesse se tornar celestial, que a iluminação do Reino divino se tornasse uma realidade nos corações dos homens, que cada membro do gênero humano pudesse progredir, o poder do Espírito Santo aumentasse sua eficácia e penetração, e a felicidade do mundo humano fosse assegurada. Ele desejava tranqüilidade e serenidade para todos e mostrava amorosa bondade para com as nações, independente das condições e diferenças. Ele Se dirigiu à humanidade, dizendo: "Ó gênero humano! Em verdade vós todos sois folhas e frutos de uma só árvore; todos sois um. Por isso, associai-vos em amizade; amai uns aos outros; abandonai os preconceitos de raça; eliminai para sempre esta impenetrável treva da ignorância humana, pois o século de luz, o Sol da Realidade apareceu. Agora é tempo de associação, agora é o período de unidade e concórdia. Durante milhares de anos vós estivestes em guerra e contenda. É o bastante. Agora é o tempo para unidade. Deixai de lado os objetivos pessoais, e sabei com certeza que todos os homens são servos do Deus Uno que os unirá em amor e concórdia."

Como no passado surgiram grandes diferenças e divergências de crenças sectárias, sendo que cada pessoa vinha com uma nova idéia, atribuindo-a a Deus, Bahá'u'lláh desejou que não houvesse qualquer pretexto ou motivo para discórdia entre os Bahá'ís. Por isso, com Sua própria pena, Ele escreveu o Livro de Seu Convênio, dirigindo-Se aos Seus parentes e a todos os povos do mundo, dizendo: "Verdadeiramente, Eu designei Aquele que é o Centro de Meu Convênio. Todos devem obedecê-Lo; todos devem se volver a Ele; Ele é o Expositor de Meu Livro e Ele está informado de Meu propósito. Todos devem se dirigir a Ele. Tudo o que Ele disser está correto, pois, verdadeiramente, Ele conhece os textos de Meu Livro. Ninguém a não ser Ele conhece Meu Livro." O propósito desta declaração é que jamais deve haver discórdia e divergência entre os Bahá'ís, e eles devem estar sempre unidos e em acordo. Em Suas orações, Bahá'u'lláh também disse: " Ó Deus! Qualquer um que violar Meu Convênio, humilha-o, ó Deus. Verdadeiramente, qualquer um que violar Meu Convênio, extingue-o e elimina-o, ó Deus." Em todas as Suas Epístolas, entre as quais está a Epístola do Ramo, Ele mencionou e explicou os atributos e qualidades da Pessoa a quem Ele Se referiu no Livro de Seu Convênio. Ele expôs plenamente a função e o poder dessa Pessoa, para que ninguém dissesse: "Eu entendo os Escritos de Bahá'u'lláh desta maneira", pois Ele designou o Centro, ou Expositor de Seu Livro. Ele disse: "Verdadeiramente Ele é o designado; não há nenhum outro além dEle", querendo dizer que seitas ou preconceitos não podem ser formados, e impedindo que qualquer pessoa com uma nova idéia pudesse criar dissensão e divergência. É como se um rei designasse um governador-geral. Quem quer que o obedeça, estará obedecendo ao rei. Quem quer que o desonre e desobedeça, estará ofendendo o rei. Por isso, quem obedecer ao Centro do Convênio designado por Bahá'u'lláh, terá obedecido a Bahá'u'lláh, e quem O desobedecer, terá desobedecido a Bahá'u'lláh. Não tem absolutamente nada a ver com Ele ('Abdu'l-Bahá) - exatamente como o governador-geral designado pelo rei - qualquer um que obedecer ao governador-geral obedecerá ao rei; qualquer um que desobedecer ao governador-geral desobedecerá ao rei.

Por isso, deveis ler as Epístolas de Bahá'u'lláh. Deveis ler a Epístola do Ramo e considerar aquilo que Ele tão claramente afirmou. Acautelai-vos! Acautelai-vos! Que ninguém fale da autoridade de seus próprios pensamentos ou crie algo novo de si mesmo. Acautelai-vos! Acautelai-vos! De acordo com o explícito Convênio de Bahá'u'lláh, não deveis dar atenção alguma a tal pessoa. Bahá'u'lláh Se afasta de tais almas. Expus estas coisas para vós para preservar e proteger os ensinamentos de Bahá'u'lláh, para que estejais informados, que nenhuma alma vos iluda, e que nenhuma alma crie suspeita entre vós. Deveis amar todas as pessoas, mas se qualquer alma vos colocar em dúvida, deveis saber que Bahá'u'lláh Se afasta dela. Qualquer um que trabalhe pela unidade e companheirismo é um servo de Bahá'u'lláh, e Bahá'u'lláh é seu assistente e auxiliar. Peço a Deus que Ele faça com que sejais o próprio meio de concórdia e unidade, que Ele vos torne radiantes, misericordiosos, filhos celestiais do Reino divino; que possais avançar dia a dia; que possais vos tornar radiantes como estas lâmpadas, concedendo luz a toda a humanidade. Saudações e adeus!

XIX
PALESTRA PROFERIDA
POR 'Abdu'l-Bahá EM
MINNEAPOLIS
1
20 DE SETEMBRO DE 1912
Palestra na Residência do Sr. Albert L. Hall

Avenida Queen, 2030, Zona Sul, Minneapolis, Minnesota

Registrada por Ellen T. Pursell

Louvado seja Deus! Esta é uma bela e radiante assembléia. É uma reunião misericordiosa, pois vos encontrais aqui em máximo amor e espiritualidade. Há muitas reuniões no mundo, talvez milhares delas acontecendo neste mesmo instante, a maioria por motivos sociais, políticos, científicos ou comerciais; mas nossa reunião hoje à noite é por Deus, por motivos celestiais. Não estamos ligados a comércio, nem é científico nosso interesse; nosso espírito e motivo são somente unicamente as manifestações das dádivas divinas.

O homem possui dois tipos de virtudes: um é material, e o outro possui caráter ideal. Por exemplo, o corpo do homem expressa certas virtudes materiais, mas o espírito do homem manifesta virtudes que são ideais. O sentido da visão no homem é uma virtude física; mas discernimento, o poder da percepção interior, é de natureza ideal. O sentido da audição é um dom físico, ao passo que a memória no homem é de caráter ideal. A compreensão das realidades dos fenômenos é uma virtude ideal; assim como as emoções do homem e sua habilidade em provar a existência de Deus. A percepção de padrões morais e o mundo das descobertas envolvem virtudes essencialmente ideais.

Se examinarmos a história, veremos que o progresso humano tem sido grande no desenvolvimento das virtudes materiais. A civilização é um sinal e evidência deste progresso. No mundo inteiro, a civilização material realmente atingiu alturas e graus maravilhosos de eficiência - ou seja, as forças e virtudes visíveis do homem se desenvolveram grandemente, mas as virtudes interiores e ideais foram proteladas e negligenciadas na mesma proporção. Na história do mundo, esta é a época de nos esforçarmos e darmos um impulso ao avanço e desenvolvimento das forças interiores - isto é, devemos nos levantar ao serviço da moralidade, pois a moralidade humana precisa ser reajustada. Devemos também prestar serviço ao mundo intelectual para que as mentes humanas aumentem seu poder e agucem sua percepção, ajudando o intelecto do homem a atingir sua supremacia, a fim de que as virtudes ideais possam surgir. Antes de se dar um passo nesta direção, devemos estar aptos a dar prova da Divindade do ponto de vista da razão, de modo que nenhuma dúvida ou objeção permaneça para os racionalistas. Em seguida devemos ser capazes de provar a existência da graça de Deus - que a graça divina envolve a humanidade e é transcendente. Além disso, devemos demonstrar que o espírito do homem é imortal, que não está sujeito a desintegração e que abrange as virtudes da humanidade.

As virtudes materiais chegaram a um grande desenvolvimento, mas as virtudes ideais foram deixadas para trás. Se perguntardes a mil pessoas: "Quais são as provas da realidade da Divindade?" Talvez nenhuma esteja preparada para responder. Se perguntardes mais: "Que provas se tem a respeito da essência de Deus?" "Como se explica inspiração e revelação?" "Quais são as evidências da inteligência consciente além do universo material?" "Pode-se sugerir um plano ou método para a melhora da moralidade humana?" "Pode-se distinguir e diferenciar claramente o mundo da natureza do mundo da Divindade?" - obtereis muito pouco conhecimento e esclarecimento reais sobre estas questões. Isto é devido ao fato de que o desenvolvimento das virtudes ideais foi negligenciado. As pessoas falam a respeito da Divindade, mas na realidade suas idéias e crenças sobre a Divindade são superstição. A Divindade é o esplendor do Sol da Realidade, a manifestação das virtudes espirituais e poderes ideais. As provas intelectuais da Divindade são baseadas sobre observação e evidência que constituem argumento decisivo, comprovando logicamente a realidade da Divindade, o esplendor da misericórdia, a certeza da inspiração e a imortalidade do espírito. Esta é, na verdade, a ciência da Divindade. A Divindade não é o que se anuncia nos dogmas e sermões da igreja. Normalmente, quando a palavra Divindade é mencionada, ela é associada nas mentes dos ouvintes a certas fórmulas e doutrinas, ao passo que ela essencialmente significa a sabedoria e o conhecimento de Deus, o esplendor do Sol da Realidade, a revelação da realidade e da filosofia divina.

Há duas espécies de filosofia: a da natureza e a divina. A filosofia da natureza busca conhecimento das verdades físicas e explica os fenômenos materiais, enquanto a filosofia divina lida com as verdades ideais e os fenômenos do espírito. O campo e o escopo da filosofia da natureza foram grandemente ampliados e suas realizações são as mais louváveis, pois serviram à humanidade. Mas, de acordo com a evidência das condições do mundo atual, a filosofia divina - que tem por objetivo a sublimação da natureza humana, o progresso espiritual, a orientação celestial para o desenvolvimento da raça humana e a obtenção dos sopros do Espírito Santo e o conhecimento das verdades de Deus - foi descurada e negligenciada. Agora é tempo de fazermos um esforço para reabilitá-la a avançar rapidamente com a filosofia da investigação material, de modo que o despertar das virtudes ideais possa progredir igualmente com o desenvolvimento das capacidades naturais. O espírito do homem deve ser fortalecido na mesma proporção em que seu corpo está se desenvolvendo; e assim como suas percepções exteriores foram vivificadas, suas capacidades intelectuais interiores devem ser sensibilizadas de modo que ele não precise confiar completamente na tradição e nas condições humanas precedentes. Em questões divinas não devemos depender completamente de tradição herdada e da experiência humana anterior; devemos, ao contrário, exercer a razão, analisar e examinar com lógica os fatos apresentados, para inspirar confiança e atingir a fé. Então, e somente então, a realidade das coisas nos será revelada. Os filósofos da Grécia - tais como Aristóteles, Sócrates, Platão e outros - eram devotados à investigação tanto dos fenômenos naturais como dos espirituais. Nas suas escolas, eles discursavam sobre o mundo da natureza, bem como sobre o mundo supranatural. Hoje a filosofia e a lógica de Aristóteles são conhecidas no mundo todo. Por estarem interessados tanto na filosofia da natureza como na divina, favorecendo o desenvolvimento do mundo físico da humanidade bem como o intelectual, eles prestaram louváveis serviços à humanidade. Foi esta a razão do triunfo e sobrevivência de seus ensinamentos e princípios. O homem deve prosseguir em ambas as linhas de pesquisa e investigação, de modo que todas as virtudes humanas, exteriores e interiores, venham a se tornar possíveis. A aquisição dessas virtudes, material e ideal, é condicionada à investigação inteligente da realidade, através da qual a sublimidade do homem e seu progresso intelectual são realizados. As aparências devem ser deixadas de lado e abandonadas; a realidade deve ser investigada. Devemos descobrir por nós mesmos o que é realidade e onde se encontra. Hoje, em questões de crença religiosa, nações e povos são imitadores de seus ancestrais e antepassados. Se o pai de uma pessoa for cristão, ela será cristã; um budista é filho de um budista, um zoroastriano de um zoroastriano. Um gentio ou idólatra segue os passos da religião de seus pais e ancestrais. Isto é absoluta imitação. Hoje o requisito é que o homem investigue independente e imparcialmente toda forma de realidade.

A grande questão pertinente à humanidade é a religião. A primeira condição é que o homem deve investigar inteligentemente seus fundamentos. A segunda condição é que ele deve admitir e reconhecer a unicidade do mundo humano. Deste modo a realização do verdadeiro companheirismo entre a humanidade é assegurado, e a alienação de raças e de indivíduos, evitada. Todos devem ser considerados servos de Deus; todos devem reconhecer Deus como o bondoso Protetor e Criador. O companheirismo é possível em proporção direta ao reconhecimento da unicidade e solidariedade da humanidade; desentendimentos serão eliminados e a realidade se tornará aparente. Então a luz da realidade resplandecerá e, quando a realidade iluminar o mundo, a felicidade da espécie humana se tornará uma realidade. O homem deve perceber espiritualmente que a religião foi destinada por Deus a ser um meio de favor, fonte de vida e causa de concórdia. Se ela se tornar causa de discórdia, inimizade e ódio, será melhor que o homem fique sem ela. Pois em seus ensinamentos buscamos o espírito de caridade e amor para unir os corações dos homens. Se, ao contrário, ela alienar e angustiar os corações humanos, será justificável deixá-la de lado. Portanto, quando o homem, através de investigação sincera, descobre a realidade fundamental da religião, seus preconceitos anteriores desaparecem e sua nova condição de esclarecimento é conducente ao desenvolvimento do mundo humano.

O teor do nosso assunto é que, assim como o homem necessita de educação exterior, necessita também de refinamento ideal; assim como o sentido de visão exterior lhe é necessário, ele deve também possuir discernimento e percepção consciente; assim como ele necessita audição, ao mesmo tempo memória lhe é essencial; tal como o corpo lhe é indispensável, a mente também é necessária; um é virtude material, o outro é ideal. Como criaturas humanas, dotadas e qualificadas com este duplo dom, devemos nos esforçar, através da assistência e graça de Deus e pelo exercício da nossa capacidade ideal do intelecto, por atingir todas as sublimes virtudes para que possamos testemunhar o esplendor do Sol da Realidade, refletir o espírito do Reino, contemplar as manifestas evidências da realidade divina, compreender as irrefutáveis provas da imortalidade da alma, viver em harmonia consciente com o mundo eterno e vivificar-nos e despertar com a existência e o amor de Deus.

XX
PALESTRA PROFERIDA
POR 'Abdu'l-Bahá EM
ST. PAUL
1
20 DE SETEMBRO DE 1912

Palestra na Residência do Dr. e Sra. Clement Woolson

Avenida Laurel, 870, St. Paul, Minnesota
De Notas Estenográficas

Os materialistas sustentam a opinião de que o mundo da natureza é completo. Os filósofos divinos declaram que o mundo da natureza é incompleto. Há uma enorme diferença entre eles. Os materialistas chamam a atenção para a perfeição da natureza, o sol, a lua, as estrelas, o ornamento das árvores, a própria terra e o céu - até mesmo fenômenos sem importância que revelam a mais perfeita harmonia. Os filósofos divinos negam esta aparente perfeição e completude do reino da natureza, mesmo admitindo a beleza de suas cenas e feições e reconhecendo as irresistíveis forças cósmicas que controlam os colossais sóis e planetas. Eles sustentam que embora a natureza pareça perfeita, ela é, no entanto, imperfeita porque necessita de inteligência e educação. Como evidência disso, eles dizem que o homem, embora seja como um deus no reino da criação material, ele próprio necessita de um educador. O homem, se não for desenvolvido pela educação, é selvagem, animalesco e brutal. Leis e regulamentos, escolas e universidades têm o propósito de treinar o homem e elevá-lo da escura região do mundo animal. Qual a diferença entre o povo da América e os habitantes da África central?

Todos são seres humanos. Por que o povo da América avançou a um alto grau de civilização, enquanto as tribos da África central permanecem em extrema ignorância e barbárie? A diferença e a distinção entre eles são seu grau de educação. Isto é inquestionável. Através de educação e instrução, os povos da Europa e da América foram erguidos do mundo das imperfeições e se elevaram em direção ao reino da perfeição, ao passo que os povos da África rejeitaram o desenvolvimento resultante da educação e permanecem na condição natural de ignorância e privação, pois a natureza é incompleta e imperfeita. A educação é uma necessidade. Se um terreno for deixado em seu estado natural e primitivo, ele se tornará um inútil espinhal ou se cobrirá de ervas daninhas. Quando limpo e cultivado, este mesmo campo improdutivo produzirá abundantes colheitas de alimento para o sustento humano.

Esta mesma diferença é perceptível entre os animais; alguns foram domesticados e educados, outros permaneceram selvagens. Há clara evidência de que o mundo da natureza é imperfeito e o mundo da educação perfeito. Ou seja, o homem é libertado das exigências da natureza através de instrução e cultura; conseqüentemente, a educação é necessária e obrigatória. Mas a educação é de varias espécies. Há a instrução e o desenvolvimento do corpo físico, que assegura força e crescimento. Há a educação intelectual ou treinamento mental para os quais são fundadas escolas e faculdades. A terceira espécie de educação é a do espírito. Através dos sopros do Espírito Santo, o homem é elevado para o mundo da moralidade e iluminado pelas luzes das dádivas divinas. O mundo da moralidade só é atingido através do esplendor do Sol da Realidade e da revigorante vivificação do espírito divino. Por isso, os santos Manifestantes de Deus aparecem no mundo humano. Eles vêm para educar e iluminar o gênero humano, conceder suscetibilidades espirituais, despertar as percepções interiores e desse modo adornar a realidade do homem - o templo humano - com as graças divinas. Por intermédio dEles, o homem pode se tornar o foco das emanações de Deus e o recipiente das graças celestiais. Sob a influência de Seus ensinamentos, ele pode se tornar a manifestação dos esplendores de Deus e um ímã que atraia as luzes do mundo supremo. É por isso que os santos e divinos Manifestantes são os primeiros Mestres e Educadores da humanidade; Seus sinais são as mais sublimes evidências e Suas instruções espirituais são de aplicação universal ao mundo humano. Sua influência e poder são imensuráveis e ilimitados. Um só Personagem celestial desenvolve muitas nações. Jesus Cristo, por exemplo, sozinho e sem auxílio, educou as nações romana, grega e assíria, e toda a Europa. É evidente, portanto, que a maior educação é a do espírito.

O espírito do homem deve adquirir suas graças do Reino de Deus para poder se tornar o espelho, a manifestação das luzes e o ponto do alvorecer dos sinais divinos, pois a realidade humana é como o solo. Se a graça da chuva não for derramada do céu sobre o solo, se o calor do sol não penetrar, ele permanecerá escuro, repulsivo, improdutivo; mas se a úmida chuva e o esplendoroso brilho dos raios do sol caírem sobre ele, belas e fragrantes flores crescerão em seu seio. De modo semelhante, a menos que se torne recipiente das luzes do Reino, desenvolva suscetibilidades divinas e conscientemente reflita o esplendor de Deus, o espírito humano ou a realidade do homem não manifestará as graças ideais, pois somente a realidade do homem pode se tornar o espelho em que as luzes de Deus se revelam. Então, a realidade do homem será como o espírito deste mundo, pois assim como o ânimo de vida vivifica o corpo físico do homem, o corpo do mundo será vivificado através das virtudes animadoras do espírito santificado do homem.

É evidente que os santos Manifestantes e os divinos pontos de alvorecer são necessários, pois essas Almas abençoadas e gloriosas são os principais Professores, Mestres e Educadores da humanidade, e todas as almas humanas são desenvolvidas pelas graças do Espírito Santo de Deus por intermédio dEles.

Durante o ministério de Jesus Cristo, na Palestina, Ele foi cercado por pessoas de várias nações, incluindo os judeus, todos eles vivendo em condições de extrema ignorância, privados do Verbo de Deus e com a consciência obscurecida. Cristo educou essas pessoas e vivificou-as com o Verbo vivificador, e assim eles, por sua vez, tornaram-se instrumentos para a educação do mundo, iluminando o Oriente e o Ocidente.

Considerai os maravilhosos efeitos da educação e da instrução espiritual. Por seu intermédio, Pedro, o pescador, foi transformado no maior dos instrutores. A educação espiritual transformou os discípulos em lâmpadas radiantes na escuridão do mundo e fez dos cristãos do primeiro e segundo séculos renomados pelas suas virtudes. Até mesmo os filósofos dão testemunho disso. Entre eles houve Galeno, o médico, que escreveu um livro a respeito da questão do progresso das nações. Ele foi um dos celebrados filósofos gregos, embora não um cristão. Em seu livro, ele afirmou que as crenças religiosas exercem uma tremenda influência sobre a civilização e que o mundo precisa de tal crença. Como prova disto, ele disse em essência: "Em nossa época, existem certas pessoas chamadas cristãs, as quais, embora não sejam filósofos nem eruditos instruídos, são superiores a todos os outros em sua moralidade. São perfeitos na moralidade. Cada um deles é como um grande filósofo em moralidade, ética e adoração ao Reino de Deus." Isto é uma evidência do testemunho de um inteligente observador externo de que a educação espiritual é a luz do mundo humano e que sua ausência no mundo é a própria escuridão.

Bahá'u'lláh surgiu na Pérsia, numa época em que as trevas da ignorância envolviam o Oriente e não havia qualquer traço de amor e companheirismo humanos. Através da educação divina e do poder dos sopros do Espírito Santo, de tal modo Ele refinou as almas dos persas que se tornaram Seus seguidores que eles atingiram a condição da mais elevada inteligência e refletiram os atributos da perfeição ao mundo. Embora anteriormente fossem ignorantes, tornaram-se sábios; fracos, tornaram-se poderosos; sem integridade, tornaram-se conscienciosos; hostis a todos os homens, desenvolveram amor à humanidade; espiritualmente negligentes, tornaram-se cuidadosos e atentos; adormecidos, foram despertados; em desacordo entre si mesmos, uniram-se em amor e agora se esforçam a prestar serviço ao mundo humano. Seu único propósito é servir a Deus e à humanidade; não têm vontade nem desejo salvo o que está de acordo com o beneplácito de Deus. O beneplácito de Deus é amor a Suas criaturas. A vontade e o plano de Deus é que cada membro da espécie humana torne-se iluminado como uma lâmpada, radiante com todas as virtudes destinadas à humanidade, conduzindo seus semelhantes para fora da escuridão da natureza, em direção à luz celestial. Aí repousam a virtude e a glória do homem; de outro modo, o homem é um animal e sem qualquer distinção das criaturas daquele reino inferior.

É claramente evidente que embora o homem possua poderes comuns com os animais, ele se distingue do animal pela capacidade intelectual, percepção espiritual, aquisição de virtudes, capacidade de receber as dádivas da Divindade, as graças do Senhor e as emanações da mercê celestial. Este é o adorno do homem, sua honra e sublimidade. A humanidade deve se esforçar por atingir esta suprema posição. Cristo interpretou esta posição como o segundo nascimento. O homem primeiro nasce do mundo da escuridão, o ventre materno, para este mundo físico de luz. No escuro mundo do qual ele veio, não tinha qualquer conhecimento das virtudes desta existência. Ele foi libertado da condição de escuridão e trazido para um novo e espaçoso reino em que há luz do sol, as estrelas cintilam, a lua irradia sua luz, há belas paisagens, jardins de rosas; frutos e todas as bênçãos deste mundo. Como ele alcançou estas bênçãos? Por intermédio do nascimento do ventre materno. Tal como o homem nasce fisicamente para este mundo, ele pode renascer do reino e do ventre da natureza, pois o reino da natureza é uma condição animal, treva e imperfeição. Neste segundo nascimento ele alcança o mundo do Reino. Ele testemunha e percebe que o mundo da natureza é um mundo sombrio, enquanto o Reino é um mundo de esplendor; o mundo da natureza é um mundo de imperfeições, o Reino é o domínio da perfeição; o mundo da natureza é um mundo sem esclarecimento, o Reino da humanidade espiritual é um céu de iluminação. Grandes descobertas e revelações agora lhe são possíveis; ele atingiu a realidade da percepção; seu campo de entendimento foi infinitamente ampliado; ele vê as realidades da criação; compreende as graças divinas e dessela os mistérios dos fenômenos. Esta é a condição que Cristo interpretou como o segundo nascimento. Ele disse que da mesma maneira que fisicamente nascestes da mãe para este mundo, deveis renascer do mundo da mãe-natureza para a vida do Reino divino. Que possais todos atingir este segundo, o nascimento espiritual. "O que nasceu da carne é carne, o que nasceu do Espírito é espírito." (João 3:6)

Rezo para que as confirmações de Deus possam descer sobre vós. Que possais todos nascer novamente, deste mundo mortal para o domínio do Reino. Que possais testemunhar claramente os sinais de Deus, sentir as virtudes divinas, alcançar as graças eternas e perceber a realidade da vida imperecível.

XXI
PALESTRAS PROFERIDAS
POR 'Abdu'l-Bahá EM
DENVER
1
24 DE SETEMBRO DE 1912
Palestra na Residência da Sra. Roberts
Denver, Colorado
De Notas Estenográficas

Eu vim de terras longínquas do Oriente para vos visitar, cruzando o grande oceano e viajando longas distâncias neste continente. Vede como ansiei em vos encontrar, pois meu corpo está débil e fraco, incapaz de resistir por muito tempo, mas - louvado seja Deus! - finalmente chegamos a Denver. Uma reunião como esta é digna de agradecimento; é ímpar e única entre as reuniões. Outras reuniões são realizadas por motivos de interesses materiais - tais como sociais, políticos, comerciais, educacionais - mas esta assembléia nenhum outro propósito nutre senão a obtenção do Reino divino; por isso ela é singular, incomparável. Os corações volveram-se a Deus, os espíritos estão elevados pelas boas-novas de Deus, as intenções de todos estão direcionadas a Deus. Que reunião melhor que esta poderia ser imaginada?

Tal reunião é fundamentalmente espiritual, sincera e de suma importância. Mas nós nos levantamos para cumprir seus propósitos, pois nossa atenção é dirigida para o Reino celestial, ao qual devemos prestar constante serviço. Por isso, todos nós aqui presentes devemos estar em atitude de perfeito amor e companheirismo, manifestando a máxima humildade e abnegação, volvendo nossos pensamentos ao Reino de Deus para que nossa reunião possa ser uma expressão das glorificadas hostes da Assembléia Suprema.

Louvado seja Deus! Vivemos num século de luz. Louvado seja Deus! Estamos sobre a terra no dia do esplendor divino. Louvado seja Deus! Vivemos nesta época da manifestação do amor divino. Louvado seja Deus por vivermos no dia da efusão de graças celestiais. Louvado seja Deus! Este é o dia em que as luzes e os esplendores despertaram progresso por todo o Oriente e Ocidente. Em épocas passadas, muitas almas santas ansiaram testemunhar este século, lamentando noite e dia, aspirando estar presente sobre a terra neste ciclo; mas nossa presença e privilégio são a benévola dádiva do Senhor. Em Sua divina misericórdia e virtude absoluta Ele nos concedeu isto, tal como Cristo declarou: "Muitos são chamados, mas poucos escolhidos." (Mateus 22:14) Em verdade, Deus vos escolheu por Seu conhecimento e amor; Deus vos escolheu para o meritório serviço de unificar a humanidade; Deus vos escolheu para o propósito da investigação da realidade e promulgação da paz internacional; Deus vos escolheu para o progresso e o desenvolvimento da humanidade, para a difusão e a proclamação da verdadeira educação, para a expressão do amor aos vossos semelhantes e a eliminação do preconceito; Deus vos escolheu para unir os corações dos homens e iluminar o mundo humano. As portas de Sua generosidade estão escancaradas para nós; mas devemos estar atentos, alertas e cuidadosos, ocupados com o serviço a toda a humanidade, agradecendo as dádivas de Deus e estando sempre em conformidade com Sua vontade.

Observai como as trevas envolveram o mundo. Em todo canto do mundo há contenda, discórdia e guerra de algum tipo. O gênero humano está submerso num mar de materialismo e ocupado com os afazeres deste mundo. Nada tem em mente além das possessões terrenas, e nenhum desejo manifesta salvo as paixões desta existência fugaz e mortal. Seu maior propósito é alcançar o meio de vida material, o conforto físico e o desfrutar das coisas mundanas, o que constitui mais a felicidade do mundo animal do que a do mundo humano.

O homem atinge a honra através do conhecimento de Deus; sua felicidade provém do amor de Deus; sua alegria está nas boas-novas de Deus; sua grandeza depende de sua servitude a Deus. O mais elevado desenvolvimento do homem é sua entrada no Reino divino e o fruto de sua existência humana é o núcleo e a essência da vida eterna. Se o homem for privado das dádivas divinas e se seu prazer e alegria se restringirem às suas inclinações materiais, qual a distinção ou diferença entre ele e o animal? Na verdade, a felicidade do animal é maior, pois seus desejos são menos numerosos e mais fáceis os meios de adquiri-los. Embora o homem precise se esforçar para satisfazer as necessidades materiais e conforto, sua verdadeira necessidade é a aquisição das graças de Deus. Se ele for privado das graças divinas, das suscetibilidades espirituais e das boas-novas celestiais, sua vida neste mundo não terá produzido qualquer resultado meritório. Enquanto na vida terrena, ele deve se apegar à vida espiritual e, juntamente com o conforto e alegria materiais, desfrutar os prazeres e satisfações divinas. Então ele é digno de ser chamado homem; então ele será à imagem e semelhança de Deus, pois a imagem do Misericordioso consiste em atributos do Reino celestial. Se nenhum fruto do Reino aparecer no jardim de sua alma, o homem não é a imagem e semelhança de Deus, mas se tais frutos aparecerem, ele se tornará recipiente de dádivas ideais e é inflamado com o fogo do amor de Deus. Se sua moralidade se tornar espiritual, suas aspirações celestiais e suas ações em harmonia com a vontade de Deus, o homem terá atingido a imagem e semelhança de seu Criador; de outro modo, ele é a imagem e semelhança de Satã. Foi por isso que Cristo disse: "Pelos seus frutos os conhecereis." (Mateus 7:16)

Quais são os frutos do mundo humano? São os atributos espirituais que aparecem no homem. Se o homem for privado desses atributos, ele é como uma árvore infrutífera. Aquele cuja aspiração é sublime e que desenvolveu autoconfiança não se contenta com uma mera existência animal. Ele buscará o Reino divino; ansiará por estar no céu embora seu corpo físico continue sobre a terra, e, embora seu semblante exterior seja físico, sua face de reflexão interior se tornará espiritual e celestial. Até que esta condição seja atingida pelo homem, sua vida estará completamente destituída de verdadeiros resultados. Passará o curto período de sua vida comendo, bebendo e dormindo, sem frutos eternos, sinais ou iluminação celestiais - sem potência espiritual, vida eterna ou realizações sublimes a ele destinadas durante sua peregrinação pelo mundo humano. Deveis agradecer a Deus que vossos esforços são elevados e nobres, que vossos empenhos são meritórios, que vossas intenções estão centradas no Reino de Deus e vosso supremo desejo é a aquisição de virtudes eternas. Deveis agir em conformidade com estes requisitos. Uma pessoa pode ser Bahá'í apenas de nome. Se ele for realmente bahá'í, seus atos e obras serão prova decisiva disso. Quais são os requisitos? Amor à humanidade, sinceridade para com todos, refletir a unicidade do mundo humano, filantropia, inflamar-se com o fogo do amor de Deus, alcançar o conhecimento de Deus e aquilo que conduz ao bem-estar humano.

Esta noite estivemos falando do companheirismo e da unidade dos Bahá'ís persas. Eles realmente podem ser chamados de amantes. Se, por exemplo, um dos amigos de Deus chegar à sua cidade, todos os amigos se regozijarão e se reunirão com ele. Se ele estiver doente, cuidarão dele; se estiver triste, eles o confortarão. Cuidarão dele de todas as maneiras e darão inequívoca evidência de que há um relacionamento espiritual entre eles.

Estranhos e observadores externos ficam estupefatos diante desse amor e afeição radiante que existe entre os Bahá'ís. Eles perguntam a esse respeito. Observam a unidade e a harmonia manifestas entre eles. Eles dizem: "Que belo espírito brilha em suas faces!" Todos o invejam e desejam que tal laço de amor possa ser testemunhado em todos os lugares. Portanto, meu primeiro conselho a vós é este: associai-vos a todos com a máxima amabilidade; sede como uma só família; adotai este mesmo caminho. Que vossos propósitos sejam um só: fazer vosso amor penetrar e afetar os corações dos outros, de modo que eles possam se desenvolver para amar uns aos outros e todos atinjam esta condição de unicidade.

O mundo humano está tomado pela escuridão; vós sois suas velas radiantes. Ele é muito pobre; vós deveis ser o tesouro do Reino. Ele está extremamente degradado; vós deveis ser causa de sua elevação. Está privado das graças divinas; vós deveis lhe dar impulso e vivificação espirituais. De acordo com os ensinamentos de Bahá'u'lláh, deveis amar e estimar cada membro da humanidade.

O primeiro sinal da fé é o amor. A mensagem dos santos Manifestantes de Deus é amor; os fenômenos da criação são baseados no amor; o esplendor do mundo é devido ao amor; o bem-estar e a felicidade do mundo dependem dele. Portanto, eu vos admoesto a vos empenhardes na difusão da luz do amor por todo o mundo humano. Os povos deste mundo pensam em guerra; vós deveis ser os pacificadores. As nações são egocêntricas; vós deveis ser mais zelosos com os outros do que convosco mesmos. Eles são negligentes; vós deveis ser atenciosos. Eles estão adormecidos; vós deveis estar despertos e alertas. Que cada um de vós seja como uma estrela radiante no horizonte de glória eterna. Este é o meu desejo e minha mais alta esperança para vós. Vim de longe para que possais atingir estes atributos e favores divinos. Louvado seja Deus! Participei desta reunião que tem por objetivo a celebração de Deus.

2
25 DE SETEMBRO DE 1912
Palestra na Segunda Igreja da Ciência Divina

Avenida Trinta e Oito, 3929, Zona Oeste, Denver, Colorado

De Notas Estenográficas

No Oriente, fui informado dos sublimes objetivos e maravilhosas realizações do povo americano. Quando cheguei a este país, percebi que os ideais americanos são realmente os mais louváveis e as pessoas aqui são amantes da verdade. Eles investigam a realidade e não há o menor traço de fanatismo entre eles. Hoje as nações do mundo estão à beira da guerra, influenciadas e impelidas pelos preconceitos da ignorância e do fanatismo racial. Louvado seja Deus! Vós estais livres de tal preconceito, pois acreditais na unicidade e solidariedade do mundo humano. Não há qualquer dúvida de que as confirmações divinas vos apoiarão.

Uma das formas de preconceitos que afligem o mundo humano, é a intolerância e o fanatismo religiosos. Quando este ódio arde nos corações humanos, torna-se causa de revolta, destruição e degradação da espécie humana e da privação da misericórdia de Deus. Pois os santos Manifestantes e divinos Fundadores das religiões eram, Eles mesmos, completamente unificados em amor e entendimento, ao passo que Seus seguidores se caracterizam por amargo antagonismo e atitudes de hostilidade uns em relação aos outros. Deus desejou o esplendor do amor para a humanidade, mas por causa da cegueira e do desentendimento, o homem se envolveu em véus de discórdia, contenda e ódio. A suprema necessidade da humanidade é cooperação e reciprocidade. Quanto mais fortes os laços de companheirismo e solidariedade entre os homens, maior será o poder de construção e realização em todos os planos de atividade humana. Sem cooperação e atitude de reciprocidade, os indivíduos da sociedade humana permanecem egocêntricos, sem influência de objetivos altruístas, em desenvolvimento limitado e solitário como os organismos animais e vegetais dos reinos inferiores. As criaturas inferiores não necessitam de cooperação e reciprocidade. Uma árvore pode viver solitária e isolada, mas isto é impossível ao homem sem que haja retrocesso. Por isso, toda atitude e atividade de cooperação na vida humana é louvável e antecipada pela vontade de Deus. A primeira expressão de cooperação é o relacionamento familiar, cuja potencialidade é insegura e incerta, pois está sujeita à separação e não une permanentemente os membros da humanidade. Há ainda uma cooperação e unicidade de raça, que igualmente não é eficiente, pois embora de um modo geral seus membros possam estar em concordância, eles divergem radicalmente em pontos de vista pessoais e particulares. A unidade racial, portanto, não garantirá os requisitos do relacionamento divino. Há, no mundo humano, outros meios pelos quais a associação física é estabelecida, mas estes falham em unir os corações e espíritos dos homens e são igualmente ineficientes. Por isso, é evidente que Deus tencionou e destinou a religião para ser a causa e o meio de esforço e realização cooperativas entre o gênero humano. Foi para este fim que Ele enviou os Profetas de Deus, os santos Manifestantes do Verbo, a fim de que a realidade fundamental, a religião de Deus, pudesse ser o laço da unidade humana, pois as religiões divinas reveladas por estes santos Mensageiros possuem um único e mesmo fundamento. Todos admitirão, portanto, que as religiões divinas são designadas para serem meios da verdadeira cooperação humana, que são unidas no propósito de fazer da humanidade uma só família, pois baseiam-se no fundamento universal do amor, e o amor é o primeiro esplendor da Divindade.

Cada uma das religiões divinas estabeleceu dois tipos de mandamentos: os essenciais e os contingentes. Os mandamentos essenciais repousam sobre os firmes, imutáveis e eternos fundamentos do próprio Verbo. Dizem respeito à espiritualidade, procuram estabilizar a moralidade, despertar as suscetibilidades intuitivas, revelar o conhecimento de Deus e inculcar o amor a toda a humanidade. As leis contingentes são as que dizem respeito à administração dos atos e das relações humanas exteriores, estabelecendo regras e regulamentos necessários ao mundo físico e seu controle. Estes estão sempre sujeitos a mudança e substituição, de acordo com as exigências de tempo, lugar e condição. Por exemplo, na época de Moisés foram revelados em Seu Livro dez mandamentos relativos à punição por assassinato. O divórcio foi sancionado e a poligamia permitida até certo ponto. Se um homem cometesse roubo, sua mão era cortada. Esta era uma lei drástica e uma punição severa aplicável no tempo de Moisés. Mas quando chegou o tempo de Cristo, as mentes haviam se desenvolvido, o entendimento era mais aguçado e a percepção espiritual havia avançado, de modo que certas leis relacionadas ao assassinato, à pluralidade de esposas e ao divórcio foram ab-rogadas. Mas os mandamentos essenciais da dispensação mosaica permaneceram inalterados. Estes eram as realidades fundamentais do conhecimento de Deus e dos santos Manifestantes, a purificação da moral e o despertar das suscetibilidades espirituais - princípios eternos nos quais não há mudança ou transformação. Em suma, o fundamento das divinas religiões é um único fundamento eterno, mas as leis para as condições e exigências temporárias estão sujeitas a mudança. Assim, devido ao apego a essas leis temporárias e à cega imitação de formas ancestrais, surgiram diferenças e divergências entre os seguidores das várias religiões, resultando em desunião, conflito e ódio. Cega imitação e observância dogmática conduzem à alienação e à discórdia; e causam derramamento de sangue e destruição dos alicerces da humanidade. Por isso, os religiosos do mundo devem deixar de lado estas imitações e investigar a própria realidade essencial que não está sujeita a mudança ou transformação. Este é o instrumento divino para concórdia e unificação.

O propósito de todas as religiões divinas é o estabelecimento dos laços de amor e do convívio cordial entre os homens, e os fenômenos celestiais da Palavra revelada de Deus são destinadas a ser uma fonte de conhecimento e iluminação para a humanidade. Enquanto o homem persistir em aderir a formas ancestrais e à imitação de cerimoniais obsoletos, negando revelações mais elevadas da luz divina no mundo, o conflito e a contenda destruirão o propósito da religião e tornarão impossíveis o amor e o companheirismo. Cada um dos santos Manifestantes anunciou as boas-novas de Seu sucessor, e cada um dEles confirmou a mensagem de Seu predecessor. Por isso, uma vez que Eles são concordantes e unidos em Seu propósito e ensinamentos, cabe aos Seus seguidores serem igualmente unidos em amor e companheirismo espiritual. De nenhum outro modo a alienação e a discórdia desaparecerão e a unidade do mundo humano será estabelecida.

Depois de termos provado a validade dos Manifestantes do Verbo de Deus através da investigação dos ensinamentos divinos, devemos descobrir inequivocamente se Eles foram os verdadeiros Educadores da humanidade. Entre os Reveladores da lei de Deus, encontramos Moisés. Quando Ele apareceu, todas as nações contemporâneas O rejeitaram. Apesar disso, sozinho e sem auxílio, Ele proclamou os ensinamentos divinos e libertou uma nação da mais ínfima condição de degradação e cativeiro. O povo de Israel era ignorante, aviltado, moralmente degradado - uma raça de escravos penosamente oprimida. Moisés tirou-os do cativeiro e conduziu-os para a Terra Santa. Ele educou-os e disciplinou-os, estabelecendo em seu meio os fundamentos da civilização material e divina. Por intermédio da educação de Moisés este povo ignorante atingiu um avançado grau de poder e prestígio que culminou com a glória do reinado de Salomão. Do abismo da privação e da escravidão ele foi erguido ao mais elevado nível de progresso e civilização. É evidente, portanto, que Moisés foi um Educador e Mestre. O objetivo e a missão dos santos e divinos Mensageiros são o treinamento e o progresso da humanidade, o cultivo dos frutos divinos nos jardins dos corações humanos, o reflexo dos esplendores celestiais nos espelhos das almas humanas, o despertar da capacidade mental e o incremento das suscetibilidades espirituais. Quando estes resultados e frutos são testemunhados entre a humanidade, a função e a missão dos Manifestantes são inequívocas. Cristo, sozinho e solitário, sem instrução ou educação aparente, treinado para trabalhar na oficina de um carpinteiro, apareceu no mundo na época em que a nação judaica se encontrava na maior humilhação. Este Jovem radiante, sem riqueza, poder militar ou prestígio, resgatou da tirania e degradação os judeus que creram nEle, e elevou-os aos mais altos níveis de desenvolvimento e glória. Pedro, Seu discípulo, era um pescador. Através do poder de Cristo, ele irradiou luz sobre todos os horizontes do mundo. Além disso, vários povos das nações grega, romana, egípcia e assíria foram unidos em harmonia e concórdia; onde havia guerra e carnificina, manifestaram-se humildade e amor, e os fundamentos da religião divina foram estabelecidos para jamais serem destruídos. Isto prova que Cristo foi um Mestre e Educador celestial do mundo humano, pois tais evidências são históricas e irrefutáveis, não baseadas na tradição e em informações circunstanciais. O poder de Sua Palavra na unificação dessas nações é claro e evidente como o sol do meio-dia. Não há necessidade de maiores comprovações.

A prova da validade de um Manifestante de Deus é a influência e o poder de Sua Palavra, o cultivo de atributos celestiais nos corações e nas vidas de Seus seguidores e a dádiva da educação divina sobre o mundo humano. Esta é a prova absoluta. O mundo é uma escola na qual deve haver Mestres do Verbo de Deus. A evidência da habilidade destes Mestres é a eficiente educação das classes em graduação.

Na parte inicial do século dezenove, o horizonte da Pérsia estava coberto por grande escuridão e ignorância. O povo daquele país estava numa condição de barbárie. Ódio e fanatismo prevaleciam entre as várias religiões; derramamento de sangue e hostilidade eram freqüentes entre as seitas e denominações. Não havia qualquer evidência de associação e unidade; violento preconceito e antagonismo dominavam os corações dos homens. Numa época como esta, Bahá'u'lláh proclamou o primeiro princípio de Sua missão e ensinamentos - a unicidade do mundo humano. Seu segundo anúncio foi a investigação da verdade; o terceiro foi a unicidade dos fundamentos das religiões divinas. Através da educação espiritual, Ele levou o povo da escuridão e da ignorância para a clara luz da verdade; iluminou seus corações com o esplendor do conhecimento, estabeleceu uma base verdadeira e universal para os ensinamentos religiosos, cultivou as virtudes da humanidade, conferiu suscetibilidades espirituais, despertou as percepções interiores e transformou a desonra de almas preconceituosas no mais elevado grau de honra e capacidade. Hoje, na Pérsia e no Oriente, encontrareis os seguidores de Bahá'u'lláh unidos nos mais estreitos laços de companheirismo e amor. Eles abandonaram os preconceitos religiosos e se tornaram como uma família. Ao entrardes em suas reuniões, vereis cristãos, muçulmanos, budistas, zoroastrianos, judeus e representantes de outras crenças, todos reunidos em maravilhosa unidade, sem qualquer traço de intolerância e fanatismo, e a luz da unicidade do mundo humano refletida em suas faces. Eles avançam dia após dia, manifestando cada vez mais amor uns pelos outros. Sua fé se concentra na unificação da humanidade, e seu mais elevado propósito é a unicidade da crença religiosa. Eles proclamam a toda a humanidade a misericórdia protetora e a infinita graça de Deus. Ensinam a reconciliação da religião com a ciência e a razão. Demonstram por palavras e atos a realidade do amor a toda a humanidade, como servos de um só Deus e recipientes de Sua graça universal. Estes são seus pensamentos, suas crenças, seus princípios orientadores e sua religião. Nenhum traço de preconceito religioso, racial, patriótico ou político pode ser encontrado ente eles, pois são verdadeiros servos de Deus e obedientes à Sua vontade e decreto.

Minha mais elevada esperança e desejo é que o mais forte e indissolúvel laço seja estabelecido entre a nação americana e o povo do Oriente. Esta é a minha súplica a Deus. Possa chegar o dia em que, através da atividade divina e espiritual no mundo humano, as religiões possam se reconciliar e todas as raças da humanidade se reúnam em unidade e amor. Cinqüenta anos atrás, Bahá'u'lláh proclamou a paz entre as nações e a unicidade das religiões divinas, dirigindo Suas palavras a todos os reis e governantes do mundo em Epístolas específicas. Portanto, meu supremo desejo é a unidade entre o Oriente e o Ocidente, a paz universal e a unicidade do mundo humano.

XXII
PALESTRAS PROFERIDAS
POR 'Abdu'l-Bahá EM
OAKLAND, PALO ALTO, SÃO FRANCISCO
E SACRAMENTO
1
7 DE OUTUBRO DE 1912

Palestra para a Associação Cristã Masculina de Jovens Japoneses

Igreja Japonesa Independente, Oakland, Califórnia
Registrada por Bijou Straun'

É uma grande alegria estar aqui esta noite, especialmente porque os membros desta associação vieram do Oriente. Por longo tempo, nutri o desejo de visitar alguns amigos japoneses. Aquela nação alcançou extraordinário progresso num curto período de tempo - um progresso e desenvolvimento que deixaram o mundo estupefato. Visto que eles avançaram na civilização material, certamente possuem a capacidade para o desenvolvimento espiritual. Por essa razão, tenho um anseio muito grande em encontrá-los. Louvado seja Deus! Agora este prazer me foi concedido, pois aqui nesta cidade estou face a face com um respeitável grupo de japoneses. De acordo com informações, o povo da nação japonesa não tem preconceitos. Eles investigam a verdade. Onde quer que encontrem a verdade, eles se mostram seus amantes. Não se apegam tenazmente a cegas imitações e a crenças e dogmas ancestrais. Por isso, é meu grande desejo conversar com eles a respeito de um assunto em prol da promoção e realização da unificação e harmonização das nações do Oriente e do Ocidente. Deste modo, os preconceitos religiosos, raciais e políticos, as tendências partidárias e o sectarismo serão eliminados do meio das pessoas. Todo tipo de preconceito é destrutivo para a sociedade.

Quando recapitulamos a história desde o início da existência humana até a época atual em que vivemos, é evidente que todas as guerras e conflitos, carnificinas e lutas, toda forma de sedição têm sido devidos a alguma forma de preconceito - quer religioso, racial ou de nacionalidade - a alguma espécie de inclinação partidária ou de preconceito egoísta. Ainda hoje estamos testemunhando uma revolta nos Bálcãs, uma guerra de preconceito religioso. Alguns anos atrás, quando eu estava residindo na Rumélia, a guerra irrompeu entre povos religiosos. Não havia qualquer atitude de justiça e eqüidade entre eles. Eles pilhavam as propriedades uns dos outros, queimando as casas e lares uns dos outros, massacrando homens, mulheres e crianças, imaginando que tal hostilidade e derramamento de sangue fossem meios de se aproximarem de Deus. Isto provou claramente que o preconceito destrói os fundamentos do mundo humano, enquanto a religião foi destinada a ser a causa de companheirismo e concórdia.

A religião deve ser a causa de amor. A religião deve ser a causa de justiça, pois a sabedoria dos Manifestantes de Deus aponta para o estabelecimento de um laço de amor indissolúvel. Os laços que mantêm coesa a sociedade não são suficientes. Podemos aludir, por exemplo, ao laço do patriotismo. Este certamente não é um laço suficiente, pois quão freqüentemente ocorre que o povo de uma mesma nação trava guerra civil em seu próprio meio. O laço de união pode ser racial, mas a história prova que este não é suficientemente forte, pois tremendas guerras irromperam entre povos da mesma linhagem racial. O laço de união entre os homens pode, ainda, ser o político. Quantas vezes ocorre que a diplomacia das nações faz um acordo de paz num dia e, no seguinte, uma declaração de guerra! É historicamente evidente e manifesto que esses laços não são auto-suficientes.

O verdadeiro laço de integridade é o de caráter religioso, pois a religião revela a unicidade do mundo humano. A religião serve ao mundo da moralidade. A religião purifica os corações. A religião impele o homem a realizar atos louváveis. A religião se torna causa de amor nos corações humanos, pois a religião é um fundamento divino, o fundamento que sempre conduz à vida. Os ensinamentos de Deus são a fonte de iluminação para o povo do mundo. A religião é sempre construtiva e não destrutiva.

O fundamento de todas as religiões divinas é um só. Todas se baseiam na verdade. A verdade não admite pluralidade, ainda que entre a humanidade tenham surgido divergências a respeito dos Manifestantes de Deus. Alguns são zoroastrianos, alguns são budistas, alguns judeus, cristãos, muçulmanos e assim por diante. Isto se tornou fonte de divergência, ao passo que os ensinamentos das Almas santas que fundaram as religiões divinas são um único em essência e realidade. Todas estas serviram ao mundo humano. Todas convocaram as almas à paz e à concórdia. Todas proclamaram as virtudes humanas. Todas guiaram as almas a alcançarem perfeições, mas entre as nações surgiram certas imitações de formas ancestrais de adoração. Estas imitações não são o fundamento e a essência das religiões divinas. Como elas diferem da verdade e dos ensinamentos essenciais dos Manifestantes de Deus, dissensões surgiram e preconceitos se desenvolveram. Assim, o preconceito religioso se torna fonte de hostilidade e luta.

Se abandonarmos estas cegas imitações desgastadas pelo tempo e investigarmos a verdade, todos nós seremos unidos. Nenhuma discórdia permanecerá; o antagonismo desaparecerá. Todos se associarão em espírito de companheirismo. Todos desfrutarão os cordiais laços de amizade. Então o mundo da criação encontrará tranqüilidade. As escuras e tenebrosas nuvens das cegas imitações e divergências dogmáticas serão dispersadas e eliminadas; o Sol da Realidade resplandecerá na maior glória.

Devemos realmente considerar os Profetas divinos como mediadores, mas a humanidade tem feito dEles causas de dissensão e pretextos para hostilidade e contenda. Na verdade, Eles foram os mediadores do amor e da reconciliação. Se Eles não fossem fontes de amor e companheirismo entre os homens, sem dúvida não seriam verdadeiros, pois a sabedoria e o propósito divino em enviar os Profetas foi a manifestação de amor nos corações humanos. Por isso devemos investigar a verdade. Antes de tudo, vamos determinar se estes Profetas eram válidos ou não, utilizando provas racionais e argumentos claros, e não simplesmente citando evidências tradicionais, porque tradições são divergentes e originam dissensão.

Entre os santos e divinos Manifestantes de Deus houve Moisés. O envio de Profetas sempre foi para treinar a humanidade. Eles são os primeiros Educadores e Instrutores. Se Moisés desenvolveu a sociedade, não há qualquer dúvida de que Ele foi um verdadeiro Mestre e Educador. Esta será uma prova e evidência de que Ele foi um Profeta. Consideremos como Ele foi enviado aos filhos de Israel numa época em que eles se encontravam no abismo do desespero, no mais baixo grau de ignorância e negligência, degradados e em estado de cativeiro. Moisés resgatou este decaído povo de Israel da condição de escravidão. Ele o ergueu desse estado de ignorância, salvou-o do barbarismo e o conduziu à Terra Santa. Ele o educou, dotou-o de sagacidade e o dignificou e enobreceu. Ele o civilizou, elevando-o a um nível mais alto de existência, até que esse povo foi capaz de estabelecer uma soberania nacional, o grande reino de Salomão. Isto prova que Moisés foi um Mestre e Educador. Ele não possuía exército nem domínio; nem sequer possuía riqueza. Foi somente através de um poder ideal que Ele o unificou, provando que foi um Profeta de Deus, um Educador e Instrutor.

De modo semelhante, devemos deixar de lado os preconceitos ao levar em consideração os outros Educadores divinos através da investigação da verdade. Por exemplo, consideremos Cristo. Ele atingiu resultados maiores do que Moisés. Ele educou a sociedade e treinou nações poderosas. Não há qualquer dúvida de que tais Almas foram Profetas, pois a missão dos Profetas é educação, e estas maravilhosas Almas instruíram e educaram o gênero humano.

Cristo foi uma Pessoa só, sem auxiliar ou assistente. Sozinho e solitário, Ele Se levantou para educar grandes e poderosas nações; os romanos, gregos, egípcios, sírios, caldeus e assírios estiveram sob sua influência. Ele conseguiu unificar muitas nações fundindo-as, por assim dizer, e lançando-as num único molde, transformando sua inimizade em amor e guerra em paz. Sob Sua influência, almas satânicas se tornaram verdadeiros anjos, governantes tirânicos se tornaram justos, o padrão de moralidade humana foi elevado. Isto prova que Cristo foi um Educador, um Mestre e Instrutor de nações. Se negarmos isto, estaremos cometendo injustiça flagrante.

Almas abençoadas - como Moisés, Jesus, Zoroastro, Krishna, Buda, Confúcio ou Muhammad - foram a causa da iluminação do mundo humano. Como podemos negar prova tão irrefutável? Como podemos estar cegos diante de tal luz? Como podemos contestar a validade de Cristo? Isto é injustiça. Isto é uma negação da realidade. O homem deve ser justo. Devemos deixar de lado a atitude tendenciosa e o preconceito. Devemos abandonar as imitações dos ancestrais e antepassados. Nós próprios devemos investigar a realidade e julgar com justiça.

A velha nação persa negou todos estes fatos, fomentando o maior ódio e inimizade contra outras crenças religiosas salvo a sua própria. Nós investigamos a realidade e concluímos que estas Almas santas foram todas enviadas por Deus. Todas sacrificaram Suas vidas, sofreram provações e tribulações para que pudessem nos educar. Como pode tamanho amor ser esquecido? A luz de Cristo está manifesta. A vela de Buda resplandece. A estrela de Moisés cintila. A chama acesa por Zoroastro continua a arder. Como podemos negá-Los? Isto é injustiça. Isto é a negação da absoluta evidência. Se evitarmos as imitações, todos se tornarão unidos e nenhuma divergência restará para nos separar.

Nós não nutrimos qualquer preconceito contra Muhammad. Aparentemente, foi a nação árabe que causou a ruína do domínio persa e da soberania da Pérsia. Por isso, a velha nação persa manifestou o máximo desprezo para com os árabes. Mas nós agimos com justiça e jamais abandonaremos o estandarte da eqüidade. Os árabes se encontravam no máximo grau de degradação. Eles eram sanguinários e bárbaros, tão selvagens e vis que o pai árabe freqüentemente enterrava viva sua própria filha. Considerai: pode haver algum barbarismo pior do que este? A nação consistia em povos tribais hostis e guerreiros que habitavam a imensa Península Arábica, e sua ocupação era lutar e pilhar uns aos outros, fazendo cativas mulheres e crianças, e matando-se mutuamente. Muhammad surgiu no meio de um povo como este. Ele educou-o e unificou estas tribos bárbaras, pondo um fim ao seu derramamento de sangue. Por intermédio de Sua educação, eles atingiram tal grau de civilização que dominaram e governaram continentes e nações. Que grande civilização foi estabelecida na Espanha pelos muçulmanos! Que maravilhosa civilização foi fundada no Marrocos pelos mouros! Que poderoso califado ou dinastia foi implantado em Bagdá! Como o Islã serviu e fomentou a causa da ciência! Por que, então, devemos negar Muhammad? Se O negarmos, despertaremos inimizade e ódio. Pelo nosso preconceito, tornamo-nos a causa de guerra e carnificina, pois o preconceito foi a causa da tremenda tempestade que varreu a história humana durante mil e trezentos anos, e ainda prossegue. Ainda neste momento, nos Bálcãs, há uma evidente comoção que é reflexo disso.

Os cristãos somam aproximadamente trezentos milhões e os muçulmanos mais ou menos o mesmo número. Não é uma tarefa fácil lidar com tais números. Além disso, por que deveriam ser eliminados? Pois todos eles são servos do Deus Uno. Façamos um esforço para estabelecer a paz entre cristãos e muçulmanos. Não é melhor? Qual é o benefício da guerra? Qual o seu resultado? Por mil e trezentos anos houve guerra e hostilidade. Que bons resultados foram colhidos? Não é loucura? Será que Deus Se agrada com isso? Cristo Se agrada com isso? E Muhammad? É evidente que não. Os Profetas glorificaram ao máximo uns aos outros. Muhammad declarou Cristo como o Espírito de Deus. Isto é o explícito texto do Alcorão. Ele declarou Cristo como o Verbo de Deus. Ele elogiou ao máximo os discípulos de Cristo. Prestou o mais elevado louvor a Maria, a mãe de Cristo. Cristo, igualmente, enalteceu Moisés. Ele difundiu amplamente o Velho Testamento, a Torá e fez o nome de Moisés atingir Oriente e Ocidente. O objetivo é este: que os próprios Profetas manifestaram o máximo amor uns pelos outros, mas as nações que crêem nEles e Os seguem são hostis e antagônicas entre si.

O mundo estava neste estado de escuridão quando Bahá'u'lláh surgiu no horizonte da Pérsia. Ele ergueu a bandeira da unicidade do mundo humano. Ele proclamou a paz internacional. Admoestou a nação persa a investigar a verdade, anunciou que a religião deve ser causa de unidade e amor, que ela deve interligar os corações e ser causa de vida e iluminação. Se a religião se tornar causa de inimizade e carnificina, então a irreligião é preferível, pois a religião é o remédio de todo mal e, se ele se tornar causa de enfermidade e sofrimento, é melhor abandoná-lo. Hoje, na Pérsia, encontrareis muçulmanos, cristãos, zoroastrianos, budistas reunidos na mesma assembléia, vivendo em harmonia com os ensinamentos de Bahá'u'lláh, manifestando o maior amor e concórdia. Rancor, ódio, antagonismo e violência desapareceram; eles convivem como uma só família.

E vós que sois pessoas do Oriente - o Oriente que sempre foi o ponto do alvorecer em que o Sol da Realidade sempre resplandeceu, irradiando seu esplendor sobre o Ocidente - deveis, portanto, tornar-vos as manifestações da luz. Deveis tornar-vos lâmpadas brilhantes. Deveis resplandecer como estrelas irradiando a luz do amor a toda a humanidade. Que possais vos tornar causa de amor entre as nações. Para que assim o mundo testemunhe que o Oriente sempre tem sido o ponto do alvorecer da iluminação e a fonte de amor e reconciliação. Fazei paz com o mundo todo. Amai a todos; servi a todos. Todos são servos de Deus. Deus criou todos. Ele provê a todos. É amoroso com todos. Por isso devemos ser amorosos com todos.

Estou imensamente satisfeito com esta reunião. Estou jubiloso e feliz, pois encontrei aqui, nestas terras do Ocidente, orientais em busca de educação e livres de preconceito. Que Deus vos auxilie!

2
8 DE OUTUBRO DE 1912
Palestra na Universidade Leland Stanford Junior
Palo Alto, Califórnia
Registrada por Bijou Straun

A maior realização do mundo humano sempre foi de natureza científica. É a descoberta da realidade das coisas. Já que me encontro na casa da ciência - pois esta é uma das grandes universidades do país e amplamente conhecida - tenho um vivo sentimento de alegria.

Deve-se dar o maior louvor aos homens que dedicam suas energias à ciência, e o mais nobre centro é aquele em que as ciências e artes são ensinadas e estudadas. A ciência sempre tende a iluminar o mundo humano. É a causa de honra eterna para o homem, e sua soberania é muito maior do que a soberania de reis. O domínio de reis tem um fim; o próprio rei pode ser destronado; mas a soberania da ciência é imperecível e sem fim. Considerai os filósofos das épocas passadas. Seu poder e domínio continuam manifestos no mundo. Os impérios grego e romano, com toda a sua grandeza, desapareceram; as antigas soberanias do Oriente não passam de lembranças, ao passo que o poder e a influência de Platão e Aristóteles continuam vivos. Até hoje, nas escolas e universidades do mundo seus nomes são reverenciados e comemorados, mas onde ouvimos elogiados os nomes dos antigos reis? Eles estão esquecidos e jazem no vale do olvido. É evidente que a soberania da ciência é maior que o domínio de governantes. Reis invadiram países e fizeram suas conquistas através de derramamento de sangue, mas os cientistas, através de suas benéficas realizações, invadem as regiões da ignorância, conquistando o reino das mentes e corações. Por isso, suas conquistas são imperecíveis. Possais vós atingir extraordinário progresso neste centro de educação. Possais vos tornar radiantes luzes inundando as escuras regiões e recessos da ignorância com iluminação.

Como o princípio fundamental dos ensinamentos de Bahá'u'lláh é a unicidade do mundo humano, eu vos falarei a respeito da unicidade intrínseca de todos os fenômenos. Este é um dos assuntos abstrusos da divina filosofia.

Fundamentalmente, todas as coisas existentes passam pelos mesmos graus e fases de desenvolvimento, e qualquer fenômeno incorpora todos os outros. Uma antiga afirmativa dos filósofos árabes reza que todas as coisas estão envolvidas por todas as coisas. É evidente que cada organismo material é uma expressão agregada de elementos simples e individuais, e um determinado elemento celular ou átomo tem seus próprios percursos ou jornadas através dos diversos e incontáveis estágios de vida. Digamos, por exemplo, que os elementos celulares que entraram na composição de um organismo humano foram, num certo tempo, partes componentes do reino animal; em outro tempo entraram na composição do vegetal e, antes disso, existiram no reino mineral. Eles estiveram sujeitos a transferência de uma condição de vida a outra, passando por diversas formas e aspectos, exercendo funções especiais em cada existência. Sua jornada através de fenômenos materiais é contínua. Portanto, cada fenômeno é, até certo ponto, uma expressão de todos os outros fenômenos. A diferença está nas sucessivas transferências e no período de tempo despendido em processos evolutivos.

Por exemplo, houve um certo lapso de tempo para este elemento celular da minha mão atravessar os diversos períodos de metabolismo. Num certo tempo ele esteve no reino mineral, sujeito a mudanças e transferências dentro do estado mineral. Depois ele foi transferido ao reino vegetal, em que passou por diferentes graus e condições. Em seguida, chegou ao plano animal, aparecendo em formas de organismos animais até finalmente atingir, em seu percurso, o reino humano. Posteriormente, ele retornará ao seu estado elementar primordial no reino mineral, estando sujeito, por assim dizer, a infinitas jornadas de um grau de existência a outro, passando por todos os estágios de existência e vida. Em qualquer forma ou imagem que ele aparecer, terá suas oportunidades, virtudes e funções. Como cada átomo ou elemento componente de organismos físicos está sujeito à transferência através de intermináveis formas e estágios, possuindo virtudes peculiares a essas formas e condições, é evidente que todos os fenômenos materiais são fundamentalmente um. No reino mineral, este átomo ou elemento componente possui certas virtudes do mineral; no reino vegetal ele é imbuído de qualidades ou virtudes vegetais; no plano da existência animal ele possui virtudes animais - os sentidos; e, no reino humano, manifesta qualidades peculiares à condição humana.

Se isto é verdadeiro em relação aos fenômenos materiais, quanto mais evidente e essencial é o fato de que a unicidade deve caracterizar o homem no reino ideal, o qual só encontra expressão no reino humano. Na verdade, a origem de toda a vida material é uma só, assim como é o seu término. Em vista desta fundamental unidade e harmonia de toda a vida fenomênica, por que deveria o homem, em seu reino de existência, travar guerra ou entregar-se à hostilidade e luta destrutiva contra seus semelhantes? O homem é a mais nobre das criaturas. Em seu organismo físico, ele possui as virtudes do reino mineral. Incorpora, igualmente, a virtude ou o poder de crescimento que caracteriza o reino vegetal. Além disso, em seu nível de existência física ele é qualificado com as funções e capacidades peculiares ao animal, além das quais existe a amplitude de seus distintivos dons humanos mentais e espirituais. Considerando esta maravilhosa unidade dos reinos da existência e sua incorporação à mais elevada e nobre das criaturas, por que deveria o homem divergir e entrar em conflito com o homem? É apropriado e justificável que ele esteja em guerra, quando harmonia e interdependência caracterizam os reinos da vida fenomênica inferiores a ele? Os elementos e organismos inferiores se ajustam ao grande plano da vida. Deveria o homem, infinitamente superior a eles, fazer oposição e destruir essa perfeição? Que Deus o proíba!

A vida é o resultado da associação e combinação dos átomos elementares. Em sua harmonia e combinação, a existência é continuamente renovada. Isto é esplendor e perfeição; isto é realização; isto é a própria vida. Neste exato momento, as energias e forças naturais sujeitas à nossa observação imediata estão todas em paz. O sol está em paz com a terra sobre a qual brilha. As suaves brisas estão em paz com as árvores. Todos os elementos estão em harmonia e equilíbrio. Uma leve perturbação e desarmonia entre eles pode provocar outro terremoto e incêndio em São Francisco. Um choque físico, uma pequena oposição entre os elementos, por assim dizer, e o resultado é um violento cataclismo natural. Isto acontece no reino mineral. Considerai, então, o efeito da discórdia e do conflito no reino humano, tão superior ao reino da existência inanimada. Quão grande a catástrofe resultante, especialmente quando percebemos que o homem é dotado por Deus de mente e intelecto. Em verdade, a mente é o supremo dom de Deus. Em verdade, o intelecto é o esplendor de Deus. Isto é manifesto e evidente por si mesmo.

Pois todas as coisas criadas, exceto o homem, estão sujeitas ou cativas da natureza; elas não podem se desviar no mínimo grau das leis e do controle da natureza. O gigantesco sol, centro do nosso sistema planetário, é cativo da natureza, incapaz de se desviar, por mínimo que seja, da lei que o comanda. Todos os orbes e luminares deste ilimitado universo são igualmente obedientes ao regulamento da natureza. Nosso planeta, a terra, reconhece a soberania onipresente da natureza. Os reinos mineral, vegetal e animal respondem à vontade da natureza e ao seu controle. O enorme elefante, com sua força maciça, não tem qualquer poder de desobedecer as restrições que a natureza lhe impôs; mas o homem, comparativamente fraco e diminuto, possuidor do poder da mente que é um esplendor da própria Divindade, pode resistir ao controle da natureza e aplicar suas leis para seus próprios fins.

De acordo com as limitações de sua capacidade física, o homem foi criado para viver sobre a terra, mas através do exercício de suas faculdades mentais ele remove as restrições desta lei e voa pelos ares como um pássaro. Penetra as profundezas secretas do mar em submarinos e constrói navios para navegar à vontade sobre a superfície do oceano, subjugando as leis da natureza à sua vontade. Todas as ciências e artes que hoje nós desfrutamos e utilizamos, anteriormente foram mistérios e, de acordo com a vontade da natureza, permaneceriam ocultas e latentes, mas o intelecto humano rompe as leis a que elas estão sujeitas e descobre as realidades subjacentes. A mente do homem extraiu estes mistérios do plano do invisível e os trouxe ao plano do conhecido e do visível.

Ela classificou e adaptou estas leis às necessidades e aplicações humanas, sendo isto contrário aos postulados da natureza. Por exemplo, outrora a eletricidade era uma força oculta ou latente da natureza. Teria permanecido assim se o intelecto humano não a tivesse descoberto. O homem penetrou a lei de seu segredo, retirou esta energia do invisível tesouro do universo e a tornou visível. Não é um feito extraordinário que esta pequena criatura, o ser humano, tenha aprisionado uma irresistível força cósmica numa lâmpada incandescente? Está além da visão e do poder da própria natureza fazer isto. O Oriente pode se comunicar com o Ocidente em poucos minutos. Isto é um milagre que transcende o controle da natureza. O homem captura a voz humana e a armazena num fonógrafo. Naturalmente, de acordo com a lei e o fenômeno do som, a voz seria livre e transitória, mas o homem confina suas vibrações e as coloca numa caixa, desafiando as leis da natureza. Todas as descobertas humanas foram um dia segredos e mistérios selados e armazenados no seio do universo material até que a mente humana, que é o maior dos esplendores divinos, penetrou-os e os fez subservientes à sua vontade e propósito. Neste sentido, o homem rompeu as leis da natureza e está constantemente retirando coisas novas e maravilhosas do laboratório da natureza. Apesar desta suprema dádiva de Deus, que é o maior poder no mundo da criação, o homem continua a guerrear e lutar, matando seus semelhantes com a ferocidade de um animal selvagem. Será isto condizente com sua elevada posição? Não, isto é contrário ao desígnio divino manifesto em sua criação e dádivas.

O fato de os animais serem selvagens e ferozes, é simplesmente um meio para sua subsistência e preservação. Eles estão privados do grau de inteligência que pode raciocinar e discriminar entre o certo e o errado, entre a justiça e a injustiça; eles são justificáveis em seus atos, e não responsáveis. Quando o homem é feroz e cruel para com seus semelhantes, não é por subsistência ou proteção. Seus motivos são vantagem egoísta e erro consciente. Não é decente nem apropriado que essa nobre criatura, dotada de inteligência e pensamentos sublimes, capaz de maravilhosas façanhas e descobertas nas ciências e artes, com potencial para percepções cada vez mais elevadas e realização dos divinos propósitos da vida, possa derramar o sangue de seus semelhantes no campo de batalha. O homem é o templo de Deus. Ele não é um templo humano. Se uma casa for destruída, o dono daquela casa ficará ofendido e furioso. Quão maior é o erro quando o homem destrói uma construção erigida por Deus! Sem dúvida ele merece o julgamento e a ira de Deus.

Deus criou o homem sublime e nobre, e fez dele um fator dominante na criação. Ele dotou o homem com supremas dádivas especiais, conferiu-lhe mente, percepção, memória, abstração e o poder dos sentidos. Estas dádivas de Deus ao homem foram designadas para fazer dele a manifestação das virtudes divinas, uma luz radiante no mundo da criação, uma fonte de vida e agente construtivo nos infinitos campos de existência. Devemos agora destruir este grande edifício e sua própria fundação, arruinar este templo de Deus, a sociedade humana? Já que não somos cativos da natureza, já que possuímos o poder de nos controlar, deveríamos nos tornar cativos da natureza e agir de acordo com suas exigências?

Na natureza existe a lei da sobrevivência do mais apto. Mesmo se o homem não for educado, de acordo com a natureza esta lei exigirá a supremacia do homem. O propósito e o objetivo de escolas, colégios e universidades é educar o homem e assim resgatá-lo e redimi-lo das exigências e imperfeições da natureza e despertar nele a capacidade de controlar e se apropriar das dádivas da natureza. Se deixarmos este terreno em seu estado natural, permitindo que ele retorne à sua condição original, ele se tornará um campo de espinhos e ervas inúteis, mas, através do cultivo ele se tornará solo fértil, produzindo colheita. Sem cultivo, as encostas da montanha seriam selvas e florestas sem árvores frutíferas. Os jardins produzem frutos e flores em proporção ao cuidado e cultivo que o jardineiro lhes dispensa. Por isso, a intenção não é que o mundo humano seja abandonado ao seu estado natural. Ele necessita da educação que lhe é divinamente provida. Os santos e Manifestantes de Deus são os Mestres. Eles são Jardineiros divinos que transformam as selvas da natureza humana em pomares produtivos e fazem os campos espinhosos florescerem como roseiras. É evidente, portanto, que a função especialmente destinada ao homem é a de se redimir das imperfeições inerentes à natureza e se qualificar com as virtudes ideais da Divindade. Deveria ele sacrificar estas virtudes ideais e destruir estas possibilidades de progresso? Deus o dotou de um poder com o qual ele pode até mesmo sobrepujar as leis e fenômenos da natureza, arrebatar a espada da mão da natureza e usá-la contra a própria natureza. Deve ele, então, permanecer cativo dela, deixando até mesmo de se capacitar sob a lei natural que ordena a sobrevivência do mais apto? Ou seja, deve ele continuar a viver no nível do reino animal, sem se distinguir deles quanto aos impulsos naturais e instintos ferozes? Não há para o homem grau mais baixo nem maior aviltamento do que esta condição natural de animalidade. O campo de batalha é o auge da degradação humana, a causa da ira de Deus, a destruição do fundamento divino do homem.

Louvado seja Deus! Encontro-me numa assembléia cujos membros são amantes da paz e defendem a unidade internacional. Os pensamentos de todos os presentes estão centrados na unicidade do mundo humano e toda ambição é prestar serviços à causa da elevação e aperfeiçoamento humanos. Suplico a Deus que Ele vos possa confirmar e auxiliar, que cada um de vós possa se tornar um eminente mestre no mundo do conhecimento científico, um fiel porta-estandarte da paz e de laços de concórdia entre os corações dos homens.

Cinqüenta anos atrás Bahá'u'lláh declarou a necessidade de paz entre as nações e a reconciliação entre as religiões do mundo. Ele anunciou que a base fundamental de toda religião é uma só, que a essência da religião é a camaradagem humana e que as divergências de crença são devidas a interpretações dogmáticas e cega imitação, as quais são contrárias aos fundamentos estabelecidos pelos Profetas de Deus. Ele proclamou que se a realidade subjacente ao ensinamento religioso fosse investigada, todas as religiões se unificariam, e o propósito de Deus, que é o amor e a união dos corações humanos, cumprir-se-ia. De acordo com Seus ensinamentos, se a crença religiosa se tornar causa de discórdia e dissensão, sua ausência será preferível; pois a religião foi destinada a ser o remédio divino e a panacéia para os males da humanidade, o bálsamo para as feridas da humanidade. Se sua má compreensão e corrupção trouxerem guerra e carnificina em vez de remédio e cura, o mundo será melhor em condição de irreligiosidade.

Bahá'u'lláh deu ênfase especial à paz internacional. Ele declarou que toda a humanidade é a progênie única de Adão e membros de uma grande família universal. Se cada uma das diversas raças e diferentes tipos humanos procedesse de uma paternidade original diferente - em outras palavras, se tivéssemos dois ou mais Adãos como nossos pais humanos - poderia ser razoável que houvesse diferenças e divergências entre a humanidade hoje; mas uma vez que pertencemos a uma única progênie e uma única família, todos os nomes que pretendem diferenciar e fazer distinção entre a humanidade, como italiano, alemão, francês, russo, etc., são sem significado e autorização. Somos todos humanos, todos sevos de Deus e todos provenientes da família do sr. Adão. Por que, então, todas estas falazes distinções nacionais e raciais? Estas linhas fronteiriças e barreiras artificiais foram criadas por déspotas e conquistadores que queriam exercer domínio sobre a humanidade, engendrando assim o sentimento patriótico e despertando devoção egoísta a padrões meramente locais de governo. Via de regra, eles próprios gozavam de luxo em palácios, rodeados por condições de conforto e riqueza, enquanto exércitos de soldados, civis e lavradores lutavam e morriam a seu mando no campo de batalha, dando seu sangue inocente por uma quimera como "nós somos alemães", "nossos inimigos são os franceses", etc., quando na realidade todos são a espécie humana, todos pertencem à mesma família e posteridade de Adão, o pai original. Este preconceito ou patriotismo limitado prevalece por todo o mundo, e o homem está cego a um patriotismo no sentido mais amplo, que inclui todas as raças e pátrias. De qualquer ponto de vista real deve haver e é necessário que haja paz entre as nações.

Deus criou uma terra e uma humanidade para povoá-la. O homem não possui nenhuma outra habitação, mas ele próprio criou fronteiras imaginárias e restrições territoriais, denominando-as de Alemanha, França, Rússia, etc. E torrentes de sangue precioso são derramados em defesa destas divisões imaginárias criadas na nossa própria habitação humana, com a ilusão de um patriotismo imaginário e limitado.

Afinal, a reivindicação e a posse de um território ou pátria nada mais são que reivindicação e apego ao pó da terra. Nós vivemos sobre a terra por pouco tempo e então descansamos debaixo dela para sempre. Por isso ela é nosso túmulo eterno. Deveria o homem brigar pela tumba que o devora, pelo seu túmulo eterno? Que ignorância poderia ser maior? Brigar por seu sepulcro, matar outros pelo seu túmulo! Quanta negligência! Quanta ilusão!

É minha esperança que vós que sois estudantes nesta universidade, jamais sejais chamados a lutar pelo pó da terra que é o túmulo e o sepulcro de toda a humanidade, mas que durante os dias de vossas vidas possais desfrutar do mais perfeito companheirismo uns com os outros, assim como uma só família - como irmãos, irmãs, pais, mães - associando-vos em paz e verdadeiro companheirismo.

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10 DE OUTUBRO DE 1912
Palestra no Fórum Aberto
São Francisco, Califórnia
Registrada por Bijou Straun

Embora eu estivesse me sentindo indisposto esta noite, ainda assim, devido ao amor que nutro por vós, vim participar desta reunião. Pois ouvi dizer que este é um fórum aberto, que investiga a verdade; que vós sois livres de cega imitação, que desejais chegar à realidade das coisas e que vossos esforços são sublimes. Por isso achei apropriado falar-vos sobre a questão da filosofia, que é igualmente interessante para o Oriente e o Ocidente, e nos capacita a considerar as analogias e diferenças entre os ensinamentos filosóficos do Oriente e do Ocidente.

O critério de julgamento para os filósofos ocidentais é a percepção dos sentidos. Eles consideram que aquilo que é tangível ou perceptível aos sentidos é uma realidade - que não há dúvida quanto à sua existência. Por exemplo, provamos a existência desta luz através do sentido da visão; enxergamos esta sala; vemos o sol, os campos verdes; usamos nossa visão para observá-los. A opinião destes filósofos é que tal percepção é realidade, que os sentidos são o mais elevado critério de percepção e julgamento, sobre o qual não pode haver dúvida nem incerteza. Para os filósofos do Oriente, especialmente os da Grécia e da Pérsia, o critério de julgamento é o intelecto. Eles são de opinião que o critério dos sentidos é imperfeito, e seu argumento é que os sentidos são freqüentemente enganosos e equivocados. Aquilo que está sujeito a engano não pode ser infalível, não pode ser um verdadeiro critério de julgamento.

Entre os sentidos, o mais poderoso e confiável é o da visão. Este sentido vê uma miragem como uma massa de água e está seguro quanto ao seu caráter, embora a miragem seja inexistente. O sentido da visão percebe imagens refletidas num espelho como realidades, enquanto a razão os declara inexistentes. Os olhos vêem o sol e os planetas girando em torno da terra, ao passo que na realidade o sol é estacionário, central, e a terra gira em torno de seu próprio eixo. O sentido da visão vê a terra como plana, mas a faculdade da razão descobre que ela é esférica. Os olhos vêem os corpos celestes no espaço infinito como pequenos e insignificantes, porém a razão os declara como sóis colossais. O sentido da visão vê uma chispa rodopiante de fogo como um círculo de luz e não tem dúvida a seu respeito, mas tal círculo inexiste. Um homem que navega vê as margens de ambos os lados do navio como se estivessem em movimento, mas é o navio que se move. Em suma, há muitos exemplos e evidências que desmentem a afirmação de que coisas tangíveis e impressões dos sentidos são certezas, pois os sentidos são enganosos e muitas vezes equivocados. Como então podemos declarar com certeza que eles comprovam a realidade, quando seu próprio padrão ou critério é imperfeito?

Os filósofos do Oriente consideram como critério perfeito a razão ou o intelecto e, de acordo com esse critério, a realidade de todos os objetos pode ser comprovada; pois, dizem eles, o padrão da razão e do intelecto é perfeito e qualquer coisa que possa ser provada pela razão é verdadeira. Por isso, esses filósofos consideram todas as deduções filosóficas corretas quando avaliadas de acordo com o critério da razão e afirmam que os sentidos são instrumentos auxiliares da razão e que embora a investigação das realidades possa ser conduzida através dos sentidos, o padrão do conhecimento e do julgamento é a própria razão. Deste modo, os filósofos do Oriente e do Ocidente divergem e estão em desacordo. Os filósofos materialistas do Ocidente declaram que o homem pertence ao reino animal, ao passo que os filósofos do Oriente - tais como Platão, Aristóteles e os persas - dividem o mundo da existência ou os fenômenos da vida em duas categorias gerais ou reinos: um é o reino animal, ou o mundo da natureza, o outro, o reino humano, ou o mundo da razão.

O homem se distingue acima dos animais por intermédio de sua razão. As percepções do homem são de duas espécies: as tangíveis ou sensíveis, e as racionais, enquanto as percepções do animal são limitadas aos sentidos, ao tangível somente. As percepções tangíveis podem ser comparadas a esta vela, as percepções racionais, à luz. Cálculos de problemas matemáticos e a determinação da forma esférica da terra são feitos através das percepções racionais. O centro de gravidade é uma hipótese da razão. A própria razão não é tangível nem perceptível aos sentidos. A razão é uma verdade ou realidade intelectual. Todas as qualidades são realidades ideais e não tangíveis. Dizemos, por exemplo, que esta pessoa é um estudioso. O conhecimento é uma realização ideal, não perceptível aos sentidos. Quando se vê esta pessoa estudiosa, os olhos não podem ver seu conhecimento, os ouvidos não podem ouvir sua ciência, nem se pode perceber seu sabor. Não é uma verdade tangível. A própria ciência é uma realidade ideal. É evidente, portanto, que as percepções do homem são de dois tipos: as racionais e as tangíveis ou sensíveis.

Quanto ao animal, ele é dotado somente da percepção dos sentidos. Ele carece de percepção racional. Não pode apreender realidades ideais. O animal não pode conceber a terra como uma esfera. A inteligência de um animal encontrado na Europa jamais poderia ter planejado o descobrimento do continente americano. O reino animal é incapaz de descobrir os mistérios latentes da natureza - tais como a eletricidade - e trazê-los do invisível ao plano do visível. É evidente que as descobertas e invenções transcendem a inteligência do animal. O animal não pode penetrar os segredos e as origens da criação. Sua mente é incapaz de conceber a realidade do éter. Não pode saber os mistérios do magnetismo porque as dádivas da razão e do intelecto abstratos não fazem parte de suas capacidades. Isto quer dizer que o animal é cativo dos sentidos por criação. Ele nada pode aceitar além das coisas tangíveis e da percepção dos sentidos. Ele nega tudo. É incapaz de percepção ideal e, por isso, é um cativo dos sentidos.

Virtude ou perfeição pertence ao homem que possui ambas as capacidades, a percepção dos sentidos e a ideal. Por exemplo, as descobertas astronômicas são realizações do homem. Ele não obteve este conhecimento através dos seus sentidos. A maior parte foi adquirida através do intelecto, através dos sentidos ideais. As invenções do homem surgiram pelo caminho de suas faculdades intelectuais. Todos os seus feitos científicos resultaram da faculdade da razão. Em suma, as evidências do intelecto ou razão estão manifestas no homem. Por seu intermédio, o homem se distingue do animal. Por isso, o reino animal é distinto e inferior ao reino humano. Apesar disso, os filósofos ocidentais possuem certos silogismos *, ou demonstrações, através dos quais eles procuram provar que o homem tem sua origem no reino animal; que embora agora ele seja um vertebrado, originalmente viveu no mar; daí ele foi transferido para a terra e se tornou vertebrado; que gradativamente os pés e as mãos apareceram em seu desenvolvimento anatômico; então ele começou a andar de quatro e posteriormente atingiu o desenvolvimento humano, caminhando ereto. Eles acham que sua anatomia passou por sucessivas transformações, assumindo, finalmente, a forma humana e que estas formas intermediárias ou mudanças são como elos de ligação. Entre o homem e o símio, no entanto, há um elo perdido e por enquanto os cientistas não foram capazes de descobri-lo. Por isso, a maior prova dessa teoria ocidental da evolução humana é anatômica, com o argumento de que há certos vestígios de órgãos encontrados no homem que são peculiares ao símio e outros animais inferiores, expondo a conclusão de que em algum ponto do seu processo de evolução o homem possuiu esses órgãos que hoje não têm mais função mas aparecem meramente como rudimentos e vestígios

* Segundo o aristotelismo, raciocínio dedutivo estruturado formalmente a partir de duas proposições, ditas premissas, das quais, por inferência, se obtém necessariamente uma terceira, chamada conclusão (p. ex.: "todos os homens são mortais, os gregos são homens, logo, os gregos são mortais") - Dicionário Houaiss. (n.t.)

Por exemplo, uma serpente possui certos apêndices que indicam que em algum tempo ela possuiu longos membros, mas como esta criatura começou a habitar em buracos na terra, esses membros, não mais necessários, tornaram-se atrofiados e encolheram, deixando apenas um vestígio, ou apêndice, como uma evidência do tempo em que eles eram longos e úteis. Do mesmo modo, alega-se que o homem possui certo apêndice que indica que houve um tempo em que sua estrutura anatômica foi diferente de seu organismo atual e que houve uma correspondente transformação ou mudança naquela estrutura. Afirma-se que o cóccix, ou a extremidade da coluna espinhal do homem, é o vestígio de uma cauda que o homem possuía anteriormente, mas que aos poucos foi desaparecendo quando ele caminhou ereto e isso deixou de ter utilidade. Estas afirmativas e demonstrações expressam a essência da filosofia ocidental sobre a questão da evolução humana.

Os filósofos do Oriente, em resposta aos do mundo ocidental, dizem: Suponhamos que originalmente a anatomia humana tenha sido diferente de sua forma atual, que ela se transformou gradativamente de estágio em estágio até chegar à sua aparência atual, que em certa época tenha sido semelhante a um peixe, posteriormente um invertebrado e finalmente humano. Esta evolução ou progresso anatômico não altera nem afeta a afirmativa de que em seu desenvolvimento biológico o homem sempre foi da espécie humana. Pois o embrião humano, quando examinado microscopicamente, é inicialmente um mero germe ou larva. Gradualmente, à medida que se desenvolve, ele apresenta certas divisões e rudimentos de mãos e pés aparecem - ou seja, distinguem-se uma parte superior e uma inferior. Posteriormente ele passa por certas mudanças características até chegar à sua forma humana e nasce para este mundo. Mas sempre, mesmo quando o embrião se assemelhava a uma larva, ele era de caráter potencialmente humano e não animal. As formas assumidas pelo embrião humano em suas sucessivas transformações não provam que ele seja de caráter essencialmente animal. No decorrer deste desenvolvimento houve uma transferência de característica, uma conservação de espécie ou tipo. Ao perceber isto, podemos reconhecer o fato de que num tempo o homem foi um habitante do mar, em outro período um invertebrado, depois um vertebrado e, finalmente, um ser humano ereto. Embora admitamos estas mudanças, não podemos dizer que o homem seja um animal. Em cada um destes estágios há sinais e evidências de sua existência e destino humanos. A prova disso reside no fato de que o embrião humano continua a se assemelhar a uma larva. Este embrião ainda progride de um estado a outro, assumindo diferentes formas até chegar àquela que nele existia em potencial - a saber, a imagem humana. Por isso, no protoplasma, o homem é homem. A conservação das espécies exige isto.

O elo perdido da teoria darwiniana é em si uma prova de que o homem não é um animal. Como é possível ter todos os elos presentes e aquele importante elo ausente? Sua ausência é uma indicação de que o homem nunca foi um animal. Ele nunca será encontrado.

O significado é este: que o mundo humano é distinto do reino animal. Este é o ensinamento dos filósofos do Oriente. Eles possuem uma prova para isso. A prova é que os animais são cativos da natureza. Toda a existência e fenômenos dos reinos inferiores são cativos da natureza; o imenso sol, as inumeráveis estrelas, os reinos vegetal e mineral, nenhum desses pode se desviar das leis da natureza nem por um fio de cabelo. Eles são, por assim dizer, cativos pelas mãos da natureza. Mas o homem rompe as leis da natureza e as torna subservientes ao seu uso. Por exemplo, o homem é um ser vivo sobre a terra, como os animais. A natureza exige que ele se restrinja à terra; mas, rompendo as leis da natureza, ele voa bem alto na atmosfera. Pela utilização de seu intelecto ele sobrepuja a lei natural e mergulha nas profundezas dos mares em submarinos ou navega através deles em navios. Ele apreende uma poderosa força da natureza como a eletricidade e a aprisiona numa lâmpada incandescente. De acordo com a lei da natureza ele deveria ser capaz de se comunicar a uma distância de, digamos, mil pés; * mas, através de suas invenções e descobertas ele se comunica com o Oriente e o Ocidente em poucos minutos. Isto é romper as leis da natureza. O homem apreende a voz humana e a reproduz num fonógrafo. Sua voz pode ser ouvida a uma distância de apenas poucas centenas de pés, mas ele inventa um instrumento que a transmite a mil milhas. Em suma, todas as atuais artes e ciências, invenções e descobertas que o homem produziu, outrora eram mistérios que a natureza decretou que permanecessem ocultas e latentes, mas o homem tirou-as do plano do invisível e as trouxe para o plano do visível. Isto é contrário às leis da natureza. A eletricidade deveria ser um mistério latente, mas o homem a descobre e a faz sua serva. Ele arranca a espada da mão da natureza e a usa contra a natureza, provando que nele há uma força que sobrepuja a natureza, pois ele é capaz de transgredir e subjugar as leis da natureza. Se esta força não fosse supranatural e extraordinária, as realizações do homem não teriam sido possíveis.

* Unidade de medida de cerca de trinta centímetro; mil pés é uma distância de aproximadamente trezentos metros. (n.t.)

Além disso, é evidente que no mundo da natureza não existe conhecimento consciente. A natureza não possui consciência, ao passo que o homem é consciente. A natureza é destituída de memória; o homem possui memória. A natureza carece de percepção e volição; o homem possui ambas. É evidente que há virtudes inerentes ao homem, que não estão presentes no mundo da natureza. Isto pode ser provado de todos os pontos de vista.

Se for alegado que a realidade intelectual do homem pertence ao mundo da natureza - que é uma parte do todo - perguntamos se é possível que a parte seja possuidora de virtudes que faltam ao todo? É possível, por exemplo, que a gota possua qualidades das quais a totalidade do mar seja destituída? É possível que uma folha seja imbuída de atributos que faltem na árvore como um todo? É possível que a extraordinária faculdade racional do homem seja de caráter e qualidade animal? Por outro lado, é evidente e verdadeiro, embora extremamente espantoso, que no homem está presente esta força ou faculdade supranatural que descobre a realidade das coisas e possui o poder de ideação ou intelecção. É capaz de descobrir leis científicas, e sabemos que a ciência não é uma realidade tangível. A ciência existe na mente do homem como uma realidade ideal. A própria mente, a própria razão, é uma realidade ideal e não tangível.

Apesar disso, alguns dos homens sagazes declaram: Nós chegamos ao grau superlativo de conhecimento; penetramos o laboratório da natureza, estudando ciências e artes; atingimos a mais elevada condição de conhecimento do mundo humano; investigamos os fatos como eles são e chegamos à conclusão de que nada é razoavelmente aceitável exceto aquilo que é tangível, sendo esta a única realidade digna de crédito; tudo que não seja tangível é imaginação e tolice.

É realmente estranho que após vinte anos sendo instruído em colégios e universidades o homem possa chegar a uma condição em que ele nega a existência do ideal ou daquilo que não é perceptível aos sentidos. Já parastes para pensar que o animal já se graduou em tal universidade? Já percebestes que a vaca já é mestra emérita dessa universidade? Pois a vaca, sem trabalho e estudo árduos, já é uma filósofa de grau superlativo na escola da natureza. A vaca nega tudo que não é tangível, dizendo: "Eu posso ver! Eu posso comer! Por isso, eu só acredito naquilo que é tangível!"

Então por que vamos a colégios? Vamos até a vaca.
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12 DE OUTUBRO DE 1912
Palestra no Templo Emmanu-El
Rua Sutter, 450, São Francisco, Califórnia
Registrada por Bijou Straun

A maior dádiva de Deus ao mundo humano é a religião, pois certamente os ensinamentos divinos da religião estão acima de todas as outras fontes de instrução e desenvolvimento para o homem. A religião confere ao homem vida eterna e guia seus passos no mundo da moralidade. Ela abre as portas da felicidade infindável e confere honra imperecível ao reino humano. Ela tem sido a base de toda a civilização e progresso na história da espécie humana.

Iremos, então, investigar a religião, procurando descobrir, de um modo imparcial, se ela é a fonte de iluminação, a causa de desenvolvimento e a força impulsora de todo o progresso humano. Vamos investigar de um modo imparcial, livre das restrições de crenças dogmáticas, da cega imitação de modelos ancestrais e da influência de meras opiniões humanas; pois ao abordarmos esta questão, encontraremos alguns que declaram que a religião é a causa da elevação e da melhora do mundo, enquanto outros afirmam positivamente que ela representa um prejuízo e é uma fonte de degradação para a humanidade. Devemos dispensar a estas questões uma consideração cuidadosa e imparcial, de modo que nenhuma dúvida ou incerteza a seu respeito permaneça em nossas mentes.

Como vamos determinar se a religião tem sido a causa de avanço ou de retrocesso humano?

Vamos primeiro considerar os Fundadores das religiões - os Profetas - recapitular a história de Suas vidas, comparar as condições que precederam Seu aparecimento com as subseqüentes à Sua partida, observando os registros históricos e fatos irrefutáveis em vez de confiar em relatos tradicionais que estão sujeitos tanto à aceitação como à negação.

Um dos grandes Profetas foi Abraão que, como iconoclasta e Arauto da unicidade de Deus, foi banido de Sua terra natal. Ele fundou uma família sobre a qual desceram as bênçãos de Deus, e foi devido a esta base e determinação religiosa que a casa de Abraão progrediu e avançou. Através da graça divina, notáveis e brilhantes profetas vieram de Sua linhagem. Surgiram Isaac, Ismael, Jacó, José, Moisés, Arão, Davi e Salomão. A Terra Santa foi conquistada pelo poder do Convênio de Deus com Abraão, e alvoreceu a glória da sabedoria e soberania de Salomão. Tudo isto foi devido à religião de Deus que esta abençoada linhagem estabeleceu e sustentou. É evidente que, no decorrer da história de Abraão e Sua posteridade, isto foi a fonte de sua honra, progresso e civilização. Mesmo hoje, os descendentes de Sua casa e linhagem são encontrados em todo o mundo.

Há um outro aspecto mais significativo deste impulso e ímpeto religioso. Os filhos de Israel estiveram em servidão e cativeiro na terra do Egito durante quatrocentos anos. Eles se encontravam em estado de extrema degradação e escravidão sob a tirania e a opressão dos egípcios. Enquanto estavam em condições de pobreza abjeta, no mais baixo grau de humilhação, ignorância e servilismo, Moisés subitamente surgiu em seu meio. Embora fosse apenas um pastor, tamanha majestade, grandeza e eficiência manifestaram-se nEle através do poder da religião que Sua influência continua até hoje. Sua missão de Profeta foi estabelecida por toda a terra e a lei de Sua Palavra se tornou o fundamento das leis das nações. Este Personagem incomparável, sozinho e sem auxílio, resgatou os filhos de Israel do cativeiro através do poder da instrução e da disciplina religiosas. Ele os conduziu à Terra Santa e lá fundou uma grande civilização que se tornou permanente e renomada, e sob a qual este povo atingiu o mais elevado grau de honra e glória. Ele os libertou da escravidão e do cativeiro. Imbuiu-os de qualidades de progressividade e capacidade. Eles se tornaram um povo civilizado, com talentos para educação e erudição. Sua filosofia se tornou renomada; sua diligência foi celebrada entre as nações. Conquistaram distinção em tudo que caracteriza um povo progressista. No esplendor do reinado de Salomão, suas ciências e artes avançaram a tal ponto que até os filósofos gregos viajavam a Jerusalém para se sentar aos pés dos sábios hebreus e assimilar os fundamentos da lei israelita. De acordo com a história oriental, este é um fato estabelecido. Até mesmo Sócrates visitou os doutores judeus na Terra Santa, associando-se a eles e discutindo os princípios e bases de sua crença religiosa. Depois de seu retorno à Grécia, ele formulou seus ensinamentos filosóficos da unidade divina e expôs sua crença na imortalidade do espírito após a desintegração do corpo. Sem dúvida, Sócrates absorveu estas verdades dos sábios judeus com os quais entrou em contato. Hipócrates e outros filósofos gregos também visitaram a Palestina e adquiriram sabedoria dos profetas judeus, estudando as bases da ética e da moralidade, retornando ao seu país com as contribuições que tornaram famosos os gregos.

Quando um movimento fundamentalmente religioso fortalece uma nação fraca, transforma um povo tribal comum numa grande e poderosa civilização, resgata-o do cativeiro e o eleva à soberania, transforma sua ignorância em conhecimento e o dota de um ímpeto para progredir em todos os graus de desenvolvimento (isto não é teoria, mas fato histórico), torna-se evidente que a religião é a causa de o homem atingir honra e sublimidade.

Mas, ao falarmos de religião, referimo-nos ao fundamento ou realidade essencial da religião e não aos dogmas e cegas imitações que gradativamente a encobrem e causam o declínio e a extinção de uma nação. Estas são inevitavelmente destrutivas e constituem uma ameaça e um obstáculo à vida da nação - tal como está registrado na Torá e confirmado pela história de que quando os judeus foram agrilhoados pelas formas vazias e imitações, a ira de Deus se tornou manifesta. Quando eles abandonaram os fundamentos da lei de Deus, Nabucodonosor chegou e conquistou a Terra Santa. Ele matou e escravizou o povo de Israel, arrasou o país de cidades populosas e incendiou aldeias. Setenta mil judeus foram levados cativos a Bábilônia. Ele destruiu Jerusalém, espoliou o grande Templo, profanou o Sagrado Santuário e queimou a Torá, o sagrado livro das Escrituras. Por isso, aprendemos que submissão ao fundamento essencial das religiões divinas é sempre a causa de desenvolvimento e progresso, ao passo que o abandono e o obscurecimento daquela realidade essencial em favor de cegas imitações e adesão a crenças dogmáticas são a causa de aviltamento e degradação de uma nação. Depois de serem conquistados pelos Bábilônios, os judeus foram sucessivamente subjugados pelos gregos e pelos romanos. No ano 70 A.D., sob as ordens do general romano Tito, a Terra Santa foi devastada e pilhada, Jerusalém arrasada até suas fundações e os israelitas espalhados pelo mundo todo. Tão completa foi sua dispersão que eles permaneceram sem pátria e governo até os dias de hoje. *

* O atual Estado de Israel só seria fundado mais tarde, em 1948. (n.t.)

Examinando a história do povo judeu, aprendemos que o fundamento da religião de Deus, instituída por Moisés, foi a causa de sua eterna honra e prestígio nacional, o impulso animador de seu progresso e supremacia racial e a fonte daquela excelência que sempre despertará respeito e reverência daqueles que compreendem seu destino e realização peculiares. Os dogmas e as cegas imitações que pouco a pouco obscurecem a realidade da religião de Deus tornaram-se influências destrutivas de Israel, causando a expulsão deste povo eleito da Sagrada Terra de seu Convênio e promessa.

Qual é, então, a missão dos Profetas divinos? Sua missão é educar e propiciar o progresso do mundo humano. Eles são os verdadeiros Professores e Educadores, os Instrutores universais do gênero humano. Se desejarmos descobrir se qualquer uma dessas grandes Almas ou Mensageiros foi realmente um Profeta de Deus, teremos de investigar os fatos que cercam Sua vida e história, e o primeiro ponto de nossa investigação será a educação que Ele conferiu à humanidade. Se Ele foi um Educador, se Ele realmente instruiu uma nação ou povo, elevando-o das mais baixas profundezas da ignorância até a mais alta posição de conhecimento, então teremos certeza de que Ele foi um Profeta. Este é um método e procedimento claro e evidente, uma prova irrefutável. Não temos qualquer necessidade de buscar outras provas. Não precisamos mencionar milagres, dizendo que a pedra fez jorrar água, pois tais milagres e afirmações podem ser negadas e refutadas por aqueles que as ouvem. Os atos de Moisés são evidências conclusivas de Sua condição de Profeta. Se uma pessoa for justa, imparcial e desejosa de investigar a realidade, sem dúvida dará testemunho do fato de que Moisés foi verdadeiramente um homem de Deus e um grande Personagem.

Numa consideração adicional a este assunto, gostaria que fôsseis justos e razoáveis em vosso julgamento, deixando de lado todos os preconceitos religiosos. Devemos buscar com sinceridade e investigar cuidadosamente as realidades, reconhecendo que o propósito da religião de Deus é a educação a humanidade e a unidade e solidariedade do gênero humano. Além disso, estabeleceremos o ponto de que os fundamentos das religiões de Deus são um só fundamento. Este fundamento não é múltiplo, pois é a própria realidade. A realidade não admite multiplicidade, embora cada uma das religiões divinas seja divisível em duas partes. Uma diz respeito ao mundo da moralidade e à educação ética da natureza humana. É direcionada ao progresso do mundo humano em geral; revela e inculca o conhecimento de Deus e torna possível a descoberta das verdades da vida. Este é o ensinamento espiritual e ideal, a qualidade essencial da religião divina, e não sujeita a mudança e transformação. É o fundamento único de todas as religiões de Deus.Portanto, as religiões são essencialmente uma e a mesma.

A segunda classificação ou divisão se refere a leis e regulamentos sociais aplicáveis à conduta humana. Esta não é a qualidade espiritual essencial da religião. Ela está sujeita a mudança e transformação de acordo às exigências e requisitos de tempo e lugar. Por exemplo, no tempo de Noé certas exigências tornaram necessário que todos os frutos do mar fossem permitidos e lícitos. No tempo da missão profética de Abraão, devido a certas necessidades, foi considerado admissível que um homem se casasse com sua tia, tal como Sara era irmã da mãe de Abraão. Na época de Adão foi permitido a um homem casar-se com sua própria irmã, assim como Abel, Caim e Set, os filhos de Adão, casaram-se com suas irmãs. Mas na lei do Pentateuco, revelada por Moisés, esses tipos de casamentos foram proibidos e sua prática e sanção ab-rogadas. Outras leis anteriormente válidas foram anuladas na época de Moisés. Na época de Abraão, por exemplo, foi permitido comer carne de camelo, mas no tempo de Jacó isto foi proibido. Tais mudanças e transformações nos ensinamentos da religião são aplicáveis às condições do dia-a-dia, mas não são importantes ou essenciais. Moisés viveu no deserto do Sinai, onde o crime precisava de punição imediata. Não havia penitenciárias ou condenações à prisão. Por isso, de acordo com as exigências do tempo e do lugar, a lei de Deus era olho por olho e dente por dente. Não seria praticável fazer cumprir esta lei na época atual - por exemplo, cegar alguém que tivesse acidentalmente cegado outro. Na Torá há muitos mandamentos referentes à punição de um assassino. Não seria admissível ou possível cumprir esses mandamentos hoje. As condições e exigências humanas são tais que, mesmo a questão da pena capital - a penalidade que a maioria das nações continuou a manter para o assassinato - está agora sendo discutida por sábios quanto à sua conveniência. De fato, leis para as condições do dia-a-dia são válidas apenas temporariamente. As exigências da época de Moisés justificavam que a mão de uma pessoa fosse cortada por roubo, mas tal penalidade não é admissível hoje. O tempo muda as condições, e as leis mudam para ajustar as condições. Devemos nos lembrar que estas leis que mudam não são as essenciais da religião; são as contingentes. Os mandamentos essenciais estabelecidos por um Manifestante de Deus são espirituais; dizem respeito à moralidade e ao desenvolvimento ético do homem e à fé em Deus. Eles são ideais e necessariamente permanentes - expressões do fundamento único e não sujeitos a mudança ou transformação. Por isso, a base fundamental da religião revelada de Deus é imutável e invariável no decorrer dos séculos, não sujeita às condições mutáveis do mundo humano.

Cristo ratificou e proclamou o fundamento da lei de Moisés. Muhammad e todos os Profetas reafirmaram esse mesmo fundamento da realidade. Por isso, os objetivos e as realizações dos Mensageiros divinos têm sido sempre os mesmos. Eles foram a fonte de progresso da sociedade e a causa de honra e de civilização divina da humanidade, cujo fundamento é um só em todas as dispensações. É evidente, portanto, que as provas da validade e inspiração de um Profeta de Deus são os atos de realizações benéficas e a grandeza que dEle emanam. Se Ele demonstra ser o meio da elevação e da melhora do gênero humano, Ele é, sem dúvida, um Mensageiro verdadeiro e celestial.

Gostaria que fôsseis razoáveis e justos ao considerardes a seguinte afirmação:

Na época em que os israelitas foram dispersos pelo poderio do Império Romano e a vida dos hebreus como nação foi aniquilada pelos seus conquistadores - quando a lei de Deus parecia ter sido retirada de seu meio e o fundamento da religião de Deus fora aparentemente destruído - surgiu Jesus Cristo. Quando Ele Se levantou entre os judeus, a primeira coisa que fez foi proclamar a validade da manifestação de Moisés. Ele declarou que a Torá, o Velho Testamento, era o Livro de Deus e que todos os profetas de Israel eram verdadeiros e autênticos. Ele glorificou a missão de Moisés e, através de Sua proclamação, o nome de Moisés foi difundido pelo mundo todo. Por intermédio do Cristianismo, a grandeza de Moisés se tornou conhecida entre todas as nações. É um fato que, antes do aparecimento de Cristo, o nome de Moisés não havia sido ouvido na Pérsia. Na Índia, nada se conhecia do judaísmo e foi somente através da cristianização da Europa que os ensinamentos do Velho Testamento se espalharam naquela região. Na Europa toda não havia sequer um exemplar do Velho Testamento. Mas, considerai isto atenciosamente e julgai-o corretamente: por intermédio de Cristo e através da tradução do Novo Testamento, o pequeno volume do Evangelho, o Velho Testamento, a Torá, foi traduzido para seiscentos idiomas e difundido por todo o mundo. Os nomes dos profetas hebreus se tornaram palavras familiares entre as nações, as quais acreditavam que os filhos de Israel eram verdadeiramente o povo eleito de Deus, uma nação sagrada, especialmente abençoada e protegida por Deus, e que por isso os profetas que se levantaram em Israel foram fontes de revelação e brilhantes estrelas nos céus da vontade de Deus.

Por isso, Cristo realmente proclamou o judaísmo; pois Ele era um judeu e não oponente dos judeus. Ele não negou a missão profética de Moisés; ao contrário, proclamou-a e ratificou-a. Ele não invalidou a Torá, mas difundiu seus ensinamentos. Aqueles mandamentos de Moisés que se referiam a transações e condições sem grande importância sofreram transformação, mas os ensinamentos essenciais de Moisés foram ratificados e confirmados por Cristo, sem alteração. Ele não deixou nada inacabado ou incompleto. Do mesmo modo, através da suprema eficácia e poder da Palavra de Deus, Ele uniu a maioria das nações do Oriente e do Ocidente. Isto foi conseguido numa época em que estas nações se opunham umas às outras com hostilidade e contenda. Ele as conduziu ao abrigo da tenda da unicidade da humanidade. Educou-as até se tornarem unidas e harmoniosas e, através de Seu espírito de conciliação, romanos, gregos, caldeus e egípcios foram mesclados numa civilização complexa. Este maravilhoso poder e extraordinária eficácia da Palavra comprovam definitivamente a autenticidade de Cristo. Considerai como Sua soberania celestial continua permanente e duradoura. Esta, em verdade, é uma prova conclusiva e uma evidência manifesta.

De outro horizonte vemos surgir Muhammad, o Profeta da Arábia. Talvez não saibais que o primeiro pronunciamento de Muhammad à Sua tribo foi a seguinte declaração: "Em verdade, Moisés foi um Profeta de Deus e a Torá é um Livro de Deus. Ó povo, em verdade deveis acreditar na Torá, em Moisés e nos profetas. Deveis aceitar todos os profetas de Israel como autênticos." No Alcorão, a Bíblia islâmica, há sete relatos ou repetições da narrativa mosaica e, em todos os relatos históricos, Moisés é louvado. Muhammad anunciou que Moisés foi o maior dos Profetas de Deus, que Deus O guiou no deserto do Sinai, que através da luz orientadora Moisés atendeu aos chamados de Deus, que Ele era o Interlocutor de Deus e o portador das tábuas dos Dez Mandamentos, que todas as nações contemporâneas do mundo se levantaram contra Ele e que, finalmente, Moisés os venceu, pois a falsidade e o erro sempre são sobrepujados pela verdade. Há muitos outros exemplos em que Muhammad confirma Moisés. Eu apenas estou mencionando uns poucos. Considerai que Muhammad nasceu entre as selvagens e bárbaras tribos da Arábia, viveu entre elas e era aparentemente iletrado e desinformado a respeito dos Livros Sagrados de Deus. O povo árabe se encontrava na máxima ignorância e barbárie. Eles sepultavam vivas as suas filhas ainda crianças, considerando isto uma evidência de natureza valorosa e sublime. Viviam em cativeiro e servidão, sob o jugo dos governos persa e romano, e foram espalhados pelo deserto, ocupados em constante luta e carnificina. Quando a luz de Muhammad alvoreceu, a escuridão da ignorância dispersou-se dos desertos da Arábia. Num curto período de tempo, aqueles povos bárbaros atingiram um grau tão superlativo de civilização que, com seu centro em Bagdá, estendeu-se em direção ao Ocidente até a Espanha e posteriormente exerceu uma influência maior na Europa. Que maior prova poderia haver para a missão profética, a menos que fechemos os olhos à justiça e permaneçamos opondo-nos obstinadamente à razão?

Hoje, os cristãos crêem em Moisés, aceitam-No como Profeta de Deus e Lhe dedicam o máximo louvor. Os muçulmanos, igualmente, crêem em Moisés, aceitam a autenticidade de Sua missão profética e ao mesmo tempo crêem em Cristo. Pode-se dizer que a aceitação de Moisés pelos cristãos e muçulmanos tenha sido prejudicial e perniciosa àqueles povos? Ao contrário, foi benéfica a eles, mostrando que eles foram sinceros e justos. Qual poderia ser então o prejuízo para os judeus, se em troca eles aceitassem Cristo e reconhecessem a autenticidade da missão profética de Muhammad? Através desta aceitação e louvável atitude, a inimizade e o ódio, que por tantos séculos afligiram a humanidade, seriam dissipados, o fanatismo e a carnificina desapareceriam e o mundo seria abençoado por unidade e concórdia. Cristãos e muçulmanos acreditam e admitem que Moisés foi o Interlocutor de Deus. Por que vós não dizeis que Cristo foi o Verbo de Deus? Por que não dizeis estas poucas palavras que acabarão com todas estas dificuldades? Assim não haverá mais ódio e fanatismo, não haverá mais guerra e derramamento de sangue na Terra da Promessa. Assim haverá paz entre vós para sempre.

Em verdade, eu agora vos declaro que Moisés foi o Interlocutor de Deus e um dos mais notáveis Profetas, que Moisés revelou a lei fundamental de Deus e fundou a verdadeira base ética da civilização e do progresso da humanidade. Que mal há nisto? Será que eu perdi algo ao vos dizer isto e como Bahá'í acreditar nisso? Ao contrário, isto me é benéfico; e Bahá'u'lláh, o Fundador do Movimento Bahá'í, confirma-me dizendo: "Tu foste íntegro e justo em teu julgamento; investigaste imparcialmente a verdade e chegaste a uma conclusão verdadeira; anunciaste tua crença em Moisés, um Profeta de Deus, e aceitaste a Torá, o Livro de Deus." Uma vez que me é possível varrer todas as evidências de preconceito ao fazer esta declaração de crença ampla e universal, por que não é possível a vós fazer o mesmo? Por que não pôr um fim a esta luta religiosa e estabelecer um laço de união entre os corações dos homens? Por que os seguidores de uma religião não deveriam louvar o Fundador ou Mestre de outra? Os seguidores de outras religiões elogiam a grandeza de Moisés e admitem que Ele foi o Fundador do Judaísmo. Por que os hebreus se recusam a louvar e aceitar os outros grandes Mensageiros que apareceram no mundo? Que dano poderia haver nisto? Qual a objeção justa? Nenhuma. Nada iríeis perder por tal ato e tal declaração. Ao contrário, estaríeis contribuindo para o bem-estar do gênero humano. Estaríeis ajudando a estabelecer a felicidade do mundo humano. A honra eterna do homem depende da liberalidade desta era moderna. Já que nosso Deus é um só Deus e o Criador de todo o gênero humano, Ele provê e protege todos. Nós o reconhecemos como o Deus de bondade, justiça e misericórdia. Por que nós, Seus filhos e seguidores, deveríamos então lutar e guerrear, causando pesar e tristeza aos corações uns dos outros? Deus é amoroso e misericordioso. Sua intenção na religião sempre foi o laço de unidade e afinidade entre a espécie humana.

Louvado seja Deus! A época medieval de obscuridade já passou e este século de esplendor despontou, este século em que a realidade das coisas está se tornando evidente, em que a ciência está penetrando os mistérios do universo, a unicidade do mundo humano está sendo estabelecida e o serviço à humanidade é o supremo motivo de toda a existência. Deveremos permanecer imersos em nosso fanatismo e presos aos nossos preconceitos? É apropriado que permaneçamos presos e restritos a antigas lendas e superstições do passado, fiquemos obstruídos por crenças obsoletas e ignorâncias da idade das trevas, travando guerras religiosas, lutando e derramando o sangue, afastando-nos e repudiando uns aos outros? É digno? Não é melhor sermos amorosos e cordiais uns para com os outros? Não é preferível gozarmos de companheirismo e unidade, unirmo-nos em hinos de louvor ao Deus altíssimo, e glorificarmos todos os Seus Profetas em espírito de concórdia e verdadeira visão? Então, em verdade, este mundo se tornará um paraíso, e o prometido Dia de Deus alvorecerá. Então, de acordo com a profecia de Isaías, o lobo e o cordeiro beberão da mesma fonte, a coruja e o abutre se aninharão juntos nos mesmos ramos, e o leão e o novilho pastarão no mesmo prado. O que isto significa? Significa que as religiões furiosas e em contenda, credos hostis e crenças divergentes, haverão de se reconciliar e se unir, apesar de seus antigos ódios e antagonismos. Através da liberalidade da atitude humana necessária neste século radiante, eles hão de se unir em perfeita camaradagem e amor. Este é o espírito e o significado das palavras de Isaías. Jamais haverá o dia em que esta profecia venha a se cumprir literalmente, pois estes animais, pela sua própria natureza, não podem se misturar e se associar com cordialidade e amor. Por isso, esta profecia simboliza a unidade e a harmonia das raças, nações e povos que se unirão em atitude de inteligência, iluminação e espiritualidade.

Alvoreceu a era em que o companheirismo humano se tornará realidade.

Chegou o século em que todas as religiões se tornarão unidas.

Está às portas a dispensação na qual todas as nações gozarão das bênçãos da paz internacional.

Chegou o ciclo em que o preconceito racial será abandonado pelas tribos e povos do mundo.

Já teve início a época em que todas as pátrias irão se associar numa grande família humana.

Pois toda a humanidade habitará em paz e segurança ao abrigo do grande tabernáculo do único Deus vivente.

5
25 DE OUTUBRO DE 1912
Palestra no Hotel Sacramento
Sacramento, Califórnia
Registrada por Bijou Straun

Quando Cristo apareceu, certas almas abençoadas seguiram Seu exemplo. Eles ficavam com seu Mestre, sempre prestando atenção e observando Sua conduta, atos e pensamentos. Eles testemunhavam as perseguições que Lhe eram impostas e conheciam todos os eventos relacionados àquela maravilhosa vida - recipientes de Sua bondade e favores. Depois da ascensão de Cristo, eles se apressaram às várias regiões do mundo, difundindo amplamente os ensinamentos e instruções que Ele lhes havia dado. Através de sua devoção e esforços, outras regiões e nações distantes tomaram conhecimento dos princípios por Ele revelados.

O Oriente foi iluminado por intermédio deles, e a luz que inundou o Oriente, inundou também o Ocidente. Esta luz foi a causa de orientação para grandes multidões. Em muitos casos mostrou-se uma prevenção à guerra. Isto se evidencia na unificação e associação de várias nações - tais como Grécia, Roma, Egito, Síria, Caldéia e Assíria - as quais anteriormente haviam sido hostis umas em relação às outras. Por intermédio de Cristo, a unicidade do mundo humano foi proclamada e tornou-se causa de iluminação espiritual para a humanidade. Os sopros do Espírito Santo se tornaram efetivos nos corações das pessoas.

Ora, nós também viemos do Oriente, anunciando a vinda de Bahá'u'lláh que resplandeceu no horizonte do Oriente. Observamos Sua vida e contemplamos Seus feitos. Testemunhamos Suas provações e sofrimentos, vimos Seu aprisionamento e exílio. Temos perfeito conhecimento das perseguições que foram impostas à Sua abençoada Pessoa. Por isso, nós que somos Seus discípulos, fomos espalhados pelo mundo a fim de que Seus ensinamentos pudessem ser difundidos e ouvidos por todos. Que os povos recebam as boas-novas do alvorecer de Sua grandiosa dispensação, que se tornem conscientes das evidências divinas nEle manifestas, sejam informados dos maravilhosos acontecimentos de Sua admirável vida, da grandeza de Seu poder em enfrentar os reis do Oriente e da força de Seu espírito em erguer o estandarte da unicidade do mundo humano em todas as circunstâncias. Talvez tenhais ouvido ou lido a Seu respeito. Eu vos darei um breve relato de Sua vida para que sejais informados da história de Seu grande movimento e conheçais Seus ensinamentos.

Bahá'u'lláh era persa e descendia de linhagem proeminente. Durante Sua juventude, um Jovem chamado 'Alí-Muhammad surgiu na Pérsia. Ele foi intitulado o Báb, que significa porta ou portão. O portador deste título foi uma grande Alma que manifestou sinais e evidências espirituais. Ele resistiu aos critérios da época e viveu contrariamente aos costumes e hábitos da Pérsia. Ele revelou um novo sistema de fé contrário às crenças de Seu país e proclamou certos princípios que se opunham aos pensamentos do povo. Por isso, esse notável Personagem foi aprisionado pelo governo persa. Finalmente, por ordem do governo, Ele foi martirizado. O relato deste martírio, em resumo, é o seguinte: Ele foi suspenso numa praça como alvo, foi alvejado e morto. Este venerável Personagem antecipou o advento de outra Alma, a cujo respeito Ele disse: "Quando Ele vier, Ele vos revelará coisas mais grandiosas."

Assim, após o martírio do Báb, surgiu Bahá'u'lláh. O governo se levantou contra Ele. O clero da Pérsia se opôs a Ele, submetendo-O a severa perseguição. Suas propriedades foram confiscadas, Seus parentes e amigos mortos e Ele lançado numa masmorra. Por longo período, Ele foi aprisionado, acorrentado e sujeitado aos mais severos sofrimentos. Depois Ele foi exilado ao Iraque, ou Mesopotâmia, de lá para Constantinopla, sendo então transferido para Adrianópolis e finalmente para 'Akká, na Síria. * Ele passou vinte e quatro anos na prisão de 'Akká, onde sofreu as mais severas provações e privações, sem um dia ou noite de sossego e repouso. Apesar deste encarceramento e sofrimento, Ele manifestou o máximo poder e majestade espirituais. Embora preso, ele Se opôs a dois reis tiranos e finalmente sobrepujou ambos.

* Hoje 'Akká é parte integrante do Estado de Israel. (n.t.)

Logo depois de Seu encarceramento, Ele dirigiu Epístolas, ou Cartas, a todos os reis e governantes do mundo, convocando-os à paz universal, à unidade e fraternidade internacional. Entre estes soberanos se encontrava o xá da Pérsia, o qual havia sido a principal causa de Seu aprisionamento. Em Sua carta àquele soberano, Ele o censurou severamente e profetizou sua queda, dizendo: "Tu és um tirano; teu país será devastado e tua família será humilhada e aviltada." Ele escreveu ao Sultão da Turquia em termos semelhantes, dizendo: "Teu domínio será retirado de ti." As Epístolas aos reis e governantes, convocando-os à paz internacional, foram escritas por Bahá'u'lláh há cinqüenta anos. Tudo o que Ele escreveu veio a acontecer. Essas cartas foram publicadas em Bombaim há trinta anos e agora estão amplamente difundidas por todo o mundo. Em suma, Bahá'u'lláh suportou quarenta anos de vicissitudes, provações e dificuldades com o propósito de difundir Seus ensinamentos, que podem ser mencionados como se segue:

O primeiro ensinamento é que o homem deve investigar a realidade, pois a realidade é contrária a interpretações dogmáticas e imitações de formas de crenças ancestrais, às quais todas as nações e povos se apegam com tanta tenacidade. Estas cegas imitações são contrárias à base fundamental das religiões divinas, pois nos seus ensinamentos centrais e essenciais as religiões divinas se baseiam na unidade, amor e paz, ao passo que estas diferenças e imitações sempre foram causa de guerra, sedição e contenda. Por isso, todas as almas devem se considerar na obrigação de investigar a realidade. A realidade é uma; e quando encontrada, ela unificará a humanidade. A realidade é o amor de Deus. A realidade é o conhecimento de Deus. A realidade é a justiça. A realidade é a unicidade ou a solidariedade do gênero humano. A realidade é a paz internacional. A realidade é o conhecimento das verdades. A realidade unifica a humanidade.

Em suma, Seu tema foi que a realidade é o fundamento de todos os grandes sistemas religiosos do mundo. Ele convocou a ela todas as nações e povos do mundo. Por aceitarem a realidade de Suas palavras, nações hostis se tornaram unidas. Conflito, discórdia e contenda entre elas desapareceram; elas atingiram uma condição de completo amor. Hoje, aqueles que na Ásia aceitaram Seus ensinamentos e seguiram Seu exemplo, embora antes extremamente hostis e implacáveis uns com os outros, associam-se em irmandade e camaradagem. A discórdia e a hostilidade do passado cessaram entre eles. Por intermédio de Bahá'u'lláh, judeus, zoroastrianos, cristãos, muçulmanos e outros atingiram uma condição superlativa de amor e harmonia. Eles agora se associam como uma família. Eles investigaram a realidade. A realidade não aceita multiplicidade, nem está sujeita a divisão. Estes povos irreconciliáveis se tornaram unidos e reconciliados.

O segundo ensinamento de Bahá'u'lláh é o princípio da unicidade do mundo humano. Deus é uno; Seus servos são igualmente unos. Deus criou a todos; Ele é amoroso para com todos. Já que Ele é um Pai assim amoroso para todos, por que deveriam Seus filhos estar em desacordo? Por que deveriam guerrear e lutar? Como o Pai Celestial, nós devemos viver em amor e unidade. O homem é o templo de Deus, a imagem e semelhança do Senhor. Se alguém destruir o templo de Deus, certamente incorrerá no desagrado do Criador. Por esta razão, devemos conviver em amizade e amor. Bahá'u'lláh dirigiu-Se ao mundo humano, dizendo: "Em verdade, vós sois os frutos de uma só árvore e as folhas do mesmo ramo." Isto significa que todo o mundo humano é uma só árvore. As várias nações e povos são os ramos dessa árvore. Os indivíduos humanos são representados pelos brotos e flores. Por que deveriam estas partes de uma mesma árvore lutar e discordar umas das outras?

O terceiro ensinamento de Bahá'u'lláh concerne à paz universal entre as nações, entre as religiões, entre as raças e pátrias. Ele declarou que enquanto os preconceitos - sejam eles religiosos, raciais, patrióticos, políticos ou sectários - continuarem a existir entre a humanidade, a paz universal não poderá se tornar realidade no mundo. Desde o início da história do homem até os dias de hoje todas as guerras e derramamentos de sangue que ocorreram foram causadas por preconceitos religiosos, raciais, políticos ou sectários. Por isso, é evidente que enquanto estes preconceitos persistirem, o mundo humano não poderá atingir paz e tranqüilidade.

Entre os ensinamentos de Bahá'u'lláh, está a Sua declaração de que a religião deve ser a causa de amor e camaradagem, deve ser a fonte de unidade nos corações dos homens. Se a religião se tornar causa de inimizade e ódio, é evidente que a abolição da religião é preferível à sua proclamação; pois a religião é um remédio para os males humanos. Se o remédio for causa de enfermidade, certamente será aconselhável abandoná-lo.

Além disso, os ensinamentos de Bahá'u'lláh anunciam que a religião deve estar em conformidade com a ciência e a razão; de outro modo, ela é superstição; pois a ciência e a razão são realidades, e a própria religião é a Realidade Divina com a qual a verdadeira ciência e razão devem concordar. Deus concedeu ao homem o dom da mente para que ele possa avaliar todos os fatos ou verdades que lhe são apresentados e julgar se são razoáveis. Aquilo que estiver de acordo com sua razão pode ser aceito como verdade, ao passo que aquilo que a razão e a ciência não puderem aprovar deve ser descartado como imaginação e superstição, como ilusão e não realidade. Uma vez que as cegas imitações ou interpretações dogmáticas correntes entre os homens não se harmonizam com os postulados da razão, e a mente e a investigação científica não podem aceitá-los, há muitas almas no mundo humano hoje se afastam e negam a religião. Isto quer dizer que a imitação, quando avaliada à luz da razão, não corresponde ao seu padrão e requisito. Por isso, estas almas negam a religião e se tornam irreligiosas, ao passo que se a realidade das religiões divinas se lhes tornasse manifesta e os fundamentos dos ensinamentos celestiais lhes fossem revelados, harmonizando-se com os fatos e verdades evidentes, conciliando-se com o conhecimento científico e provas razoáveis, todos poderiam aclamá-los, e a irreligiosidade deixaria de existir. Deste modo, toda a humanidade pode ser conduzida ao fundamento da religião, pois a realidade é a verdadeira razão e ciência, enquanto tudo o que estiver em desacordo é mera superstição.

Os ensinamentos de Bahá'u'lláh proclamam também a igualdade entre o homem e a mulher, pois Ele declarou que todos são servos de Deus e dotados de capacidade para alcançar virtudes e dádivas. Todos são manifestações da misericórdia do Senhor. Na criação de Deus não há distinção alguma. Todos são Seus servos. Aos olhos de Deus não existe gênero. Aquele cujos atos são mais meritórios, cujas palavras são melhores, cujas realizações são mais úteis, está mais próximo de Deus e Lhe é mais querido, seja homem ou mulher. Quando observamos a criação, encontramos o princípio de macho e fêmea em todos os fenômenos da existência. No reino vegetal encontramos a figueira macho e a figueira fêmea, a palmeira macho e a palmeira fêmea, a amoreira macho e a fêmea, e assim por diante. Toda a vida vegetal é caracterizada por esta diferença de gênero, mas não há evidência alguma de distinção ou preferência. Ao contrário, existe perfeita igualdade. Do mesmo modo, há gênero no reino animal; mas não há qualquer distinção ou preferência. Há perfeita igualdade manifesta. O animal, privado da razão e da compreensão humanas, é incapaz de apreciar a questão do sufrágio ou de defender suas prerrogativas. O homem, dotado de sua elevada razão, capaz de realizações e de compreender a realidade das coisas, certamente não se permitirá deixar que uma grande parte da humanidade permaneça imperfeita e privada. Isto seria injustiça extrema. O mundo humano possui duas asas: o homem e a mulher. Enquanto estas duas asas não tiverem forças equiparadas o pássaro não voará. Até que a mulher atinja o mesmo grau do homem, até que ela desfrute da mesma arena de atividade, não haverá realizações maravilhosas para a humanidade; a humanidade não poderá percorrer seu caminho às alturas da verdadeira realização. Quando as duas asas ou partes se tornam equivalentes em força, gozando das mesmas prerrogativas, o vôo da humanidade será extremamente sublime e extraordinário. Por isso, a mulher deve receber a mesma educação que o homem e todas as desigualdades serem ajustadas. Assim, imbuído das mesmas virtudes que o homem, galgando todos os graus de realização humana, a mulher se igualará ao homem e, até que esta igualdade seja estabelecida, o verdadeiro progresso e realização não serão fáceis para a raça humana.

As razões evidentes por trás disso são as seguintes: por natureza, a mulher se opõe à guerra; ela é a advogada da paz. As crianças são criadas e cuidadas pelas mães que lhes dão os primeiros princípios da educação e se dedicam diligentemente a elas. Considerai, por exemplo, uma mãe que ternamente criou um filho durante vinte anos, até a idade da maturidade. Certamente ela não consentirá que esse filho seja dilacerado e morto em campo de batalha. Por isso, à medida que a mulher se equipara ao homem em poder e privilégios, com direito ao voto e controle no governo humano, com a máxima certeza a guerra cessará; pois a mulher é naturalmente a mais devotada e firme defensora da paz internacional.

Bahá'u'lláh ensina que a civilização material é incompleta e insuficiente, e que a civilização divina deve ser estabelecida. A civilização material diz respeito ao mundo da matéria ou dos corpos, mas a civilização divina é o reino da ética e da moralidade. A felicidade da humanidade é impossível a menos que a condição moral das nações evolua e as virtudes humanas atinjam um nível sublime. Os filósofos fundaram a civilização material. Os Profetas fundaram a civilização divina. Cristo foi o Fundador da civilização celestial. A humanidade recebe dos Profetas celestiais os benefícios da civilização material, bem como as da civilização espiritual. Através dos sopros do espírito Santo, Eles concedem a capacidade de alcançar extraordinário e louvável progresso, e a civilização celestial é impossível de ser atingida de outra maneira. Isto evidencia como a humanidade necessita de dádivas celestiais e, enquanto essas dádivas celestiais não forem recebidas, a felicidade eterna não pode ser alcançada.

Em suma, o propósito é este: os ensinamentos de Bahá'u'lláh são ilimitados, inumeráveis; o tempo não nos permitirá mencioná-los detalhadamente. O fundamento do progresso e da verdadeira prosperidade no mundo humano é a verdade, pois a verdade é o padrão divino e a dádiva de Deus. A verdade é racional, e racionalidade sempre conduz o homem a uma posição honrosa. A verdade é a orientação de Deus. A verdade é a causa de iluminação do gênero humano. A verdade é amor, sempre se dedicando ao bem-estar da humanidade. A verdade é o laço que une os corações. Isto sempre eleva o homem a estágios mais altos de progresso e realização. A verdade é a unidade da humanidade, conferindo vida eterna. A verdade é perfeita igualdade, o fundamento da harmonia entre as nações, o primeiro passo em direção à paz internacional.

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26 DE OUTUBRO DE 1912
Palestra no Salão de Reuniões do Hotel Sacramento
Sacramento, Califórnia
Registrada por Bijou Straun

Eu visitei vosso Capitólio e seus jardins. Nenhum outro Capitólio possui tão belos arredores. Assim como ele é imponente e notável entre todos os outros, o povo da Califórnia pode se tornar o mais nobre, perfeito e altruísta do mundo. A Califórnia é realmente uma terra abençoada. O clima é temperado, o sol sempre brilha, as frutas são abundantes e deliciosas. Todos os favores exteriores são evidentes aqui. Os californianos são um povo nobre; por isso, farão extraordinário progresso e se tornarão renomados pelas suas virtudes.

Hoje, a questão de importância suprema no mundo é a paz internacional. O continente europeu é como um arsenal, um paiol de explosivos pronto para explosão, e uma só faísca incendiará a Europa inteira, particularmente nesta época em que a questão balcânica se apresenta ao mundo. Mesmo agora, a guerra assola furiosamente alguns lugares, o sangue de pessoas inocentes está sendo derramado, crianças são feitas cativas, mulheres são deixadas desamparadas e lares destruídos. Por isso, a maior necessidade do mundo hoje é a paz internacional. A época é propícia. É tempo da abolição da guerra e da unificação das nações e governos. É tempo para o amor. É tempo de unir o Oriente e o Ocidente.

Como os californianos parecem ser amantes da paz e possuem grande mérito e capacidade, eu espero que defensores da paz possam aumentar dia a dia entre eles, até que toda a população se ocupe com este benéfico empreendimento. Que os homens de negócios nesta democracia possam erguer o estandarte da conciliação internacional. Que objetivos e pensamentos altruístas se irradiem deste centro para todas as regiões da terra e que a glória desta realização venha a coroar para sempre a história deste país. Que a primeira bandeira da paz internacional seja erguida neste estado. Que a primeira luz da realidade resplandeça gloriosamente deste solo. Que este centro, esta capital, possa se distinguir em todos os níveis de realização, pois as virtudes da humanidade e as possibilidades do progresso humano são ilimitadas. Não há um término para elas, e, qualquer que seja o nível que a humanidade atinja, há sempre níveis além dele. Não há realização no reino contingente da qual se possa dizer: "Não há qualquer outra condição de existência e perfeição além desta", ou "Isto chegou ao grau superlativo." Não importa quão perfeito possa parecer, sempre há um grau mais elevado de realização a ser alcançado. Portanto, não importa quanto a humanidade possa avançar, existem sempre posições mais elevadas a serem alcançadas, pois as virtudes são ilimitadas. Há uma consumação para tudo exceto para as virtudes e, embora este país tenha alcançado progresso extraordinário, espero que suas realizações possam ser imensuravelmente maiores, pois as graças divinas são infinitas e ilimitadas.

Alguns acreditam que as graças divinas estão sujeitas a parar. Pensam, por exemplo, que a revelação de Deus, o esplendor de Deus e Suas graças chegaram a um fim. Esta é uma idéia evidentemente equivocada em si mesma, pois nenhuma delas está sujeita a terminar. A Realidade divina é como o sol e a revelação é como seus raios. Se dissermos que as graças de Deus não são perpétuas, seremos forçados a crer que a Divindade pode chegar a um fim, ao passo que a Realidade divina abrange todas as virtudes e é perfeita devido a estas virtudes. Se não possuísse todas estas perfeições ou virtudes não poderia ser a Divindade. O sol é o sol por causa de seus raios, sua luz e calor. Se pudesse ser despojado deles, não seria o sol. Por isso, se dissermos que a Divindade ou a soberania de Deus são contingentes e sujeitas a terminar, devemos forçosamente pensar que a própria Divindade é contingente, sem fundamento e não essencial.

Deus é o Criador. A palavra criador pressupõe ou conota criação. Deus é o Provedor. A palavra provedor implica alguém que receba provisão. Outro nome do Criador é o Ressuscitador, o qual requer a existência de criaturas a serem ressuscitadas. Se Ele não fosse o Provedor, como se poderia conceber criaturas que recebam Sua graça? Se Ele não fosse o Senhor, como se poderia conceber súditos? Se Ele não fosse o Conhecedor, como se poderia conceber coisas conhecidas? Se disséssemos que em eras passadas houve um tempo em que Deus não possuía Sua criação, ou que houve um começo para o mundo, isto seria a negação da criação e do Criador. Ou, se declarássemos que pode vir um tempo em que as graças divinas deixarão de emanar, estaríamos virtualmente negando a existência da Divindade. É como se o homem pudesse conceber um rei sem país, exército, tesouro e tudo aquilo que constitui a soberania ou o reino. É possível conceber tal soberano? Um rei deve possuir um domínio, um exército e tudo que se refere a soberania, a fim de que sua soberania possa ser uma realidade. O mesmo acontece com a realidade da Divindade que envolve todas as virtudes. Tal soberania é imperecível e tal criação não tem começo nem fim.

Entre as graças de Deus, está a revelação. Por esta razão a revelação é progressiva e contínua. Ela nunca pára. É necessário que a Realidade divina, com todas as suas perfeições e atributos, resplandeça no mundo humano. A Realidade divina é como um oceano ilimitado. A revelação pode ser comparada à chuva. Podeis imaginar a cessação da chuva? Sempre, em algum lugar sobre a face da terra, está chovendo. Em suma, o mundo da existência é progressivo. Ele está sujeito a desenvolvimento e crescimento. Considerai como tem sido grande o progresso neste século radiante. A civilização desabrochou. As nações se desenvolveram. A indústria e a jurisprudência se expandiram. As ciências, invenções e descobertas cresceram. Tudo isto mostra que o mundo da existência está continuamente progredindo e se desenvolvendo; e, por isso, as virtudes que caracterizam a maturidade do homem certamente devem, da mesma forma, expandir-se e crescer.

A maior dádiva de Deus ao homem é a capacidade de adquirir virtudes humanas. Por isso, os ensinamentos da religião devem ser reformados e renovados, pois os ensinamentos do passado não são apropriados ao tempo presente. Por exemplo, as ciências dos séculos passados não se adequam à atualidade porque a ciência passou por reformas. A indústria do passado não assegura a atual eficiência porque a indústria evoluiu. As leis do passado estão sendo substituídas porque não são aplicáveis a esta época. Todas as condições materiais do mundo humano sofreram transformações, desenvolveram-se, e as instituições do passado não podem ser comparadas às desta época. As leis e instituições dos governos do passado não podem estar em vigor hoje, pois a legislação deve estar em conformidade com as necessidades e requisitos da sociedade desta época.

Isto ocorreu também com os ensinamentos religiosos há tanto tempo anunciados nos templos e igrejas, porque eles não se baseiam nos princípios fundamentais da religião de Deus. Em outras palavras, o fundamento da religião divina foi obscurecido e aderiu-se a aparências e cerimônias não essenciais - ou seja, o cerne da religião aparentemente desapareceu e somente a casca permaneceu. Em conseqüência, foi necessário que a base fundamental de todo o ensinamento religioso fosse restaurada, que o Sol da Realidade, que se pôs, desponte novamente, que a primavera que em épocas passadas reanimou a arena da vida surja novamente, que a chuva que cessou volte a cair, que as brisas que se aquietaram voltem a soprar.

Por isso, Bahá'u'lláh apareceu no horizonte oriental e restabeleceu o fundamento essencial dos ensinamentos religiosos do mundo. As desgastadas crenças tradicionais, correntes entre os homens, foram removidas. Ele fez com que viessem a existir companheirismo e concórdia entre os representantes das diversas denominações, de modo que o amor se tornou manifesto entre religiões oponentes. Ele criou uma condição de harmonia entre seitas hostis e ergueu a bandeira da unicidade do mundo humano. Estabeleceu a base para a paz internacional, fez os corações das nações se unirem e conferiu nova vida aos vários povos do Oriente. Entre os que seguem os ensinamentos de Bahá'u'lláh, ninguém diz: "Eu sou persa", "Eu sou turco", "Eu sou francês" ou "Eu sou inglês". Ninguém diz: "Eu sou muçulmano, defendendo a única religião verdadeira", "Eu sou cristão, leal às minhas crenças tradicionais e herdadas", "Eu sou judeu e sigo as interpretações talmúdicas" ou "Eu sou zoroastriano e me oponho a todas as outras religiões". Ao contrário, todos foram resgatados dos preconceitos religiosos, raciais, políticos e patrióticos, e hoje se associam com tal camaradagem e amor que se participardes de uma de suas reuniões sereis incapazes de observar qualquer distinção entre cristão e muçulmano, judeu e zoroastriano, persa e turco, árabe e europeu; pois suas reuniões são baseadas nos fundamentos essenciais da religião, e verdadeira unidade foi estabelecida entre eles. Os antigos antagonismos desapareceram; os séculos de sectarismo e ódio terminaram; o período de aversão cessou; as condições medievais de ignorância deixaram de existir.

Verdadeiramente, o século de luz despontou, as mentes estão avançando, as percepções se ampliam, as realizações das potencialidades humanas se tornam universais, as suscetibilidades se desenvolvem, as descobertas das realidades progridem. Por isso, é necessário que deixemos de lado todo preconceito e ignorância, abandonemos crenças antiquadas nas tradições das épocas passadas e levantemos o estandarte da concórdia internacional. Vamos cooperar com amor e, através de reciprocidade espiritual, desfrutar paz e felicidade eternas.

XXIII
PALESTRAS PROFERIDAS
POR 'Abdu'l-Bahá EM
CHICAGO
1
31 DE OUTUBRO DE 1912
Palestra no Hotel Plaza
Chicago, Illinois
Registrado por Gertrude Buikema

Em Los Angeles e São Francisco, jornais, universidades e igrejas manifestaram grande interesse pelos ensinamentos de Bahá'u'lláh. Nossas palestras foram longas, a mensagem da Causa foi proclamada e argumentos e evidências foram apresentados. Não houve qualquer discordância. Todos ouviram as boas-novas em completa aquiescência e o elogio foi unânime, inclusive da parte dos ministros.

Em Los Angeles e São Francisco, os amigos são muito firmes no Convênio. Se eles sentem a menor violação por parte de alguém, eles o evitam inteiramente, pois sabem que tal pessoa está empenhada em extinguir a lâmpada da Fé acendida pela luz do Convênio, produzindo assim enfraquecimento e indiferença na Causa divina. Por exemplo, os firmes ensinam a uma pessoa. Depois, os violadores* a procuram e instilam suspeita até ela se tornar desinteressada. Houve violadores aqui em Chicago durante vinte anos. O que eles fizeram? Nada. Foram eles capazes de ensinar a alguém? Foram capazes de falar em igrejas ou se dirigir a audiências em algum outro lugar? Foram capazes de tornar alguém firme na Causa? Eles nada fazem senão extinguir a lâmpada que nós acendemos. Os amigos em São Francisco são extremamente firmes. Não recebem violadores em suas casas. Recentemente um dos violadores foi àquela cidade. Os amigos Bahá'ís o mandaram embora, dizendo: "Você não pertence a nós; por que está tentando se infiltrar entre nós?" Hoje, o mais importante princípio de fé é a firmeza no Convênio, pois firmeza no Convênio evita divergências. Por isso, deveis ser firmes como montanhas.

Depois da partida de Cristo, houve muitos que ajudaram a criar facções, cismas e discussões. Tornou-se difícil saber quem estava seguindo o caminho certo. Um desses perturbadores foi Nestório, um sírio que proclamou que Cristo não foi um Profeta de Deus. Isto criou uma divisão e seita chamada nestorianismo. Os católicos declararam Jesus Cristo como o Filho de Deus, proclamando-O como a própria Deidade. Os protestantes anunciaram a doutrina de que Cristo incorporou dois elementos: o humano e o divino. Em suma, foram criadas divisões na religião de Deus e não se sabia quem estava seguindo o caminho reto, pois não havia um centro designado a quem Cristo tivesse convocado todos, nenhum sucessor cujas palavras fossem conducentes à verdade. Se Cristo tivesse revelado um Convênio com alguma alma, ordenando a todos que se apegassem à sua palavra e interpretação como corretas, ficaria evidente qual crença e qual afirmação eram válidas e verdadeiras.

Uma vez que não houve alguém designado como o intérprete do Livro de Cristo, qualquer um reivindicava autoridade, dizendo: "Este é o verdadeiro caminho, os outros não são." Para evitar dissensões como estas e impedir que qualquer pessoa crie divisão ou seita, a Abençoada Perfeição, Bahá'u'lláh, determinou um Personagem central autorizado, declarando-O expositor do Livro. Isto quer dizer que as pessoas em geral não entendem o significado do Livro, mas que esta Pessoa designada entende. Por isso, Bahá'u'lláh disse: "Ele é o Intérprete de Meu Livro e o Centro de Meu Testamento." Nos versículos finais do Livro, há instruções reveladas que declaram: "Depois de Mim" deveis vos volver a Alguém especial e "tudo o que Ele disser é correto." No Livro do Convênio, Bahá'u'lláh declara que estes dois versículos se referem a este Personagem. Em todos os Seus Livros e Epístolas, Ele louvou os que são firmes no Convênio e repreendeu os que não são. Ele disse: "Em verdade, evitai aqueles que são instáveis no Convênio. Em verdade, Deus é o Confirmador dos que são firmes." Em Suas preces, Ele disse: "Ó Deus! Abençoa aqueles que são firmes no Convênio, e rebaixa aqueles que não são. Ó Deus! Sê o Protetor daquele que O protege, e confirma aquele que confirma o Centro do Convênio." Há muitos pronunciamentos contra os violadores do Convênio, cujo propósito é que nenhuma dissensão deve surgir na abençoada Causa; que ninguém diga "Minha opinião é esta"; e que todos saibam Quem é o Intérprete autorizado e que tudo o que Ele disser é correto. Bahá'u'lláh não deixou qualquer possibilidade de dissensão. Naturalmente há alguns que são antagônicos, alguns são seguidores de desejos egoístas, outros que se apegam às suas próprias idéias e ainda outros que desejam criar dissensão na Causa. Por exemplo, Judas Iscariotes era um dos discípulos, mas ele traiu Cristo. Isto aconteceu no passado, mas neste dia a Abençoada Perfeição declarou: "Esta Pessoa é o Intérprete de Meu Livro e todos devem se volver a Ele." O objetivo é prevenir dissensão e divergência entre Seus seguidores. Apesar dessa proteção e provisão contra desacordo, há certas almas aqui na América e algumas em 'Akká que violaram esta explícita ordem. Por vinte anos esses violadores nada conseguiram realizar. Conseguiram algo em Chicago? Os amigos daqui devem ser como os amigos de São Francisco. Sempre que sentirem a menor violação da parte de qualquer um, devem dizer: "Afaste-se! Não se associe a nós."

2
1º DE NOVEMBRO DE 1912
Palestra na Residência da Sra. Corinne True
Avenida Kenmore, 5338, Chicago, Illinois
Registrada por Gertrude Buikema

Estou bastante satisfeito com todas as pessoas aqui esta noite e muito feliz em encontrar os amigos de Deus e servas do Misericordioso. Louvado seja Deus! As faces estão radiantes e os corações atraídos ao Reino de Abhá. A fé está evidente nos semblantes de todos, e isto é uma fonte de júbilo. A Abençoada Perfeição, Bahá'u'lláh suportou sofrimentos e vicissitudes por quase cinqüenta anos. Não havia provação ou dificuldade pela qual Ele não tivesse passado, mas Ele suportou tudo com perfeito júbilo e alegria.

Aqueles que O contemplavam, estavam seguros de Sua grande alegria, pois nenhum traço de tristeza ou pesar podia ser visto em Sua face. Até mesmo na prisão Ele era como um rei entronizado com majestade e grandeza, e sempre Se portava com suprema confiança e dignidade. Quando oficiais e nobres do governo Lhe eram apresentados, imediatamente se tornavam respeitosos. Sua majestade e dignidade inspiravam respeito. Recordai que Ele era um prisioneiro - Ele estava na prisão. Ele sofreu provações e calamidades com o único propósito de nos iluminar e para que nossos corações pudessem ser atraídos ao Reino de Deus, nossas faces se tornassem radiantes com as boas-novas de Deus; para que nós pudéssemos ser imersos no oceano de luzes e ser como velas radiantes e esplendorosas, iluminando os recantos escuros e inundando as regiões com resplendor. Agora, quando eu olho ao redor, observo que - louvado seja Deus! - vossas faces estão brilhando, vossos corações estão repletos do amor de Deus e estais pensando sobre o serviço à Causa de Deus. Por isso estou muito contente em estar aqui, e espero que esta alegria possa estar convosco para sempre - uma condição eterna.

Nós visitamos São Francisco e de lá fomos a Los Angeles. Nestes lugares, encontramos os mais devotados amigos. Realmente fervorosos e acesos com o fogo do amor de Deus, seu único propósito é servir sempre ao Reino de Abhá. Espero que possais servir ainda mais fielmente e ter precedência sobre todos os outros amigos. Que o fogo do amor de Deus seja ateado em Chicago, que todas as cidades da América sejam inflamadas. Eis minha esperança.

Minha terceira visita aqui expressa a intensidade de meu anseio em vos ver e a amplitude de meu amor. Cogitou-se que eu deveria ir diretamente de São Francisco a Nova Iorque, e de lá para o Oriente; mas, impelido pelo meu extremo amor, visitei Chicago novamente para me associar a vós com camaradagem e fragrância. Espero que estas três visitas sejam bastante produtivas no futuro. Que vós todos vos torneis sinais de unidade; que cada um seja um estandarte de Bahá'u'lláh, que cada um brilhe como uma estrela e se torne estimado e honrado no Reino de Deus. Que possais alcançar tal condição de espiritualidade que as pessoas fiquem estupefatas, dizendo: "Verdadeiramente, estas almas são em si mesmas provas da autenticidade de Bahá'u'lláh, pois através de Sua educação elas foram completamente regeneradas. Estas almas são inigualáveis; elas são realmente o povo do Reino; elas se distinguem acima das pessoas que as cercam. Isto é realmente uma evidência de Bahá'u'lláh. Vede quão educadas e iluminadas elas se tornaram."

Quando esta Causa surgiu no Oriente, os amigos e seguidores se sacrificavam ao extremo, renunciando tudo. É um fato significativo e maravilhoso que, embora a coisa mais valiosa na terra seja a vida, ainda assim vinte mil pessoas se ofereceram voluntariamente no caminho do martírio. Recentemente, em Yazd, duzentos amigos Bahá'ís foram mortos com crueldade. Eles foram ao local do martírio no máximo êxtase e atração, sorrindo para seus perseguidores com alegria e gratidão. Alguns deles ofereceram guloseimas aos seus executores, dizendo: "Saboreia isto a fim de que, com doçura e prazer, possas nos conceder a abençoada taça do martírio." Entre esses amados e glorificados havia algumas mulheres que foram sujeitadas à mais cruel maneira de execução. Algumas foram esquartejadas; seus executores, não satisfeitos com tal carnificina, lançaram outras ao fogo e seus corpos foram consumidos. Durante todas essas terríveis provações, nem uma alma sequer entre os amigos Bahá'ís reclamou ou abjurou. Embora naquela cidade os Bahá'ís fossem corajosos e fortes, não ofereceram qualquer resistência. Em força física e coragem, um desses Bahá'ís poderia ter enfrentado muitos de seus inimigos, mas eles aceitaram o martírio em espírito de completa resignação e não-resistência. Muitos deles morreram gritando: "Ó Senhor! Perdoa-os; não sabem o que fazem. Se soubessem não cometeriam tal erro." Em meio às dores do martírio, eles voluntariamente ofereceram tudo que possuíam nesta vida.

Há certas profecias que afirmam que quando o estandarte de Deus surge no Oriente, seus sinais se tornam evidentes no Ocidente. Isto é realmente uma boa notícia e boa nova para vós. Tenho a esperança de que esta promessa possa ser cumprida em vós, e que todos sejam capazes de dar testemunho ao espírito e à verdade do anúncio profético, dizendo: "Verdadeiramente, o estandarte de Deus surgiu no Oriente e seus sinais resplandeceram no Ocidente." Esta realização será uma fonte de grande júbilo para todos os amigos do Oriente que antecipam as boas notícias e aguardam as boas-novas vindas do Ocidente. Com interesse, eles esperam ouvir que os amigos do Ocidente se tornaram firmes, que se distinguiram por estabelecer a unicidade do mundo humano, que estão até mesmo oferecendo suas vidas pelos alicerces da paz internacional, que se transformaram em luzes do Reino e se tornaram manifestações da misericórdia divina, que os amigos do Ocidente são a expressão dos favores da Abençoada Perfeição, as próprias estrelas da dádiva de Deus, as abençoadas árvores e flores do jardim de Sua pureza e santidade. Toda boa notícia proveniente daqui é motivo de júbilo no Oriente e fonte de profunda gratidão para eles. Eles promovem uma festa e louvam a Deus pelas abençoadas notícias. Se a ocasião exigisse, sem a menor hesitação eles dariam suas vidas por vós. Os amigos do Oriente estão todos unidos e em harmonia.

No Oriente, não há ninguém que vacile, ninguém que se oponha ao Convênio de Deus. Não há uma só alma entre os Bahá'ís da Pérsia que se oponha ao Convênio. São todos firmes. Se qualquer alma deseja falar nesta Causa, eles perguntam: "Esta palavra é sua própria ou é autorizada pelo Centro do Convênio? Se tem autorização do Centro do Convênio apresente-a. Onde está a carta dEle? Onde está Sua assinatura?" Se ele mostrar a carta eles a aceitarão. Caso contrário, eles dizem: "Não podemos aceitar suas palavras porque são provenientes de você e a você retornarão. Não temos nenhuma ordem da Abençoada Perfeição, Bahá'u'lláh, para obedecê-lo. Ele revelou um Livro em que pactuou conosco a obedecermos um designado Centro do Convênio. Não pactuou conosco para obedecermos a você. Portanto, sua afirmação é rejeitada. Você deve fornecer prova de sua autoridade e confirmação. Nós temos a ordem de nos volvermos a um Centro. Não obedecemos a vários centros. A Abençoada Perfeição fez um Convênio conosco, e nós nos seguramos a este Convênio e Testamento. Não damos ouvidos a qualquer outra coisa, pois podem surgir pessoas que falam por si próprias e nós temos a ordem de não lhes dar atenção."

Não foi isso que aconteceu nas dispensações anteriores. Cristo, por exemplo, não designou um centro de autoridade e de explanação. Ele não disse aos Seus seguidores: "Obedeçam àquele que Eu escolhi." Certa ocasião, Ele perguntou aos Seus discípulos: "E vós, quem dizeis que Eu sou?" Simão Pedro respondeu, dizendo: "Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo." Cristo, desejando tornar firme a fé de Pedro, disse: "Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei minha igreja", querendo dizer que a fé de Pedro era a verdadeira fé. Foi a confirmação da fé de Pedro. Ele não disse que todos deveriam se volver a Pedro. Ele não disse: "Ele é o ramo que saiu de minha raiz antiga." Ele não disse: "Ó Deus! Abençoa todos aqueles que servem a Pedro. Ó Deus! Humilha aqueles que não lhe são obedientes. Afasta aquele que é violador do Convênio. Ó Deus! Tu sabes que eu amo todos aqueles que são firmes no Convênio." Isto, no entanto, foi revelado em todos os Livros, Escritos e Epístolas de Bahá'u'lláh referentes ao designado Centro do Convênio desta dispensação. Por isso, a Dispensação Bahá'í distingue-se de todas as outras por este fato, sendo o propósito de Bahá'u'lláh que ninguém pudesse se levantar para criar divergências e desunião. Depois da partida de Cristo, várias seitas e denominações surgiram, cada uma reivindicando ser o verdadeiro canal da Cristandade, mas nenhuma delas possuía a autoridade por escrito de Cristo; nenhuma podia apresentar uma prova dEle; no entanto todas reivindicavam Sua sanção e aprovação. Bahá'u'lláh escreveu um Convênio e Testamento com Sua própria pena, declarando que todos devem se volver e obedecer Àquele que Ele designou o Centro do Convênio. Por isso, com a graça de Deus, Bahá'u'lláh deixou o caminho seguro. Ele explicou claramente todas as coisas e abriu todas as portas para o progresso das almas. Não há motivo algum para hesitação por parte de qualquer pessoa. O propósito do Convênio foi simplesmente o de prevenir desunião e divergências para que ninguém possa dizer: "A minha opinião é que é verdadeira e válida."

Qualquer opinião expressada pelo Centro do Convênio é correta, e não há motivo para desobediência da parte de ninguém. Sede vigilantes, pois talvez possa haver rompedores (náqidin) do Convênio entre vós. Não deis ouvidos a eles. Lede o Livro do Convênio. Foi ordenado a todos obedecerem ao Convênio, e a primeira admoestação é dirigida aos filhos de Bahá'u'lláh, os Ramos: "Deveis volver-vos ao designado Centro; Ele é o expositor do Livro."

Pode qualquer alma que violar e desobedecer tão claramente este mandamento, dizer que é bahá'í? Se alguém desobedecer ao explícito mandamento de Cristo, pode sinceramente dizer que é um cristão?

Ao concluir, gostaria de dizer que estou imensamente satisfeito com esta reunião. Orarei por vós, pedindo confirmação à Abençoada Perfeição. Louvado seja Deus! Deveis ser gratos por Ele vos haver escolhido dentre os povos do mundo, que tão gloriosa dádiva e tão infindáveis graças e favores vos foram especialmente concedidas. Não deveis olhar as realizações presentes, pois isto é apenas o começo, tal como foi no tempo de Cristo. Em breve, vereis que ireis vos distinguir entre todos os povos. As confirmações divinas vos apoiarão de todas as maneiras e o esplendor do Reino de Bahá'u'lláh iluminará vossas faces. Sede verdadeiramente gratos por todas estas bênçãos. Espero poder sempre ouvir boas notícias de vós, mostrando que os amigos de Chicago estão ocupados com o serviço da Causa divina, plenos de júbilo em promover a Palavra de Deus, empenhados em difundir os ensinamentos de Bahá'u'lláh e manifestando amor e bondade a toda a humanidade. Esta é a minha esperança e previsão. Estou certo de que vos esforçareis em realizar isto, de modo que os amigos na Pérsia e eu possamos nos regozijar com as boas-novas. Que possais ser fonte de alegria e felicidade para nós, uma fonte de tranqüilidade e serenidade.

XXIV
PALESTRA PROFERIDA
POR 'Abdu'l-Bahá EM
CINCINNATI
1
5 DE NOVEMBRO DE 1912
Palestra no Grand Hotel
Cincinnati, Ohio
De Notas Estenográficas

Como estamos em Cincinnati, cidade natal do presidente Taft, que prestou tão nobres serviços à causa da paz, farei uma declaração para o povo de Cincinnati e da América em geral. No Oriente, eu soube que há muitos amantes da paz na América. Por isso, deixei minha terra de origem para me associar aqui com aqueles que são os porta-estandartes da conciliação e concórdia internacionais. Tendo viajado de costa a costa, acho os Estados Unidos da América um país vasto e progressista, o governo justo e eqüitativo, a nação nobre e independente. Participei de muitas reuniões em que se tratou da paz internacional e fico sempre extremamente feliz em testemunhar os resultados de tais reuniões, pois um dos grandes princípios ensinados por Bahá'u'lláh é o estabelecimento da concórdia entre os povos do mundo. Ele estabeleceu e ensinou este princípio no Oriente há cinqüenta anos. Proclamou a unidade internacional, convocou as religiões do mundo à harmonia e reconciliação e estabeleceu a solidariedade entre muitas raças, seitas e comunidades. Naquele tempo, Ele escreveu Epístolas aos reis e governantes do mundo, instando-os a se levantarem e cooperarem com Ele na difusão desses princípios, dizendo que a estabilidade e o progresso da humanidade só poderiam ser realizados através da unidade das nações. Por intermédio de Seus esforços, este princípio de harmonia e concórdia universais foi demonstrado na prática na Pérsia e outros países. Hoje, na Pérsia, por exemplo, há muitas pessoas de várias raças e religiões que seguiram as exortações de Bahá'u'lláh e convivem em amor e camaradagem sem preconceitos religiosos, patrióticos ou raciais - muçulmanos, judeus, cristãos, budistas, zoroastrianos e muitos outros.

A América começou a difundir os ensinamentos da paz para incrementar a iluminação da espécie humana e conceder felicidade e prosperidade aos filhos dos homens. Estes são os princípios e evidências da civilização divina. A América é uma nação nobre, o porta-estandarte da paz no mundo todo, irradiando luz a todas as regiões. As outras nações não estão desimpedidas e livres de intrigas e complicações como os Estados Unidos; por isso, não são capazes de realizar a harmonia universal. Mas, a América - louvado seja Deus! - está em paz com o mundo todo e é digna de erguer a bandeira da fraternidade e da harmonia internacional. Quando isto acontecer, o resto do mundo há de concordar. Todas as nações se unirão para adotar os ensinamentos de Bahá'u'lláh, revelados há mais de cinqüenta anos. Em Suas Epístolas, Ele pediu aos parlamentos do mundo para enviarem seus melhores e mais sábios homens a uma conferência internacional que deveria decidir todas as disputas entre os povos e estabelecer a paz universal. Este seria o mais alto tribunal de apelação, e o parlamento humano, há tanto tempo sonhado por poetas e idealistas, tornar-se-ia realidade. Sua capacidade excederia à do tribunal de Haia.

Estou imensamente grato ao presidente Taft por ter expandido sua influência para o estabelecimento da paz universal. É muito bom ele ter conseguido estabelecer tratados com várias nações, mas quando tivermos o corpo interparlamentar composto por delegados de todas as nações do mundo, dedicando-se à manutenção da concórdia e boa vontade, o sonho de utopia de sábios e poetas, o parlamento humano, haverá de ser realizado.

XXV
PALESTRAS PROFERIDAS
POR 'Abdu'l-Bahá EM
WASHINGTON, D.C.
1
6 DE NOVEMBRO DE 1912
Palestra na Igreja Universalista

Esquina das Ruas Treze e L, Zona Noroeste, Washington, D.C.

Registrada por Joseph H. Hannen

Louvado seja Deus! O estandarte da liberdade se ergue alto nesta terra. Vós desfrutais liberdade política; tendes liberdade de pensamento e de palavra, liberdade religiosa, racial e pessoal. Certamente isto é digno de consideração e gratidão. Neste sentido, devo mencionar a liberdade, a hospitalidade e as boas-vindas que me foram universalmente concedidas durante as minhas recentes viagens por toda a América. Desejo, igualmente, retribuir plenamente as calorosas saudações e a atitude amistosa do reverendo doutor, pastor desta igreja, cuja amável e estimulante sensibilidade merece reconhecimento especial. Certamente os líderes de pensamento devem seguir o exemplo desta benevolência e boa vontade. O liberalismo é essencial nos dias de hoje - justiça e eqüidade para com todas as nações e povos. As atitudes humanas não devem ser limitadas; pois Deus é ilimitado e quem quer que seja servo do limiar de Deus deve, igualmente, ser livre de limitações. O mundo da existência é uma emanação do atributo misericordioso de Deus. Deus irradiou sobre os fenômenos da existência o esplendor de Sua misericórdia, e Ele é clemente e generoso a toda a Sua criação. Por isso, o mundo humano deve sempre ser o receptáculo das graças provenientes de Sua majestade, o eterno Senhor, tal como Cristo declarou: "Portanto deveis ser perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito." Pois Suas graças, como a luz e o calor do sol no céu material, descem igualmente sobre toda a humanidade. Conseqüentemente, o homem deve aprender a lição da bondade e benevolência do próprio Deus. Assim como Deus é gentil a toda a humanidade, o homem também deve ser gentil aos seus semelhantes. Se sua atitude for justa e amorosa em relação aos seus semelhantes, em relação a toda a criação, então será de fato digno de ser considerado a imagem e semelhança de Deus.

Há diferentes tipos de irmandade ou fraternidade. Pode ser associação familiar, a relação de intimidade da família. Esta é limitada e sujeita a mudança e ruptura. Quão freqüentemente, numa família, o amor e a harmonia se transformam em inimizade e antagonismo. Outra forma de fraternidade se manifesta no patriotismo. O homem ama seus semelhantes porque pertencem à mesma pátria. Esta é igualmente limitada e sujeita a mudança e desintegração, como quando os filhos da mesma pátria, por exemplo, opõem-se uns aos outros em guerra, carnificina e batalha. Há ainda outra irmandade ou fraternidade, a que surge da unidade racial, a unicidade de origem racial, criando laços de afinidade e amizade. Esta também tem suas limitações e está sujeita a mudança, pois muitas vezes se testemunha guerras e lutas mortais entre povos e nações da mesma linhagem racial. Há uma quarta espécie de fraternidade, a atitude do homem face à própria humanidade, o amor altruísta da espécie humana e o reconhecimento do laço humano fundamental. Esta, embora ilimitada, é suscetível a mudança e destruição. Nem mesmo deste laço de fraternidade universal se vê o resultado esperado. Qual é o resultado esperado? Amorosa bondade entre todas as criaturas humanas e uma firme e indestrutível fraternidade que inclua todas as possibilidades e expressões divinas na humanidade. Por isso, é evidente que esta fraternidade, amor e generosidade baseados na família, pátria, raça, ou uma atitude de altruísmo não são suficientes nem permanentes, visto que todos eles são limitados, restritos e sujeitos a mudança e ruptura. Pois na família há discórdia e alienação; entre filhos da mesma pátria se vê lutas e guerras civis; entre os da mesma raça há freqüente hostilidade e ódio; e, até mesmo entre os altruístas, as divergências de opinião e falta de abnegada devoção oferecem pouca promessa de unidade permanente e indestrutível entre a humanidade.

Por isso, o Senhor do gênero humano fez os Seus santos e divinos Manifestantes virem ao mundo. Ele revelou Seus Livros celestiais a fim de estabelecer a fraternidade espiritual e, através do poder do Espírito Santo, tornou possível a realização da fraternidade perfeita entre o gênero humano. E quando, por intermédio dos sopros do Espírito Santo, esta fraternidade e harmonia perfeita forem estabelecidas entre os homens - sendo espiritual esta fraternidade e amor, celestial esta amorosa bondade, e divinos estes laços estreitos - há de surgir uma unidade indissolúvel, imutável e jamais sujeita a transformação. É sempre a mesma e assim permanecerá eternamente. Considerai, por exemplo, a fundação da fraternidade estabelecida por Cristo. Observai como essa fraternidade conduziu à unidade e concórdia, e como ela fez diversas almas atingirem o mesmo nível, no qual voluntariamente sacrificaram suas vidas umas pelas outras. Estavam satisfeitas em renunciar posses e prontas a jubilosamente dar a própria vida. Conviviam com tal amor e companheirismo que Galeno, o famoso filósofo grego, mesmo não sendo cristão, em sua obra intitulada "O Progresso das Nações" disse que as crenças religiosas são altamente conducentes ao fundamento da verdadeira civilização. Como prova disso, ele disse: "Há certas pessoas contemporâneas a nós, conhecidas como cristãos. Elas possuem um grau superlativo de civilização moral. Cada uma delas é um grande filósofo, pois convivem em máximo amor e cordialidade. Sacrificam a vida umas pelas outras. Oferecem possessões terrenas umas em prol das outras. Pode-se dizer que os cristãos são como uma só pessoa. Há entre eles um laço de caráter indissolúvel."

É evidente, portanto, que o fundamento da verdadeira fraternidade, a causa da amorosa cooperação e reciprocidade e a fonte da verdadeira bondade e abnegada devoção nada mais são do que os sopros do Espírito Santo. Sem essa influência e disposição isto é impossível. Talvez possamos perceber algum grau de fraternidade através de outros motivos, mas estas são associações limitadas e passíveis de mudança. Quando a fraternidade humana se fundamenta no Espírito Santo, ela é eterna, imutável, ilimitada.

Houve um tempo em que em várias partes do Oriente a fraternidade, a amabilidade e todas as qualidades louváveis da humanidade pareciam haver desaparecido. Não havia qualquer sinal de fraternidade patriótica, religiosa ou racial, mas, em vez disso, prevaleciam o fanatismo, o ódio e o preconceito. Os adeptos de cada religião eram inimigos ferozes dos outros, cheios de espírito de hostilidade e ávidos por derramamento de sangue. A atual guerra nos Bálcãs oferece um paralelo destas condições. Considerai a carnificina, a ferocidade e a opressão que lá se manifestam, mesmo neste século iluminado - tudo isso se baseia fundamentalmente no preconceito e discórdia religiosa. Pois as nações envolvidas pertencem às mesmas raças e pátrias; no entanto são selvagens e impiedosas umas com as outras. Condições igualmente deploráveis prevaleceram na Pérsia no século dezenove. Obscurantismo e fanatismo ignorante grassavam; não havia qualquer traço de fraternidade e camaradagem entre as raças. Ao contrário, os corações humanos estavam cheios de fúria e ódio; escuridão e trevas estavam manifestas nas vidas e condições humanas por toda parte. Numa época como esta Bahá'u'lláh surgiu sobre o horizonte divino, como o esplendor do sol, e, naquela grande escuridão e desesperança do mundo humano, irradiou uma intensa luz. Ele estabeleceu a unicidade do mundo humano, declarando que todos os membros da espécie humana são como ovelhas, e Deus o verdadeiro Pastor. O Pastor é um só, e todos os povos são Seu rebanho.

O mundo humano é um, e Deus é igualmente bondoso para com todos. Qual é, então, a fonte de malevolência e ódio no mundo humano? Este verdadeiro Pastor ama todas as Suas ovelhas. Ele as conduz nas verdes pastagens. Ele as cria e protege. Qual é, pois, a fonte de inimizade e alienação entre o gênero humano? Qual o motivo deste conflito e contenda? A verdadeira causa subjacente é a falta de unidade e associação religiosa, pois em cada uma das grandes religiões encontramos superstição, cega imitação de credos, e adesão a fórmulas teológicas em vez dos fundamentos divinos, criando diferenças e divergências em meio ao gênero humano em vez de entendimento e solidariedade. Conseqüentemente, surgiram conflito, ódio e hostilidade baseados nessa divergência e divisão. Se investigarmos os fundamentos das religiões divinas, constataremos que são um só, absolutamente imutável e jamais sujeito a transformação. Por exemplo, cada uma das divinas religiões encerra dois tipos de leis e mandamentos. O primeiro se refere ao mundo da moralidade e instituições éticas. Estes são mandamentos essenciais. Instilam e despertam o conhecimento e o amor de Deus, o amor pela humanidade, as virtudes do mundo humano, os atributos do Reino divino, o renascimento e a ressurreição do reino da natureza. Constituem uma espécie de lei divina que é comum a todas e jamais está sujeita a mudança. Desde o alvorecer do ciclo adâmico até hoje esta lei fundamental de Deus continua imutável. Este é o fundamento da religião divina.

O segundo tipo inclui leis e instituições que provêem as necessidades e condições humanas de acordo com as exigências de tempo e lugar. Estas são contingentes e não são de importância essencial e nunca deveriam ter sido a causa e a fonte de conflito humano. No tempo de Moisés, por exemplo - que a paz esteja com Ele! - de acordo com as exigências daquele período, o divórcio foi permissível. Durante a época de Cristo, como o divórcio não estava em conformidade com o tempo e as condições, Jesus Cristo ab-rogou-o. No tempo de Moisés a pluralidade de esposas foi admissível, mas na época de Cristo a exigência que a sancionara não mais existia; por isso foi proibida. Moisés viveu no isolamento do deserto do Sinai; por isso, Suas leis e mandamentos estavam em conformidade com aquelas condições. A punição pelo roubo era cortar a mão da pessoa. Uma lei como essa era adequada à vida no deserto, mas não é compatível com as condições atuais. Tais leis constituem, portanto, a segunda categoria ou a não essencial das religiões divinas e não são de importância primordial, pois tratam das transações humanas que são sempre mutáveis de acordo